Neste lugar, João Ramalho fundou uma povoação; e, em 1553, aos 8 de Setembro, foi elevada á villa, sob o nome de Santq Andre, pelo segundo capitâo-mór loco-tenente António de Oliveira e pelo provedor da fazenda real Braz Cubas, ratificada em 1554 pelo donatário da capitania.
Mais tarde vieram o padre Manoel de Paiva, superior, o padre José de Anchieta, e outros. Fundaram o Colégio de São Paulo em janeiro de 1554; e, desde então, por causa da escravização dos gentios, começou a luta surda e latente entre os padres jesuítas e os que queriam especular com os infelizes nativos.
Entretanto, outra causa não deixara de concorrer originariamente para criar um certo conflito entre os padres da Companhia e os que acompanhavam a João Ramalho: - a fundação da vila de São Paulo, em prejuízo de Santo André. [Página 107]
A tribo Ururay ocuparia o território desde o vale de Ururay, da banda do norte, na serra de Paranapiacaba, seguindo o curso do Piquiroby (ora Rio Grande até que, encontrando o Rio Pequeno, toma o nome dos Pinheiros), a afluir no Anhemby (Tieté). A aldeia, portanto estaria á margem do Piquiroby, mais adiante, no vale de Ururay.
Alguns chronistas referem que os indigenas desta aldea foram transferidos posteriormente para S. Miguel que por isso foi denominado de Ururay; sendo capitão-mór, loco-tenente do então donatário Lopo de Souza, Jeronymo Leitão, o qual «concedeu-lhes terras por uma só sesmaria lavrada aos 12 de Outubro de 1580, na qual consignou aos Índios dos Pinheiros seis léguas em quadro na paragem chamada Carapicuiva, e outras tantas aos de S. Miguel em Ururay.
Parece que a antiga aldeia de Ururay de 1531, fora fraccionada em duas, logo que João Ramalho edificou a villa de Santo André e que os padres da Companhia de Jesus, fazendo demolir esta, fundaram a de S. Paulo, 1554
— 1560; pois que o titulo da sesmaria de 12 de Outubro de 1580 os presuppõe já estabelecidos nos dous lugares, Pinheiros e S. Miguel. E tanto mais provável é isso, quanto é sabido o costume dos indigenas de não manterem suas aldeãs muitos anos, no mesmo lugar.
Também Pedro Taques, Nobiliarchia Paulistana, na Revista do Instituto Histórico, Geográfico e Ethnographico do Brazil, XXXIV, parte primeira, página 31, referindo-se a João Pires, bisneto de Piqueroby, escreveu:
"Foi abundante em cabedaes, com estabelecimento de uma grandiosa fazenda de terras de cultura em uma légua de testada até o rio Macoroby, que lhe foi concedida de sesmaria em 1610, com o seu sertão para a serra de Juquery."
Quando os padres da Companhia de Jesus resolveram convidar os nativos para povoarem a sua vila de São Paulo, a fim de ser mais facilitada a catequese, não são mencionados senão Tebir-içá e Cayubi. E até o cronista (Gaspar da Madre de Deus), cujas primeiras narrações já foram transcritas, tratando da escolha do local para a fundação do Colégio da Companhia de Jesus, escreveu:
"Eram os campos de Pirá-tininga habitados nesse tempo por algumas tribos guayanás que obedeciam a Tebyreçá e Cayubi, os régulos que, consentindo no desembarque de Martim Afonso, perseveravam em lealdade para com os brancos, tudo em deferência a João Ramalho. Chegados os padres ao campo, e fitando na formosa miragem do país que ante eles se distendia, fizeram parada nas alturas sobranceiras ao rio Tamanduaethy e ribeiro Anhamgabahú, e ai levantaram um rustico aposento para abrigo, e em que celebrou-se missa a 25 de janeiro de 1554, dia em que se soleniza a conversão de São Paulo, que dai derivou seu nome a povoação que então se começou a edificar naquelas paragens; e, como para essa edificação dependia-se de gente afeita a tais trabalhos, convidaram os jesuítas a Tebyreçá e Cayubi para que com suas tribos viessem levantar seus alojamentos nas vizinhanças do sítio em que haviam feito seu aposento; e assim praticaram, estabelecendo-se Tebyreçá no local em que vê-se hoje o mosteiro de São Bento, e derramando-se os nativos pela área que depois serviu de assento á atual cidade.
Ha na História silêncios inexplicáveis. Está neste caso a obscuridade que rodeou a pessoa e o nome do chefe da tribo e aldeia de Ururay, Piqueroby, eis que Martim Afonso de Souza tomou posse do território Pirá-tininga e começou a distribuir sesmarias. Parece que Piquiroby já era falecido; e ou, aliás, foi o chefe que "não preservou em lealdade para com os brancos", visto que a cronica não refere senão três, Tebir-içá, Piquiroby e Cayubi, quando Martim Afonso de Souza aportou á Buriqui-óca, ou, por corrupção, Bertioga.
Em 1554, principio do mês de janeiro, por deferência a João Ramalho, enviou Manoel da Nóbrega 13 colegiais de São Vicente em companhia do coadjutor professo José de Anchieta, sob a direção do Padre Paiva, para estabelecerem um colégio nos campos de Piratininga.
