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o roubo das joias da coroa
14 de março de 1882, terça-feira. Há 142 anos
Ver Petrópolis/RJ em 1882
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A monarquia corrupta: o roubo das joias da coroa Por Hora do Povo Publicado em 27 de janeiro de 2020A Revista Illustrada, de Angelo Agostini, 29 de março de 1882CARLOS LOPESFoi em 14 de março de 1882 – ou, segundo outros, em 15 ou 16 de março.

Depois do baile pelo seu aniversário, as joias da imperatriz Teresa Cristina foram roubadas do Paço Imperial de São Cristóvão (aquele edifício, na Quinta da Boa Vista, no Rio, que, até o incêndio, foi o Museu Nacional).

A primeira notícia apareceu na “Gazeta de Notícias” de 19 de março de 1882, com o título em caixa alta: ROUBO NO PAÇO DE S. CRISTÓVÃO, e contava que, depois do baile, realizado no Paço da Cidade (na atual Praça XV), “Sua Majestade, a imperatriz, tirou as joias com que assistira a ele e mandou-as por um criado para o Paço de S. Cristóvão”.

O criado, por não ter a chave do cofre-forte do Paço de S. Cristóvão, guardou a caixa com as joias dentro de um armário, em uma sala nos aposentos do imperador, enquanto “Suas Majestades, como é sabido, seguiram para Petrópolis” (Gazeta de Notícias, idem).

No dia 18 de março, o criado “deu pelo arrombamento da porta da sala e verificou que o armário havia sido arrombado com uma pua e subtraída a caixa em que se achavam as joias”. A polícia foi notificada pelo próprio imperador, ao chegar de Petrópolis, através do ministro da Justiça – e entrou em ação:“Pendurada de um muro foi encontrada uma corda, como para indicar que por ali se dera a fuga do gatuno. Verificou-se, porém, que para tal não servira, pois era nova, não estava esticada, nem a hera que reveste o muro apresentava o menor vestígio de que por ela passasse alguém”. A essa altura, com a monarquia, desde a Revolta do Vintém, em 1880, cada vez mais desmoralizada, o roubo das joias foi enviado, pelo povo, para o terreno da galhofa: Pedro II já era o “Pedro Banana” das ruas cariocas. Agora, com um roubo dentro do seu próprio quarto… (vá lá, era uma sala em seus aposentos, mas qual a diferença, para quem só tem um quarto – ou nem isso tem?).Para desgraça do Império, o Chefe de Polícia da Corte, naquele momento, chamava-se Trigo de Loureiro (Ovídio Fernandes Trigo de Loureiro). Logo, o chefe da investigação, tenente Lírio, foi apelidado de “Louro do Trigueiro”, com a inevitável piada: “Dá cá o pé, meu louro”. Lírio prendeu dois criados do Paço (José Virgílio Tavares e Francisco de Paula Lobo), anunciando que resolvera o caso e que a confissão de Tavares e de Lobo era “uma questão de horas”.Mas eles não confessaram – e, ao final, concluiu-se que eram inocentes.Francisco de Paula Lobo era o portador a quem a imperatriz confiou sua caixa de joias (aliás, duas) para guardá-las no Paço de S. Cristóvão. José Virgílio Tavares estava presente – ou seja, foi testemunha – quando Lobo guardou as joias nos aposentos do imperador.Entretanto, por que Lobo não guardou as joias no cofre-forte?Porque a chave do cofre estava com outro criado, Pedro Paiva, que não foi encontrado naquela noite em que as joias foram guardadas. No dia 26 – doze dias após o baile em que a imperatriz usou as joias – o ladrão foi, finalmente, preso. No dia 27, as joias foram recuperadas.A polícia, portanto, poderia jactar-se de eficiência.Mas não foi isso o que aconteceu.O ladrão era um certo Manuel Paiva, irmão de Pedro Paiva – o criado que detinha a chave do cofre. As joias foram encontradas no quintal da casa de Manuel Paiva, em duas latas de biscoitos (ou de manteiga, dizem outros) enterradas na lama.Aqui, termina o lado da galhofa, no caso do roubo das joias da imperatriz.NO OLIMPOO mais espantoso, para os que acompanhavam as peripécias das joias da imperatriz, foi o que aconteceu em seguida.Depois de presos os ladrões, o chefe de polícia declarou que não havia ladrões – e pediu à Justiça que soltasse Manuel Paiva e dois cúmplices, o que, aliás, foi realizado rapidamente. Segundo disse Trigo de Loureiro, tratava-se de um assunto particular. Manuel Paiva somente poderia tornar-se réu, se Pedro II resolvesse processar os ladrões.O imperador não fez isso – e condecorou Trigo de Loureiro e o tenente Lírio. Restava saber o motivo da condecoração: por ter detido o ladrão ou por tê-lo soltado?Ninguém – entre os monarquistas que não estavam na fila do hospício – conseguiu defender a impunidade do ladrão. Até porque a maioria sabia o motivo.Manuel Paiva fora excluído da criadagem do Paço por roubos anteriores. Mas continuava na Quinta da Boa Vista, por decisão do imperador.Era um segredo de Polichinelo que Paiva era alcoviteiro de Pedro II. Até então, isso jamais aparecera publicamente, mas, com o roubo das joias, e com a impunidade do ladrão, houve uma liberação geral no jornalismo e, inclusive, na literatura . Qualquer tentativa de abafamento tornou-se insustentável.Na “Gazetinha”, usando o pseudônimo Meilhac do Morro do Nheco, Artur Azevedo publicou uma “ópera bufa”, “Um roubo no Olimpo”. Nela, Júpiter, ao saber que as joias da esposa, Juno, haviam sido roubadas, encarrega Argos, o gigante de 100 olhos, da investigação.Mas, por desgraça, o ladrão era Mercúrio, mensageiro e alcoviteiro do próprio Júpiter.Eis como termina o terceiro ato da ópera bufa de Artur Azevedo:ARGOS – Aqui me tens, pai dos deuses!JÚPITER – Ora, até que afinal! Com efeito, meu caro Sr. Argos, com efeito! Por