| 20 de novembro de 1910, domingo. Há 114 anos |
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| | | Alguns dos casos que envolviam disputas de identidade de gênero,evidenciadas pelo vestuário, tomavam tamanha proporção que acabavamficando conhecidos em lugares distantes de onde ocorriam. Foi assim que, emnovembro de 1910 a imprensa carioca dedicou diversas páginas com narrativassobre um cadáver encontrado na cidade de São Paulo.Por volta do vigésimo dia do mês de novembro de 1910, foi encontrado,numa localidade conhecida como Biquinha, no rio Tietê, o corpo de uma mulher vestida com trajes masculinos. A apuração da polícia paulista constatouque o cadáver era de uma jovem que, desde de 1906, vivia como se fossehomem e dizia aos outros chamar-se Mario Prado.De acordo com o noticiaristade O Paiz, a moça teria se suicidado para ocultar o nascimento de uma criançaabandonada. [1]Publicando o caso um dia depois que seu congênere, O Séculoenfatizou que a situação continuava envolta em mistério e que todas astestemunhas ouvidas reconheceram o dono do cadáver como homem e nãocomo mulher. [2]Em 28 de novembro é novamente O Paiz que se encarrega de publicarinformações sobre o caso, trazendo acerca dele curiosas referências. Onoticiarista endossava a dúvida em saber se o caso era de suicídio ou crime.Comunicava também uma nova pista encontrada pela polícia. De acordo com afolha, a mãe da moça afogada se chamava Eudóxia Prado e estava internadanum hospício em Juqueri.Como não encontrou Eudóxia no hospício e nemnenhuma evidência de que um dia tivesse estado lá, a polícia resolveu procurarpor seu nome nos registros de cemitérios, busca na qual também não logrouêxito. Pessoas que conviveram com o dito Mario Prado numa pensão contaramà polícia não suspeitarem que ele era, na verdade, uma mulher. Na averiguaçãofeita no colégio Manckenzie, onde Mario estudou, não foi encontrado alguémque o conhecesse como mulher. Nem mesmo seu companheiro de quarto, napensão que residia, foi capaz de tecer alguma suspeita acerca de sua condiçãode mulher.Ao que tudo indica, a moça fora criada e reconhecida como homem desdea infância, já que um ex-vizinho de Eudóxia afirmava que, cerca de dez anosatrás ela era vista sempre com um menino de cabelos louros que era muitoparecido com o retrato da moça morta. Uma carta encontrada sugeria que Mariochegou mesmo a manter relacionamentos amorosos com outras mulheres. [2]Enquanto os jornais cariocas contribuíam para aumentar o clima demistério em volta do caso, e a tratá-lo com uma espécie de quebra-cabeças,onde o leitor deveria juntar as peças através de notas confusas, o periódicopaulista Correio Paulistano prestava informações mais acertadas acerca da mulher-homem, informações essas que nos apontam para o fato de que Mariada Aparecida não se disfarçava de homem, como orientavam as narrativas, masrealmente se enxergava como tal desde a mais tenra idade. [3].Em 23 de novembro, a folha publica, além de uma fotografia da falecida,informações preciosas que recuam no tempo quatro anos antes de sua morte.De acordo com o jornal de São Paulo, Eudóxia Prado era realmente a mãedo jovem encontrado morto. Apesar de passar algum tempo em tratamentopsiquiátrico, Eudóxia foi capaz de prestar à polícia informações em estado decompleta lucidez. Ela contou que se casara em Minas Gerais com José doParaíso e deu à luz a um bebê do sexo feminino em 31 de maio de 1893, ao qualdeu o nome de Maria da Aparecida. Pouco depois, mudou-se com a família paraSão Paulo, vindo seu marido a falecer na cidade de Rio Claro quando tratavade negócios. Achando-se viúva e com uma filha muito pequena, Eudóxia logose envolveu amorosamente com um engenheiro e passou a viver uma vida,segundo ela, irregular.Por conta da vida desregrada da mãe a justiça ameaçava retirar a meninaMaria da Aparecida de seu convívio. Foi aí então, que o engenheiro, amante deEudóxia, teve a ideia de transformar a pequena Maria em menino para enganarà justiça. Segundo Eudóxia, foi o próprio amante que se encarregou de cortar os longos cabelos loiros da filha e comprar para ela roupas de menino.Combinaram chamá-la, a partir deste momento de Mario, e dizer a todos que omenino era um sobrinho de Eudóxia, cuja família havia confiado à ela aeducação. Quanto à menina Maria da Aparecida, diriam que tinha ido viver comos avós em Minas Gerais. O agora então Mario acostumou-se à situação,brincava com os meninos e foi matriculado na escola como se fora um deles.188Como podemos ver, a decisão de travestir-se de homem não partiu daprópria Maria, mas das decisões da mãe e de seu amante. Todavia, a identidademasculina que ela enxergava como sua não fora pura e simplesmente fruto deum disfarce de menino, mas sim algo que ela fora construindo com expressõesde sua vida cotidiana[1] “São Paulo”, O Paiz, Rio de Janeiro, 23 nov. 1910, p. 6.[2] “São Paulo”, O Século, Rio de Janeiro, 24 nov. 1910, p. 3[3] “Um caso interessante”. O Paiz, Rio de Janeiro, 28 nov. 1910, p. 4. | |
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