Valois de Castro conseguiu despertar a ira do redator do jornal mais lido de São Paulo em plena 1ª Guerra Mundial.Colaborou Paulo de Tarso Venceslau(Jornal Contato)O cônego José Valois de Castro, junto com o irmão, o monsenhor Nascimento Castro, foram figuras proeminentes na Taubaté das primeiras décadas do século XX. Segundo referências, Valois era um político fino que representou Taubaté e toda esta região no poder Legislativo como deputado estadual, federal e senador por muitos anos, quando os evangélicos eram rarefeitos.Porém, foram as opiniões dúbias sobre a posicionamento do Brasil frente a 1ª Guerra Mundial (1914/1918) que trouxeram uma infame notoriedade a Valois (lê-se Valoá). Mesmo após os alemães afundarem navios brasileiros e o povo sair à rua pedindo vingança, o religioso, que era deputado federal, se recusou a votar favoravelmente a entrada do Brasil na Guerra e não apoiou a decisão de declarar a Alemanha como nação inimiga. A imprensa se mostrou abismada com Valois quando, em outro episódio, o deputado religioso se solidarizou com o diretor do “Diário Alemão”, quando este foi empastelado.Para muita gente, este gesto foi uma afronta ao Brasil e um gesto de impatriotismo. Jornais e revistas taxavam o religioso como “germanófilo”. A imprensa se levantou e conseguiu jogar a opinião pública contra Valois. Nem da veia satírica do escritor Juó Bananére Valois escapou. O livro Calabar foi escrito especialmente para satirizar o cônego de Taubaté(Veja abaixo).Para aumentar as tensões o governista Partido Republicano Paulista apresentou como candidato ao Senado do Estado justamente o impopular e eletrificado nome de Valois de Castro. Para muitos, a decisão foi interpretada como uma acintosa ofensa.1ª Guerra como pano de fundoOs estudantes da Faculdade de Direito levantaram-se indignados contra a decisão do PRP – Partido Republicano Paulista ter escolhido o nome de Valois para disputar o senado estadual. O movimento era patrocinado pelo jornal “O Estado de São Paulo” e encabeçado por alguns dos jovens mais inflamados da época.A candidatura de Valois de Castro foi lançada efetivamente em 9 de maio de 1918. Os estudantes responderam no dia 14 com a candidatura de Pereira Barreto (saiba quem ele é aqui).“Na opinião do povo paulista, o cônego José Valois de Castro foi e é um mau cidadão, um falso brasileiro, porque não compreende[…] que nenhum de nós, sob pena de cair em crime de traição, pode ser amigo e admirador da Alemanha, partidário teimoso da guerra alemã”, escreve o jornalista Júlio de Mesquita em editorial do seu jornal.Por outro lado, as opiniões de Valois de Castro encontravam abrigo no jornal Correio Paulistano, que representava o Partido Republicano Paulista e que defendia a tese de que Castro sofria perseguição de “oposicionista anticlericais”: “[…]Nada, absolutamente nada se encontrou contra o sr. Valois de Castro,[…] vê-se bem, portanto, que só mesmo a diabólica perseguição é possível filiar essa trama, urdida de malícias e invencionices”.Para desespero de Valois, o movimento contra a sua candidatura ganha a simpatia de estudantes, intelectuais e artistas.Estadão na contramãoEm meia página do Estadão da edição de 31 de maio de 1918, os Mesquita publicaram quatro diferentes manifestos dirigidos com a manchete Ao Povo Paulista assinados respectivamente:Da Classe dos Engenheiros; Da Comissão Acadêmica (estudantes); Das Classes Independentes (“cidadãos absolutamente estranhos a agremiações partidárias”); e Da Classe Médica, todos defendendo a candidatura do médico, cientista e empresário Luiz Pereira Barreto contra as “convicções antinacionais” de Valois de Castro. Monteiro Lobato também subscreveu o manifesto assinados pelos chamados independentes. Nos anos seguintes, o clero cobraria com juros o posicionamento do criador da Emília (saiba mais aqui e aqui).O rótulo de antipatriota e defensor dos inimigos da nação acabou colando no cônego Valois. “A onda cresce. Já não é onda. É um mar que se levanta” – assim começa uma nota de Júlio de Mesquita no dia 29 maio, três dias antes das eleições. O redator estava convicto que Valois seria derrotado. A temperatura política aumentava na imprensa onde o cônego ganhava considerações cada vez mais violentas e era chamado, entre outras coisas, de Von Kastro e de “candidato prussiano”(referência ao reino alemão).No dia das eleições, tudo indicava que Pereira Barreto seria eleito, mas ao serem apurados os votos surge a vitória de Valois de Castro.ReaçõesA indignação foi generalizada por aquela “vitória” forjada, como era comum à época, nas atas do Partido Republicano Paulista: “Há triunfos que envergonham”, lamentou o “Estado”.A polêmica prosseguiu mesmo depois das eleições. No dia 9 de junho, uma nota denuncia pela primeira vez a fraude no pleito, sem contudo apresentar qualquer prova material.Os documentos publicados, porém, eram irrefutáveis: eleitores de Pereira Barreto haviam entregue à redação títulos que comprovavam a votação no médico renomado internacionalmente.O ataque foi frontal:“Esta descarada e indecentíssima falcatrua, esta infame espoliação, este roubo vil, este