menos, por muito menos fiz a Saturno o que ele fizera a Urano! Por muito menos transformei Lycaon em lobo! Por muito menos castiguei Ixion e Tântalo! Por muito menos fulminei Faeton e Salmoneu! Por muito…ARGOS – Basta, pai dos deuses ! Desculpar-me-ás, quando souberes que o teu próprio interesse foi o motivo da minha tardança. Toda a terra já sabe do roubo das joias, e é preciso que eu salve os meus créditos! JÚPITER – Mas, desgraçado! Se te mandei vir, foi porque justamente desejava evitar que a notícia se propagasse com tanta rapidez. Não me faz conta que Mercúrio sofra.ARGOS – Ah!JÚPITER – É preciso arranjar outro ladrão.ARGOS – Mas onde? Um ladrão não é coisa que se arranje com tanta facilidade! Os bons ladrões são raros.JÚPITER (pensativo) – Só houve um.ARGOS – Mas o que explica a tua proteção a Mercúrio?JÚPITER – Faze-te de novas! Tu bem sabes que Mercúrio é o confidente de todos os meus amores… e, se o não salvo, dá com a língua nos dentes, e adeus, minhas encomendas! Agora, vê lá se me não auxilias nesta empresa…ARGOS – Mas o que queres que eu faça, Jove?JÚPITER – Toma esta carta… (Dá-lha)ARGOS – O que é isto?JÚPITER – É uma carta anônima, que recebes, e depois lês, e depois soltas Mercúrio, e depois vais com ele procurar as joias no lugar ali indicado.ARGOS – E a lei?JÚPITER – A lei?… (Canta.)Se salta por sobre a leiMestre Silveira Martins,Não é de assombrar um rei,Se salta por sobre a lei.Eu pela lei saltarei,Pra conseguir os meus fins,Se salta por sobre a leiMestre Silveira Martins.Tens entendido?ARGOS – Perfeitamente. Logo mais cá estarei com o preso.JÚPITER – Olha, para não dares na vista, vem disfarçado.ARGOS – Está dito! (Sai. Júpiter acompanha-o com as mãos atrás das costas. Logo que a cena fica vazia, ouve-se a flauta do deus Pan. A orquestra rompe nuns acordes melodiosíssimos; invade a cena uma multidão de faunos, silvanos e semideusas, que dançam um bailado. Findo este, cai o pano.)UMA REPORTAGEMTanto a carta anônima quanto o estúpido disfarce do Chefe de Polícia tinham sido noticiados pela imprensa.Vejamos a reportagem da “Gazeta de Notícias” do dia 28 de março de 1882, também intitulada “ROUBO NO PAÇO DE S. CRISTÓVÃO”:“Ontem noticiamos à última hora que foram encontradas as joias roubadas no paço imperial.“A notícia, que por exagerado escrúpulo assim publicamos sob todas as reservas, era inteiramente verdadeira em todos os pontos.“Logo depois de distribuída esta folha, corria por todos os ângulos da cidade a novidade que devia ser a dominante do dia: tinham sido encontradas as joias de S. M. a imperatriz.“Para atingir-se a esse resultado, foi preciso que um elemento estranho, até agora conservado em impenetrável mistério, se apresentasse a secundar os esforços e os talentos da nossa polícia.“Anteontem à noite o Sr. chefe de polícia recebeu uma carta anônima, na qual lhe era indicado o local onde haviam sido escondidas as joias roubadas no palácio de S. Cristóvão.“Escrita em tom menos respeitoso, e até um pouco chocarreira na forma, a carta em questão tinha, além do anônimo com que se acobertava, o grande demérito de referir-se de assunto grave em linguagem pouco séria.“Mas o Sr. Dr. chefe de polícia, animado de uma perspicácia sem igual, desde logo decidiu prestar inteiro crédito à informação anônima.“Chamou o tenente Lírio, e, disfarçando-se com umas barbas postiças e roupas que não são do seu uso diário, tomou um carro, para dirigir-se à quinta imperial.“O tenente Lírio também disfarçou-se, coube-lhe na diligência o papel de cocheiro, pois que o carro, sem condutor, levava-o apenas na boleia, com um casacão próprio de um automedonte e chapéu alto característico dos do ofício.“Em caminho da quinta imperial o Sr. desembargador chefe do polícia teve uma inspiração divina: passou pela casa de detenção e aí intimou ao porteiro a entregar-lhe o detento Manuel de Paiva, indiciado no crime do roubo das joias.“Recebendo no seu carro o indivíduo de nome Paiva, seguiu com o tenente Lírio – sempre no exercício das funções de cocheiro – para S. Cristóvão.“Penetraram na quinta, e, cautelosos, talvez receosos das consequências de uma indicação anônima, aproximaram-se da casa de Paiva. Em terrenos desta casa pararam todos. Era um lugar pantanoso, encharcado d’água.“O ativo e disfarçado Sr. chefe de polícia, com os seus companheiros, não menos disfarçados, nem menos perspicazes, atiraram-se então a um trabalho extraordinariamente fatigante, eles próprios, empunhando instrumentos pesados, entraram a fazer escavações, e pouco depois a sua perspicácia e atividade recebia o justo prêmio de tão árduo e pesado labor.“A ferramenta, batendo contra um objeto de folha, denunciou a vizinhança de objeto estranho: era uma lata de manteiga, das de um kilo, a qual continha dentro algumas das joias roubadas.“Colombo gritara um dia: Terra! Aristóteles dissera: Eureka! O Sr. chefe de polícia limitou-se modestamente a afirmar – Cá estão!“Mas não eram todas. E seguindo as indicações da carta anônima, referendadas por Paiva, caminhou mais para diante e, dirigindo melhor os trabalhos, dentro em pouco, encontrou uma lata quadrada, grande, onde o restante das joias haviam sido guardadas.“Aí estavam também uma tesoura muito oxidada, fitas descoradas, pedaços de papel e panos.“Todas as joias achavam-se, pois, aí, em poder do Sr. chefe de polícia, inteiras, completas; apenas os filões das insígnias desbotados e manchados, porque o terreno deixara até ali infiltrar a água.