FEPASA: “é melhor que ela seja entregue de graça ao meu maior concorrente do que ficar do jeito que está”
27 de maio de 1998, quarta-feira. Há 26 anos
Faziam cerca de dois anos que as estradas de ferro brasileiras começaram a ser privatizadas. Ainda era cedo para avaliar os resultados, mas pelo que se podia, abriram-se novas possibilidades para as ferrovias, para seus clientes e fornecedores.
Em 1997, as seis novas concessionárias instaladas sobre a ex-Rede Ferroviária Federal investiram US$ 240 milhões, aumentaram em 11,7% o volume do tráfego e introduziram novas tecnologias informatizadas. Isto sem contas as ferrovias da Vale do Rio Doce.
Em 1998 as concessionárias da Rede deveriam investir outro tanto, ao mesmo tempo que entra em tráfego um sétimo concessionário privavo, a Ferronorte, construída do chão pelo Grupo Itamarati e associados.
No meio deste renascer, a nota destoante era, curiosamente, a ferrovia do estado mais desenvolvido, aquele que passou à história como “a locomotiva do Brasil”. A FEPASA – Ferrovias Paulistas S.A., última estatal do setor, era o grande entrave ao funcionamento do transporte ferroviário.
Aliás, vinha sendo há muitos anos. Mas como e Rede Ferroviária não era muito melhor, ninguém notava. A FEPASA era o centro geográfico do sistema ferroviário brasileiro. Nela começaram a MRS, a FCA, a FSA, a Novoeste e a Ferronorte.
Todas dela dependiam para chegar ao Porto de Santos, para descer de norte a sul ou para acessar o rico mercado de cargas paulista.
Como a participação da ferrovia sempre foi pequena no Brasil, o incômoco causado pela inoperância da FEPASA era até o momento pequeno. As ferrovias transportavam uma dúzia de produtos para meia dúzia de clientes, e pronto.
Quase nada de manufaturados, nenhum transporte de contêiner, nada de automóveis 0km, nenhum tráfego ferroviário para o Mercosul. Depois da privatização, a tolerância com a infeficiência, própria e dos outros, não iria continuar.
Se a FEPASA era um obstáculo, deveria ser vencido, ou contornado. Nem que fosse virando para o lado oposto. A Ferroviária Novoeste, a primeira das concessões da Rede, inteiramente dependente da FEPASA para chegar a Santos, esava evitando a malha paulista através de uma complexa operação intermodal onde a soja, vinda de trem do Matro Grosso do Sul, passava para barcaças em Três Lagoas, na fronteira com São Paulo, descia o Rio Paraná até o Porto de Rosário, na Argentina, e ali embarcava para o exterior. Era o primeiro caso de exportação atravéz de país vizinho.
Todos os concessionários que faziam fronteira com São Paulo estavam entrando nas linhas da FEPASA, numa espécie de “Movimento Sem Trilhos”, ou privatização de fato. A MRS já leva seus trens, como locomotiva, equipagem e tudo até Campinas, Sorocaba e Bauru.
A Ferrovia Centro Atlântica, com sede em Belo Horizonte, está chegando a Ribeirão Preto, 400km de São Paulo adentro. A FSA, de Porto Alegre, alcançava Tatuí, na margem do Rio Tietê, e a Novoeste chegava até Botucatu.
A Ferronorte, que comaçava na fronteira de São Paulo com Mato Grosso do Sul, iria inaugurar seu primeiro trecho no dia 29 de maio e ainda não sabia direito como seus trens iria chegar a Santos. A operação inicial iria estar sob a responsabilidade da FEPASA.
O que vinha acontecendo com a FEPASA era um caso de “desmantelamento em vida”. Que, a bem da verdade, não havia começado naquele momento.
O principal investimento da empresa nos últimos 20 anos, a eletrificação Uberada-Santos, mal concebido e mal executado, foi abandonado havia 3 anos, antes de começar a funcionar. As 10 subestações instaladas foram removidas, os 200km de catenária entre Mairinque e Ribeirão Preto haviam sido retirados, e as 17 locomotivas elétricas iniciados pela extinta Emaq. No Rio, continuavam depositados na fábrica da Gevisa, em Campinas, aguardando uma solução que não talvez não viria.
Um prejuízo irrecuperável para o Tesouro do Estado e para os fornecedores que se podia calcular pelo custo global do projeto: US$ 500 milhões.
Em 1998 a estatal FEPASA estava na curiosa situação de não possuir estatuto jurídico. Não era mais do Estado de São Paulo, pois havia sido transferida para a União dentro da negociação do BANESPA.
Não pertencia mais à Rede Ferroviária Federal, pois não houve aprovação dos acionistas para a incorporação. Nas três tentativas de assembléia, diferentes credores, devidamente informados pelo pessoal da casa, entraram com recursos judiciais que impediram a medida.
A empresa, sem presidente efetivo há alguns meses, estava sem orçamento e enfrentava as maiores dificuldades para cobrir o custeio. A folha de abril, da ordem de R$ 14 milhões, foi paga pela Rede.
Segundo a própria Rede isto não seria repetido em meio, e se não houver incoporação ninguém sabia quem iria cobrir os salários.
O combustível e outros gastos correntes estavam sendo cobertos pelo adiantamento dos fretesem 1999. Em 1997 o volume de carga transportado pela FEPASA caiu assustadores 19,2%.
A única forma de impedir os maiores prejuízos, para a FEPASA e para os demais, era acelerar o processo de concessão. Aquelas alturas não importava muito de que jeito.
Como dizia o presidente da Cargil Agrícola, um dos maiores clientes da FEPASA, Sérgio Barroso, “é melhor que ela seja entregue de graça ao meu maior concorrente do que ficar do jeito que está”.
Para que isso acontecesse, alguém, fosse da Rede, no BNDES, no Ministério dos Transportes ou mesmo no Palácio do Planalto, o presidente Fernando Henrique Cardoso, eleito “Ferroviário do Ano em 1997”, precisaria fazer alguma coisa. São merecia. O Brasil também.