Por telefone, Beira-Mar comanda execução de rapaz obrigado a comer a própria orelha
1 de agosto de 1999, domingo. Há 25 anos
22/12/08 12:35 | Atualizado: 07/09/15 09:54Foi por telefone que o traficante mandou torturar até a morte o estudante de informática Michel Anderson Nascimento dos Santos. O crime aconteceu em agosto de 1999. Michel teve um caso com uma de suas namoradas. Beira-Mar mandou sua quadrilha capturar o rapaz. Os bandidos o levaram para o interior da favela. O estudante foi espancado e torturado durante uma hora. A sessão de espancamento foi acompanhada pelo bandido que ligava de a todo instante para ver o desenrolar da tortura.- Alô. Fala, Mascote!- E aí, patrão, tranqüilo?- Tranqüilo.- A outra orelha aqui ele já comeu também.- Já comeu as duas?- Já, já.- Cadê, deixa eu falar com ele um pouquinho com ele.- Fala com o homem aí.Depois de saber do comparsa como estava Michel, Beira-mar pede para conversas com o rapaz. Foi apenas um encontro com a namorada do bandido mas que serviu como sentença de morte para o estudante, que não havia muito tempo tinha conseguido um estágio na área de informática. Tinha 21 anos, a mesma idade que o filho de Beira-Mar, e vários planos para o futuro. Irônico, Fernandinho tenta mostrar que está surpreendido com o estado físico de Michel.- E aí, tranquilo?- To todo cortado, sem as duas orelhas, sem os dois pés. Os dedos ta tudo pendurado. A orelha direita rancaram tudo, não dá para ouvir não, estou ouvindo só um barulho. E na orelha esquerda rancaram um pedaço só para mim tentar ouvir, senão não ia conseguir falar com você.- Mas você ta falando ainda.- Porque eu to ouvindo baixinho.- Ta ouvindo bem?- Não. Fala mais alto.- Continua falando, ta falando bem...- Rancaram tudo, ta tudo pendurado, tá só o calcanhar.- Caramba. E os dedinhos?- Dedinho ta tudo pendurado.- Orelha é gostoso?- É muito grande. Entrou na boca, quase que eu engoli.- É mesmo, é? Mas que boceta maldita, hein, véio? Caralho, essa boceta é maldita, né não? Bocetinha cara, né meu irmão?- Se eu soubesse, nunca tinha me envolvido.- É mesmo, é? Caramba...- To falando de coração pro senhor. Eu não estou conseguindo nem andar. Eles tentaram colocar eu para andar, não dá, não. Eu consigo dar só três passos e as pernas doem muito, dói tudo.Ele debocha do rapaz e ainda dá esperanças de que sairia vivo daquela sessão de barbárie. A vontade de viver fazia com que o estudante acreditasse na falsa promessa.- Mas ta bom, tu ta falando pra caramba.- É porque... Ó, parece que eles passaram um trator em cima de mim. Quebraram as costelas.- Não, mas eu não vou deixar eles fazerem isso contigo, não. A costela tem que ficar inteira. Quando você for agora para casa, vou mandar um táxi te levar até a porta de casa. Tu quer que ele vá para o Duque ou que vá direto para tua casa?- Seu Fernando. Manda só um táxi para avisar minha mãe, por favor.- Ah, ta bom. Então eu vou mandar um táxi te levar até o Duque, aí o mesmo táxi vai até a casa da tua família, ta bom? Garanhão, né?- Não, não senhor.- Que boceta gostosa, hein? Que boceta maldita, hein?- Fala mais alto que o sangue ta tampando o ouvido.- Vem cá, que boceta maldita, hein?- É.Fernandinho pede para falar com um de seus homens, chamado Bomba. Ele se certifica de que Michel está mal. Na verdade, Bomba é o codinome do seu braço-direito na favela, o bandido Marcos Marinho dos Santos, o Chapolim.- Fala, Patrão..- Pô, mas ta reagindo bem pra caramba, hein? Ta falando pra caramba, né?- Ele é sinistro.- Marrudo pra caralho, né?- Não, ta humilde, ta humilde. Ta aqui miudinho, miudinho.- Agora ficou humilde ele.- Humildinho, miudinho. Não ta de brincadeira não.- Não, dá mais um corinho nele, mais um corinho legal. Daqui a pouco eu ligo. Dá mais um coro pra zerar. Daqui a pouco eu ligo. Valeu?Não bastava saber que o estudante estava sofrendo com a tortura a que fora submetido. Beira-Mar sentia prazer em zombar da condição do rapaz. Mesmo pelo telefone, ele arrumava platéia para provar que tinha o poder. O traficante mandou Chapolim passar o telefone novamente para Michel. Ele queria que um amigo dele, José Ailton, que estava ao seu lado na fazenda no Paraguai, conversasse com o estagiário de informática e também tivesse a oportunidade de zombar do rapaz.- Fala com o meu amigo aqui. Fala com ele como é que você está, que meu amigo aqui ele é médico e vai ver se pode te dar um receituário.- Fala mais alto.- Oi companheiro.- Não to ouvindo direito, não.- Ah, é?- O sangue ta tapando o ouvido.- Ah, vou mandar limpar teu ouvido já. Como é que ta aí?- To sem as duas orelhas. Só tenho só o calcanhar só, parece que passou um trator em cima de mim.- Às vezes o cara vai foder e se fode, né? Mas ta bom.José Ailton passa o celular novamente para Beira-Mar que volta a falar com Chapolim.- Ele ta com dedo ainda?- Ta não, pô, ta mais não. Tem nada, nada, nada. Até aquele bagulho que segura o pé pra frente ele tem não, ta reto, ta que nem uma perna de frente. Não tem nada.- Dá só mais um coro que daqui a uns 10 minutos eu ligo de novo pra ver o que a gente vai fazer. Bem devagarzinho, não quero pressa, não.Quando começou a namorar Fernandinho, aos 14 anos, Joelma Carlos de Oliveira não imaginaria que anos mais tarde seria o pivô e vítima numa história que no início ela acreditava ser um conto de fadas. Seu corpo nunca foi encontrado.