No ano de 1554, mudou o padre Manuel da Nóbrega os filhos dos nativos ao campo, a uma povoação nova chamada Piratininga, que os nativos faziam por ordem do mesmo Padre para receberem a fé. Também mandou alguns 12 irmãos para que estudassem gramática e juntamente servissem de intérpretes para os nativos, e assim aqui se começou o estudo da gramática de propósito e a conversão do Brasil, porque naquela aldeia se ajuntaram muitos nativos daquela comarca e tinham doutrina ordinária pela manhã e á tarde e missa aos dias santos, e a primeira se disse no dia da conversão de São Paulo do mesmo ano e se começaram a batizar e casar e viver como cristãos, o qual até aquele tempo não se tinha feito nem na Baía nem em alguma outra parte da costa. [Cartas,informações, fragmentos históricos e sermões do Padre José de Anchieta (1554-1594), 1933. Páginas 315 e 316]
São Paulo, domingo, 24 de janeiro de 1943. A História do Brasil ainda está inçada de lacunas e obscuridades que, não poucas vezes, levam os próprios historiadores a cair no terreno arenoso das conjeturas e probabilidades. O enorme acervo documental, ainda inédito, existente nos arquivos brasileiros, portugueses, espanhóis, assim como o que se encontra em poder dos jesuítas — inacessível aos leigos— tem feito da nossa História uma obra inacabada e constantemente sujeita a corrigendas e alterações, algumas de caráter tão profundo que, muitas vezes, modificam radicalmente episódios tidos até então como incontestáveis e definitivos.
Acontece então que, pela ausência de uma documentação idônea, existente mas ignorada, surgem opiniões individuais perfilhadas por este ou aquele historiador a respeito de tais e tais acontecimentos mais ou menos importantes. E daí, como é fácil imaginar, se desencadeiam as controvérsias, em torneios que empolgam e que fascinam mas que, apesar de tudo, não resolvem nada. E, sobre o panorama impreciso de nossa História, permanecem as neblinas, que o calor das discussões não dilui, nem afasta.
Por exemplo: quando se fundou S. Paulo? Quem a fundou?
Na escola nos ensinaram que foi a 25 de janeiro de 1554, pelo padre José de Anchieta.
Isso é o que se sabia nos tempos amáveis em que ainda íamos à escola. Mas, depois, surgiram da poeira dos arquivos, documentos que vieram alterar aquilo que se estabeleceu como coisa certa, definitiva e indiscutível.
Em 1554, quando da fundação de São Paulo pelos Padres, já se contavam quatro aldeias vicentinas: São Vicente, Santos, Santo André, Itanhaém. Com excepção de Piratininga e de Santo André, "todas estas três vilas são pobres, de poucos mantimentos e gado, porém abundantes em açúcar". Mas Piratininga «é terra de grandes campos, fertilíssima em muitos pastos e gados de bois, porcos, cavalos, etc. e abastece de muitos mantimentos»; "os nossos comem de ordinário vaca, que é tenra e sadia, ainda que não muito gorda" informa Anchieta.
Estabelecidos os primeiros colonos no litoral, onde fundaram São Vicente e Santos, transpunham logo depois as costas abruptas da serra de Paranapiacaba, vindo localizar-se no Planalto. Ao lado de Santo André da Borda do Campo surgia a 25 de janeiro de 1554 São Paulo de Piratininga. Mas durante muitas décadas haveriam seus passos de ser morosos,tardios, e de permanecer mesmo isolada de suas vizinhas do litoral, e sobretudo da Metrópole. Enorme barreira se interpunha às suas relações com a marinha: a Serra do Mar, coberta pela mata densa, o indígena que nela se ocultava, alémdas escarpas inclementes. Só à custa de muita coragem e dispêndio de energias se conseguia vencê-la, aproveitando-se, assim mesmo, de velhas trilhas abertas pelo íncola em suas descidas ao mar para buscar peixe ou sal. Afinal, a dos tupiniquins, ou do padre José, como veio a chamar-se, acabou preddminando (1) .
De igual forma procedeu Caiubi, senhor de Geribatiba. Também foi batizado pelos jesuítas, tendo ganhado o nome de “João”. “Auxiliou-os na fundação de São Paulo: Os jesuítas convidaram Caiubi a estabelecer-se nas imediações do sítio escolhido”, diz Serafim Leite (2004-I: 93), no que é consonante com Frei Gaspar da Madre de Deus (1975:123-4). Segundo Antônio Alcântara Machado, em nota a Cartas... de Anchieta (1988:185), Caiubi assentou-se com sua gente "no extremo sul, próximo do sítio que depois se chamou Tabatagoera (hoje Tabatinguera)", onde tinha "sob sua guarda o caminho que do alto do espigão descia para a várzea e tomara para São Vicente por Santo André". Nóbrega, no Diálogo sobre a Conversão do Gentio (2000:246), considera Caiubi um exemplo de fé cristã: “Que direi da fé do grão velho Caiubi, que deixou sua aldeia e suas roças e se veio morrer de fome em Piratininga por amor de nós, cuja vida e costumes e obediência amostra bem a fé do coração”.