' História da Revolução Liberal de 1842, José Antônio Marinho - 01/11/2015 de ( registros) Wildcard SSL Certificates
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História da Revolução Liberal de 1842, José Antônio Marinho
2015. Há 9 anos
 Fontes (1)
garam ao destino porque o mensageiro foi preso pelas forças da legalidade. Depoisda narrativa da batalha de Santa Luzia, Marinho reproduz o documento assinadopor Teófilo Ottoni chamado Prisão e itinerário de Santa Luzia para Ouro Preto, dosex-deputados à Assembleia Geral, os Srs. Dias de Carvalho e Ottoni, e de outrosentitulados chefes rebeldes, escrito na cadeia de Ouro Preto.A obra é sóbria, e o estilo é direto, sem rebuscamentos. Todavia, o autor não foiisento. É perceptível sua tendenciosidade a favor dos rebeldes e o forte tom de críticaaos legalistas. Porém, há que se considerar que o livro foi escrito ainda no calor dosfatos e dos ressentimentos naturais após batalhas, mortes, prisões e perseguições.Iglésias lamenta não haver um trabalho equivalente feito pelos paulistas e conclui:“Continua o livro mais importante sobre o assunto. Conserva ainda o primeiro posto,uma vez que nenhuma obra dedicada ao tema o excede, na vivacidade, na abrangência do quadro, na riqueza da narrativa e mesmo sob o prisma da interpretação”.

A Revolução

O estopim que deu início à Revolução de 1842 foi a decisão do Gabinete Conservador, nomeado em 23 de março de 1841, de dissolver o Parlamento eleito, de maioria liberal, em 1º de maio de 1842, dois dias antes da posse dos deputados.

Em 1840, a maioridade do imperador foi resultado de manobra dos liberais que, à época na oposição, utilizaram esse artifício para retirar o poder das mãos dos conservadores. O Senado aprovou o projeto de Antônio Carlos que conferia a maioridade ao imperador imediatamente: “Artigo único – S. M. I. o Sr. D. Pedro II é desde já declarado maior.” Com a maioridade, é formado em 23 de julho de 1840 o primeiro Gabinete do Segundo Império, entregue aos liberais. Constituído por figuras destacadas no cenário político, é liderado por Antônio Carlos na pasta do Império e composto ainda pelos ministros Limpo de Abreu (Visconde de Abaeté), na da Justiça, Martim Francisco, na da Fazenda, Holanda Cavalcanti (Visconde de Albuquerque), na da Marinha, Cavalcanti de Albuquerque (Visconde de Suassuna), na da Guerra, e Aureliano Coutinho (Visconde de Sepetiba), que não pertencia ao Partido Liberal, na dos Estrangeiros.

Alçados ao poder, os liberais convocaram para o final do ano de 1840 eleições geraisem dois graus, para compor o Parlamento Geral, o das províncias e as câmaras municipais a serem instalados no início de 1842. Como de costume em todo o períododo Império e na República Velha, as eleições foram viciadas e venceu o partidogovernista.

Divergências internas relativas à condução dos negócios do Rio Grande, onde acontecia a Revolução Farroupilha, acabaram culminando na queda do Gabinete de 23 de Julho. O ministro Aureliano Coutinho obteve do imperador a troca do comandante das forças legais no Sul, o general João Paulo, sem a aquiecência dos demais membros do gabinete, os quais, por conseguinte, entregaram seus cargos. Na reunião do Conselho de Ministros, o líder do gabinete, Antônio Carlos, não se conteve. Voltando-se para o irmão Martim Francisco, desabafou: “Não te disse, Martim, que quem se mete com criança amanhece molhado? Vamos embora!”

Caiu, assim, o Gabinete da Maioridade. Com a queda dos liberais instalou-se no poder o Gabinete Conservador de 23 de Março de 1841, constituído por antigas figuras que pertenceram ao partido absolutista no reinado de D. Pedro I. No poder, os conservadores iniciaram um conjunto de reformas legislativas visando centralizar o governo e aumentar sua força. O clima ficou tenso, com perseguições, ânimos exaltados e embates no Parlamento e nas províncias entre conservadores e liberais.

Contra as iniquidades do governo, a Câmara de São Paulo enviou representação ao monarca. Uma comissão da Assembleia daquela província se deslocou para o Rio de Janeiro levando mensagem do povo paulista a S.M.I. Os membros da comissão não foram recebidos pelo imperador. Minas, por intermédio de petições particulares e por solicitação das Câmaras de Barbacena, São João del-Rei e Minas Novas, fez coro com o apelo dirigido pelos paulistas. Nenhuma dessas representações chegou às mãos do monarca.

Correu o boato que S.M.I. se achava coagido, que não assistia às deliberações do conselho e, até mesmo, que se achava preso. Esses boatos excitaram a opinião pública, especialmente em Minas e São Paulo. A muitos pareceu razoável a veracidade das notícias,à vista de não haverem sido recebidas as representações que lhe foram encaminhadas.

Iniciou-se o ano de 1842, e a expectativa dos liberais era a posse dos parlamentares eleitos, ainda durante o Gabinete da Maioridade e cuja maioria seria liberal. Começaram os trabalhos preparatórios, Martim Francisco foi eleito presidente da Câmara, e o Cônego Marinho, secretário da Mesa. Em 29 de abril de 1842, a Comissão de Verificação proclamou a legitimidade dos diplomas dos deputados eleitos. A informação foi oficiada ao governo, e o dia 3 de maio foi marcado para a abertura solene das câmaras.

Sabedor das dificuldades que teria com a câmara de maioria liberal, o Gabinete Conservador dirigiu ao monarca uma representação fundamentada nos abusos do pleito eleitoral. Pintando com vivas cores os vícios, então usuais, da eleição, conseguiu impressionar o jovem imperador, que, por sua vez, autorizou a dissolução da câmara no dia 1º de maio.