“Logo depois de ter o Sr. chefe de polícia as joias em seu poder dirigiu-se à casa do Sr. ministro da justiça, onde deu parte da felicíssima diligência que realizara, e daí muito naturalmente à casa do Sr. senador Dantas [líder do governo], afim de patentear-lhe o justo orgulho que sentia de ter chegado a tão brilhante resultado, num tão importante assunto, que crescia de importância por ter sido a diligência chamada a si pessoalmente.“Foi logo depois disto que tivemos a notícia da descoberta das joias, que ontem demos com todas as reservas na nossa folha.“Desde pela manhã a repartição da polícia foi visitada por muitas pessoas, que tiveram conhecimento do fato.“Todos queriam ver as joias e todos as viram.“Chamados peritos, os Srs. Domingos Farani e M. Joaquim Valentim, foram por estes avaliadas as joias no valor aproximado de 400:000$000 [quatrocentos contos de réis].“Só um colar de brilhantes foi estimado em 100 contos de réis.“A relação dessas joias é a seguinte:PERTENCENTES A S. M. A IMPERATRIZ1 colar com 36 brilhantes.1 fivela grande ou dragona com 10 grandes brilhantes e outros pequenos.1 pulseira com grande pérola e 2 brilhantes.1 diadema com brilhantes em feitio de flores.1 par de brincos compridos de brilhantes.1 flor de brilhantes tendo uma grande pérola.1 comenda do Cruzeiro com brilhantes.1 fitão do Cruzeiro com roseta de brilhantes.1 insigne do Santo Sepulcro, de ouro e esmalte vermelho.1 comenda da Cruz Estrelada da Áustria.1 pulseira de ouro com brilhantes e 3 pérolas.PERTENCENTES A S. A. IMPERIAL [a princesa Isabel]1 pulseira com brilhantes e 27 pérolas.1 broche com brilhantes.1 fio com 32 brilhantes.1 par de brincos com brilhantes.2 flores com brilhantes e outras pedras.1 alfinete de laço com brilhantes e uma opala no centro.1 pulseira com brilhantes e a miniatura da rainha Maria Amélia, da França.DA SRA. BARONESA FONSECA COSTA [dama de companhia da imperatriz]2 fios de pérolas com medalha cravejada de brilhantes.1 alfinete com o retrato em miniatura de S. M. a imperatriz.1 par de brincos com brilhantes e pérolas.1 flor com brilhantes.“O Sr. Dr. chefe de polícia, depois de passar a direção da repartição ao Sr. Dr. Sá Yalle, 1º delegado de polícia, dirigiu-se ontem para Petrópolis, acompanhado dos Srs. Dr. Macedo de Aguiar, 3º delegado, tenente Lírio e major Archer, intendente da quinta.“S. Ex. levava as joias, que queria ter o justo prazer de entregar pessoalmente a S. M. o imperador.“Antes, porém, deu ordem para que fossem pedidos alvarás de soltura para os três indivíduos presos, como indiciados no crime do roubo. Estes alvarás foram imediatamente passados pelo juiz substituto do 10º distrito criminal da corte, o Sr. Dr. Pereira da Cunha.“Assim, pois, uma vez encontradas as joias não havia mais interesse em encontrar os ladrões.“Agora uns comentários que não são nossos, mas do público.“O Sr. Dr. chefe de polícia, tão orgulhoso pela diligência que efetuou, não parece ter motivos sérios para disso orgulhar-se. Encaminhado por uma carta anônima, S. Ex. apenas teve o trabalho de ir buscar Paiva para indicar-lhe o lugar já designado na carta aludida; de sorte que melhor andou como chefe de polícia aquele que tão modestamente se ocultou: – o autor da carta anônima.“Depois, S. Ex. foi um pouco mais do que amável, deixando o seu encargo de chefe de polícia, para ir expressamente a Petrópolis fazer entrega das joias a S. M. o imperador.“Queremos crer, que, se não se tratasse do imperador, mas de um caso particular, por exemplo, de uma casa bancária de primeira ordem da capital, S. Ex. não se incomodaria de ir levar os objetos ao próprio banqueiro lesado.“Temos ainda o seguinte, que é a parte mais misteriosa do mistério.“S. Ex. encontrou há dias uma seção de corda, cujas extremidades e fios têxteis combinavam-se e adaptavam-se perfeitamente aos da corda que foi achada na janela do aposento roubado da quinta imperial. Esse fragmento de corda foi encontrado em casa de Paiva.“Anteontem S. Ex. foi buscar as joias enterradas junto da casa de Paiva e em terreno que lhe pertenciam. Soube mais, há dias, que Paiva aconselhara a um preto que dormia sempre no paço, a ir pernoitar fora – na mesma noite em que se deu o roubo.“Finalmente, foi em Paiva que S. Ex. encontrou o melhor guia para sua importante diligência, aquele que lhe apontou o caminho seguro da vitória – pois que foi uma vitória a que conseguiu S. Ex., de barbas postiças, enterrado na lama, e trabalhando de enxada… graças tudo à carta anônima.“E tudo isso deve justificar plenamente a ordem de soltura que S. Ex. requisitou do juiz, sem lhe apresentar a conclusão do inquérito, sem apresentar fundamentos do pedido da ordem de soltura, como os não apresentara para requisitar a prisão.“É verdade que S. Ex. parece ter em tempo refletido e corrigido o seu empressement, mas neste ponto nada podemos assegurar de positivo, porque é certo que na casa de detenção ainda se acha preso um dos três indiciados no crime.“Acompanhando este processo, que tem sido único e o mais inçado de peripécias extravagantes, informaremos aos nossos leitores de particularidades que parecem prender-se ao verdadeiro criminoso e que lhe dão a segurança de que a justiça para ele, mais que para ninguém, terá sempre os olhos vendados.“Francisco de Paula Lobo, um dos detidos, foi ontem mesmo posto em liberdade. A sua inocência parecia provada perante todos, e ao próprio juiz que decretou a sua prisão ouvimos que desde sexta-feira desejava expedir mandado de soltura em seu favor, por vê-lo inteiramente limpo de qualquer cumplicidade no fato.