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Transferência da Família Real para o Brasil: Suas Consequências. revistamilitar.pt
janeiro de 2008. Há 16 anos
Luiz de Saldanha da Gama, veador (fidalgo) da princesa Real, nomeado interinamente ministro e secretário de Estado especial, para acompanhar o príncipe Regente, assistir ao despacho e expedir as respectivas ordens.

Introdução

Prevendo a invasão francesa iminente, preparou-se com a maior urgência a retirada da Família Real portuguesa para a sua maior colónia de então. A 22 de Outubro de 1807 era assinada uma convenção secreta1 entre o nosso Príncipe Regente D. João e o rei inglês Jorge III e que estabelecia a transferência da sede da monarquia portuguesa para o Brasil. Estava ainda prevista a ocupação da ilha da Madeira pelas tropas inglesas, o compromisso de fazermos um tratado de comércio com a Inglaterra, logo após o Governo português se instalar no Brasil.

A 27 de Outubro de 1807, diversos representantes franceses e espanhóis assinaram o tratado de Fontainebleau2, onde foi estipulado que o reino português seria dividido entre a França e a Espanha, do seguinte modo: ao Rei da Etrúria, que passaria a designar-se Rei da Lusitânia Setentrional, caberia a região entre os rios Douro e Minho; a Manuel de Godoy caberia o Alentejo e o Algarve, recebendo o título de Príncipe dos Algarves; Napoleão ficaria com as províncias da Beira, Trás-os-Montes e Estremadura. Assinavam este tratado, Duroc, em nome do Imperador e D. Eugénio Izquierdo, em representação do Rei Católico.

Sem saberem do tratado franco-espanhol, os nossos representantes em Paris e Madrid foram expulsos, pois Napoleão já havia decidido invadir Portugal em virtude de D. João não cumprir as cláusulas do ultimatum. Enquanto Junot marchava com as suas tropas em direcção a Lisboa, chegava ao rio Tejo uma armada inglesa sob o comando do almirante Sydney Smith com a missão de escoltar a Família Real portuguesa para o Brasil. O embarque deu-se a 27 de Novembro de 1807, mas os navios só zarparam no dia 29, em virtude de uma tempestade no mar.

No dia 30 de Novembro de 1807, Junot chegou a Lisboa só com parte do seu exército, limitando-se a ver recortados no horizonte os últimos navios da Armada portuguesa3 e inglesa que levavam para outras terras “a nossa soberania”4. Tinha começado a I Invasão Francesa, das três que Napoleão havia de arquitectar para tentar ocupar o território português.

Este artigo para a Revista Militar surge na sequência dos trabalhos desenvolvidos para a dissertação de mestrado em História Militar, cujas provas decorrerão na Academia Militar e na Universidade dos Açores. Este tema, não incluído na estrutura da tese, parece-nos oportuno pela ocasião do Bicentenário da Guerra Peninsular e da ida da Família Real para o Brasil, que ora se evoca.

Propomo-nos relatar, sem pretensões de pormenor, a retirada da Família Real para o Brasil e da Corte portuguesa, alguns dos actos de D. João em terras brasileiras e, ainda parte das consequências benéficas que esta empresa teve para a construção do grande país irmão - o Brasil.

1. Diligências antes da Partida da Família Real

Depois de ter assinado a Convenção secreta de 1807 com Jorge III de Inglaterra, o Príncipe Regente D. João decide-se pela transferência da sede da monarquia portuguesa para o Brasil. Naquela Convenção, assinada a 22 de Outubro em Londres, ratificada em Portugal a 8 de Novembro e pela Grã-Bretanha a 19 de Dezembro de 1807, também se decidia a condição das tropas de Sua Majestade na Ilha da Madeira.

