“15 de agosto é uma data para comemorar: Sorocaba surgiu em fins de 1654”, Jornal Diário de Sorocaba
15 de novembro de 2018, quinta-feira. Há 6 anos
Até o início dos anos 50 do século passado, Sorocaba comemorava seu aniversário a 3 de março, única data até então plausível e aceita historicamente, numa referência à lei assinada a 3 de março de 1661 em São Paulo, pelo governador-geral do Rio de Janeiro e das Capitanias do Sul, Salvador Corrêa de Sá y Benevides, atendendo a pedido do capitão Baltazar Fernandes, autorizando a elevação à categoria de Vila do povoado que iniciara nas terras que lhe pertenciam por herança familiar com o nome de Nossa Senhora da Ponte e a transferência do pelourinho instalado a algumas léguas daqui em 1611 por seu antecessor dom Francisco de Souza, reconhecendo a Vila de São Felipe do Itavuvu – que como a anterior Vila de Nossa Senhora do Monte Serrat, junto ao Morro do Araçoyaba, em fins do século XVI, também não prosperara por causa dos freqüentes ataques indígenas.
Porém, certamente um detalhe intrigava a todos: para um Povoado ser elevado à condição de Vila, certamente já existia anteriormente. Assim, Sorocaba naquele ano já existia e sua fundação datava, pelo menos, de alguns anos antes. Aliás, o próprio documento entregue ao governador Salvador Corrêa por Baltazar Fernandes no dia anterior e a lei por ele firmada a 3 de março reconhecia isto ao destacar: “Diz o capitão Baltazar Fernandes, morador da nova Povoação de Sorocaba, Vila de Nossa Senhora da Ponte, que ele como povoado, em nome dos mais moradores, trata de levantar pelourinho...”. “O Ouvidor desta Capitania faça averiguação do conteúdo na petição e da quantidade dos moradores casados que há nesta Povoação e de tudo me informe, para poder deferir o foral”...
Por esta época também, o historiador Aluísio de Almeida, pseudônimo literário de monsenhor Luiz Castanho de Almeida, com base nas intensas pesquisas históricas que vinha realizando desde meados da década de 20, não tinha dúvidas de afirmar, assim, que a fundação de Sorocaba datava de anos antes e que, em fins de 1654, já tendo construído casa e capela, o fundador Baltazar Fernandes, originário de Santana do Parnaíba, aqui já residia com a família e escravos.
Coube a outro historiador, o ex-prefeito José Crespo Gonzales, falecido recentemente, elaborar estudos que levaram a cidade a escolher, às vésperas então do ano de seu terceiro centenário de fundação, a data de 15 de agosto para celebrar, anualmente seu aniversário.
Ao contrário da maioria das cidades paulistas, até então Sorocaba nunca tivera uma data oficial para comemorar sua fundação, anteriormente, além de 3 de março, também festejada, por algum tempo, a 21 de novembro, data em que o calendário religioso celebra a festa litúrgica da Apresentação de Maria Santíssima Menina no Templo, quando então comemoravam-se ainda as invocações populares de Nossa Senhora que, como a da Padroeira local, não tinham um dia pré-fixado. A cidade de São Paulo, por exemplo, tem sua certidão de nascimento datada de 25 de janeiro de 1554, porque documentos históricos comprovam que foi na festa do Padroeiro daquele ano que o padre Manoel de Nóbrega e o grupo de jesuítas, dentre os quais o Beato Padre José de Anchieta, que com ele subiu de São Vicente ao Planalto paulista para a fundação da futura Capital, ali celebrara a primeira missa em terras piratiningas.Sorocaba não tem, contudo, registro algum sobre a exatidão de sua data de fundação. Assim, a fixação do 15 de agosto como data oficial de Sorocaba às vésperas de seu terceiro centenário também levou em conta a proclamação pelo papa Pio XII, a 1º de novembro de 1950, do dogma da Assunção de Maria Santíssima aos Céus em Corpo e Alma e, com ela, a transferência da maioria das comemorações marianas, como aquela em honra da Senhora da Ponte, de 21 de novembro para aquela festa litúrgica.Peabiru, o