“Este teve uma recepção de grande número de amigos às portas da detenção e em sua casa um mais crescido número de pessoas, entre as quais muitas senhoras, que iam abraçá-lo por vê-lo restituído aos seus, puro e imaculado como o seu caráter e reconhecida probidade faziam esperar que ele estivesse realmente.“Agora resta sabermos do Sr. chefe de polícia: as joias foram roubadas e foram encontradas. Foi só até aí que S. Ex. teve ordem de proceder?“Deve não procurar encontrar os autores do roubo?”A SANTA SENHORAA “Gazeta de Notícias” não era o órgão mais desfavorável ao imperador, apesar de seu fundador, José Ferreira de Sousa Araújo, ser um notório republicano.Entretanto, o escândalo ultrapassara os limites até para alguns monarquistas de quatro costados. Por exemplo, o gaúcho Silveira Martins – que nada tinha contra que Pedro II tivesse um alcoviteiro oficial (ou quase isso), mas percebia o desastre político da concessão pública de impunidade a ladrões, sobretudo por este motivo.Entretanto, o governo respondeu, a um requerimento de Silveira Martins, que o problema era do Judiciário – e Martins não insistiu.No “Mequetrefe” do dia 21 de março, Oscar Filho expôs o lado ideológico da fortuna roubada – ou, melhor, o que a exposição dessa fortuna revelava:O roubo dos duzentos contos“Os Srs. gatunos não respeitam a ninguém, nem mesmo às pessoas que estão colocadas na esfera dos anjos.Logotipo de “O Mequetrefe”“S. M. a Imperatriz, uma senhora tão boa, tão amável, tão virtuosa, tão santa, sofreu há bem poucos dias um roubo no valor de duzentos contos de réis, em joias.“S. M. teve um formidável choque e só não chorou porque, noblesse oblige.“Boa e santa senhora! ela é muito capaz de perdoar ao ladrão, se por acaso for encontrado, e ainda fazer-lhe presente dos valores roubados.“Ladrões! gatunos! larápios ! eu durmo com as minhas portas abertas todas as noites; quando vocês quiserem, venham roubar-me duzentos contos, eu os desafio que o façam, canalhas!“Não vê que eles caem nessa!“O menos que lhes poderia suceder era terem de se encontrar só com os Contos das Mil e uma Noites, comprados no Cruz Coutinho, por 500 rs.“Só a decepção equivale a uma prisão perpétua.”O GRANDE AGOSTININa Revista Illustrada, Angelo Agostini foi quase sutil:“Os diamantes da coroa — diamantes de Sua Majestade…“Que horrível calembourg não vai nestas palavras! E entretanto de que posso eu falar-vos hoje senão desse roubo que há oito dias traz tão alvorotadas a polícia e a curiosidade pública?“Não se fala em outra cousa. A direção do balão, o discurso do Sr. Ferreira Vianna por Vênus, a Martinhada política, tudo foi esquecido pelo roubo dos duzentos contos de brilhantes. E, cumpre confessar, a quantidade merece a pena. Duzentos contos de belas gemas cintilantes como Vênus! Quantas Margaridas não se perderiam por muito menos! Goethe não diz quanto custou a Mefistófeles o colar que fascinou Margarida. Um descuido do joalheiro talvez. E eis que Mefistófeles tem imitadores.“Infelizmente nem tudo é róseo na caça aos brilhantes, nem tudo é flores nessa cobiça de ouro, nessa febre do milhão que vai enchendo a Correção de larápios – ou de doentes – como querem os médicos filósofos. Os ladrões propõem, mas a polícia dispõe; e parece que brevemente os fascinados dos brilhantes imperiais estarão privados de toda a luz e melhor compenetrados deste mandamento:“Sétimo: não furtarás” (Revista Illustrada, 29/03/1882).[NOTA: Calembourg é jogo de palavras, trocadilho. Nesse caso, entre a palavra “diamante” e “di-amante”. As menções a Vênus (e à tentação de Margarida, no “Fausto”, de Goethe) vão no mesmo sentido. A “direção do balão” é uma referência às experiências, na época, de Júlio César Ribeiro de Sousa sobre a dirigibilidade dos balões.]Porém, na edição seguinte, as esperanças na polícia somem da Revista Illustrada:“Se ainda se não achou a direção do balão nem o ladrão das joias imperiais, acharam-se todavia as próprias joias imperiais. O que já não é muito pouco.“Uma verdadeira comédia, essa história das joias achadas!“O teatro francês tem a sua ópera cômica: Os Diamantes da Coroa,- nós precisávamos ter os Brilhantes Imperiais, e o Sr. Dr. Trigo de Loureiro foi bastante amável para nos dar essa boa comédia. Porque, realmente, há nada mais cômico do que esse pequeno entrecho fantástico que imaginou o nosso chefe de polícia!Por meios que é permitido compreender, mas que é defeso explicar, o nosso bom chefe chega a apossar-se das joias tão desazadamente furtadas. Mas como explicar a cousa, sem desvendar o mistério, e, sobretudo sem comprometer os culpados? Começa então a comédia:“Uma carta anônima é escrita na polícia e remetida à polícia – Hennequin nunca teve traço tão cômico. A polícia assim avisada finge recear uma peça de primeiro de abril, disfarça-se, e empreende muito às escondidas, e para que visse quem quisesse uma excursão a um arrabalde. Conta-se depois muito em segredo a diligência aos repórteres dos jornais, os quais, bisbilhoteiros, revelam tudo aos seus leitores, o público engole a pílula, soltam-se os… presos e tudo acaba alegremente, como nas comédias que se estimam.“É adorável!