Tempos difíceis para Portugal e para os portugueses, nomeadamente para aqueles que não puderam embarcar com destino ao Brasil. Ao tomar o partido da Grã-Bretanha, como estava previsto na Convenção, esta dispunha-se a auxiliar o Príncipe Regente na retirada para o Brasil. Esta ideia já era antiga, tendo sido sugerida a D. António, Prior do Crato, e, posteriormente, a D. João IV pelo Padre António Vieira.5 “O príncipe conservou até à última extremidade a esperança de evitar o golpe fatal, não se convencendo de que o seu sogro6 quisesse ligar-se sinceramente a Bonaparte para destronar sua filha.”7 Cremos que D. João desconhecia a existência do Tratado de Fontainebleau e o seu conteúdo, pelo qual a Família Real portuguesa deixava de reinar em Portugal e previa o desmembramento do reino. D. João acabou por saber atempadamente, mas, in extremis, as intenções de Napoleão. O imperador, contando com a marcha forçada de Junot e ignorando que este se visse obrigado a estacionar em Alcântara e Abrantes, o que lhe fez perder alguns dias além do previsto, ordenou que se publicasse no periódico francês Moniteur, de 11 de Novembro, o famoso decreto de 27 de Outubro e pelo qual a Casa de Bragança deixava de reinar em Portugal, imaginando que apenas seria conhecido em Lisboa, depois da entrada do seu exército em Lisboa. “Aquele decreto, porém, chegou rapidamente ao conhecimento do governo britânico. O ministro de Portugal em Londres, D. Domingos de Sousa Coutinho, receando que as suas comunicações atingissem o seu destino tardiamente, já depois da entrada em Lisboa das tropas francesas, expediu um correio extraordinário com um exemplar do Le Moniteur para o Príncipe Regente. Ao mesmo tempo o governo inglês deu instruções a Sir Sidney Smith, que cruzava com a sua esquadra a embocadura do Tejo, para escoltar a Família Real, no caso de retirar-se de Lisboa. Por um feliz acaso, que pareceu um milagre, o correio demorou na sua viagem apenas quatro dias e muito a tempo de salvar o Príncipe e a sua Família da sorte que os esperava.”8 Com a publicação daquele decreto, o factor-surpresa esvaiu-se, pois com a iniciativa daquele diplomata português prestou-se um valioso e oportuno serviço à Pátria. “Infelizmente ainda há quem chame à retirada do Príncipe para o Brasil fuga, quando afinal foi esta inteligente resolução que salvou o trono dos Braganças, ou melhor, a soberania nacional de ser abatida e espezinhada por Napoleão.”9 Na sucessão dos acontecimentos, havia D. João de encetar vários esforços e “Determinou que partiriam todos os membros da família real, os ministros de Estado e os empregados do Paço, sem excepção; decidiu que a sede do governo do Paço, se estabeleceria provisoriamente no Rio de Janeiro, ficando o territorio portuguez sujeito a uma regencia de cinco fidalgos, que nomeou, a qual governaria em seu nome com os poderes que costumavam conceder ás regencias os antigos reis de Portugal quando iam pelejar na Africa.” 10 Esta decisão foi, contudo, bem sucedida na sua execução, uma vez que o grande objectivo de evitar o encontro da Família Real com Junot foi conseguido. No entanto, este foi recebido amistosamente por ordem do Príncipe Regente. “Apenas foi conhecida em Lisboa a entrada das tropas francesas em território nacional, o Conselheiro de Estado, D. José de Noronha, Marquês de Angeja, sugeriu ao Príncipe a necessidade de mandar alguém ao encontro de Junot, a fim de se saber da boca do general as suas intenções. O conselho foi aceite, não demorando o Príncipe a dar-lhe execução. Pensou-se de começo, em Braamcamp para se desempenhar de tão melin­drosa e delicada missão; mas, depois, pôs-se de lado este indivíduo, recaindo a escolha em José de Oliveira Barreto, negociante na praça de Lisboa, com estabelecimento na Calçada da Estrela, possivelmente da intimidade do General, durante a sua embaixada junto do Príncipe Regente. Simultaneamente, foi encarregado pelo Governo o coronel Carlos Frederico Lecor, um dos oficiais mais distintos do exército português, de observar as posições e movimentos das divisões de Junot.”11 Podemos dizer que o sistema de informações estava montado para as eventuais contingências. Os documentos que se seguem relatam os resultados das diligências de que foram incumbidos, nas cópias que se transcrevem: “LECOR INFORMA O SECRETÁRIO DE ESTADO DA GUERRA DO RESUL­TADO DAS SUAS OBSERVAÇÕES Illmo. E Exmo. Senhor Depois q. tive ontem a honra de escrever a V.Ex.ª de Sattarem, marchei para a Golegam a certificarme da verdadeira pozição do Exerçito Francez, e ali vim no conheçimento que ainda se achavam em Punhete: assim não he provavel que possão chegar a Sattarem antes de amanhãa, acresendo o embaraço q. lhe cauzara para a sua marcha o estado quase inpraticavel dos campos da Golegam. He quanto por ora se me offresse q. possa participar a V.Exª. Ds.Gde. a V.Exª. Cartacho 27 de Novembro 1807. Carlos Frederico Lecor” 12 “A ENTREVISTA DO EMISSÁRIO, OLIVEIRA BARRETO, COM O GENERAL JUNOT Illmo. E Exmo. Snr. O General Junot me respondeu em data de ontem dizendo-me que me veria hoje com muito gosto e que fosse eu encontralo a Punhete, ou a Tancos: assim o faso porque recebendo a carta do General no caminho para aqui afim de adiantar a jornada, apezar do mao tempo espero portanto hoje anoute verme com elle, e fazer quanto me for possivel por cumprir com as insinuacções de V.Exª. Posso já assegurar a V.Exª. que aquele General ignorava inteiramte. que os Inglezes tivessem partido de Portugal, e que os Portos se lhe fixassem; alem disto tãobem ignoravão da entrada no Tejo da Esquadra Russiana; e parece que desconfião de como serão recebidos daqui em diante athé Lxª. he certo que o seo dezignio hé este, veremos se o suspendem pois que he impossivel que hajão mantimentos pª. tanta gente, esta e outras razoens que o exercito já experimenta; poderão ao menos rezolvelos a mudar em parte de rezolução, finalmente nada posso dizer com certeza emq.to não me avistar com o General. Tãobem digo mais a V.Ex.ª que a tropa vem mizeravel, e falta de tudo, mas não cometem desordem maior exceto as de contribuiçoens pª. o sustento que em parte lhe tem faltado, dos sapatos que exigem poucos tem obtido. Encontrei o corrº. Aleixo Je. dos Santos nos campos desta villa que me buscou falar de ordem de V.Exª. pois tendo vindo despachado para o corror. De Santarem veio encontralo nesta villa; e como poderá ser que depois de falar com o General que me seja precizo expedilo a V.Exª. com alguas noticias, pedilhe que quizesse acompanhar-me, e com efeito vay comigo. De repente me ocorre não levar na mª. Compª. este corrº. por não cauzar suspeita e no cazo de precizão expedirey outra Pessoa. Esta he feita apressa não tenho mais tempo. Ds. Gde. a V.Exª. Golegam 26 de Novbro. De 1807. De V. Exª. Revte. Vr.Jozé de Oliveira Barreto” 13 Estas preciosas notícias de Oliveira Barreto e de Carlos Frederico Lecor foram já recebidas a bordo da esquadra que se preparava para a partida: “SENHOR Tenho aonra de remeter a V.A.R. a carta incluza que verifica oque disse ontem Lecor na carta queremeti a V.A.R. Estimarei, quanto devo que V.A.R. passe bem anoite, e lhe beijo respeituozamte. aMão; a carta de Barreto chegou pela uma orada manhan. Náo Meduza 28 de Novro.Antonio de Araujo de Azevedo” 14 Depois de esgotados todos os esforços para conseguir a neutralidade, não restava outra alternativa a D. João senão a partida para o Brasil. Tentou minimizar as perdas levando quase todas as riquezas que Portugal foi acumulando ao longo dos séculos, ficando algumas misérias que os franceses se encarregariam de levar no seu regresso a casa. A maioria dos portugueses não puderam embarcar, pois só houve lugar para cerca de quinze mil pessoas, mas eram convidados a receber os invasores como amigos, mais uma vez, para evitar sangue e a guerra. 