caminho dos índios, serviu decorredor aos exploradores do AraçoyabaEmbora o Povoado de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba só tenha tido consolidada sua fundação em fins de 1954 pelo capitão Baltazar Fernandes, bandeirante e desbravador nascido em Santana do Parnaíba, os primórdios da história da região de Sorocaba perde-se no tempo e em idades remotas. O certo é que, muito antes do descobrimento do Brasil a 22 de abril de 1500 pela esquadra do português Pedro Álvares Cabral, indígenas nativos habitavam a região onde hoje acha-se localizada a cidade de Sorocaba ou, pelo menos, atravessavam periodicamente o seu território em demanda ao Litoral Atlântico ou mesmo voltando para o sertão. Por sinal, a própria história do Brasil assinala que grupos indígenas agrupados pela nação dos tupis-guaranis, em época anterior ao descobrimento, viviam em terras paulistas.Historicamente comprovado, sabe-se pelas pesquisas de nossos estudiosos que, pela região onde futuramente surgiria Sorocaba, passava o chamado `peabiru´, a linha imaginária que interligava o mar ao profundo sertão e este ao Oceano Pacífico, do outro lado do continente, como que num caminho dos índios. Segundo nossos historiadores, esse caminho, cuja existência ainda desafia os estudiosos, principalmente os da cidade, que ainda hoje lutam em suas pesquisas para definir ao certo o roteiro de sua passagem pela região de Sorocaba, era também chamado como o caminho para a Montanha do Sol, sendo mesmo décadas mais tarde utilizado pelos próprios bandeirantes em suas célebres entradas para dentro do sertão brasileiro.Foi assim que a região de Sorocaba, em época anterior ao início de sua povoação e mesmo ao descobrimento do Brasil, forçosamente teve que ser habitada pelos nativos. Sabemos que os indígenas eram nômades por natureza e daí a lógica dedução de que nunca tenham chegado a estabelecer grandes povoações permanentes por estas bandas, mas o certo é que - com a passagem do `peabiru´ cortando o nosso território - eles estabeleciam aqui (e a uma certa distância do `peabiru´) suas povoações, para que pudessem plantar e novamente se estabelecer, para depois seguir rumo ao incerto.FIXAÇÃO DE INDÍGENAS - Pelas pesquisas históricas de pesquisadores dos mais diversos pontos do País, que ainda não foram definitivamente dadas por concluídas, mas apresentam já a probabilidade como quase certa, o `peabiru´ saia do mar, atravessava toda a área do Planalto Paulista através da Serra do Mar, atingia a região da futura cidade de São Paulo e ganhava rapidamente o interior, através das elevações de Ibiúna, Sorocaba, Araçoyaba e assim por diante, até atingir o outro extremo do continente latino-americano, às margens do Oceano Pacífico.
Na região de Sorocaba, acredita-se que o `peabiru´, vindo dos lados de Ibiúna, a Una de ontem, atingia Sorocaba em corte transversal através das imediações dos altos da Barcelona, onde, por sinal, recentemente foram descobertos por pesquisadores locais alguns vestígios bastante semelhantes a sinalizações dos índios para o não esquecimento de seus caminhos. Através de Sorocaba, o caminho do `peabiru´, descendo dos altos da atual Barcelona, seguia margeando o rio Sorocaba, até atingir as imediações de onde hoje está a ponte da rua XV de Novembro; ali havia a travessia para a margem direita, por ser naquele local bastante baixo o nível das águas.
Supõe-se que, a partir dali, o `peabiru´ cortava o futuro território de Sorocaba em transversal pelas atuais ruas Souza Pereira e Dr. Braguinha, mais ou menos, até chegar ao largo do Mercado, descia também em transversal a rua Francisco Scarpa, ganhava a região da praça da Bandeira de hoje e atingia o chamado "Caminho Fundo" (atual avenida General Osório), rumando através de Lopes de Oliveira e George Oétterer até atingir o Morro do Araçoyaba (popularmente conhecido como Ipanema) e dali para frente.