“Com música do Mesquita e encenação do Heller seria mais um grande sucesso para o Sant’Anna, não acha Dr. Trigo de Loureiro?”A última página da Revista Illustrada de 23 de março de 1882POMPEIANa “Gazeta da Tarde”, um certo Giuseppe – também conhecido por José do Patrocínio – começou a publicar um folhetim, “A Ponte do Catete”, que se arrastaria por 90 capítulos, até ser abandonado pelo autor.Em “A Ponte do Catete”, Manuel Paiva aparece como fornecedor de jovens ao imperador, que, nessa novela de Patrocínio, tem o nome de “Bourbon”.Ao ler a imprensa da época, tem-se a impressão de que essas características de Pedro II eram quase de domínio público – pelo menos entre aqueles que faziam jornais.A impunidade de Manuel Paiva, depois de roubar as joias da imperatriz, derrubou, ao que parece, uma represa que estava há muito sob risco.Na literatura, a melhor obra escrita com esse tema foi “As Joias da Coroa”, de Raul Pompeia.Pompeia, republicano e abolicionista formado sob a influência de Luiz Gama, escreveu uma pequena obra-prima satírica.Nela, Pedro II é o duque de Bragantina (do nome da dinastia: Bragança), Petrópolis é Anatópolis, e… bem, leitor, o resto é melhor você mesmo descobrir.Abaixo, um trecho:As Joias da Coroa – capítulo VII (fragmento)RAUL POMPEIANão tivemos ainda a honra, nem a ocasião de apresentar ao leitor o milionário senhor da quinta de Santo Cristo, o sr. duque de Bragantina.Agora que vamos encontrá-lo figurando ativamente nas meadas da nossa narrativa, apressamo-nos em fazer a necessária cerimônia.Atravessemos, embalados maciamente na arfagem sonolenta de uma barca a vapor, as ondulações bonançosas da vasta e serena baía de Paranaguá.Galguemos a encosta daquelas montanhas alterosas, denteadas, que mordem o firmamento ao longe. Penetremos os cerrados de floresta que aveludam de verde o esqueleto rude, vulcânico, daquelas cordilheiras. Quando estivermos perto daqueles vapores que vestem-se de ouro a romper do dia e que choram sangue ao fugir da tarde: logo que sentirmos a frescura invernal das serras penetrar-nos o tecido da roupa; quando sentirmos intensamente o perfume da mataria a deliciar-nos o olfato, subindo das grotas no meio de lufadas de nevoeiro como do fundo de enormes turíbulos… nessa ocasião, atravessemos um olhar por entre os arvoredos, que havemos de lobrigar, estendida no meio de um vale, no lugar onde devera existir antes a fita cristalina de um regato, sorrindo aos ventos que a bafejam e às flores que as matas atiram sobre ela, havemos de ver um retiro de prazeres, que se chama uma cidade.É aí Anatópolis.Um outro parque de Santo Cristo. Anatópolis é a continuação da quinta do duque de Bragantina. Quando há muito calor no palácio da quinta, o duque de Bragantina passa a baía de Paranaguá e vai buscar refrigério em Anatópolis.Ao tombar do dia ou pela manhã, um homem aparece, em tempos de verão, a passear pelas arejadas ruas da cidade.Vai todo de branco, coberto por um amplo chapéu de Chile, fresco como o vestuário. É de uma estatura bonita e excepcional. É velho. As barbas envolvem-lhe o rosto em flocos admiráveis de nevada brancura. O rosto possui ainda uns matizes róseos de mocidade. Tem os olhos pequenos e azuis e usa óculos, uns veneráveis óculos de grossos aros de tartaruga.Ao redor desse homem, apertam-se muitos amigos, desfazendo-se em cortesias e obséquios.Se a um destes o leitor perguntar quem é aquele velho, ele dirá espantado:— Oh, não conhece! É o senhor duque de Bragantina!É o duque exatamente. Vai caminhando pela rua satisfeito, dirigindo aos que o cercam gracejos e pilhérias, com a voz aflautinada que o caracteriza.Quando passa por alguma rapariguinha gentil que lhe sorri de uma janela, ele faz-lhe um cumprimento bem desenhado, vai dissertando sobre um assunto qualquer. Ou seja a explicação pela física da propriedade que tem a água de molhar, ou a virtus dormitiva do ópio. Não gosta dos assuntos transcendentais nem de objeções impertinentes; discute para conversar, só para isso. E os amigos o compreendem, não o contrariam.Por alguns momentos de observação pode-se saber quem é o duque de Bragantina. A roda de amigos que o envolve diz-nos que ele é rico e poderoso; o cumprimento galante à rapariguinha da janela indica-nos que ele é inclinado ao sexo das belas; a sua conversa mostra-nos, pelo objeto, que ele gosta da ciência; pela dissertação, que ele não a cultiva; pelo ar de imposição com que fala, conhece-se que ele não admite obstáculo diante de si.E tudo é verdade. Herdeiro do sangue orgulhoso de uma extensa cadeia genealógica de requintada fidalguia, nasceu o duque da Bragantina com todas as predisposições para o mando. Seu pai foi um cavalheiro educado nas páginas dos Lusíadas; lera o poema dos lusos e decorara o canto nono; daí a vida que levara de bravuras épicas e galantes e fora um Leonardo que nunca deixara escaparem Efires.Filho de tal pai e continuador de tais fidalguias, era impossível que no caráter do duque de Bragantina não se fundissem os arrojos, as sensualidades paternas com as arrogâncias da raça.Na idade de quatorze anos, tendo perdido o pai aos cinco, depois de uma educação viciada pela flexibilidade bajulatória de alguns dos seus educadores e pela violência ofensiva de outros, que deram ao menino uma duplicidade de gênio, ora arrogante para uns, ora humilde para outros, começou a imiscuir-se o jovem fidalgo na gerência da sua vida e dos seus haveres.A fortuna do duque era colossal. Facilitava-lhe uma vida principesca. Conseguindo libertar-se dos tais educadores impertinentes, viu-se o moço entregue à própria natureza e às adulações dos seus áulicos.Brilhante correu-lhe a existência. Fortaleceram-se os sentimentos despóticos que lhe haviam plantado n’alma as adulações corruptoras dos seus primeiros mestres, ao passo que não desaparecia o gérmen da falsidade que se criara da necessidade de iludir aqueles a quem o duque temia em pequeno.Qual foi a consequência?A consequência foi que derramaram-se precoces as alvuras do encanecimento por sobre a cabeça do duque; e, quando, em momento de rápida meditação, o fidalgo se concentrava para fazer um exame de si mesmo, reconhecia-se vazio dos recursos de que necessitava para apresentar-se em rodas ilustradas, onde queria figurar, ao mesmo passo que, pensando na vida, achava-se intimamente parecido com o retrato moral de seu pai que lhe pintavam as tradições de família, exceção feita das aventuras heroicas e dos rasgos de franqueza.Por isso é que contavam à boca pequena uns episódios grotescos do duque de Bragantina em várias sociedades científicas e literárias, onde costumava apresentar-se; por isso, também, o arrabalde de Santo Cristo ressoava surdamente com os boatos tímidos das façanhas amorosas de certo homem de barbas brancas.Por felicidade do duque ele unira a sua existência à de uma generosa fidalga, que sabia amargar em silêncio todas as brincadeiras do esposo e distraía-se dos sofrimentos domésticos, entregando-se de corpo e alma à mais antiga prática da caridade para com os que necessitavam dela.Os moradores da pequena aldeia consagravam à duquesa uma verdadeira adoração. Raro era aquele que não a tinha visto à sua porta, indagando do estado de qualquer enfermo, aconselhando o uso de um medicamento, ou dando disfarçadamente uma esmola…Esta santa senhora esforçava-se por contrabalançar com as suas virtudes os excessos do duque.Em atenção a ela, algumas pessoas de consideração permaneciam na roda perigosa do marido. Por essa razão, os amigos do duque não eram todos da ordem dos alegres companheiros de passeio pelas ruas de Anatópolis.A estes, costumava o grande fidalgo dar a honra da sua companhia durante o verão. Aos sábados, porém, vinha só, ou com a duquesa, visitar a quinta de Santo Cristo.Na época que começavam os sucessos da nossa história, apesar do estio, não se achava o duque em Anatópolis.Viera de lá por um dos sábados.Tinha de voltar na segunda-feira e já o povo anatopolitano se preparava para recebê-lo, entre regozijos e foguetes. Mas o duque, não apareceu. Era uma grave contrariedade para aqueles felizes desocupados. Tinham talvez de passar uma semana sem ver na rua a esplêndida e branca figura do fidalgo de chapéu Chile.Um desgosto para eles e um motivo de tristeza para a cidade.Faltar aos seus habituais não era regra do duque. Pelo contrário. Ele era o que se pode chamar a pontualidade em pessoa. A pontualidade, porém, possui um sério inimigo que, aliás, não é incompatível com ela: o capricho.O duque era um homem caprichoso. Ainda uma consequência do servilismo dos maus educadores.Como homem caprichoso, não era de admirar que deixasse uma vez de se apresentar em Anatópolis conforme o costume.O duque de Bragantina tivera na verdade um dos seus caprichos.”MOTIVAÇÕESTínhamos planejado o que está acima como uma continuação de “Os monarco-bolsonaristas e seu passado radiante”. A questão, resumindo de maneira rápida, é: por que os bolsonaristas são tão afeitos à monarquia, uma sobrevivência feudal – em nosso caso, escravagista – da qual nos livramos há 130 anos?Pois existem poucas coisas mais atentatórias ao nosso “ethos” – à nossa nacionalidade, ao que se pode chamar “caráter nacional“, desenvolvido historicamente desde o Descobrimento (e, especialmente, desde a Independência) – que a promoção da monarquia à Idade de Ouro da História do Brasil.Equivale, claro, à promoção da Idade Média a período mais glorioso da Humanidade.Aliás, é essa a pregação do ideólogo (cáspite) de Bolsonaro (v. HP 07/03/2019, A Teocracia do Tiro, Porrada e Bomba).Porém, deixaremos para um próximo trabalho as questões de fundo que estão implícitas no ataque à Proclamação da República – e nessa narrativa (pois não é outra coisa) sobre a monarquia.Essa análise, da qual empreendemos uma parte (v. V. HP 14/01/2015 a 06/03/2015, O nascimento da República e os jabutis em cima das árvores; e, também, HP 12/08/2016 a 07/10/2016, A revolta dos escravos e o fim do Império) é imprescindível, porque não é somente o imbecil do Weintraub, com apoio do chefe, que ataca a Proclamação de 15 de novembro de 1889, chamando-a de “golpe”.Aliás, se é possível ver algum mérito no bolsonarismo, esse consiste em expor, agudamente, qual o conteúdo ideológico de certas abordagens – meros preconceitos e até alucinações direitistas, reacionaríssimas – na historiografia.Entretanto, por agora, atendo-se ao aspecto político, frisamos apenas que o primeiro motivo dessa fraude em relação à monarquia, evidentemente, é que o bolsonarismo é sempre fascinado por tudo o que há de retrógrado, podre e ultrapassado na História. Do nazismo à monarquia – e à Inquisição.Caso contrário, não seria bolsonarismo – basta olhar para o elemento que lhe deu o nome, para percebê-lo.Mas chamam atenção dois outros motivos – evidentemente, correlatos, ou que não são independentes, do primeiro: o aspecto ditatorial, antidemocrático, da monarquia – sobretudo no Brasil, onde foi um regime de senhores de escravos – e o poço de corrupção que essa monarquia cavou – e se afundou.Sobre o primeiro aspecto, quase que somente bastam as palavras de Antônio Carlos de Andrada, em 1841, na discussão das “leis regressistas”:“O princípio regulador de um povo livre é governar-se por si mesmo; a nova organização judiciária exclui o povo brasileiro do direito de concorrer à administração da Justiça; tudo está perdido, senhores, abdicamos da liberdade para entrarmos na senda dos povos possuídos!”Tratava-se de um dos homens que fizeram a Independência do Brasil, desde a Revolução Pernambucana de 1817 até o Ipiranga, autor do primeiro projeto de Constituição do país – e, mais, irmão do Patriarca, José Bonifácio (v. Os Andradas e outros heróis da Independência do Brasil).