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Terapeuta brasileiro preso na Rússia com ayahuasca
31 de agosto de 2016, quarta-feira. Há 8 anos
O brasileiro Eduardo Chianca Rocha, 67, engenheiro eletrônico que se tornou terapeuta e pesquisador holístico, tenta reverter a condenação de seis anos e meio de prisão por tráfico de drogas que recebeu na Rússia, após ter sido detido em agosto de 2016 com 6,6 litros de chá de ayahuasca no aeroporto internacional Domodedovo.

A família e a defesa de Rocha tentam provar que a quantidade de dimetiltriptamina (DMT) --a substância presente no chá que tem efeitos alucinógenos e é proibida na Rússia-- no material apreendido é pelo menos 350 vezes menor do que o constatado na perícia realizada no país. Rocha ainda tem um recurso a ser julgado na Rússia.

O Ministério da Justiça brasileiro, por meio do Instituto Nacional de Criminalística, produziu um parecer técnico que foi usado pela defesa de Rocha. O documento questionou a metodologia e o resultado da perícia russa, mas não foi aceito pelo tribunal.

O UOL ouviu Patrícia Alves Junqueira, companheira de Eduardo Chianca Rocha, o advogado do brasileiro na Rússia, Eduard Usikov, e o Minist&eacueacute;rio das Relações Exteriores do Brasil para entender a situação atual do terapeuta.

Quem é Eduardo Chianca Rocha?

Imagem: Arquivo pessoal

É um pesquisador e terapeuta holístico de 67 anos do Recife (PE) que ministra cursos e palestras de uma terapia chamada "Frequências de Luz", no Brasil e em outros países. O chá de ayahuasca é utilizado em suas terapias. Além da Rússia, onde já havia concedido cursos em outras ocasiões, na viagem em questão ele também visitaria Ucrânia, Suíça, Holanda e Espanha. 

Por que ele foi condenado por tráfico de drogas?

Chá de ayahuasca, o Santo Daime - Caio Guatelli/Folhapress - 08.10.2011
Chá de ayahuasca, o Santo Daime
Imagem: Caio Guatelli/Folhapress - 08.10.2011

O chá de ayahuasca, também conhecido como Santo Daime, é resultado do cozimento de plantas da região amazônica. Uma delas, a chacrona, contém a dimetiltriptamina, substância de efeito alucinógeno e de uso controlado inclusive no Brasil, onde seu consumo é permitido somente para fins terapêuticos e religiosos.

A presença de DMT nas garrafas apreendidas com o brasileiro foi o que motivou sua prisão no aeroporto, e não o porte do chá em si.

A DMT, de efeitos alucinógenos, pode ser sintetizada para a produção de outras drogas.

Ele ainda tem direito a recurso?

Sim. A defesa de Rocha recorreu de sua condenação e tenta reduzir a pena, questionando a quantidade de DMT apontada no laudo produzido pela perícia russa.

A sentença de seis anos e meio, aplicada no último mês de maio, foi considerada pela família do brasileiro como um "mal menor", tendo em vista a rigidez do país no combate ao tráfico de drogas --a promotoria pediu 18 anos de prisão a Rocha.

"Foi o melhor cenário que poderíamos conseguir, levando em conta que o júri concordou com os argumentos do promotor. Ainda assim, no caso do Eduardo, não é justo. O conteúdo do narcótico no chá é de peso menor do que disseram os peritos. Esperamos que a Justiça escute nossos argumentos e absolva Rocha", afirma Eduard Usikov, advogado russo do brasileiro.

Se um novo exame comprovasse o erro no laudo, o brasileiro ficaria sujeito a punição por entrar no país com uma substância ilegal, e não por tráfico internacional de drogas. A pena seria mais leve --entre 2 e 4 anos, segundo sua defesa. A família também torce por um possível perdão do presidente Vladimir Putin, caso a sentença seja revisada.

O que apontou a perícia russa da substância?

O centro de perícias da Rússia retirou pequenas amostras de 5 ml de cada uma das garrafas do chá e verificou a presença de DMT. Esse resultado do teste foi recalculado com base no volume total do chá (6,6 litros), concluindo que havia 1,4 kg de DMT no material apreendido, tornando o brasileiro acusado por tráfico internacional de drogas.

Por que a defesa do brasileiro contesta a perícia?    