Foi em conseqüência desse caminho passar por nossa região que hoje, periodicamente, encontram-se vestígios arqueológicos aqui e acolá. É que, pelas facilidades geográficas apresentadas pela topografia dos terrenos da região e também pela fecundidade de certos pontos do solo sorocabano, propício à agricultura - principalmente à agricultura de subsistência -, os indígenas em demanda ao desconhecido sertão, vindos do litoral paulista através do `peabiru´, sempre escolhiam as paragens de Sorocaba para o descanso de viagem de reabastecimento do grupo. Assim, geralmente a alguns quilômetros do traçado principal do `peabiru´, os índios recolhiam-se em acampamentos provisórios e realizavam suas plantações - principalmente de milho e feijão -, reabastecendo depois de algum tempo, abandonando sem nenhuma cerimônia a terra e seguindo nova viagem pelo caminho do sertão, o celebre `peabiru´.Pelas descobertas arqueológicas feitas recentemente na região, em épocas anteriores à vinda do branco para cá, os índios se fixaram entre nós com esses acampamentos rápidos ao longo do `peabiru´ principalmente lá pelos lados do Mineirão e também nos altos do Cerrado e região das atuais cidades de Capela do Alto e Tatuí. Os vestígios arqueológicos encontrados são as chamadas `igaçabas´, sinais de que, além dos povoados, os silvícolas tiveram que instalar por onde acampavam ou nas proximidades verdadeiros "cemitérios indígenas" para sepultar seus mortos.TOPÔNIMOS INDÍGENAS - Foi também certamente dessa passagem indígena por terras da futura Sorocaba que ficaram para a nossa história oral muitos topônimos de origem indígena, como Sorocaba (terra de vossorocas, terra fendida ou rachada), Votorantim ou Botorantim (morro de água branca), Itupararanga (salto barulhento), Ipanema (água ruim), Itinga (água branca), Ipatinga (lagoa branca, hoje diríamos Lago Azul), Itapeva (pedra chata, primeiro nome da Serra de São Francisco), Itavuvu de Itapevuçu (pedra chata grande), Inhaíba (campo ruim), Nhon-nhon de Nhu-nhu (campo-campo ou campina), Nhu-mirim (campo pequeno), Iporanga (água bonita), Caputera (mato verdadeiro), Caguçu (mato grande), Cajuru (boca do mato), Jurupará (garganta do rio), Pirajibu (rio do peixe), Pirapitingui (rio do peixe vermelho), Avecuia (talvez corruptela de Ibicui), Bacaitava (rio que corre entre as pedras), Itabacai (idem), Taquarivaí (rio do taquaral), Itanguá (pedra ou piçarra amarela), Ceopiriri (rio dos couros, corrompido em Supiriri), Itararé (riacho que fura a pedra), Jacareipava (lugar do rio do jacaré), Jundiacanga (cabeça do Jundiaí), Jundiaquara (buraco do jundiá e o mesmo que bugre), Cuiabá (lugar de Cuias), Sarapuí (rio do sarapu) e Boituva (muitas cobras), entre outros.
Sardinha e os primeiros brancos na região
Os primeiros brancos que surgiram na região de Sorocaba eram os portugueses Afonso Sardinha, `o velho´, seu filho homônimo como `o moço´, e o técnico em minas Clemente Álvares Pereira. Segundo analisam nossos historiadores, foi a lendária existência de ouro no interior do sertão paulista o grande motivo que levou os portugueses e seus filhos mamelucos a entrarem pelo interior, seguindo os caminhos primitivos dos indígenas em todas as direções.
Naquela época, o Morro de Araçoyaba era visto ao longe da Vila de São Paulo e, correndo a informação de que nos riachos e ribeirões de seus arredores existia muito ouro, Afonso Sardinha, pai e filho, e mais o técnico em minas Clemente Álvares não tiveram dúvidas em vir para a região e realizar ali as primeiras explorações.
Assim, por volta de 1589, deixaram São Paulo, atravessaram Sorocaba (construindo até uma primitiva ponte sobre o rio Sorocaba, nas imediações da atual rua XV de Novembro) e, em seguida, alcançaram o Araçoyaba. Logo que chegaram às imediações do Morro do Araçoyaba, os três batearam algum ouro que até o século passado ainda era encontrado, embora em pequena quantidade, em muitos rios e riachos secundários da região.
Viram também um mineiro que, em reflexo metálico, parecia-se mais com a prata e, enfim, "fazendo roçar uma clareira em meio ao ribeirão das Furnas, subiram até as fontes e Afonso Sardinha deu a primeira martelada em minério de ferro no Brasil.
