A república brasileira, então ainda na primeira das suas diversas e sucessivas ditaduras, foi o primeiro país que cedeu aos desejos dos Estados Unidos, assinando o tratado de reciprocidade comercial, que ficará conhecido na história pelo nome de tratado Blaine–Salvador, porque os seus signatários são o estadista americano James Blaine e o ministro brasileiro em Washington, Sr. Salvador de Mendonça.
O acordo foi assinado em 31 de janeiro de 1891 e proclamado pelos governos do Brasil e dos Estados Unidos no dia 5 de fevereiro do mesmo ano. No ato da assinatura do tratado, foram trocadas notas entre Salvador de Mendonça e James Blaine.
A carta entregue por Mendonça continha o histórico do processo de negociação do acordo, e “animado pelo espírito de sincera amizade”, declarava:
"É portanto, motivo de grande satisfação para mim poder comunicar-vos que o Governo dos Estados Unidos do Brasil, como reciprocidade devida, e em atenção à entrada nos portos dos Estados Unidos da América, livre de todo o direito, nacional, de Estado ou municipal, dos artigos enunciados na vossa nota de 3 de novembro de 1890, autorizou, por ato legal, a introdução em todos os portos de entrada do Brasil, a principiar do dia 1o de abril de 1891, livre de todo o direito, nacional provincial ou municipal, dos artigos ou mercadorias mencionadas na seguinte lista, com a condição de que tais artigos sejam produto ou manufatura dos Estados Unidos da América"
Os produtos que teriam livre entrada no Brasil eram: milho e seus derivados, farinha de trigo, diversos grãos, carnes, ferramentas, instrumentos e máquinas para a agricultura, mineração e mecânica, máquinas para vapor e para indústrias e material para estrada de ferro.
Esse tratado foi motivo para o Brasil ser prejudicado sem a mínima vantagem, e deu ocasião a uma grande deslealdade por parte do governo norte-americano.
O que concederam os Estados Unidos ao Brasil por esse tratado? A isenção de direitos de importação sobre o café brasileiro e sobre alguns tipos de açúcar. Ora, o café já não pagava direitos nos Estados Unidos desde 1873. E por que naquela época suprimiram os Estados Unidos aquele imposto? Não foi para obsequiar o Brasil; foi porque assim convinha aos interesses do povo americano.
A tarifa aduaneira americana é protecionista; as suas elevadas taxas não têm por fim aumentar os rendimentos do Tesouro, mas simplesmente proteger as indústrias e as culturas nacionais.
Os Estados Unidos têm por força importar café, gênero que não produzem. Um imposto sobre a entrada do café viria a recair, na verdade, sobre o consumidor americano.
Grande produtor de café, pelas condições geográficas e pelo seu monopólio dessa produção no ocidente, o Brasil tinha fatalmente de abastecer o mercado americano. Não é uma verdadeira burla querer fazer-nos acreditar que a isenção de direitos sobre o café brasileiro é um favor feito ao Brasil? Se os Estados Unidos voltassem de novo a impordireitos sobre o café, o Brasil nem por isso perderia o mercado americano onde não temos concorrência.
Somente o consumidor americano pagaria mais caro aquela bebida que lhe é indispensável. Quanto ao açúcar, a isenção de direitos seria na realidade útil à indústria açucareira do Brasil, se esta isenção fosse concedida só ao produto brasileiro.
Ora, um tratado anterior e em vigor já dava livre entrada no território americano aos açúcares do Havaí, mas, apesar disso, o Brasil lucraria muito se não tivesse outro concorrente senão aquelas ilhas, a gozar dalivre entrada.
Quando em fevereiro de 1891 foi publicado no Brasil o texto do tratado Blaine–Salvador, todo o mundo entendeu que só o Brasil se beneficiaria da isenção de direitos sobre o açúcar.
Imediatamente depois, o Jornal do Comércio anunciou, em telegrama de Madri, que o governo americano fizera aberturas à corte de Espanha, solicitando a celebração de um tratado em virtude do qual os açúcares de Cuba e de Porto Rico entrariam nos Estados Unidos livres de direitos.
Desaparecia assim para o Brasil a única vantagem que se esperava do tratado. Postos os produtos do Brasil em pé de igualdade com os das colônias espanholas, tratada a jovem república de modo igual à velha monarquia que mantém em ferrenho jugo colonial uma parte riquíssima da livre América, onde ficavam as vantagens para o Brasil, onde estava a fraternal preferência que a grande república devia também à outra república, que, embora menor, é ainda grande?
Como era possível que o governo de Washington equiparasse no tratamento fiscal a carunchosa e antipática monarquia da Europa decrépita com a virente e fraternal novíssima república da América do Sul? Não! Era impossível.
Assim pensou por certo o governo da república brasileira, que se apressou em desmentir o jornal no Diário Oficial, dizendo que era falso que se estivesse tratando de um convênio comercial qualquer entre os Estados Unidos e a Espanha.
O ministro do Brasil em Washington, quando aconselhava para o Rio o tratado comercial com os Estados Unidos, afirmava que os Estados Unidos não dariam livre entrada aos açúcares de nenhum outro país.
Essa era a promessa que lhe tinha feito o governo de Washington, e só a confiança nessa promessa é que fazia com que o governo no Rio fosse tão afirmativo. O Jornal do Comércio insistiu, deu esclarecimentos, anunciou que o Sr. Foster ia à Espanha tratar – tudo foi em vão. O governo manteve a sua negativa.
Semanas depois era assinado o tratado! Os açúcares de Porto Rico e de Cuba tinham livre entrada nos Estados Unidos, e desaparecia assim a única vantagem que ao Brasil poderia trazer o tratado Blaine–Salvador.
E não parou aí o governo de Washington; fez logo outros tratados com a América Central, com a Alemanha e com a Holanda. A Venezuela também fez um tratado, mas o Congresso venezuelano rejeitou-o.
O Governo brasileiro foi assim ludibriado pela esperteza americana. Em troca de um favor fictício e ilusório, em seguida a umanegociação em que a má-fé norte-americana tornou-se evidente, o Brasil concedeu isenção de direitos às farinhas de trigo dos Estados Unidos, deu igual isenção a vários outros artigos americanos, e para todos os outros introduziu uma redução de 25 por cento nas tarifas da alfândega.
Esta concessão trouxe considerável prejuízo para a renda do Tesouro, que já não atravessava época para tanta generosidade. E mais do queisto, ela causou dano muito grande às indústrias já estabelecidas no Brasil e em via de prosperidade.