2. O Embarque, segundo José Acúrcio das Neves Importa que fiquemos com uma ideia do que se passou naquele que se tornaria, talvez, o embarque mais dramático da História portuguesa, com consequências estratégicas que vamos ter oportunidade de ir referindo ao longo do nosso trabalho. O testemunho de José Acúrsio das Neves, que assistiu aos acontecimentos, retrata bem o momento como podemos observar: “Logo que o embarque foi resolvido, o Principe Regente tinha dado ordens, para que toda a Real Familia se transferisse de Mafra ao palacio de Quéluz, onde ficava mais proxima, e mais livre de algum desastre; pois que o inimigo caminhava a marchas forçadas com direcção á capital. Tudo se executou promptamente, e a 26 S. A. R. passou tambem áquelle palacio, para dar algumas disposições, e provavelmente, para confortar as mais pessoas Reaes neste triste lance; mas talvez era elle o proprio, que mais precisava de ser confortado. Queria fallar, e não podia; queria mover-se, e convulso não acertava a dar hum passo: caminhava sobre hum abysmo, e apresentava-se-lhe à imaginação hum futuro tenebroso, e tão incerto, como o oceano, a que hia entregar-se. Patria, capital, reino, vassallos, tudo hia abandonar repentinamente, com poucas esperanças de tornar a pôr-lhes os olhos em cima, e tudo erão espinhos, que lhe atravessavão o coração. O golpe o tinha apanhado tão desprevenido, que dous, ou tres dias antes tinha proferido com toda a satisfação, que com as providencias, que havia dado, estava em fim tranquillo da parte dos Francezes. As dispo­sições estavam feitas, he verdade, havia muito tempo; pois não passavam de méra precaução, para hum perigo, que se julgava muito remoto. Tanto isto he certo, que as provisões da esquadra se tinhão consumido em grande parte, humas com o tempo, outras por descaminhos: os proprios toneis da aguada de algumas naos se tinham extraviado, sendo agora preciso mandarem-se fazer outros de madeira nova, muito improprios para hum semelhante uso, e tudo foi confusão, e desarranjo, para se apromptar em poucos dias o puro indispensavel para huma viagem tão dilatada. Amanheceo finalmente o dia 27 de novembro, aprazado para o embarque, e a aurora perdeo todos os seus encantos sobre o horizonte de Lisboa neste dia funesto. [...]. Apparecerão com o dia pelas ruas, e pelas praias de Belém bandos errantes de pessoas de ambos os sexos, e de todas as idades, em cujos rostos estavão pintadas a mágoa, e a desesperação: chegou a temer se, que no excesso da sua dôr rompessem em algum desatino contra os que julgavão culpados na desgraça pública. Na verdade o ajuntamento não era demasiado, quando appareceo a primeira carruagem da Casa, na qual erão conduzidos S. A. R. o Principe Regente, e o Infante d’Hespanha o Senhor D. Pedro Carlos; tanto em razão da distancia da cidade a Belém, como por se ignorarem as horas, em que as pessoas Reaes devião embarcar; mas foi crescendo; e quando aquelle Augusto Senhor se apeou sobre o cáes, tudo parecia querer precipitar-se sobre elle, de fórma que na descida dos degráos lhe era necessario ir fazendo com o braço a acção de desviar o povo, que o rodeava. O largo não estava ainda guarnecido de tropa, e até o piquete de cavallaria, que acompanhava a S. A. R. se demorou alguns minutos: servirão-lhe de guarda dous soldados do corpo da policia, que alli se achavão. Ao aspecto deste Principe adorado dos seus vassallos, e agora tão consternado e abatido, todos emmudecêrão, e as proprias lagrimas lhes ficárão tolhidas, mas a dor bem pintada nos seus semblantes. Não era menos tocante a atidão do Principe: os seus pés tremulos, e sem firmeza mal podião sustentar o seu corpo vacillante: o fysico sentia as impressões violentas da moral. Seu rosto nadava em lagrimas; porque os seus olhos eram duas torrentes: e he assim que foi levado ao escaler, e neste à esquadra, sendo os adeoses, que dava ao seu povo, mais, e mais lagrimas, que lhe cahião. A multidão não apartou os olhos deste espectaculo, senão para os fixar em outro não menos doloroso. Todas as mais Pessoas Reaes, tendo sahido de Quéluz junto ao meio-dia, apparecem no largo de Belém, e seguem os passos do Principe Regente. Havia 16 annos que a Rainha N. S. tinha sido roubada, pelo estado da sua saude, ás vistas do seu povo: apparece-lhe agora, mas em que terriveis circumstancias! Em outro tempo nunca se mostrava em público, senão entre applausos, inspirando prazer e derramando graças; agora não pode a sua presença inspirar senão saudade, e amarguras. Esta Augusta Soberana mostrou huma grande resignação no seu infortunio: foi a primeira das Pessoas Reaes, que sahio de Queluz, e dizem, que vendo correr o seu coche com pressa, clamára, que a levassem devagar, porque não fugia: demorou-se hum pouco sobre o cáes, por não ter chegado a cadeirinha, em que a conduzirão ao escaler.” 15 Outro documento precioso a que tivemos acesso, foi o Diario de Euzebio Gomes, na posse do Senhor José Medeiros que gentilmente nos facultou o conteúdo que transcrevemos e que nos permite uma visão complementar do que foi o embarque, tal como ele presenciou: “Novembro 27. Hoje embarcou toda a Familia Real no Caes de Bellem tendo dado alli Beijamão ás pessoas que alli concorreram entre lagrimas e suspiros geraes, e no dia 29 com bom vento se fez á vella a Esquadra Portugueza que condusio o nosso Amabilissimo Principe e toda a Familia Real para o Brazil, cuja Esquadra se compunha de 8 Naus, tres Fragatas, dois Brigues, uma Escuna e uma charrua de mantimentos; e com ella 21 Navios de commercio nacional. Nesta noite de 29 para 30 houve um temporal tão violento que causou grandes estragos por varias partes, e no mar foi elle tão violento que a Esquadra se dispersou por tal forma que cada uma das embarcações tomou seu rumo e navegou como pôde sem jamais se avistarem na viagem, mas todos foram a salvamento. He impossivel descrever o que se passou no Caes de Bellem na occasião do embarque da Real Familia, que sahio de Mafra a toda a preça para embarcar, o caes amontoado de caixas, caixotes, bahus, malas, malotoeus e trinta mil cousas, que muitos ficaram no caes tendo seus donos embarcado. outras foram para bordo e seus donos não poderam hir. Que desordem e confuzão; A rainha sem querer embarcar por forma alguma, o Principe aflito, por este motivo!!! Foi o Laranja, (Francisco Laranja capitão de fragata e patrão mór das galeotas reaes) quem fez que a Rainha embarcase. E então o Principe deo Beijamão às pessoas que alli estavão e entre lagrimas e suspiros começam a embarcar, e não se pode descrever o que aqui se passou.” 16 3. Palavras do Príncipe Regente aos Portugueses Tudo parecia ir dar certo ao lermos os textos que se seguem, primeiro as palavras de D. João aos portugueses e depois as palavras de Junot aos lisboetas: “Tendo procurado por todos os meios possiveis conservar a Neutralidade, de que até agora tem gozado os Meus Fiéis e Amados Vassallos, e apezar de ter exhaurido o Meu Real Erario, e de todos os mais Sacrificios, a que Me Tenho sujeitado, chegando ao excesso de fechar os Portos dos Meus Reinos aos Vassallos do Meu antigo e Leal Alliado o Rei da Grãa Bretanha, expondo o Commercio dos Meus Vassalos á total ruina, e a soffrer por este motivo grave prejuizo nos rendimentos da Minha Corôa: Vejo que pelo interior do Meu Reino marchão Tropas do Imperador dos Franceses e Rei de Italia, a quem Eu Me havia unido no Continente, na persuasão de não ser mais inquietado; e que as mesmas se dirigem a esta Capital: E Querendo Eu evitar as funestas consequencias, que se podem seguir de huma defesa, que seria mais nociva, que proveitosa, servindo só de derramar sangue em prejuízo da humanidade, e capaz de acender mais a dissenção de humas Tropas, que tem transitado por este Reino, com o annuncio, e promessa de não commeterem a menor hostilidade; conhe­cendo igual­mente que ellas se dirigem muito particularmente contra a Minha Real Pessoa, e que os Meos Leaes Vassallos serão menos inquie­tados, ausentando-me Eu déste Reino: Tenho resolvido, em beneficio dos mesmos Vassallos, passar com a Rainha, Minha Senhora e Mãe, e com toda a Real Família para os Estados da America, e estabelecer-Me na Cidade do Rio de Janeiro até á Paz Geral. E Considerando mais quanto convem deixar o Governo d’estes Reinos n’aquella ordem, que cumpre ao bem d’elles, e de Meus Povos, como cousa a que tão essencialmente estou obrigado, Tenho n’isto todas as Considerações, que em tal caso Me são presentes: Sou servido Nomear para na Minha Ausencia governarem, e regerem estes Meus Reinos, o Marquez de Abrantes, Meu Muito Amado e Prezado Primo; Francisco da Cunha de Menezes, Tenente General dos Meus Exercitos; o Principal Castro, do Meu Conselho, e Regedor das justiças; Pedro de Mello Breyner, do Meu Conselho, que servirá de Presidente do Meu Real Erario, na falta e impedimento de Luiz de Vasconcellos e Sousa, que se acha impossibilitado com as suas molestias; Dom Francisco de Noronha, Tenente General dos Meus Exercitos, e Presidente da Meza da Consciencia e Ordem; e na falta de qualquer d’elles, o Conde Monteiro Mór, que Tenho nomeado Presidente do Senado da Camara, com a assistencia dos dous Secretarios, o Conde de Sampaio, e em seu lugar Dom Miguel Pereira Forjaz, e do desembargador do Paço, e Meu Procurador da Corôa, João Antonio Salter de Mendonça, pela grande confiança, que de todos elles tenho, e larga experiencia que elles tem tido das cousas do mesmo Governo; Tendo por certo que os Meus reinos, e Povos, serão governados, e regidos por maneira que a Minha Consciencia seja desencarregada, e elles Governadores cumprão inteiramente a sua obrigação, em quanto Deus permittir que Eu esteja ausente d’esta Capital, administrando a Justiça com imparcialidade, distribuindo os Prémios e Castigos conforme