Descobertas as minas, pela legislação em vigor ("Ordenações Filipinas" confirmando as Manoelinhas), devia o felizardo comunicar a descoberta de minérios preciosos em terras brasileiras à autoridade, a quem cabia distribuir os lotes e também controlar as explorações. Afonso Sardinha assim também agiu, mas parece que a Câmara da Vila de São Paulo demorou um pouco para enviar um porta-voz a levar a notícia à Bahia. Somente em 1597 o governador-geral recebeu a notícia.
A mesma notícia, na mesma época, igualmente espalhou-se entre os aventureiros da região de São Paulo e passou a ser grande a corrida até ao Morro do Araçoyaba, em busca de maior riqueza. Até o governador-geral das Capitanias do Sul dom Francisco de Souza, que estava em São Paulo, avisado por Afonso Sardinha, vem para a região e se instala na área do Ipanema. Vinha também, por sua vez, acompanhado de grande comitiva, entre soldados portugueses, índios cristãos, curiosos e mineradores, ansiosos por enriquecerem com as novas descobertas.Assim que chegou ao pequeno arraial que então surgia aos pés do Morro do Araçoyaba, dom Francisco de Souza - de certo entusiasmado com tudo - logo ordenou a ereção de pelourinho no lugarejo, elevando-o à categoria de Vila e colocando-o sob a proteção de Nossa Senhora de Monte Serrat. A seguir, o governador-geral mandou os seus próprios mineradores explorarem os córregos, rios e montanhas da redondeza em busca de ouro. Mas a decepção veio logo; não existiam minas de ouro na região, apenas jazidas de ferro, sem nenhum valor na época. Afonso Sardinha, pai e filho, haviam se enganado. Os portugueses queriam era ouro mesmo.O certo de tudo isso é que, não sendo encontradas minas de ouro na região, o governador-geral e sua comitiva voltaram imediatamente para São Paulo. Em 1601, dom Francisco de Souza - diz a história - retornou a São Paulo, descendo em seguida para Santos e embarcando dali para a Espanha. Pouco antes, entretanto, havia enviado alguns novos moradores para Vila e deixara erigida durante sua curta permanência aos pé do Morro do Araçoyaba, dando-lhes terra "para lavrar mantimentos". Mas aos poucos, em virtude dos freqüentes ataques e também saques de indígenas (o "peabiru" passava pela região) à Vila, ela foi se extinguindo, com os seus habitantes fugindo e procurando outras áreas férteis das redondezas, para se instalarem e para manterem a agricultura de subsistência.Foi em conseqüência dessa demanda que, certamente, surgiu o Itavuvu, o segundo reduto populacional branco que houve na primitiva região de Sorocaba, décadas antes da chegada do capitão Baltazar Fernandes.
OUTRA VILA QUE NÃO PROSPEROU - A procura de novas e mais seguras paragens, aqueles que deixavam a decadente Vila de Nossa Senhora de Monte Serrat, em sua maioria caboclos humildes, foram estabelecendo-se a uma certa distância dali, nos campos do Itavuvu, formando ali suas plantações de subsistência. Dizem documentos contemporâneos àquela época que o povoado estava a uma légua e meia da futura Sorocaba e, corria o ano de 1611, quando os seus moradores solicitaram ao mesmo dom Francisco de Souza, que já havia então retornado de sua viagem a Espanha, autorização para mudarem o mesmo pelourinho que por ele havia sido erigido anos antes na Vila de Nossa Senhora de Monte Serrat para lá, só que sob nova invocação: Vila de São Felipe do Itavuvu, em homenagem ao Rei da Espanha que então reinava também sobre Portugal e suas colônias. Mas também essa povoação teve vida efêmera, por causa dos contínuos ataques dos indígenas.
