Bula “Exortae in ista” do Papa Pio IX aos bispos do Brasil sobre a Maçonaria
29 de abril de 1876, sábado. Há 148 anos
1. As desordens originadas nesta jurisdição nos anos passados por parte de pessoas que, não obstante fossem adeptas da seita maçônica, infiltraram-se nas comunidades dos pios cristãos, trouxeram a vós, veneráveis irmãos, sobretudo nas dioceses de Olinda e Belém do Pará, um pesado tormento, bem como a nós uma grande inquietação.
Afinal, não podíamos permanecer indiferentes ao fato de que a peste letal daquela seita se havia difundido até conseguir corromper as mencionadas comunidades, e, conseqüentemente, as instituições dispostas a reforçar o espírito sincero da fé e da piedade, depois que havia sido espalhada a funesta cizânia, precipitaram numa mísera condição.
Nós, por isso, tendo presente nosso dever apostólico e sob o estímulo da paterna caridade, com a qual acompanhamos esta parte do rebanho de Deus, consideramos dever enfrentar sem hesitação esse mal e com a carta de 29 de maio de 1873 fazemos chegar a ti, venerável irmão de Olinda, a nossa voz contra esta deplorável perversão infiltrada nas comunidades cristãs, observando, todavia, um critério de indulgência e clemência em relação a quantos haviam aderido à seita maçônica por terem sido enganados ou iludidos, ou seja, suspender temporariamente as restrições das censuras nas quais eles estavam enquadrados, querendo que se valessem da nossa benignidade para execrar seus erros e abandonar – condenando-as – as associações nas quais haviam ingressado.
Encarregamos-te, venerável irmão de Olinda, para suprimir e declarar suprimidas as mencionadas comunidades se, transcorrido aquele período de tempo, não se tivessem revisto e para reconstituí-las integralmente com as modalidades que tinham na origem, inserindo novos membros imunes de toda contaminação com a maçonaria.
Nós, por outro lado, desejando pôr em alerta – como é nosso dever – todos os fiéis contra as astúcias e as insídias dos membros das seitas, na carta encíclica de 21 de novembro de 1873, endereçada aos bispos de toda a catolicidade, convocamos com clareza naquela ocasião à memória dos fiéis as disposições pontifícias emanadas contra as sociedades corruptas dos que aderem às seitas e proclamamos que nas constituições eram atingidas não só as associações maçônicas constituídas na Europa, mas também todas as que estão na América e nas outras regiões do mundo.
2. Não podemos, então, não nos admirar vivamente pelo fato que, tendo sido suspensos, com a nossa autoridade e com decisões apontando para a salvação dos pecadores, os interditos nos quais nestas regiões haviam sido submetidas algumas Igrejas e comunidades, compostas em grande parte de seguidores da maçonaria, foi retirada daí motivação para difundir por entre as pessoas a convicção que a sociedade maçônica presente nessas regiões estava excluída das condenações das regiões apostólicas e, portanto, que as pessoas que aderissem à seita podiam tranqüilamente fazer parte da comunidade dos cristãos piedosos.
Todavia, quanto essas opiniões estejam distantes da verdade e do nosso modo de sentir é demonstrado com clareza seja pelos atos que recordamos antes, seja pela carta escrita ao sereníssimo imperador dessas regiões no dia 9 de fevereiro de 1875, na qual, enquanto garantíamos que seria revogada a interdição imposta sobre algumas Igrejas dessas dioceses, se vós, veneráveis irmãos, mantidos injustamente no cárcere no Pará e Olinda, fôsseis postos em liberdade; acrescentamos, no entanto, uma reserva e uma precisa condição, isto é, que os seguidores da maçonaria fossem removidos dos encargos que ocupavam nas comunidades.
E essa conduta sugerida por prudência nossa não teve nem teria podido ter outro propósito senão o de, deferidos de nossa parte os desejos do imperador e restabelecida a tranqüilidade dos ânimos, oferecer ao governador imperial a oportunidade de restituir à antiga condição as pias comunidades, retirando-lhe a desorientação trazida pela maçonaria e, ao mesmo tempo, fazer com que os homens da seita condenada, movidos pela nossa clemência em relação a eles, procurassem subtrair-se do caminho da perdição.
Para que numa questão assim tão grave não paire nenhuma dúvida, nem qualquer possibilidade de engano, não descuidamos de declarar novamente nesta ocasião que todas as sociedades maçônicas – seja destas regiões, seja de outras, das quais por parte de muitos, enganados ou induzidos ao engano, se diz que olham apenas para a utilidade e o progresso social e para a prática da ajuda recíproca – são proscritas e golpeadas pelas constituições e pelas condenações apostólicas, e que quantos desgraçadamente se inscreveram nas mesmas seitas incorrem por isso na mais grave excomunhão – providência reservada ao romano pontífice.
Não com menos solicitude recomendamos ao vosso zelo que, nessas regiões, a doutrina religiosa seja transmitida diligentemente ao povo cristão com o anúncio da palavra de Deus e os oportunos ensinamentos. Sabeis, afinal, quanta utilidade deriva ao rebanho de Cristo se o ministério é bem exercido, e quais gravíssimos danos se é transcurado.
3. Mas, além dos argumentos tratados aqui, somos constrangidos a deplorar o abuso do poder da parte dos que presidem as já mencionadas comunidades, os quais, como nos foi referido, revogando todas as coisas segundo seu próprio arbítrio, pretendem atribuir-se legítima autoridade sobre os bens e as pessoas sagradas e sobre as coisas espirituais, de modo tal que os eclesiásticos e os próprios párocos estão completamente sujeitos aos poderes daqueles, no cumprimento dos deveres de seu ministério.
Esse comportamento é contrário não somente às leis eclesiásticas, mas também à ordem constituída por Cristo Senhor na sua Igreja. Afinal, os leigos não foram postos como cabeça do governo eclesiástico, mas para sua utilidade e salvação devem estar submissos aos legítimos pastores, sendo sua função oferecer-se como ajudantes do clero para as situações particulares, não devendo se intrometer naquelas coisas confiadas por Cristo aos sagrados pastores.
Por isso achamos urgente que os estatutos das mencionadas comunidades sejam redigidos segundo a correta ordem, e tudo o que neles estiver fora da norma e incongruente por qualquer aspecto seja perfeitamente conformado às regras da Igreja e da disciplina canônica.
Para alcançar essa meta, veneráveis irmãos, considerados os intercâmbios que ocorrem entre as comunidades e o poder civil, naquilo que concerne à sua constituição e ordenamento nas coisas temporais, já concedemos ao nosso cardeal secretário de Estado os devidos mandatos para agir com governo imperial, buscando reunir com ele os esforços úteis para obter os resultados desejados.
Confiamos que a autoridade civil unirá o seu solícito interesse ao nosso; por isso pedimos com todas as nossas forças a Deus, do qual provêm todas as coisas boas, para que se digne acompanhar e sustentar com a sua graça esta iniciativa de tranqüilizar a religião e a sociedade civil.
Também vós, veneráveis irmãos, uni as vossas orações às nossas, para que esses desejos se realizem e como penhor do nosso sincero amor, recebei a bênção apostólica, que concedemos, de coração no Senhor, a vós, ao clero e aos fiéis confiados aos cuidados de cada um de vós.
Roma, dado em São Pedro, no dia 29 de abril de 1876, XXX do nosso pontificado.