os merecimentos de cada hum. Os mesmos Governadores o tenhão assim entendido, e cumprão na fórma sobredita, e na Conformidade das Instrucções, que serão com este Decreto por Mim assignadas; e farão as participações necessarias ás Repartições compe­tentes. Palacio de Nossa Senhora da Ajuda em vinte e seis de novembro de mil oitocentos e sete.Com a Rubrica do Principe Regente N. S.1807, Novembro 26 INSTRUÇCÕESA QUE SE REFERE O MEU REAL DECRETODE 26 DE NOVEMBRO DE 1807 Os governadores, que Houve por bem nomear pelo Meu Real Decreto da data d’estas, para na Minha Ausencia governarem estes Reinos, deverão prestar Juramento do estilo nas Mãos do Cardeal patriarca; e cuidarão com todo o desvelo, Vigilancia e actividade na administração da Justiça, distribuindo-a imparcialmente; e conservando em rigorosa observancia as Leis d’este Reino. Guardarão aos Nacionaes todos os Privilegios, que por Mim, e Senhores Reis Meus Antecessores se achão concedidos. Decidirão a pluralidade de votos as Consultas, que pelos respectivos Tribunaes lhes forem apresentadas, regulando-se sempre pelas Leis e costumes do Reino. Proverão os Lugares de Letras, e os Officios de Justiça, e Fazenda, na fórma até agora por Mim praticada. Cuidarão em defender as Pessoas e bens dos Meus Leaes Vassallos, escolhendo para os Empregos Militares as que d’elles se conhecer serem benemeritas. Procurarão, quando possivel fôr, conservar em paz este Reino; e que as Tropas do Imperador dos Francezes e Rei da Italia sejão bem aquarteladas e assistidas de tudo que lhes fôr preciso, em quanto se detiverem n’este Reino, evitando todo e qualquer insulto que se possa perpetrar, e castigando-o rigorosamente, quando aconteça; conservando sempre a boa harmonia, que se deve praticar com os Exercitos das Nações, com as quaes nos achamos unidos no Continente. Quando succeda, por qualquer modo, faltar algum dos ditos Gover­nadores, elegerão a pluralidade de votos quem lhe succeda. Confio muito da sua honra e virtude, que os Meus Povos não soffrerão incommodo na Minha Ausencia; e que, permittindo Deus que volte a estes Meus Reinos com brevidade, encontre todos contentes, e satisfeitos, reinando sempre entre elles a boa ordem e tranquilidade, que deve haver feito do Meu Paternal Cuidado. Palacio de Nossa Senhora da Ajuda em Vinte e seis de Novembro de Mil oitocentos e sete. PRINCIPE,” 17 Eram boas as intenções do Príncipe! 4. Breve Caracterização de Portugal e dos Portugueses à época Importa reter uma breve ideia do país de que D. João se despedia por mais de uma dúzia de anos e, principalmente, sobre as mulheres e os homens que ficavam, porque a esquadra apenas comportaria transportar cerca de 2% da população que residia em Portugal Continental. Desde que D. João assumiu a regência em 1799, por motivo da demência da rainha sua mãe, segundo Adrien Balbi, o país desenvolveu-se em algumas áreas de modo significativo, nomeadamente a agricultura, o comércio e a indústria, como nos relata o autor: “Grande prosperité du Portugal jusqu’en novembre 1807. Le prince régent encourage l’agriculture, le commerce et l’industrie; crée plusiers fabriques, une chaire de métallurgie dans l’université de Coimbra, l’académie de marine et de commerce à Porto, et quelques autres établissements littéraires.”18 Outro autor estrangeiro que retratou Portugal e os portugueses foi o diplomata sueco Carl Israel Ruders19. Escolhemos alguns excertos da obra Viagem em Portugal - 1798-1802, uma colectânea de cartas, prefaciada orgulhosamente por Castelo Branco Chaves: “Não conheço livro escrito por forasteiro acerca do nosso país, onde Portugal e os portugueses sejam observados e descritos com maior objectividade e mais leal propósito de equi­dade”.20 Como estava longe a fotografia e o cinema, eram as gravuras da época e as descrições dos autores que nos transportam a épocas passadas como essa: “O homem português que, no geral, era descrito pelos viajantes estrangeiros como trigueiro, amulatado, de má formação, quanto ao físico, era, também, considerado pouco atreito à instrução e até às inovações artesanais. Fisicamente, Ruders parece tê-lo considerado tão europeu como qualquer francês, qualquer inglês ou qualquer sueco. Quanto a aptidões, considerou os portugueses com verdadeira aptidão para as belas-artes, bem como para qualquer indústria. Quanto à falta de cultura, de pequeno número de artistas, etc., considerou que tudo isso resultava, não de inaptidão ingénita, mas da falta de condições e incentivos, culpando disso os diversos governantes.” 21 Como observador atento não se esqueceu de dar a sua opinião sobre as mulheres portuguesas, com a qual concordamos e pensamos manter-se actual: “[...] as mulheres em Portugal, possuem qualidades que, em regra, são apanágios do sexo - quer dizer, são belas, amáveis, sensuais e ternas.” 22 E continua: “Os homens em geral adoram-nas, e os autores de livros de viagens celebram-nas. Pode dizer-se alguma coisa de melhor em seu louvor? [...] A fisionomia das mulheres portuguesas, falando em geral, não tem aquela delicadeza, de tão natural e perfeita inocência, de graça tão profundamente tocante, que se revela no rosto das raparigas inglesas. É mais majestosa e imponente. Mas se este grande ar incute respeito as linhas voluptuosas da sua figura também despertam apetites sensuais. Os seus belos e eloquentes olhos negros, onde flameja uma labareda, que em vão elas se esforçam por esconder, os seus formosíssimos cabelos, as suas grandes sobrancelhas pretas, o seu nariz bem talhado, os seus lábios frescos, onde paira um sorriso atraente, os seus dentes tão brancos que parecem polidos, e a sua pele branca e rosada, hão-de produzir sempre uma impressão lisongeira. O corpo é, em geral, cheio, mas bem proporcionado, os movimentos fáceis, desembaraçados e cheios de graça; os pés pequenos; o andar lento e solene. Nos seus vestidos de que elas sabem tirar partido dão preferência às coisas vistosas, ao contrário das inglesas, que se fazem notar pela agradável simplicidade dos seus enfeites.” 23 Neste verdadeiro tributo à mulher portuguesa, Ruders descreve ainda o seu comportamento e a sua sensibilidade: “Comovem-se, profundamente, com as desgraças alheias, são compassivas e caridosas com os pobres, altamente dedicadas aos parentes e amigos, afáveis com os inferiores, e bem educadas com toda a gente. De conduta honesta e recatada no mais alto grau, são ao mesmo tempo de um convívio alegre, espirituoso e vivo, contentes com a sua sorte e até resignadas com a desgraça. Em casa, tranquilas e pacíficas, mostram-se cheias de respeito filial pelos pais de idade provecta, rodeando-lhes os últimos dias de vida, quando eles disso carecem, de cuidados e carinhos. São ao mesmo tempo tolerantes para com os caprichos dos maridos, devotadas maternalmente aos seus filhos, generosas para com os velhos servidores, e reconhecidas às pessoas de quem receberam obséquios.” 24 É claro que o autor se refere às portuguesas em geral, com certeza que houve excepções, mas estas confirmam a regra. E é com a regra que nós nos orgulhamos! 5. Chegada dos Franceses a Lisboa; A Proclamação dos Franceses O comandante das tropas invasoras, entretanto chegado, Junot dirigia-se aos lisboetas com aquela que ficou conhecida como proclamação dos francezes. Esta proclamação tinha sido mandada afixar pelas ruas e praças de Lisboa na madrugada daquele dia 30 de Novembro de 1807, tanto em francês como em português, para que não restassem dúvidas. Fazemos nossas as palavras de José Acúrcio das Neves e transcrevemos também a proclamação em francês: “[...] a peça é tão interessante, tão extraordinária [...] que eu não posso dispensar-me de a transcrever toda inteira, [...].” 25: Vejamos o que disse Junot: A proclamação dos franceses 26Até chegarem a Lisboa, a 30 de Novembro de 1807, foi longo e doloroso o percurso dos invasores. Eusebio Gomes27, almoxarife28 do Palácio de Mafra, descreve a chegada a Lisboa de Junot com os seus homens e faz referência também às outras forças invasoras pelo norte de Portugal e pelo Alentejo, descrevendo, ainda, as condições climatéricas desse dia: “No dia 30 entraram em Lisboa os franceses, comandados por Junot; constava o Exército de 28 mil homens, apoiados por 11 mil Espanhóis e 62 peças de Artilharia; e ao mesmo tempo entrou pelo Minho um corpo de 10 mil homens Espanhóis e pelo Alentejo entrou outro de 6 mil homens. Acompanhava o Exército Francês muitos Generais Franceses; tais como Loison, Delabord, Kellerman, Thomier, Thiabout, Delagarde, Murgançon, Quesnel, Solignac, Maurin, Pilé e outros mais. Neste dia 30 houve um grande temporal, tanto no mar como em terra e seria longo descrever os estragos que causou e em Mafra foram eles muito grandes, pois como era dia de feira, as barracas foram todas destruídas.” 29