Parecer técnico do Instituto Nacional de Criminalística do Brasil questionando a metodologia da perícia russa
Imagem: Reprodução

Segundo as entidades que utilizam chá de ayahuasca em suas terapias e rituais, em uma quantidade de 6,6 litros de ayahuasca a presença de DMT varia entre 1 e 4 gramas --um valor que é pelo menos 350 vezes menor do que o constatado na perícia russa. A metodologia usada pelos russos é o motivo da discórdia.

O Instituto Nacional de Criminalística brasileiro, atendendo solicitação da defesa, analisou o laudo russo e questionou o método utilizado pelos peritos, dizendo que "não pareceu adequado" atribuir a totalidade da massa da amostra à DMT e sugerindo um método analítico de quantificação.

O INC também citou a composição comum do chá de ayahuasca, afirmando que a massa total de DMT esperada é "consideravelmente inferior (da ordem de 350 a 1700 vezes menores) do que o valor reportado no laudo". O perito brasileiro responsável pelo parecer sugere a revisão do método usado pelo russo.

Além do parecer do INC, a defesa do brasileiro anexou quatro cartas de especialistas --entre terapeutas, farmacólogos, psiquiatras e botânicos de países como Finlândia, Hungria, Espanha e Estados Unidos-- que reafirmaram a disparidade entre a perícia russa e a composição comum do chá de ayahuasca e enumeraram benefícios que as terapias com o chá podem render a pacientes.

A Justiça russa, no entanto, não aceitou a inclusão de nenhum desses documentos, inclusive do parecer do INC, no processo. O juiz priorizou a perícia feita pelas autoridades do país. "O fato é que o governo da Rússia aprovou a metodologia usada no exame para constatar a droga, e ela pode ser diferente de outros lugares do mundo, como o Brasil", diz Usikov.

Como o governo brasileiro tentou intervir?

Além do parecer elaborado pelo INC, o governo brasileiro tentou agir de maneira diplomática para que Eduardo Chianca Rocha tivesse sua pena perdoada. O assunto foi tratado pelos presidentes Michel Temer e Vladimir Putin na reunião dos BRICS na Índia, em outubro de 2016, além dos respectivos ministérios das Relações Exteriores. A quantidade de DMT atestada pela perícia russa, no entanto, caracterizou o crime de tráfico internacional de drogas e dificultou tanto a situação do brasileiro quanto uma possível intervenção de Putin.

Sobre o apoio à família e ao brasileiro, o Itamaraty diz que acompanha o caso desde a prisão do brasileiro e "mantém contato permanente com a família do brasileiro, prestando-lhes assistência consular". "A Embaixada tem mantido, igualmente, contato com os advogados do senhor Chianca Rocha e com as autoridades judiciárias, policiais e forenses da Rússia e acompanha todos os atos decorrentes da detenção."

Logo após a prisão, congressistas brasileiros da chamada Frente Holística --liderada pelo deputado federal Giovani Cherini (PR-RS), que já participou de palestras do terapeuta-- também atuou para buscar apoio político e de especialistas em defesa de Chianca Rocha.

Onde ele está preso? Quais suas condições físicas e psicológicas?

O brasileiro está em um presídio em Domodedovo, nos arredores de Moscou, onde fica o aeroporto internacional. É uma prisão de caráter provisório; com a condenação confirmada, Rocha será levado a uma penitenciária.

O estado atual de saúde do brasileiro de 67 anos gera preocupações. "Ele acaba respirando muita fumaça de cigarro, então desenvolveu algumas patologias crônicas. Ele recebe remédios, mas eles não substituem o tratamento completo. Ele está em isolamento e em condições severas, levando em conta sua idade", diz Usikov.

No entanto, o terapeuta tenta mostrar força, segundo seu defensor. "Ele está moralmente e fisicamente exausto, mas tem um espírito forte. É uma pessoa muito religiosa. Ele acredita que Deus enviou essas provações a ele. Sua fala no julgamento foi emocionante e brilhante", conta o advogado russo.

Ele pode cumprir a pena no Brasil?

Quando os recursos do brasileiro se esgotarem, a família tentará a transferência de Chianca Rocha para cumprir a pena no Brasil, um recurso que é utilizado para permitir que os presos fiquem mais próximos de suas famílias. Pelo lado brasileiro, os ministérios da Justiça e das Relações Exteriores seriam os intermediários por um possível acordo com o governo russo.

Dessa maneira, o terapeuta cumpriria todos os termos da sentença aplicada na Rússia em uma prisão do Brasil, sem direito a revisão da pena pela Justiça brasileira.


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