Não tendo prosperado também a Vila de São Felipe do Itavuvu, entre 1611 e 1654 mais ou menos, tudo é silêncio histórico em torno da região onde surgiria a futura cidade de Sorocaba, a não ser as sesmarias de André Fernandes, uma das quais ele doou antes de sua morte, em 1648, ao seu irmão Baltazar. Com a morte de Manuel Fernandes Mourão, sua viúva Suzana Dias, verdadeira matriarca do século XVII, assume a liderança da família e fixa-se definitivamente com os filhos (três homens notáveis para a história da colonização paulista e, por que não dizer, da própria colonização brasileira: André, Baltazar e Domingos Fernandes) em sua fazenda nos campos de Santana do Parnaíba, expandindo um pouco mais o território habitado da Capitania de São Vicente, que até então chegava apenas até a região do Planalto, onde a 25 de janeiro de 1554 os jesuítas, tendo à frente os padres Manoel da Nóbrega e José de Anchieta, fundaram a Vila de São Paulo.Foi ali que o primeiro filho do casal Manoel Fernandes Mourão e Suzana Dias - esta neta de João Ramalho e Bartira e bisneta de Tibiriçá - notabilizara-se em nossa história como povoador. André Fernandes, o mais velho de todos os três, funda ao redor da fazenda de sua mãe (que, por sinal, casara-se em segunda núpcias) o povoado de Santana do Parnaíba, cidade já em 1625; não se sabe ao certo quando a família Fernandes veio para aquela região ou mesmo em que ano André deu início à povoação da Vila de Santana do Parnaíba.Foi entretanto bem antes de 1620 de certo e como analisam em seus escritos nossos historiadores, visto que a 5 de abril de 1622 "Suzana Dias esteve em São Paulo, testemunhando no processo de beatificação do padre José de Anchieta", o qual ainda chegara a conhecer. E tem mais: já em 1617, outro irmão de Baltazar Fernandes, Domingos Fernandes, perpetuava-se como povoador, fundando naquele ano e vindo com a família e escravatura de Santana do Parnaíba, na sesmaria que lhe pertencia, o povoado de Itu.VIDA BANDEIRANTISTA - Antes de estabelecer-se nas paragens de Sorocaba (em suas sesmarias) o capitão Baltazar Fernandes - ao lado dos irmãos e André e Domingos - desfrutou de intensa vida bandeirantista. É que o mais velho dos Fernandes - André -, logo depois de ser consolidada a fundação de sua Vila de Santana do Parnaíba, tornara-se num dos maiores bandeirantes da caça ao índio e seu irmão, Baltazar, também passa o seguir em suas constantes entradas pelo desconhecido sertão brasileiro.Quando da destruição do Guairá, nos anos de 1629 e de 1630, os paulistas parnaibanos, chefiados por André Fernandes, certamente passaram pela localização da futura Sorocaba na ida e na volta, fazendo a rota da atual estrada de ferro que chega até Itararé, travando então Baltazar - certamente - conhecimento com esta região, que posteriormente constituir-se-ia na sesmaria que lhe seria doada pela família.As entradas dos irmãos continuaram ainda por mais alguns anos e é comprovado que, em 1634, os três Fernandes estavam reunidos em Santana do Parnaíba junto ao leito de morte da mãe Suzana Dias, assistida espiritualmente em seus últimos momentos de vida (como católica fervorosa) por um sacerdote castelhano, que viera da desbaratada Vila do Guairá, povoação a esquerda do rio Paraná e junto a um ribeirão, nas proximidades de Sete Quedas, naquele ribeirão, havia uma ponte que atravessava para chegar a uma devota ermida de Nossa Senhora "da ponte". Como os brancos que ali residiam viviam do trabalho dos índios na coleta do mate nativo, com a escravização e destruição do arraial pelos bandeirantes parnaibanos, abandonaram imediatamente o Guairá em companhia até do sacerdote. A maioria acompanhou os bandeirantes de volta para Santana do Parnaíba, ali fixando residência.Já em 1636, o capitão Baltazar Fernandes estava novamente com o irmão André nas reduções orientais do Uruguai, território do Rio Grande do Sul, onde se proveu dos últimos escravos, chegando o seu número em Parnaíba a quase 400, inclusive crianças índias. Rumo a esses sertões sulinos, os paulistas de Sorocaba preferiam fazer a viagem de canoa, de Santos a Laguna, onde - segundo o historiador sorocabano Aluísio de Almeida - agiam os seus "cunhados", índios também (só que civilizados), como espiões e auxiliares. "Nessa ocasião, o capelão da bandeira, que parou durante alguns meses na redução de Santa Tereza, onde os bandeirantes chegaram até a ser excomungados pelo bispo de Buenos Aires, era o padre Francisco de Oliveira, filho