6. A Esquadra e a Viagem

Segundo José Acúrsio das Neves, a esquadra portuguesa era composta de oito naus, três fragatas, três brigues, uma escuna e o seu comandante-em-chefe era o Vice-Almirante. Este número de navios não é unânime para todos os autores onde o assunto é debatido, conforme iremos ver na tabela30 que se segue:

A Família Real dividia-se pelas diversas naus que constituíam a esquadra, o Príncipe Regente seguiu na Principe Real, D. Carlota Joaquina, juntamente com as suas filhas e D. Miguel, com apenas 5 anos, embarcaram na Rainha de Portugal, as irmãs da Rainha seguiram na nau Príncipe do Brasil.

Como é defendido por vários autores, embarcaram nos navios disponíveis cerca de 15 000 pessoas, representando todas as classes, “Os fidalgos, os ministros, os conselheiros, e tantos outros [...]: alguns regimentos de linha acompanháram.” Rumavam agora para a maior e mais rica colónia portuguesa - O Brasil. Por ironia do destino, as riquezas, nomeadamente o ouro, que tinham vindo do Brasil para financiar as grandes construções nacionais, como o Monumento de Mafra, Aqueduto das Águas Livres, etc..., eram como que devolvidos à colónia, pois as classes mais abastadas faziam-se acompanhar dos seus haveres, ouro, prata, pedras preciosas, obras de arte, livros, tudo embarcava. “[...] em mais de 80 milhões de cruzados orçam alguns o dinheiro que partiu para o Brasil, ficando no regio erario apenas 10.000 cruzados, sem que se houvessem pago os empregados e credores do Estado.” 51 Eram pedaços de História portuguesa que partiam, algumas delas para não mais voltarem ao seu território de origem. Cremos que este foi o primeiro passo para a independência do Brasil.

A frota zarpava finalmente ao amanhecer de 29 de Novembro, com ventos favoráveis os navios despediam-se de Lisboa e por volta do meio-dia ouviam-se “as ultimas saudações das fortalezas que guarnecem a barra.” 52 A Esquadra Portuguesa, composta pelos navios acima descritos, era seguida por mais de três dezenas de navios mercantes, escoltados por navios ingleses, como fazia parte do Acordo Secreto de 1807. Se o embarque de tanta gente e a partida da esquadra não foram pacíficas, a viagem também não se pode dizer que foi calma, pois no dia 7 de Dezembro, uma tempestade dispersou a frota na rota do Rio de Janeiro. Alguns dos navios foram “parar” à Baía a 22 de Janeiro de 1808. 7. A Chegada ao Brasil Os relatos que nos chegam da chegada da Família Real ao Rio de Janeiro transparecem o júbilo do povo e o empenhamento das entidades locais, nomeadamente o empenho do último Vice-Rei53 do Brasil que se preparava para entregar o poder “a governança” ao Seu Senhor. Antes de desembarcar no Rio, D. João passou pela Baía. 7.1. Chegada de Parte da Família Real ao Rio de Janeiro “Quando o brigue Voador chegou ao Rio de Janeiro, [...] sucedeu um levante de júbilo e cantou-se nas ruelas, desde a da Afândega à do Sabão, dançou-se nos bêcos dos Tambôres ao dos Cachorros e iluminaram-se os edifícios, da Lampadosa ao Capim e ao Castelo.” 54 Uma verdadeira cidade engalanada que se assustou com boatos de tropas hostis: “É que em vez dos franceses com as naus altaneiras, encanhonadas de peças de bom tiro, em logar das tropas ameaçadoras, cujo anúncio causára o levante e o artilhamento da cidade, chegava a nova de que, em som alegre, a esquadra portuguesa, flamulada de signas, engalanada, viria fundear no formoso lagamar do Guanabara e desembarcaria dela, como duma florida frota de mágica, toda a família real.” 55 Finalmente a Família Real estava a salvo, o mar poupou mais uma vez a lusa gente e manifestou-se como um verdadeiro aliado. “O inimigo entrara em Lisboa; o Brasil estava longe em demasia para as suas tentativas; Napoleão dominaria só na Europa e aqueles que buscava aprisionar, soberanos, príncipes, grandes fidalgos - as aves de boa heráldica, dignas de encher os seus viveiros, as suas doiradas gaiolas de Fontainebleau e Valançay - escapavam-se às garras da águia e vinham procurar o seu abrigo na sombra das grandes árvores coloniais como bandos acossados pelos tiros numa arribação feliz.” 56 Os preparativos para receber os soberanos portugueses e toda a sua Corte não foram deixados ao acaso, mas, em face da numerosa comitiva, foram muitas as casas a desalojar e a comodidade não abundava. Uma sombra do que tinham deixado para trás, em Lisboa! No entanto, a boa vontade do povo brasileiro não faltou, vejamos o que se passou: “Não se parava um instante; improvisavam-se as comodidades, vinham obedientemente os moradores intimados entregar as chaves das residências jubilosos até, veniando o senhor vice rei, mais alegre que todos eles, dando ordens formais, exercendo uma acção intensa, muito à altura da sua reputação.” 57 D. Marcos de Noronha pensou em todos os pormenores para agradar ao Príncipe Regente, a toda a Família Real e aos demais visitantes prestes a chegar. “Ia entrar no Rio de Janeiro a melhor gente portuguesa em nascimento e honrarias e êle, vice-rei, não lhe podia oferecer um pouco de pirão58, umas tiras rijas de carne, umas mãos cheias de mau arroz. Carecia-se muito gado, frutas, galinhas, cereais, géneros regionais e europeus - dos armazenados - e pacas, espécies de leitões, peixes salmourados, aves ribeirinhas de bom sabor, e doçarias, e pipas de vinho do continente, licôres suaves, àlém da cachaça destinada aos soldados, que já fardara de novo, para atalaiarem os régios paços. [...] Fazia-se a entusiástica festivi­dade, num Domingo, a dezassete de Janeiro, e toda a gente entrajada de gala, falando alto, radiante, corria a vêr as tropas formadas, de uniformes pimpantes, empenachadas, os milicianos buscando o seu aprumo, as armas scintilantes ao sol intenso e perturbante após a grande tempestade, tam forte e tam pouco acolhedora, que dispersara os vasos de guerra nos quais os monarcas velejavam para a sua capital colonial.” 59 7.2. Chegada de D. João à Baía D. João desembarcou na cidade da Baía60 a 22 de Janeiro de 1808, tendo recebido provas de muita estima e admiração por todos os habitantes que se dirigiram para o saudar ou simplesmente a vê-lo, saudado pelo capitão-general da colónia - o conde da Ponte e pelo arcebispo, por entre as mais vibrantes aclamações do povo. “A armada, desviada do caminho ordinario dessas navegações, o que visou foi verificar de passagem o que de real e positivo havia nas conjecturas dos entendidos, e essas conjecturas se confirmaram plena­mente.” 61

A História tem destes acasos, a armada comandada por Pedro Álvares Cabral, a maior e mais poderosa até então, treze navios entre caravelas e navios redondos, que partira de Lisboa com a missão de assentar paz e amizade com o soberano de Calecut com vista a “estabelecer ali uma feitoria, aonde recolher as mercadorias europeas de mór procura no paiz com o producto das quaes havia de carregar de especiarias as naus, quando tornassem.” 62 Não é de acreditar que o desvio da rota tanto para Ocidente tenha sido por acaso, mas sim de forma deliberada de modo a descobrir terras dentro do hemisfério português, conforme os tratados previam.

A 21 de Abril de 1500 os navegadores portugueses deparavam-se com sinais de terra e a 22 avistavam terra brasileira, a 23 os portugueses vão a terra e trocam presentes com os nativos, a armada ruma para Norte até darem com um “Porto Seguro”63 onde vão ancorar para “[...] tomar agua e lenha e principalmente acertar onde se estava.” 64 Passados sete dias a Armada seguiu o seu destino rumo à Índia. No mesmo dia voltou para Lisboa o navio dos mantimentos para dar a boa nova a El-Rei, com a Carta de Pero Vaz de Caminha, datada de 1 de Maio, que descreve minuciosamente o “Achamento do Brasil”. O navio mensageiro passou pela Bahia65 provavelmente a 5 de Maio de 1500. D. Manuel recebeu a carta de Pedro Vaz de Caminha, ficou contente pelas novidades, logo mandou aparelhar três navios para zarparem e reconhecerem aquelas Suas novas terras. Passados mais de dois séculos, D. João lembrar-se-ía deste episódio. A euforia também aqui se fazia sentir e o povo apareceu em massa às audiências públicas que D. João fez questão de presenciar para receber todos quantos quisessem beijar a sua mão papuda. No dia seguinte à tarde, mais pela fresca: “[...] seguira as carruagens de gala, pela Gameleira até ao teatro, onde os camaristas o aguardavam com o pálio alçado, entre alas de soldados para o Te-Deum da Sé. Sua altesa, muito guloso da música sacra, escutou-a tocada por todos os instrumentistas da cidade. Começaram, então, as festas sem conta, delírios, loucuras em que corriam rios de oiro em honra da família real que se acolhia à generosidade dos habitantes do Brasil. Imaginavam-se banquetes, que duravam horas, para agradar a gulotoneria dos recem chegados; faziam-se exercícios militares que enchiam as ruas de animação guerreira, organizavam-se cortejos, bailes populares, cantatas nas quais embalavam D. João e o queriam captar: Meu príncipe regente,Não saias daqui,Cá ficamos chorandoPor Deus e por ti... As vozes lentas, bem sotaqueadas, dôsse enlanguescência brasileira, subiam até ao varandim do paço todo iluminado; numa quebreira deli­cada, soavam as violas em lunduns doloridos, aiados, vagos e o principe sentia-se bem e dizia-o. Custava-lhe arrancar da Baía, [...].” 66 Importa referir que, ainda na Baía, D. João publicou um importante decreto, datado de 28 de Janeiro, que abria os portos brasileiros às nações amigas, mediante o pagamento de um imposto. “Foi José da Silva Lisbôa, o futuro visconde de Cayrú, um dos maiores jurisconsultos da Bahia e do Brasil, quem primeiro aconselhou esta medida, extremamente útil á nossa patria; foi uma das cousas que mais contribuiram para nossa independência e riqueza publica.” 67 “Conde da Ponte, do Meu Conselho, Governador, e Capitão General da Capitania da Bahia, Amigo. Eu o PRINCIPE REGENTE vos Envio muito saudar, como aquelle que Amo. Attendendo á representação, que fizestes subir á Minha Real Presença sobre se achar interrompido, e suspenso o Commercio desta Capitania com grave prejuizo dos Meus Vassallos, e da minha Real Fazenda, em razão das criticas, e públicas circunstancias da Europa; e querendo dar sobre este importante objecto alguma providencia prompta, e capaz de melhorar o progresso de taes damnos: Sou Servido Ordenar interina, e provisoriamente, em quanto não consolido hum Systema geral, que effectivamente regule semelhantes materias, o seguinte Primo: Que sejão admissiveis nas Alfandegas do Brazil todos, e quaesquer Generos, Fazendas, e Mercadorias transportados, ou em Navios Estran­geiros das Potencias, que se conservão em Paz, e Harmonia com a Minha Real Coroa, ou em Navios dos Meus Vassallos, pagando por entrada vinte e quatro por cento; a saber: vinte de Direitos grossos, e quatro do Donativo já estabelecido; regulando-se a cobrança destes Direitos pelas Pautas, ou Aforamentos, porque até o presente se regulão cada huma das ditas Alfandegas, ficando os Vinhos, e Aguas Ardentes, e Azeites doces, que se denominão Molhados, pagando o dobro dos Direitos, que até agora nellas satisfazião. Secundo: Que não só os Meus Vassallos, mas tambem os sobreditos Estrangeiros possão exportar para os Portos, que bem lhes parecer a beneficio do Commercio, e Agricultura, que tanto Desejo promover, todos, e quaesquer Generos, e Producções Coloniaes, á excepção do Páo do Brazil, ou outros notoriamente estancados, pagando por sahida os mesmos Direitos já estabelecidos nas respectivas Capitanias, ficando entre tanto como em suspenso, e sem vigor todas as Leis, Cartas Regias, ou outra Ordens, que até aqui prohibião neste Estado do Brazil o reciproco Commercio, e Navegação entre os Meus Vassallos, e Estrangeiros. O que tudo assim fareis executar com zelo, e actividade, que de vós Espero. Escrita na Bahia aos vinte e oito de Janeiro de mil oitocentos e oito. = PRINCIPE.= Para o Conde da Ponte.”68 Depois de assinado o decreto, “[...] e logo houve mais festas religiosas, jantares opíparos, como os oferecidos em casa de Vilela e de Antunes Guimarães, merendas de pompa na Itaparica e, finalmente, as iluminações com que se antecedeu a despedida. Parecia uma nuvem rasteira, loira e vermelha, de labaredas lambendo as águas e a cidade de Todos-os-Santos.” 69 Embora houvesse esforços para o Príncipe Regente ficar na Baía, este não se demoveu do seu destino e a 26 de Fevereiro rumou para o Rio de Janeiro, ao som de cantatas de despedida. 7.3. Chegada de D. João ao Rio de Janeiro “Aportou na Guanabára a 07 de março, sendo-lhe preparado, na capital, o Palacio dos governadores, ligado por um passadiço, á igreja do Carmo. No meio da alegria da recepcção, já se ouviam uns "vivas" dados ao imperador do Brasil.” 70 Se uma imagem vale por mil palavras, existem palavras que conseguem representar muitas imagens. Eis a chegada de D. João ao Rio de Janeiro descrita entusiasticamente por Rocha Martins: “Os céus toldavam-se no fumo dos foguetes lançados de todos os môrros, da orla da água, do topo dos edifícios, estralejando com o ribombar cavo dos tiros de salva das naus e fortalezas; festivamente os bronzes badalavam nos campanários quando ainda mal se avistavam as velas. Fôra beijar a mão ao regente o intendente da marinha, Caetano Lima, à entrada da barra. D. João acolhera-o com graça e bondade e dos seus lábios começaram a sair as palavras gratas quando distinguiu os numerosos escaleres, toldados de todas as côres, empavesados, atraentes de músicas vivas, trazendo as pessoas mais importantes e as quais rodeavam a Príncipe Real, num fetichismo, soltando as suas aclamações.” 71 Não podemos deixar de referir o contraste desta chegada com a partida de Lisboa nos finais de Novembro de 1807, contrastanto o contentamento no Rio de Janeiro e as lágrimas em Portugal. “Era no momento em que o vice-rei, de joelhos, levava aos lábios a mão do soberano a quem entregava o poder, o mando, a governança. Daquela hora em diante não era mais do que seu súbdito, um vassalo, despojado de toda a sua pompa e da sua hierarquia na colónia. No dia seguinte, quando a família real desembarcou, já o príncipe estava de ânimo tranquilo. Deixava a mãe a bordo; gravemente punha o pé em terra e logo redobrava a retumbância da pólvora, o barulho das aclamações, os retimtim repetidos dos sinos alagando os espaços de alegrias, hossanas, aleluias. As vozes subiram misturadas de entusiasmo e de fé, um hino religioso dominou-as num instante; a população prostrara-se e, junto do altar, armado na rampa do cais, o chantre72 e dois cónegos deram o santo lenho a beijar ao primeiro homem de sangue real que pisava a terra de Santa Cruz. Passou sobre os arcos triunfais cheios de alegorias e, na luz dos cinco mil brandões acêsos, apesar do esplendôr do céu dessa tarde de Março, o re-gente ia entrar no palácio com os seus, quando o povo começou a aclamá-lo:- Viva o nosso soberano!... Viva o nosso imperador!...” 73 D. João respondia a esta prova de carinho por parte dos seus súbditos, com amabilidade e cortesia. A todos tentando agradar e com gestos e com palavras delicadas granjeou a simpatia e amor destas gentes, as quais lhe faziam ofertas de grande valor, delas se destacando a Quinta da Boa Vista, que lhe foi ofertada por Elias Lopes. 8. A Corte no Brasil 8.1. Os Primeiros Tempos Os ânimos, porém, iriam arrefecer devido às poucas habitações disponíveis e necessárias para alojar tanta gente. Cerca de quinze mil pessoas para alojar e outras tantas para desalojar. “Do dia para a noite, o vice-rei fazia evacuar muitos prédios, para neles se alojar a comitiva do regente; bastavam duas simples letras - P. R.74 (Principe Regente) - postas de ordem superior em qualquer casa, para os moradores terem de mudar-se in continenti [a fim] de cederem a moradia aos fidalgos e criadagem palaciana.” 75 “Dificilmente as tropas continham a populaça; chegaram a ser rôtas as fileiras do regimento de Bragança e as peças, retumbando sempre, os sinos revolteando sons, atordoavam a gente do séquito que, sob uma chuva de flôres e de hervas aromáticas, no litaniar dos sacerdotes, ía, procissionalmente, deixar os soberanos nos seus paços. Depois, emquanto o Rio de Janeiro iluminava soberbamente e as solenidades religiosas se sucediam, começaram as bulhas por causa das aposentadorias. As habitações da cidade eram pequenas para tanta gente vinda de imprevisto e a própria família rial mal cabia nos logares que o vice rei lhe destinara ignorando divergências, questões, ciumes existentes entre personagens régias e favoritos, políticos e oficiais da Casa Real. Desalojados os carmelitas e os bordadinhos dos seus conventos deu-se êsse edifício à rainha D. Maria I e a sua filha D. Mariana, para se alojarem com uma centena de damas, açafatas, curvilheiras e retretas. Ao rez da rua, nas salas térreas, fumegavam as cosinhas, atochavam-se a manutenção e a ucharia. Transformara-se em armazem de comedorias a antiga cadeia cidadã e agora, como antigamente, não se calavam as disputas, os clamôres, as fúrias, os ralhos, os gritos histéricos das portuguesas, das negras, das empregadas régias, furiosas, umas com saùdades dos namorados, outras dengosas já em amavios, ciosas, influenciadas pelo clima e pelas comidas, atordoando o paço, atravancando o passadiço que se armara, em derretes e em balbúrdias. Para as bandas da baía magnífica, olhando as àguas, miravam os aposentos de D. João, os salões, a casa de jantar, onde êle gostava de comer com os pequenos príncipes, os quartos destinados às suas cousas íntimas, mas logo os invadiram os camaristas, os Lobatos, o paraty, os outros, ficando quase sem pompa aquele que o povo aclamava de imperador. D. Carlota Joaquina instalara-se com as filhas em cúbiculos distantes, a marcar bem a sua separação do marido; D. Maria Benedicta tambem mal encontrara guarida decente. A família real vivia numa grande promiscuidade com a gente de libré, faltavam as magníficas casas de Mafra e da Ajuda, onde para se chegar junto dos soberanos era necessário atravessar inúmeras salas; os infantes brincavam num pátio em cuja sombra a criadagem acirrava os macacos das gaiolas e os pássaros exóticos soltavam os seus gritos, abrindo os bicos recurvos e as asas variegadas, azuis, vermelhas, amarelas, de tons lindos mesmo naquela luz plumbea de poço. Os da côrte, êsses evocavam precedências e qualidades para escorraçarem os moradores das melhores residências e acomodarem-se sem mais detença.76 [...] Assim se ia instalando a corte no Brasil, os cerca de quinze mil portugueses que viajaram para o Brasil evitando o confronto com os soldados franceses e espanhóis às ordens de Napoleão, desalojavam agora aqueles portugueses indígenas de suas casas e em vez de seguir o exemplo do príncipe regente, com palavras acolhedoras e de gratidão, muitas vezes “só encontravam depois de os despojar, frases soezes para os maldizer. Riam-se dos hábitos brasileiros, das suas modinhas e dos seus sotaques, troçavam da sua existência simples, dos seus usos patriarcais, das suas maneiras de vestir, continuavam, dentro das carruagens apreendidas, seges, coches e cadeirinhas, a vida faustosa de Lisboa, recebendo do tesouro réditos e pensões e para que em tudo se assemelhasse o seu viver ao levado em Portugal, dentro em pouco as ruas cariocas estavam empestadas de detrictos, de lôdos imundos, lançados no grito porco do "àgua vai!"” 77 O que parecia o céu no início estava a tornar-se num problema social! 