A Batalha da Maria AntôniaA Universidade do Mackenzie, em São Paulo, sempre abrigou a elite conservadora paulistana em suas salas de aula. Enquanto a maioria do movimento estudantil era composta por militantes de esquerda com tendências claramente comunistas, os estudantes do Mackenzie declaravam-se direitistas e defensores do golpe militar de 1964. Na época do golpe, o CCC, composto por estudantes vindos daquela universidade, foram os que perseguiram tenazmente os líderes da UNE. No Rio de Janeiro, membros do CCC teriam incendiado a sede da UNE em 1964. Em 1968 os integrantes do CCC iniciaram uma verdadeira perseguição aos atores e representantes da cultura que parcamente, avaliavam como subversivos e ofensivos aos costumes e à moral vigente. Um dos atos mais radicais que membros do CCC praticaram foi o espancamento dos atores da peça “Roda Viva”.Em 1968 o prédio da Universidade do Mackenzie era vizinho da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, que ficava na Rua Maria Antônia, no centro de São Paulo. Se o Mackenzie era reduto do CCC, da FAC (Frente Anticomunista) e do MAC (Movimento Anticomunista), e de outros estudantes de direita, a Filosofia da USP era reduto da esquerda, abrigando a sede da clandestina União Estadual de Estudantes (UEE) e a proscrita UNE.No dia 2 de outubro os estudantes da Filosofia promovem um pedágio na Rua Maria Antônia para angariar fundos para o Congresso da UNE, a realizar-se clandestinamente dentro de alguns dias. Ao assistirem o ato, os estudantes do Mackenzie, em tom provocatório, começou a atirar ovos nos colegas da Filosofia. Iniciou-se um tumulto e ofensas de ambas as partes, com grupos defrontando-se de forma ameaçadora. Para pôr fim ao tumulto, a reitora do Mackenzie Esther Figueiredo Ferraz, chama uma tropa de choque, alegando que pretendia proteger o prédio da universidade de uma possível depredação.
No dia seguinte, 3 de outubro, a animosidade entre os estudantes vizinhos continuou. Faixas da Filosofia foram arrancadas pelos estudantes do Mackenzie. Começam a explodir rojões, vidraças são quebradas. Uma batalha armada de pedras, paus e tijolos é iniciada, prosseguindo com bombas e tiros. Armados de metralhadoras, um esquema de guardas protege o Mackenzie. À frente dos estudantes da Filosofia estão o presidente e vice-presidente da UNE, Luís Travassos e Edson Soares respectivamente, e o presidente da UEE de São Paulo, José Dirceu.No meio do tumulto, centenas de pessoas aglomeram-se na Rua Maria Antônia, um policial tenta conter a agitação, disparando tiros para o ar, enquanto que um aluno da Filosofia tenta tomar-lhe a arma. Trocas de coquetéis Molotov voam entre os estudantes rivais, incendiando as paredes da Filosofia. Um estudante do Mackenzie é ferido por um rojão, ele é socorrido por uma ambulância. Os confrontos tornam-se acirrados. Bombeiros são chamados para combater focos de incêndio. O estudante secundarista José Carlos Guimarães, que ao ir a uma livraria da região resolvera ajudar os estudantes da USP, é baleado na cabeça, segundo algumas testemunhas, pelo atirador Osni Ricardo, membro do CCC e informante da polícia. José Carlos é carregado pelos colegas, mas morre a caminho do hospital.Após a morte de José Carlos, José Dirceu faz um discurso relâmpago, incitando os colegas a uma passeata de protesto pelas ruas de São Paulo. 800 pessoas saem em passeata. Pelo caminho incendeiam carros da polícia. São dispersos pelos soldados na Praça das Bandeiras.Ao fim do confronto, que passou para a história como a “Batalha da Maria Antônia”, o saldo era desolador e trágico: um morto, três estudantes baleados e dezenas ficaram feridos. À noite o teto do prédio da Filosofia ruiu. A faculdade passaria a funcionar em barracões do campus. O incidente precipitou a transferência da faculdade para o atual campus Armando de Salles Oliveira, no Butantã. O prédio incendiado foi restaurado, nos tempos atuais abriga o Centro Universitário Maria Antônia, um espaço cultural.domingo, 11 de maio de 2008Os movimentos divididos e as ilusões mescladasJosé Carlos Guimarães morto com um tiro na cabeça na rua Maria Antônia em 1968