1° fonte: A escravização indígena e o bandeirante no Brasil colonial: conflitos, apresamentos e mitos, 2015. Manuel Pacheco Neto
Se, em 1576, onze índios trabalharam na Câmara (um número certamente pequeno se confrontado com a quantidade de cativos mandada por seus donos ao Tamanduateí), e, em 1581, vinte deles fizeram o caminho de Ibirapuera, verifiquemos agora a vultosa força de trabalho solicitada aos donos de escravos, na sessão da Câmara de São Paulo, em 23 de maio de 1584:
[...] os oficiais ordenaram que sejam feitos serviços de manutenção do caminho do Ipiranga, que é no rumo do caminho do mar, nomeando os moradores que lá tem fazenda: Antônio de Proença, Bartholomeu Fernandes, Belchior da Costa, Domingos Luis, Francisco de Brito, sendo que este último terá o encargo de chamar a todos e definir o dia para que os serviços sejam feitos, sendo que os que não cumprirem esta determinação pagarão cinco tostões para o conselho desta vila [...]
ficou também decidido na mesma sessão que todos os moradores que tem fazendas próximas à Ponte Grande deverão providenciar os trabalhos de manutenção da mesma, em data que será a eles informada por Paulo Ruiz, sendo que todos aqueles que não cumprirem a determinação pagarão cinco tostões ao conselho desta vila. Os moradores próximos à Ponte Grande São:
Joane Anes, Paulo Roiz, Antônio Preto, Francisco Preto, Domingos Fernandes, Diogo de Onhate, Pedro da Silva, Antônio Dias, Cristóvão Gonçalves, Salvador Pires, Gonçalo Pires, Pedro Dias e seus filhos e genros, Francisco Pires, Pedro Alves e Antônio Gomes [...] também sob pena de cinco tostões, o caminho de Ibirapuera deverá receber serviços de manutenção, por parte dos moradores de suas proximidades, a saber: Jorge Moreira, Silvestre Texta, Gonçalo Fernandes, Balthasar Ruiz, Diogo Teixeira, Marcos Fernandes, Balthazar Gonçalves, Bráz Gonçalves, Jerônimo Ruiz, Jerônimo da Cunha, Manoel Ribeiro, André Mendes, André de Burgos, Sebastião Leme, Manoel Fernandes, Luis Gomes, Pedro Alves, Antônio Saiavedra. Todos estes moradores serão chamados através de rol que será feito por Manoel Ribeiro, determinando o dia para que os serviços sejam feitos [...] a manutenção do caminho
de Pinheiros, também sob pena de cinco tostões ao conselho, deverá ser feita pelos seguintes moradores: Afonso Sardinha, Antônio Bicudo, Francisco da Gama, Fernão Dias, Domingos Gonçalves,
Gaspar Fernades, Álvaro Neto e Joaquim do Prado [...].
Esta ata é muito importante, pois nomeia as pessoas que possuem
propriedades ao longo de vários caminhos, obrigando-as a limpá-los através
do trabalho de seus escravos. No caminho do Ipiranga são arrolados cinco
moradores ou proprietários de terra; no caminho da Ponte Grande são listados
quinze; no de Ibirapuera dezoito e no de Pinheiros mais oito, perfazendo 46
donos de peças. Comumente, como talvez já tenha se tornado claro, a Câmara
fixava o cedimento de duas peças para quem possuía seis ou mais delas, exigindo
um único cativo daqueles cujas posses eram mais modestas, ou seja, inferiores
a seis peças. No caso específico de maio de 1584, a Câmara elencou parte dos
homens mais aquinhoados da vila de São Paulo — levando-se em conta os
nada pomposos padrões locais —, não especificando quantas peças cada um
deles deveria ceder. Dentre os arrolados, constam Afonso Sardinha, Antônio
Proença e Baltasar Rodrigues. O primeiro destes homens aqui mencionados é
célebre por sua abastança desproporcional, sendo considerado o ricaço de seu
tempo; o segundo também foi um potentado quase do mesmo jaez do primeiro;
o terceiro foi um respeitado e influente homem público, tendo inclusive
exercido o cargo de procurador do Conselho. O rol de quase cinco dezenas
de pessoas, feito pela Câmara, inclui ainda muitos outros nomes conhecidos,
figuras de proeminência no planalto, ligadas à política e ao próprio Conselho,
ocupantes de diversos cargos oficiais. Sem mencionar todos, temos nomes tais
como os de Antônio Preto, Diogo de Onhate, Cristóvão Gonçalves, Salvador
Pires, Gonçalo Pires, Jorge Moreira e Manoel Ribeiro. Essas considerações
são aqui tecidas para que possamos não dimensionar em termos exatos, mas
pensar a respeito do número de índios envolvidos no trabalho executado nos
quatro importantes caminhos já mencionados. Para tanto, organizemos nossas
cogitações considerando três possibilidades, prudentemente entendidas,
desde já, como passíveis de análise, uma vez que não estarão de acordo com
a exatidão numérica concernente à totalidade do grupo de peças enviado à
Ponte Grande, ao Ibirapuera, ao Ipiranga e a Pinheiros.