Os crimes cometidos pelo engenheiro Wanderley Gonçalves Quintão e a estudante Maria de Lourdes Leite de Oliveira mais conhecidos como o Caso Van-Lou estão entre os crimes mais notórios do século XX no Brasil.
Os assassinatos dos ex-namorados de Lourdes, ocorridos em 20 de de novembro e 3 de dezembro de 1974, receberam ampla cobertura da imprensa e causaram comoção popular.
Causaram repercussões no comportamento social e até hoje são lembrados em reportagens e também retratados no filme Beijo na Boca.
Estava lá – na Avenida Sernambetiba – um corpo estendido no chão – com a cabeça em cima de uma poça d´água.
Por volta das nove da noite do 3 de dezembro de 1974, entre o final da iluminação e a Avenida Alvorada, Almir da Silva Rodrigues foi encontrado agonizando, alvejado por cinco balas.
Em sua mão direita havia fios de cabelos pretos, femininos, ensopados por laquê, cosmético então na moda.
Almir passou nove dias no Hospital Miguel Couto, tentando sobreviver, após três cirurgias para extração das balas que o atingiram suas costas, virilha e o pescoço.
Mas o que conseguiu foi só deixar incriminada a ex-namorada Maria de Lourdes Leite de Oliveira, a Lou, imputando-lhe a autoria do primeiro tiro – pelos outros quatro, acusou “um homem” que ele não conhecia.
“Foi a Lourdes, foi ela, Lourdes”, balbuciou, semiconsciente, quando levado por um carro da PM, durante a noite daquela terça-feira trágica.
DUAS SEMANAS antes, na mesma Barra da Tijuca, Wantuil de Mattos Lima, técnico em consertos de TV, passara pelo mesmo tipo de execução. Sua mulher suspeitava de que ele tivesse um caso com a Lou e chegou a telefona-la, exigindo explicações.
Esquisito! Uma estudante universitária, moradora da chic Zona Sul carioca, aos 24 anos de idade, figurando no noticiário policial dos jornais, rádios e TV, citada por envolvimento sentimental com dois pobretões suburbanos e de participação em dois crimes. Afinal, quem era esta Lou?
Para os familiares, uma moça meiga, dengosa, exigente com alimentação, roupas, calçados, tudo o que se ligasse à moda.
Os jornalistas que a entrevistaram disseram ser “uma garota meio enigmatica”, enquanto o advogado Mário de Figueiredo, com 34 anos de praça, afirmava ser uma “menina vítima de uma cretinice bárbara”.
De sua parte, Lou definia-se “alguém que gosta de viver bem, como toda moça de minha idade”, conforme declarou à revista “O Cruzeiro”, de 05.03.1975, da qual foi capa.
Lou tivera vários namorados, antes de ficar famosa, mas sem perder a cabeça por nenhum deles. À época dos dois crimes, ela residia no 10º andar do prédio de nº 36, da Rua Lauro Müller, em Botafogo.
Já havia morado no Edifício Visconde de Caeté, nº 246, da Rua Carlos Sampaio, na Cruz Vermelha, sem fazer amigos, a não ser a costureira Janoca Lemos Albernaz, que seguia atendendo-lhe.
DOIS AMORES – Almir e o engenheiro Wanderley Gonçalves Quintão disputavam os amores de Lou. Trabalhador de uma oficina mecânica da Rua Pereira da Siqueira, na Tijuca, o primeiro se virava, desde os 14 anos de idade, inicialmente, como “office-boy” de lojas e, depois, aprendiz de mecânica e motorista de taxi, como o pai.
Para a mãe, Lídia, ele era “um menino puro”. Os irmãos Aprígio e Sérgio sabiam do seu caso com a morena fatal, tendo Aprígio declarado à 16º Delegacia de Policia, na Barra da Tijuca, que Almir “tinha uma transa com a filha de um homem de prestígio (Coronel Lúcio Oliveira), uma dona, em Copacabana, de nome Lourdes, que parava muito na dele”.
PELA VERSÃO de Lou, ela haviar rompido com Almir, “por pressões familiares”, mas não deixava de contata-lo, de vê-lo.
O encontro resultante no crime fora marcado, na véspera, para as 19h30 do dia seguinte, próximo a um posto de gasolina da Rua Mem de Sá. Às 14h30, Vanderlei surgiu à porta do seu apartamento.
Saíram juntos e foram à Barra da Tijuca, onde o rapaz consumiu, nos bares Corcovado e Rancha Alegre, respectivamente, batidas com água de coco (tira gosto de siri) e um “traçado”, também bebida alcóolica, enquanto ela, garantia, só bebera Coca-Cola.
O tempo rolou e Lou, ainda pela sua versão, pedira a Vanderlei que a levasse à Rua Mem de Sá, dizendo-lhe precisar encontrar-se com a sua mãe, para irem à costureira.
Ao encontrar-se com Almir, foram até um local do Recreio dos Bandeirantes sem nenhuma luz. Por ali, o cara disse-lhe que um pneu do seu carro havia furado.
Pararam no acostamento, ficarem conversando dentro do automóvel e, de repente, faróis aproximando-se evidenciavam que Vanderlei os havia seguido. Avisado de que o iluminador era o seu namorado Vanderlei, o companheiro de escapada saiu do carro para falar com o rival.
NESSE PONTO, a versão de Lou lembra os livros de ficção policial:
“Saí do carro, ouvi uns tiros, me escondi. Só ouvia o barulho do mar. Vi o Almir caído. Vanderlei abaixou-se, fez mais dois disparos e dirigiu-se a mim, chamando-me de infiel, vagabunda e outras palavras impublicáveis.
Em seguida, ordenou-me entrar em seu carro e manter bico calado, se não quisesse ter o mesmo destino. Disse ter usado dois revólveres para a polícia achar que fora um assalto”.
Serviço feito, Lou viu-se, finalizando a sua versão, levada para o Rancho Alegre, com Vanderlei a abraçando e falando frases de amor. Ao entraram, o namorado pediu carne de veado, bebeu um “traçado” e exibiu-se, em uma barra de ferro, fazendo malabarismos. Às 10h15 da noite deixou-a em casa, passando, a seguir, a buscar um álibi para ele e, “ todo custo”, tentar incriminá-la.
QUANDO OUVIDO na 16º DP, Vanderlei negou já ter possuído armas e garantido nem saber atirar, ainda mais com as duas mãos, “como mocinho de banque-bangue”.
Acusou o advogado Mário de Figueiredo de subornar pessoas, para montar um álibi, enquanto o seu advogado, Laércio Pelegrino acusou Lou de inventar uma “história sem sentido”.
Lou e Van foram a julgamento em 1979. Durante as investigações, ela entregou à polícia um revólver do seu pai, dizendo tê-lo emprestado a Vanderlei.
No exame de balística, feito pelo Instituto de Investigações Científicas e Criminais, ficou a comprovado ter a arma sido usada pelo seu namorado, por conta de um pacto para eliminar todos os amantes dela.
O julgamento levou quatro dias, tendo a Lou sido condenada a 20 e o Van a 18 anos de prisão. Em, 1982, ele conseguiram liberdade condicional.
Lou formou-se em Direito, mas jamais arrumou emprego. Um dos repórters que a ouviu, Wanderley Lopes, de “O Cruzeiro”, enquanto Irineu Barreto Filho a fotografava, anotou: “...estão dizendo coisas absurdas, que eu matei um rapaz... eu nunca matei ninguém...Tenho um bom coração” – imagine se não tivesse!