do próprio André Fernandes e ordenado anos antes em Assunção".De volta dessa expedição, Baltazar Fernandes parece que não voltou para o sertão. Ele chegara a Santana do Parnaíba - dessa expedição - em 1639 e, forçosamente, também se incluiu na campanha de todas as vias para a expulsão dos jesuítas de São Paulo e Santos, motivada pelo famoso breve papal de Urbano VIII, de 1639, em torno da liberdade e não escravização dos indígenas. Tomou parte também no movimento pró-aclamação de Amador Bueno como rei de São Paulo em 1640.André fez seu testamento em Parnaíba em 1641 e morreu no oeste longínquo, em 1648. Com a morte do irmão, Baltazar aquietou-se e, como chefe natural da já cidade de Santana do Parnaíba na ausência do irmão, se fez juiz, vereador, dono de terras, de moinho de trigo e de ferraria ou pequena fundição de ferro, seqüestrada em 1645.Em 14 de maio de 1653, Baltazar Fernandes ainda assinava como procurador de Santana do Parnaíba, na Câmara de São Vicente - sede de toda a Capitania -, composição amigável para a volta dos padres jesuítas - expulsos anos atrás de São Paulo e São Vicente -, juntamente com os representantes de outras vilas até então existentes na Capitania de São Vicente.FUNDAÇÃO DE SOROCABA - A esta altura dos acontecimentos que precederam à própria fundação de Sorocaba, o capitão Baltazar Fernandes - depois de correr por dezenas de anos o sertão brasileiro - fixa novamente residência efetiva em Santana do Parnaíba, participando de modo ativo de sua vivência política e social. Já estava com a idade bastante avançada, mas, como os outros dois irmãos, tinha no sangue o ideal povoador da família Fernandes e decide também fundar o seu povoado, escolhendo para tal obras as paragens de Sorocaba, que já conhecia de suas andanças como bandeirante e que faziam parte da sesmaria que lhe pertencia por herança familiar. Segundo nossos historiadores, por volta de 1648 Baltazar Fernandes aqui já teria aberto seus primeiros currais de gado.Os acontecimentos precipitaram-se. No entanto, a fundação efetiva do povoado de Sorocaba só aconteceu mesmo é em fins de 1654. Naquele ano, já tendo construído sua casa-grande nas proximidades de onde hoje é o bairro do Lageado e a capela (a atual igreja de Santa Ana, do Mosteiro de São Bento), reuniu Baltazar Fernandes toda a família - inclusive genros, outros parentes e amigos, bem como seus 400 escravos índios - e se estabelece definitivamente nas paragens de Sorocaba. "Estávamos no segundo semestre do ano de 1654, quando a grande caravana de gente, animais e bens materiais aportava à paragem, denominada Apoteribu, mais exatamente a três léguas e meia do Morro de Araçoyaba, onde é fundada uma capela em honra à Nossa Senhora da Ponte e em torno da qual os parnaibanos se fixam", narram em seus escritos os historiadores sorocabanos.Ao chegarem, os povoadores de Sorocaba, liderados por Baltazar, encontraram - além da casa-grande do fundador no Lageado e da pequena e primitiva capela - a rudimentar ponte sobre o rio Sorocaba, na altura da atual rua XV de Novembro, deixada por Afonso Sardinha quando de sua presença na região em fins do século XVI, para exploração de minérios junto ao Morro de Araçoyaba. Beneditinos ajudaram a garantir estabilidade do PovoadoO Povoado de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba progrediu muito em menos de cinco anos apenas e o seu fundador, Baltazar Fernandes, mostrava-se radiante. No entanto, ainda não dava por consumada a sua obra colonizadora; faltavam ainda dois pormenores para que - já em idade bastante avançada - pudesse morrer em paz, cônscio de que o Povoado que fundara estava sedimentado sobre rocha firme e pudesse progredir cada vez mais. Passou, então, Baltazar Fernandes a ocupar-se da vinda de sacerdotes. De nada adiantava a simples existência de uma capela no Povoado, se inexistia nele a assistência eclesiástica devida e permanente, tanto reclamada pelos seus próprios familiares e amigos povoadores que traziam no sangue elevado espírito cristão. Os padres beneditinos, que inclusive já tinham um mosteiro na Vila de Santana do Parnaíba, eram a principal alternativa para cuidar da assistência espiritual dos moradores do Povoado e também para administrar os Sacramentos da Igreja.Assim, a 21 de abril de 1660 a história registra a presença do capitão Baltazar Fernandes novamente em sua Vila de Santana do Parnaíba, reunido com os representantes dos padres de São Bento, do Mosteiro local, quando