8.2. Os Primeiros Actos de D. João Um dos primeiros actos do Príncipe Regente foi, apenas passados três dias de se ter estabelecido a sede da monarquia portuguesa, nomear os seus ministros: “Para a pasta da Fazenda foi indigitado D. Fernando de Portugal, marquês de Aguiar, penúltimo vice-rei; para a pasta da Marinha nomeou João de Sá e Menezes, visconde de Anadia e para a pasta da Guerra e Negocios Estrangeiros foi encarregue Rodrigo de Souza, conde de Linhares78. Contrastando com as medidas tomadas para manter a neutralidade com a França, até ao dia do embarque para o Brasil, querendo evitar a guerra a todo o custo aconselhou os seus súbditos a receberem as tropas invasoras como amigas, D. João mudaria de opinião face aos acontecimentos que se estavam a passar na sua mãe-pátria e toma uma atitude que dá a conhecer ao mundo, a 01 de Maio de 1808 é publicado um manifesto, com a sua assinatura, que termina com uma declaração de guerra contra Napoleão, “protestando que não consentiria em caso algum na cessão de Portugal, e não deporia as armas sem que precedesse accôrdo inteiro com Inglaterra.” 79 Este documento, publicado em edição bilingue português e francês, digno de uma leitura atenta, com a designação de Manifesto, explica a conduta de Portugal em relação à França desde a Revolução até à Invasão daquela e as razões que levaram a declarar a guerra a Napoleão. Por uma questão de palavra e de coerência, como para responder à letra do que se estava a passar no Portugal europeu, D. João ordenou a conquista da Guiana Francesa80. Ao governador do Pará foi dada esta missão e o governador de Pernambuco apoiaria a acção com tropas e artilharia. No esforço concertado para a campanha da Guiana Francesa, entendida em jeito de retaliação contra o invasor francês de Portugal, vejamos as iniciativas tomadas nesse sentido: “[...] Formou pois, o governador do Pará uma divisão de 900 praças ao mando do tenente coronel de artilharia Manuel Marques de Elvas Portugal, que seguiu por terra, bem como uma flotilha composta de algumas embarcações pequenas e de uma corveta ingleza. Dirigida pelo capitão inglez Jayme Lucas Jéo ou Hyó como outros escrevem; levando além da tripulação, uns 500 homens de desembarque, velejou a escotilha ao longo da costa, de conserva e concerto com as forças terrestres. A 3 de dezembro de 1808, surgiu a flotilha á vista da bahia do Oyapoc, onde acabava de chegar igualmente Manuel Marques, que, depois de rebater diversas partidas de inimigos, se apresentou diante da cidade de Cayenna. Commandava na praça em que havia uma pequena fortaleza e diversos reductos, o francez Victor Hugo, que dispunha de 511 soldados, de 200 paisanos armados, de artilharia e de um brigue de guerra. Defendeu-se com denodo o Francez; quando, porém, viu que tinha perdido quasi todas as trincheiras, e os nossos bravos iam chegando à fortaleza para a tomar de assalto, julgou ser já tempo de pedir uma honrosa capitulação, dirigindo suas propostas ao chefe portuguez e ao comandante da flotilha. Como, todavia, essas propostas parecessem exageradas, estipularam um armisticio emquanto um expresso ia consultar sobre este ponto o governador do Pará. - Afim de levar prontamente ao principe estas bôas noticias, despachou este outro expresso que, subindo pelos Tocantins até Porto Real, e passando por Villa Rica, chegou ao Rio de Janeiro com noventa e poucos dias de viagem (março, abril, maio). Consentiu o governador do Pará na capitulação, modificando as propostas excessivas do Francez e concedendo aos rendidos todas as honras da guerra comtanto que se comprometessem a não pegarem em armas, durante um anno, nem contra Portugal, nem contra os seus alliados. Concedeu igualmente que a Guyana continuasse a reger-se pelas leis francezas com a condição de ser governada por um Portuguez e em nome do principe D. João. Tendo o commandante Victor Hugo acceitado estas condições, embarcou para a França com todos os seus soldados, pelo meio de fevereiro de 1809, emquanto os nossos occupavam a praça, e Manoel Marques tomava posse de Cayenna e de toda a Guyana Franceza. Cuidou sem demora o governo do regente em estabelecer o seu direito sobre todo o território, enviando para Cayenna, no caracter de intendente geral, o desembargador João Severiano Maciel da Costa, futuro marquez de Queluz, senador e ministro do imperio, revestido de plenos poderes para governar o paiz. Augmentou o governo as forças militares da Guyana mandando a Maciel mais de 800 praças de linha. Acharam os nossos em Cayenna duas typografias, que funcionavam regularmente, e, no seu territorio, diversas plantas finas da India e arvores preciosas inteiramente desconhecidas no Brasil; o desembargador Macial enviou-nos algumas dessas plantas que, propagadas pelas diversas capitanias, augmentáram a riqueza nacional, melhorando a agricultura.” 8.3. Consequências da Família Real no Brasil Depois de 14 anos muitos acontecimentos tiveram lugar no Brasil e em Portugal. Não é nosso encargo desenvolver em demasia este capitulo, pese embora ser um tema apaixonante, pelo que apenas apontaremos algumas das vantagens que a estada da Família Real e da Corte trouxeram ao Brasil. O que Portugal continental perdeu, o Brasil ganhou. A Família Real e as suas riquezas deslocaram-se para o ultramar e o desenvolvimento destas novas fortunas haveria de precipitar o processo da independência do Brasil em 1822, sem esquecer as questões ligadas à Revolução Liberal de 24 de Agosto de 1820 em Portugal. O Continente sofreria diversas invasões que tudo de mau lhe trouxe: doenças, mortes, pobreza, as maiores misérias que os homens podem fazer uns aos outros. Vejamos algumas das vantagens que esta opção estratégica trouxe para este território, então português, visto numa perspectiva brasileira: “1.º De repente, sem guerra e do modo mais honroso, acabaram-se os tempos coloniaes; em 1808, o Brasil não somente cessou de ser colonia, mas tornou-se até o centro da monarchia portugueza e, em 1815, foi officialmente elevado á categoria de Reino Unido ao de Portugal e Algarves. 2.º Nossa patria foi preservada dos horrores das guerras civis e da anarchia, que assolaram todas as republicas da America do Sul quando realizaram a sua independencia; sem a providencial chegada da familia real, os mesmos fagellos podiam nos acabrunhar tambem. 3.º O Brasil todo, desde o extremo norte até o extremo sul ficou unificado num só bloco, adquiriu cohesão em todas as suas partes; até então, a autoridade do vice-rei extendia-se pouco além do Rio; separadas umas das outras, as capitanias quasi que não dependiam do vice-rei e obedeciam, cada uma de seu lado, ao Conselho Ultramarino e á Mesa de Consciencia de Lisbôa. Com a vinda de D. João, a attenção e as vontades dos Brasileiros em peso dirigiram-se para a nova capital, para o coração do proprio paiz. Foi a mais natural centralização politica, o convergimento das forças sociaes e das actividades para o mesmo foco, a fusão das antigas capitanias numa só nação, homogénea em tudo: lingua, religião, aspirações, tendencias, nação dotada de vida propria e já emancipada da antiga metropole. Essa vinda de D. João foi o acontecimento que mais contribuiu para rematar e intensificar a admiravel e preciosa cohesão do povo brasileiro, apezar da immensidade de nosso rico territorio; para nós, essa união é um dos mais factores de progresso, uma causa de força e um motivo de patriotico jubilo. [...] 4.º O franqueamento completo de nossos portos para o commercio, 1.º decreto assignado por D. João em terra brasileira; 5.º A autorização dada aos navios de Brasil de ir para qualquer paiz extrangeiro, outorgada em 1814; 6.º O livre exercicio de qualquer industria, mesmo a de ourives, permittido a 1.º de abril de 1808; 7.º A protecção para a industria nacional e os inventores de machinas novas e a preferencia concedida aos productos nacionaes para as compras do governo; 8.º O fomento agricola por meio de premios dados aos que aclimatassem no Brasil plantas exoticas uteis á industria ou ao commercio; 9.º No Rio, a creação da Imprensa Régia, com nosso primeiro periodico, um diario, chamado Gazeta; de uma Escola anatomico-cirurgica e medica, de um laboratorio chimico, de um instituto vaccinico, do Jardim Botanico perto da Lagôa de Rodrigo de Freitas, de uma Bibliotheca Publica, das Academias de marinha, de sciencias e de bellas artes; uma fabrica de polvora, na Lagôa de Rodrigo de Freitas, transferida mais tarde para lugar mais apropriado na raiz da Serra da Estrella; o calçamento e a illuminação das ruas; o augmento da cidade além do Campo de Sant’Anna, etc. A população do Rio deve a D. João um serviço de grande utilidade para a alimentação publica: foi ele que mandou vir sardinhas da França e povôou os viveiros de sua Quinta do Cajú, donde se espalharam pela bahia e fóra, fornecendo optimo e abundante alimento. 10.º A Relação do Rio foi elevada a Casa de Supplicação; creou-se uma Junta de Commercio e o Banco do Brasil com o capital de 1200 contos de reis distribuidos em 1200 acções, isentas de penhora, etc. 11.º As provincias melhoraram tambem com a fundação de 2 novas Relações, uma no Maranhão e outra em Pernambuco; de uma typografia na Cidade do Salvador e na autonomia local concedida ás capitanias do Espirito Santo (1812), Piauhy (1814), Santa Catharina (1817), Rio Grande do Norte (1817) e Sergipe (1820); etc.”81 Por todas estas medidas e muitas outras que não nos oferece registar neste trabalho, o Brasil e o seu povo sentem uma enorme gratidão por este período histórico, sobretudo por D. João, como se verifica em mais uma passagem que consta no livro didáctico Elementos de História do Brasil, editado em 1925: “Seja como fôr, o Brasil deve ser grato á memoria do principe regente D. João, que o amou, lhe foi util e desejou sel-o ainda mais, e elevou a tal grau de prosperidade que Thomaz Jefferson, o entrevistado de Nimes com José Mariano Leal, escrevia numa carta a Lafayette, em 1817: "O Brasil é mais populoso, mais rico, mais forte e tão instruido como a mãe-patria"” 82