À medida que o tempo corria, nem os monarquistas, no século XIX, conseguiam suportar a monarquia. Por exemplo:“As sucessões contínuas de ministérios; a intriga fácil que pode ser feita entre os ciúmes e as invejas daqueles que se julgam com habilitações para ser presidentes do Conselho; a obra paciente e longa de dominar e estragar os poderes do Estado e, principalmente, os partidos políticos; tudo isso não está na consciência de todos os que me ouvem? Há alguém satisfeito diante desta impotência, que abate e sufoca, e que a ninguém exalta, senão depois da humilhação? Senhor presidente, esta situação desgraçadamente é do país, e todos nós temos sido vítimas. Do fundo das minhas desilusões, tenho a grande satisfação de levantar um grito, um grito não de guerra, porque estou velho, mas de protesto e de indignação. É uma situação do país e dela devemos sair com o concurso do país inteiro. Liberais e conservadores, republicanos, homens honestos de todas as seitas reunidas em torno do estandarte da liberdade constitucional, é tempo de sacudir este jugo da onipotência usurpadora e ilegal, que tem estragado as forças vivas da nação” (cf. Ferreira Vianna, Discurso na Câmara dos Deputados, 31 de julho de 1884).Ferreira Vianna era um prócer do Partido Conservador (e foi escravagista quase até a véspera da Abolição, quando, como ministro da Justiça do Gabinete João Alfredo, redigiu o anteprojeto da Lei Áurea). Mas, para ele, o Segundo Reinado eram “quarenta anos de mentiras e perfídias” (cf. Ferreira Vianna, Discurso na Câmara, 03 de agosto de 1882) .Diria dois anos depois, no discurso de 1884: “estou cansado de representar nesta comédia política. É uma decoração tristíssima, onde só há espectros e uma única realidade: este poder onipotente e só, que me aflige, me irrita, e quero, por minha parte, escapar a todas as tentações“.Esse era o espírito de um homem que estava longe de ser progressista – embora, é justo ressaltar, tenha defendido os republicanos, quando o jornal “A República” foi depredado, na noite de 27 de fevereiro de 1873, sob o acobertamento da polícia (“A polícia apadrinhava, visivelmente, a agressão. Policiais foram vistos a carregar cestos de pedras. Quem o disse, com discurso público, foi uma testemunha maior de toda exceção, o honrado Senador Francisco de Paula da Silveira Lobo“, registrou o futuro ministro do STF e procurador geral da República, Lúcio de Mendonça).Consultemos outro notório monarquista, Joaquim Nabuco, que somente 17 anos após a Proclamação, em 1906, diria que “a República é incontestável” (portanto, poderia – e deveria – servir à República, mesmo continuando monarquista).Em 1885 não havia República e Nabuco era deputado pelo Partido Liberal, quando disse, da tribuna da Câmara:“Esse trono, quando nós o encontramos no dia 7 de abril [abdicação de D. Pedro I, em 1831], era um berço, como o de Moisés no Nilo, colocado à beira da corrente, que subia para levá-lo consigo. Em 1831, pela mão de Evaristo da Veiga, salvamos esse berço. Em 1840, pela mão de Antônio Carlos, rasgando a Constituição, vestimos a púrpura do Império ao César de 15 anos, que tínhamos achado nele; mas nunca, sr. Presidente, apesar da imensa irradiação liberal do continente americano, foi possível conciliar esse órfão do absolutismo com a democracia que o adotou e lhe salvou a coroa” (Joaquim Nabuco, Obras Completas, Volume XI, Discursos Parlamentares, Instituto Progresso Editorial, 1949, S. Paulo, p. 241, grifo nosso).[NOTA: A menção “em 1840, pela mão de Antônio Carlos, rasgando a Constituição” refere-se à Declaração da Maioridade de Pedro II, apresentada em 23 de Julho de 1840 por Antonio Carlos de Andrada e aprovada pela Câmara e pelo Senado reunidos (reunião que, na época, era chamada “Assembleia Geral Legislativa do Brasil”). Pedro II tinha 15 anos. Pela Constituição da época, ele somente poderia ser declarado “maior de idade” e tomar posse do trono aos 18 anos.]Porém, na medida em que a monarquia decaía, o aspecto da corrupção assomava à vista do público. Ficava cada vez mais difícil abafar as denúncias – e os fatos. É sintomático que alguns pretendam ver na algazarra que toma os jornais, a prova de que o país estava sob uma perfeita democracia. Mas uma ditadura decadente não é uma democracia. Aliás, os brasileiros tiveram uma experiência recente: o último governo da ditadura de 1964.Vinte e nove anos depois de Antônio Carlos de Andrada dizer, no segundo ano do reinado de Pedro II, que o Brasil entrara “na senda dos povos possuídos”, a monarquia foi classificada como o “regime das ficções e da corrupção” (cf. Manifesto Republicano de 1870).Esse mesmo manifesto abraçava “a bandeira da democracia, que abriga todos os direitos”.A democracia era identificada com a república – e com o cristianismo (“Sê republicano, como o foi o Homem-Cristo“, escreveu Luiz Gama a seu filho, em 23 de setembro de 1870).Portanto, motivos não faltam para que a quadrilha bolsonarista (ou suas várias quadrilhas) odeiem a República e incensem a monarquia.O PILAREm “Panorama do Segundo Império“, Nelson Werneck Sodré escreve algo crucial para o entendimento das condições políticas que fizeram com que essa monarquia medíocre conseguisse se sustentar e, até mesmo, fazer o país crescer, pelo menos até a “quebra do Souto”, em 10 de setembro de 1864, e o final da Guerra do Paraguai, em março de 1870 (a falência de Mauá seria cinco anos depois, em maio de 1875):“Caxias – mais do que D. Pedro II – foi o império. Ele enche a sua fase ascensional. Apoiado na sua espada e no seu conhecimento dos homens, foi que o regime procedeu à integração das partes do país. Quando a guerra do Paraguai assinala o ponto crítico e marca o início do declínio, é ele quem apressa a conclusão da luta e termina o desbarato das forças de López. Quando regressa, doente e entristecido, tendo dado por concluída a campanha, recolhe-se ao sossego e à solidão. E o império começa a esboroar-se” (v. O Duque de Caxias pelo general Nelson Werneck Sodré).Caxias fora contra a intervenção no Uruguai. E sua opinião sobre Pedro II não era excelente. Por exemplo: “Não menos crítica era a opinião do marquês de Caxias, que se irritou com as posturas de Pedro II no Uruguai, classificando-o de amante de ‘patacoadas’, de ‘bobo’ e de ‘sujeitinho’.” (cf. Francisco Doratioto, Maldita Guerra: nova história da Guerra do Paraguai, Companhia das Letras, 2002, p. 65).Caxias estava falando do imperador…Do mesmo modo, sua carta a uma das filhas, relatando o pedido – quase desesperado – de Pedro II, em meio à crise com a Igreja, para que Caxias assumisse outra vez a presidência do Conselho de Ministros:Ele [Pedro II] assim que me viu me abraçou e me disse que não me largava sem que eu lhe dissesse que aceitava o cargo de ministro e que se me negasse a fazer-lhe esse serviço, que Ele chamava os liberais e que havia de dizer a todos que eu era o responsável pelas consequências que daí resultassem, mas disse tudo isto tendo-me preso com os seus braços.Ponderei-lhe as minhas circunstâncias, a minha idade, a incapacidade, a nada cedeu.Para me poder libertar dele era preciso empurrá-lo, e isso eu não devia fazer; abaixei a cabeça e disse que fizesse o que quisesse, pois eu tinha consciência que Ele se havia de arrepender, porque eu não seria ministro por muito tempo, porque morreria de trabalho e desgostos; mas a nada atendeu, e disse-me que só fizesse o que pudesse, mas que o não abandonasse, porque então Ele também nos abandonaria e se iria embora!!Que fazer minha querida Anicota, senão resignar-me e morrer no meu posto! E acresce que eu já tenho arriscado tantas vezes a minha vida por Ele, que mais uma na idade em que estou pouco sacrifício será.O que salta aos olhos é o tom depressivo desta carta particular – e o retrato pouco heroico (para dizer de modo delicado) de Pedro II.A invasão do Brasil pelo Paraguai fez com que Caxias aceitasse o comando das tropas, substituindo Mitre. Porém, depois de tomar Assunção, Caxias daria por encerrada a guerra contra a posição de Pedro II.Bem antes, Caxias manifestara sua opinião de que era necessário abrir negociações de paz. Escreve, em 1868, ao visconde do Rio Branco:É minha opinião que, depois da jornada de Tebiquary, seja o que for o resultado, já nos não fica mal tratar de paz, por isso julgo que ela se poderá fazer honrosamente para nós. Lopez está quase sem exército, e marinha, perdeu já nesta guerra mais de trezentas bocas de fogo de sua mais grossa artilharia. Está em nosso poder a sua melhor fortaleza e com ela o domínio de todo o rio Paraguai. Nossas partidas vagam impunemente em todo o espaço compreendido desde o Paraná até Tebiquary. Já estão se arrasando as baterias Londres e Cadena. Parece-me que se Lopez tivesse podido tratar com os aliados, ele mesmo se teria convencido de que deveria deixar o Paraguai. Mas nós nada queremos com ele, e no Paraguai não há mais ninguém com quem tratar, e portanto siga a guerra…” (carta datada de Humaitá, 15 de agosto de 1868).Esta carta foi escrita antes da série de batalhas (dezembro de 1868) que conduziram à tomada de Assunção.É um homem amargurado com a monarquia – e, especialmente, com Pedro II – aquele Caxias que volta ao Brasil e, depois, redige o seu testamento:“… que meu enterro seja feito, sem pompa alguma, e só como irmão da Cruz dos Militares, no grau que ali tenho. Dispensando o estado da Casa Imperial, que se costuma a mandar aos que exercem o cargo que tenho. (…) Logo que eu falecer deve o meu testamenteiro fazer saber ao Quartel General, e ao ministro da Guerra, que dispenso as honras fúnebres que me pertencem como Marechal do Exército e que só desejo que me mandem seis soldados, escolhidos dos mais antigos, e melhor conduta, dos corpos da Guarnição, para pegar as argolas do meu caixão“.APÓS O BAILEEm “Os monarco-bolsonaristas e seu passado radiante”, nos referimos ao afastamento de quatro ministros do Supremo Tribunal de Justiça (na época, a instância máxima do Judiciário), inteiramente contra a Constituição, por não contemplarem os interesses da amante de Pedro II, a Condessa de Barral.Aqui, vimos como um alcoviteiro do imperador roubou as joias da imperatriz e saiu impune.O ato de Pedro II não foi, aparentemente, mais escandaloso que o anterior. Mas acabou publicamente com um dos sustentáculos ideológicos da monarquia: a imagem da imperatriz Teresa Cristina, promovida como pessoa modesta – aliás, “a mãe dos brasileiros” – e do próprio casal imperial como exemplo de felicidade conjugal e austeridade.

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