então, por escritura pública, fez doação à Ordem Beneditina da Capela de Nossa Senhora da Ponte, além de alguns outros bens imóveis de sua Sorocaba, em troca da vinda de sacerdotes para zelar pela espiritualidade de seu povo. A lavratura de tal escritura aconteceu na tarde daquele mesmo dia 21 de abril de 1660, no sítio de um dos genros de Baltazar Fernandes - Manuel Rodrigues Bezarano - no Apotribu (Santana do Parnaíba), sendo lavrada pelo escrivão Antônio Rodrigues de Matos, com a presença do doador, do frei Tomé Batista, presidente do Convento Beneditino de Parnaíba, e do frei Anselmo da Anunciação, pelos aceitantes. Serviram de testemunhas do pacto o padre Francisco Fernandes de Oliveira, vigário de Santana do Parnaíba, o capitão Jacinto Moreira, Cláudio Furquim e André de Zuñega.EVANGELIZAÇÃO - Pelo documento firmado em Santana do Parnaíba, Baltazar Fernandes doava aos padres beneditinos, além da Capela de Nossa Senhora da Ponte (depois de 1667, com a construção da primeira igreja matriz de Sorocaba, transformada em igreja de Santa Ana), terras no centro do povoado, "um touro, doze vacas, moço índio para atender a sacristia e moça para a cozinha, 12 índios fortes para cuidar da lavoura e da criação, uma roça de mandioca para começo, a propriedade da vinha e do moinho", embora reservado o uso-fruto de parte desses bens até a sua morte, ocorrida em 1667.Em contrapartida, os padres beneditinos, por sua vez, ficavam obrigados a, entre outras coisas, celebrar missa diariamente no Povoado, realizar batizados e casamentos e também administrar os outros Sacramentos da Igreja, prestar toda a assistência religiosa de que necessitassem os moradores do lugarejo e também seriam os sacerdotes professores dos filhos dos colonos, ensinando-lhes Canto e Latim e permitindo, assim, que viessem a ser "homens bons", como eram considerados na época os que exerciam profissões manuais, com exceção apenas da lavoura. Eles ainda, pela escritura que possibilitava a fundação de um Mosteiro de São Bento em Sorocaba, ficavam obrigados a dar aos mortos sufrágios religiosos por suas almas, para que pudessem, assim, gozar do descanso eterno "sem serem esquecidos nas orações dos vivos".Uma outra exigência contida em tal documento é esta: em troca das doações, o capitão Baltazar Fernandes exigia também que os padres beneditinos, além de lhe dar sepultura digna na então Capela de Nossa Senhora da Ponte, após sua morte rezassem 13 missas anuais em intenção de sua alma e para todo o sempre, sendo uma em cada mês do ano e a 13ª no dia da festa litúrgica de Nossa Senhora da Ponte, a padroeira do Povoado, hoje comemorada em 15 de agosto. Como o fazem até hoje... A 3 de março de 1661 Sorocaba era VilaOs padres beneditinos ainda não tinham principiado a construção de seu mosteiro em Sorocaba quando o capitão Baltazar Fernandes teve a auspiciosa notícia da presença, na Vila de São Paulo, do governador do Rio de Janeiro e das Capitanias do Sul, Salvador Corrêa de Sá y Benavides, expulso que fora por fluminenses amotinados, mas bem recebidos pelos seus governados do Planalto. Sabendo da presença em São Paulo do governador e sendo este muito amigo da Família Fernandes, composta de famosos desbravadores e povoadores da época, Baltazar foi até lá e, a 2 de março de 1661, entregava a Salvador Corrêa de Sá y Benavides pedido para que elevasse o povoado seu de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba à categoria de Vila.
A PETIÇÃO - Eis o teor da petição apresentada naquela data pelo capitão Baltazar Fernandes à apreciação do governador Salvador Corrêa de Sá y Benavides, baseada em cópia feita em 1834 pelo historiador Manoel Joaquim d´Oliveira nos livros encontrados no arquivo da Câmara Municipal e do Mosteiro de São Bento, de Sorocaba:
"Diz o capitão Baltazar Fernandes, morador na nova povoação de Sorocaba, Vila de Nossa Senhora da Ponte, que ele como morador em nome dos demais moradores, trata de levantar Pelourinho na dita vila, que será a meia légua do lugar onde se levantou um outro o sr. dom Francisco, que Deus tem, governador desta Capitania; como também necessitam de Justiça para poderem governar, como bons seguidores de Sua Majestade e levando-se em conta que uma ou outra coisa não podem ter, nem conseguir sem expressa ordem de VS., para o que pedem à VS. que lhe faça conceder o deduzido em sua petição, visto redundar tudo em argumento desta repartição, e serviço de S. Majestade e argumento de seus moradores...".
