Dez membros da Igreja evangélica Assembléia de Deus foram presos no final da noite de domingo, dentro do Cemitério Municipal de Paulínia (126 km a noroeste de São Paulo), tentando ressuscitar a menina Nicole Aparecida Camilo Ramos, de apenas um ano e 6 meses.
Entre os presos estão o pastor Claudinei Batista de Paiva, 33, que comandou o ato, e os pais da criança, Marcos Donizete Ramos, 35, e Evellin Aparecida Camilo Ramos, 23.
A menina morreu no último dia 8, atropelada pelo próprio pai. O comerciante estava com o carro na garagem e não viu a menina.
Segundo a polícia de Paulínia, comandados pelo pastor, os pais e outros 12 fiéis invadiram o cemitério, abriram o túmulo da criança, colocaram seu corpo, já em decomposição, sobre uma laje e começaram a pedir pela sua ressurreição.
Outras cinco pessoas que estavam no cemitério foram ouvidas apenas como testemunhas e liberadas em seguida.
O delegado titular de Paulínia, Tadeu Aparecido de Almeida, afirmou que o pastor disse, em depoimento, que recebeu uma mensagem de Deus para que ressuscitasse a filha do comerciante.
"Ele assumiu tranquilamente a liderança do crime", afirmou o delegado.
O coveiro Adriano Trindade Nogueira, 67, disse que em seus 30 anos de profissão nunca viu e nunca ouviu falar em uma situação dessas.
"Inacreditável. Eles invadiram o cemitério depois de arrombar dois portões. Eles queriam mesmo fazer isso", afirmou.
O delegado autuou todos por violação de sepultura, violação de cadáver e danos ao patrimônio público.
Os presos não quiseram falar sobre o assunto na manhã de ontem. O crime de violação de túmulo é inafiançável, segundo o Código Penal Brasileiro.
"As penas, somadas, podem chegar a três anos de prisão para cada um deles", disse o delegado.
Almeida afirmou que também vai indiciar o pastor como mentor intelectual da "tentativa de ressurreição".
A funcionária pública Marneize Percio do Nascimento, 45, amiga da família da criança, esteve no cemitério ontem para visitar o túmulo. Ligada à Igreja Adventista, ela disse que não conseguia entender como os pais da criança permitiram que o túmulo fosse violado.
"Quando a menina foi enterrada, falei com o Marcos (pai) que isso tudo era uma obra de Deus e que somente ele poderia nos dar as respostas", disse a mulher, que também perdeu um filho de seis anos no início deste mês, por doença.
Depois do flagrante, o corpo de Nicole foi novamente enterrado.
"A Igreja não pode ser penalizada pelo incidente", disse o delegado.
DEFESA - O advogado Jair Pedro Alves, 60, entrou ontem com o pedido de liberdade provisória. "Eles não tinham como evitar isso. Todos se emocionaram muito com a morte da menina e queriam fazer algo para trazê-la de volta", disse Alves.
Para o advogado, todos foram tomados por uma comoção sem precedentes, principalmente por causa da maneira que a criança morreu. "O pai dela acabou a matando sem querer, depois que deu ré com o carro", disse Alves.
O pastor regional da Assembléia de Deus Samuel Ferreira, 34, condenou a atitude de seu colega de igreja. "Iremos nos reunir para tomar as medidas punitivas contra esse pastor", disse Ferreira.
Segundo Ferreira, a Assembléia de Deus acredita na ressurreição de pessoas comuns, desde que as orações sejam feitas logo após a morte. Nenhum membro da família ou da igreja, que fica na Vila Nunes, foi encontrado ontem.
"O Claudinei foi tomado pela fé cega. Ninguém deve desenterrar pessoas por aí com o intuito de ressuscitar alguém. Nossa igreja condena esse ato. Nós não orientamos ninguém a cavar covas para trazer as pessoas à vida", disse Ferreira.
Segundo Ferreira, o caso será analisado. "No âmbito eclesiástico, vamos agir com rigor", disse o pastor da regional.
A reportagem apurou que a Assembléia de Deus irá instaurar sindicância interna formada por uma comissão especial de pastores para apurar os excessos do ato.
As punição podem ser de censura, advertência ou até a expulsão do quadro funcional. Ferreira disse ter ficado surpreso ao saber da tentativa de ressurreição. "Houve um momento de forte emoção, uma espécie de fé cega que o levou a fazer aquilo", disse o pastor.
ERRO - "Claudinei utilizou o procedimento errado para ressuscitar a menina". A declaração é do pastor e presidente nacional de Educação e Teologia da congregação, José Domingos Bittencourt, 43.
"Se o pastor de Paulínia e a família da menina quisessem que ela voltasse a vida, deveriam orar no momento em que ela estivesse sendo sepultada, e não depois que fora enterrada", disse Bittencourt, que também é pastor em Santo André.
Bittencourt diz que sua congregação crê na ressurreição porque há provas e indícios de que isso aconteceu. "Há fatos históricos de pessoas que receberam atestado de óbito e depois voltaram a vida", disse Bittencourt.
Para o professor de teologia moral da PUC-Campinas, José Antonio Trasferetti, 45, o que aconteceu em Paulínia se tratou de um ato isolado e fanático de um homem e sua igreja.
"O pastor da Assembléia de Deus teve uma visão fundamentalista e fanática da leitura bíblica sobre a ressurreição de Jesus Cristo", disse Trasferetti.
JUSTIÇA - As dez pessoas presas foram liberadas no início da noite de ontem. Apesar de o crime de vilipêndio (desrespeito) a cadáver ser inafiançável, a Justiça acatou o pedido de habeas-corpus porque os réus são primários..
Marcos Donizete Ramos, 35, e Evellin Aparecida Camilo Ramos, 23