vergonhosíssimo assalto à mão armada […] não é nenhuma novidade nas eleições republicanas”, denunciava o “Estadão”.Apesar de toda movimentação orquestrada pelo jornal da família Mesquita, Cônego Valois de Castro permaneceu no parlamento até 1930, quando foi defenestrado definitivamente da política nacional com a ascensão de Getúlio Vargas no comando da revolução que marcou o fim da Velha República. Valois faleceu no ostracismo político em 30 de junho de 1939.Fontes:Acervo pessoal Humberto Passarelli, Acervo Estadão, Hemeroteca Digital Brasileira, Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin – USPCaso virou livroOs ataques a Valois de Castro não se limitaram aos jornais.Ainda em 1917 é lançado um livrinho de poemas satíricos intitulado Calabar: Libro di Saniamento Suciali, escrito por Juó Bananere e Antonio Paes. A primeira parte, em dicção macarrônica, foi escrita por Juó Bananére, personagem criado pelo engenheiro Alexandre Marcondes, um “baolista [corruptela de paulista] de Pindamonhangaba. A segunda, em português, por Moacyr Piza, atrás do pseudônimo Antonio Paes. O traidor apontado no título era o nosso cônego Valois de Castro, que na interpretação dos autores, teria aderido à Alemanha no período da Primeira Guerra Mundia. Um anúncio da publicação de Galabáro proclamava: “Calabar di Juó Bananére i Antonio Paes – Estupendimo livrio di scugliambaçó co padri chi abracciôu allem! – avenda in tuttas part-! – 1$000 cada uno.”Trechos do livroDe Juó Bananére:“Na tardi du dia 10 du meze di Abrile di 1917 disposa du nascimente di N.S. Gisuis Gristo, u povo di Zan Baolo, indignado co torpediamente du vapore nazionalo “Paraná” si aruiniro nu largo di Zan Francesco, fizéro uma purçó di,discurso i dispoza furo apassiá nu Triangoló, dando morra p’rus allemó, i viva p’rus inlutado! As cosa ia ino molto bé guano arguê se alembró di cumprá un numaro du,“Guirnale Allemó” p’ra lê. Dizia u arifirido giurnali chi u Brasileera una porcheria i chi tuttos brasilere era uns troxa! Dizia tombêchi u Brasile, si adicrarasse guerre p’ra Allémgna era cangia. Assichi u povo subi distu fattimo, riservêro insigná un poco di indicucaçóp’ra istus giurnaliste strangiére chi non sabi adondi é u suo lugáro.Intó, inbaxo dus grito di impastela, impastela! furo tuttos currénop’ra rua Libero, pur causa di impastellá u “giurnale margreato”.Inquanto u povo assi amanifestava a rivorta du suo patriotismofendido, u padri Valuá, braziliére, stava lá dentro du arif irido giurnaliaus beggio i aus abbraccio con aquillo mesimo allemó chi tigna iscrivido contro a sua Patria!” “Nu otro die di magná u “Stá di Zan Baolo” inpubricó a seguintenutica:0 cônego dr. Valois de Castro, deputado federalpor São Paulo, visitou ontem a redação do“Diario Alemão”, depois que os populares indignadoscom a atitude inconveniente daquele periódico, o atacaram a pedradas.Ao retirar-se do “Diario Alemão”, o cônegoValois de Castro foi acompanhado até a porta daredação, pelo proprietário do mesmo jornal, dequem se despediu num prolongado abraço. Nu dia 13, u gonego traidore, si avia di infiá a gara naquillo lugáro,puxá a agua inzima i fica bê chetigno, inveis nó!Inpublicó ingoppa da “A Platé ” a seguintima digraraçó:O deputado Valois de Castro à Sociedade Paulista“Um dos matutinos desta capital envenenando a minha presença na redação do “Diário Alemão” na tarde do dia 10, parece ter querido diminuir-me no conceito dos meus concidadãos como sacerdote e como brasileiro.Eis os fatos como se passaram: Ainda convalescente em casa fui informado deque estava em perigo a vida do sr. Rodolpho Troppmayr,cavalheiro residente nesta capital há mais de vinte anos, casado com família brasileira e com quem mantinha, ha muito tempo relações deEntendendo e bem que a minha palavra de brasileiro poderia e deveria ser atendida pelos meus compatriotas na defesa da existência de um chefede família, cuja vida está confiada à nossa generosidade, dirigi-me para lá afim de verificar a veracidade das informações recebidas.E assim se justifica. a minha presença na redação daquele “Diário”- Tratava-se simplesmente de um dever de sacerdote e de amigo quenão colide com “o dever de cidadão, tanto mais quanto à essa hora não era ainda conhecida “oficialmente” a decisão do governo rompendo relações com a Alemanha.Deixo a consciência dos homens de bem o juízo sobre a nobreza da minha conduta”.deputado VALOIS DE CASTRO. De Antônio Paes PIOR QUE JUDASO cônego traidor escreveu aosjornais, procurando explicar asua presença no Diário Alemão”e o motivo por que abrigara o respectivoredator, afrontando asiras populares. É inútil, reverendo: não me embrulhasCom tuas inefáveis cantilenas.Para mim, corno outrora, és hoje, apenas,Um grande pulha entre os maiores pulhas.Tu próprio, com o que dizes, te condenas (E cada vez no lodo mais mergulhas.A’s lérias ninguém liga, com que atulhasAs cacholas dos parvos, nas novenas.Todas as vans razões em que te escudas..E que a tolice tua à imprensa trouxe,Mostram, ó padre, que és pior que Judas.Sim, porque Judas — conta-o o livro santoRoído de remorsos, enforcou-seE tu não tens coragem para tanto.Antônio Paes