DESPACHO: "O ouvidor desta Capitania faça averiguação do conteúdo desta petição e da quantidade moradores casados que há nessa Povoação e de tudo me informe para poder deferir o Foral. São Paulo, 2 de março de 1661 - Sá".VITÓRIA - Já no dia seguinte - para os sorocabanos, o célebre 3 de março de 1661 -, o capitão Baltazar Fernandes conseguia despacho favorável do governador Salvador Corrêa de Sá y Benavides, do Rio de Janeiro e das Capitanias do Sul, que - depois de "pró-forma" e agradando ao Ouvidor do Donatário, além de verificada a verdade do requerimento que recebera no dia anterior, autorizou a mudança do pelourinho de Itavuvu para Sorocaba, com o nome de Vila de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba.O texto do despacho era o seguinte:"Despacho do Governador: Vista a justificação feita pelo ouvidor desta Capitania, com a aprovação do sr. Antonio Lopes de Medeiros e a bem do dito Foral dos donatários, e em virtude de meu antecessor, dom Francisco de Souza, haver levantado o pelourinho no dito Distrito e os presentes o querem mudar dentro do mesmo termo. Mando se lhes passe Provisão na forma que pede. São Paulo, 3 de março de 1661. Sá".
No primeiro livro da Câmara Municipal de Sorocaba, em seguida à transcrição desse importante despacho, segue a cópia da Provisão assinada naquele mesmo dia e redigida nos seguintes termos:
"Salvador Corrêa de Sá y Benavides, comendador das Comendas do Rio de Joá e São Julião de Cássia, dos Conselhos de Guerra e Ultramar, alcaide-mor da cidade do Rio de Janeiro, administrador-geral desta repartição do sul por Sua Majestade. Por quanto o capitão Baltazar Fernandes me fez petição mediante escrita, representando-me nela como povoador, em nome dos demais moradores da Vila de Sorocaba, nova povoação, ela estava tentando levantar Pelourinho no termo da dita Vila, que é meia légua do lugar onde levantou meu antecessor, dom Francisco de Souza, governador-geral que foi deste estado; e assim mais necessitava de justiça para se haverem de governar, o que não podiam fazer sem ordem minha, pelo que me pediam lhes concedesse o deduzido de sua petição, visto ser em argumento dos donatários e moradores; houve por bem mandar que o ouvidor desta Capitania fizesse averiguação do conteúdo da referida petição da quantidade dos moradores casados que há na dita Povoação e de tudo me informasse para que pudesse deferir conforme o Foral mandou pelo escrivão deste juízo me trouxesse este sumário para que, pelos ditos das testemunhas, tomasse a informação e provesse como lhe parecesse a Justiça: ouve por bem mandar que, em vista a justificação feita pelo dito ouvidor e a disposição feita pelo Foral dos Donatários, e haver o dito meu antecessor, dom Francisco de Souza, levantado Pelourinho no Distrito de Itavuvu e os Presentes querem mudá-lo dentro do mesmo termo.
CONCEDO, na forma que pediu para que o pudessem mudar dentro do mesmo Termo distante do que o levantou o dito meu antecessor a meia légua para boa administração e argumento dos moradores; assim mais em nome de S.M. lhe concedo licença para que possam eleger oficiais da Câmara por ter a dita Povoação bastantes, como me consta pelo termo de inquirição e ser conforme o Foral. Em firmeza de que mandei passar a presente, a qual se cumprirá e guardará tão pontual e inteiramente como nela se contem, sem dúvida e nem interpretação alguma, e se registrará onde pertencer. Passada e selada com o selo de minhas Armas. Dada nesta Vila de São Paulo aos 3 dias do mês de março de 1661. Salvador Corrêa de Sá e Benavides".
Estava também assim, juntamente com a elevação do povoado à Vila, criada a Câmara de Vereadores da Vila de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba.