Marieta Pinheiro de CarvalhoEm 28 de janeiro de 1808, o então príncipe regente, d. João, ordenava na Bahia a abertura dos portos às nações amigas. Apesar de ter sido criada em caráter interino e provisório, as dimensões de tal medida afetaram substancialmente as relações entre Portugal e Brasil. Mas, o que de fato significou a abertura dos portos?Para a compreensão do peso desse decreto é necessário retornar um pouco no tempo e perceber como ocorriam as ligações entre metrópole e colônia. A colonização da América, desde os primórdios, foi estabelecida tendo por base o cultivo de produtos essencialmente tropicais e altamente comercializáveis no mercado europeu, dentro de um sentido de produção complementar à economia metropolitana. Mais conhecido como Antigo Sistema Colonial, essa forma de colonização específica da época moderna, alicerçava-se em três pilares básicos: o exclusivo comercial, a escravidão e o tráfico negreiro, por meio dos quais a colônia era vista como um espaço propiciador para a acumulação primitiva de capital na Europa.A escravidão e o tráfico negreiro se inseriam na lógica do Sistema Colonial por serem meios proporcionadores de alta rentabilidade para a concentração de capital no Reino. Já o exclusivo comercial, eixo central do sistema, consistia no monopólio pela Metrópole de tudo que saía e entrava nas possessões. Assim, a produção colonial (matérias-primas) era comprada por um preço mais baixo e as importações seguiam para a colônia por um preço mais alto, uma vez que ela só podia comprar da metrópole. Tal produção colonial, voltada essencialmente para a exportação, era gerada nas grandes propriedades rurais prosperadas a partir da mão-de-obra escrava. Essas eram as linhas gerais do exclusivo ou pacto que dominou as relações coloniais.Com a progressiva importância que o Brasil ganhou para Portugal, sobretudo a partir de meados do século XVIII, o pacto se tornou algo ainda mais fundamental. O estabelecimento de uma política que tencionava a prosperidade do Reino reforçou ainda mais os laços entre a mãe-pátria e os seus domínios, ainda que dentro de uma nova roupagem, a qual visava também ao crescimento da colônia. A partir de idéias reformista-ilustradas, objetivava-se ajustar o Reino, reinserindo-o na competição econômica entre as potências européias e, igualmente, contendo as manifestações de crítica ao sistema por parte dos colonos. Nessa política mercantilista ilustrada que considerava a relação metrópole e colônia como partes complementares, acreditava-se ser por meio da América - pela exploração das suas riquezas naturais - bem como pela experimentação do cultivo de novos produtos agrícolas como cochonilha, anil, linho (ver ANRJ, fundo Secretaria de Estado do Brasil, códices 67 e 106, dentre outros), que se aumentariam as exportações e se desenvolveriam as manufaturas do Reino.O contexto continental europeu posterior à Revolução Francesa trouxe para Portugal um clima de instabilidade em suas relações diplomáticas, sobretudo, com Inglaterra e França, países posicionados em lados opostos nesse momento. Os conflitos entre os dois reinos acabaram por ecoar em Portugal, que manteve enquanto pôde uma política de neutralidade. Entretanto, o Bloqueio Continental estabelecido pela França, que considerava todos os aliados dos ingleses como inimigos e suscetíveis de invasão, acarretou em Portugal uma aliança mais definida à Inglaterra, opção esta já tomada em outros momentos de sua história. Com a ameaça mais freqüente de incursão francesa, a alternativa de transferência da Corte para o Brasil - parte mais importante do Reino - pensada em outras ocasiões, foi levada a efeito, embarcando a família real para a América em 1807.O decreto de abertura dos portos marcou uma nova era para o Brasil. Muitos historiadores, como Maria Odyla da Silva Dias, por exemplo, percebem-no como um marco em nosso processo de emancipação política. Ocorreu uma inversão do pacto colonial e o princípio da interiorização da metrópole na América portuguesa. A cidade do Rio de Janeiro, que passou à condição de Corte, assumiu o antigo lugar de Lisboa como entreposto comercial entre as colônias e os demais países.Num primeiro momento, quem mais usufruiu a liberdade de comércio com o Brasil foi a Inglaterra. Em ofício encaminhado ao visconde de Anadia, datado de 4 de janeiro de 1808, dias antes de o príncipe regente aportar em terras americanas, o governador de Pernambuco, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, indagava como deveria proceder com os ingleses em relação ao pacto colonial: "Sendo proibido no Brasil todo comércio com estrangeiros que modificações se devem agora fazer a respeito dos ingleses? Como devem eles ser recebidos? Quais gêneros e fazendas hão de ser admitidas a despacho? Que direitos hão de pagar as mesmas fazendas?" (ANRJ, Série Interior, IJJ9 237 / ver sala de aula). Os tratados de 1810, firmados com essa potência acabaram por assegurar tais indícios, uma vez que as taxações para a importação de produtos ingleses (15 %) eram menores do que para os produtos reinóis (16%).A quebra do monopólio, por outro lado, proporcionou o desenvolvimento de ramos de atividades que até então eram proibidos; ela foi seguida de outras leis estimuladoras do comércio. Este foi o sentido do alvará de 1º de abril de 1808 que autorizava a abertura de fábricas e manufaturas em todas as partes do Império, revogando o de 5 de janeiro de 1785. Exemplo significativo desse aspecto foi o requerimento de Ignácio de Sequeira Nobre à Junta do Comércio para abertura de uma fábrica de vidros na Bahia e no Rio de Janeiro (ANRJ, Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, cx. 386, pac. 01). Como esse, existem vários outros encaminhados a essa Junta que foi reinstalada no Rio de Janeiro em 23 de agosto de 1808 dentro dessa mesma política, tendo como uma de suas atribuições o envio de pareceres sobre abertura de fábricas.Para quem quiser estudar sobre esse tema ou período, vale a pena percorrer a documentação do Arquivo Nacional, a qual nos fornece várias pistas para conhecermos um pouco mais a nossa história, sobretudo o período de estada da corte portuguesa no Brasil, no qual se formaram as bases do Brasil atual, como bem lembrou Caio Prado Júnior, em seu livro clássico Formação do Brasil Contemporâneo. [historialuso.an.gov.br]