Conclusão

O objectivo principal deste artigo foi o de partilhar com os nossos leitores os acontecimentos que levaram a Família Real a transferir-se para o Brasil, evitando assim a sua captura por parte de Junot, e as consequências que essa decisão estratégica teve, fundamentalmente, para o futuro do Brasil.

Entre a espada e a parede, Portugal decidiu-se pela Aliança Marítima, tendo conseguido salvar o seu império ultramarino e o seu reino, deslocando a Corte para o Brasil. Quem está convencido que a Família Real fugiu para o Brasil está, na nossa modesta opinião, enganado porque esta atitude ousada foi bem preparada e única no período que foi alvo do nosso estudo. Napoleão preparava-se para capturar os mais altos dignatários de Portugal e dividir o país em três, conforme consta no Tratado de Fontainebleau. A Convenção Secreta de Outubro de 1807 entre Portugal e a Grã-Bretanha desmistifica esta controvérsia.

Podemos concluir que a decisão tomada pelo Príncipe Regente foi a mais acertada para Portugal e para o mundo e, sobretudo, para o Brasil, que ganhou com a estada da Família Real portuguesa e da Corte, criando os alicerces para a independência83, proclamada com o Grito de Ipiranga pelo Príncipe D. Pedro, futuro imperador do Brasil, em 1821.

Passados quase dois séculos sobre a ida de tantos portugueses para o Brasil e tantas outras migrações, por dificuldades e razões de vária ordem, não deixa de ser curioso o que Ângela Dutra de Menezes escreve no seu livro84 “Bisavô português é igual a carro a álcool: todo o mundo tem um”, fazendo jus ao espírito alegre e divertido do povo brasileiro. Hoje são dois países irmãos com a mesma língua, com uma parte da História comum, em que as relações de toda espécie, desde a social à económica, se incrementam.

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