Era a primeira vez, desde a dissolução da Assembleia Constituinte de 1823, que seempregava essa violenta medida. Naquela ocasião, a decisão de D. Pedro I gerouterrível consequência e deflagrou a revolução no norte do País, a Confederação doEquador.Esse ato brusco do governo foi a senha para a revolta. Repetia-se a história. Reproduzia-se o gesto de Pernambuco e das províncias vizinhas quando da dissolução daAssembleia Constitutinte.Voltaram as sociedades secretas aos clubes, os quais tanta importância tiveram emlutas anteriores. Tal como o Clube da Maioridade, formou-se o Clube dos PatriarcasInvisíveis, espécie de prolongamento daquele. Essa sociedade teria filiados no Rio,em São Paulo e em Minas, com a generalização de suas lojas.Embora não houvesse uma perfeita articulação para um movimento armado, a violenta medida de dissolução da Câmara acelerou o levante das duas maiores províncias do Império. Representantes de São Paulo e de Minas reunidos na Corte passaram a organizar o plano da revolta. São Paulo aclamaria um presidente e Minas oacompanharia, fazendo o mesmo.

Em 12 de maio, movimentaram-se os paulistas. Em Sorocaba, no dia 17, proclamaram presidente interino da província Rafael Tobias de Aguiar, que havia sido destituído da presidência pelo Gabinete Conservador de 23 de Março. Entretanto, retardaram o ataque à Capital, e Caxias, comandante das tropas legalistas, não perdeua oportunidade de entrar na cidade de São Paulo, tomando todas as providênciascontra possível ataque inimigo. [Páginas 17, 18 e 19]

Em 6 de junho, os legalistas tomaram Campinas e venceram, dois dias depois, os rebeldes em Venda Grande. Sitiado em Sorocaba, abandonado pelos principais líderes revolucionários que fugiram da cidade, o padre Feijó, ao saber da aproximação das tropas imperiais, escreveu ao barão de Caxias propondo uma solução “honrosa para S.M.I. e à província”. Iniciou com estas palavras:

Quem diria que em qualquer tempo o Sr. Luis Alves de Lima seria obrigado a combater o padre Feijó? Tais são as cousas deste mundo. Em verdade o vilipêndio que o governo tem feito aos Paulistas e as leis anti-constitucionais da nossa assembléia, me obrigaram a parecer sedioso.

Caxias respondeu firme, exigindo pronta rendição dos revoltosos.

“Respondo a V. Excia. pelas mesmas palavras de sua carta hoje recebida. Direi: Quando pensaria eu em algum tempo que teria de usar da força para chamar à ordem o Dr. Diogo Antônio Feijó? Tais as cousas do mundo! As ordens que recebi de S. M. O Imperador são em tudo semelhantes às que me deu o Ministro da Justiça em nome da Regência, nos dias 3 e 17 de abril de 1832, isto é, que levasse a ferro e fogo todos os grupos armados que encontrasse, e da mesma maneira que então as cumpri, as cumprirei agora. Não é com armas na mão, Exmo. Sr., que se dirigem súplicas ao monarca, e nem com elas empunhadas admitirei a menor das condições que V. Excia. propõe na referida carta.

Em 21 de junho, Caxias entrou em Sorocaba, capital dos revolucionários. Rafael Tobias, ao ver-se vencido, fugiu e foi preso em Vacaria, quando tentava se unir aos revolucionários do Rio Grande. Foi processado e preso na Fortaleza da Lage até a anistia de 1844. No mesmo dia, acompanhado de seu ajudante de ordens, dirigiu-se o próprio barão de Caxias à casa de Feijó e, respeitosamente, o levou preso.

A causa já estava praticamente perdida para os paulistas quando, em 10 de junho, em Barbacena, o batalhão da Guarda Nacional aclamou José Feliciano Pinto Coelho da Cunha, depois barão de Cocais, presidente interino da Província de Minas Gerais. Os mineiros entraram na luta por fidelidade à palavra.

De Barbacena, Feliciano Pinto Coelho lançou aos mineiros uma proclamação e enviou circulares às câmaras municipais, baixou portarias, criou corpo de guardas municipais e concitou desobediência às ordens emanadas da Capital. [Página 20]

motivos, que ainda quando verdadeiros fossem, estava fora da competência do governo tomar deles conhecimento. Quando os partidosirritados pelo mesmo governo se combatiam com extrema animosidade, o ministério põe a descoberto os alicerces do edifício social, irrita ainda mais esses partidos, aproxima-os e os conduz ao campo debatalha; apresentando aos ânimos já irritados, um motivo de tantaponderação, como a dispersão ilegal e violenta de uma Câmara, cujasintenções não eram ainda conhecidas; erigindo-se, contra o expressamente disposto na Constituição, em juiz da validade de eleições, eo que é mais, barateando falsidades em um ato de tanta gravidade eimportância. O País deve tê-la diante dos olhos, essa peça, para julgardas intenções de seus autores, e do partido que os sustenta.Relatório apresentado a S. M. o Imperador, pelo ministério,pedindo a dissolução da Câmara dos DeputadosSenhor.Os ministros de V. M. I. incorreriam em grave responsabilidadepara com o País, trairiam as suas consciências, seriam indignos daconfiança que V. M. I. tem neles depositado, se não viessem pedir,com o mais profundo respeito a V. M. I. uma medida que as circunstâncias reclamam imperiosamente para manter contra os embatesdas facções: o sistema monárquico constitucional representativo,único que pode assegurar a salvação do Estado.É, sem dúvida, melhor prevenir a tempo as consequências, quea marcha incalculável das facções costuma acarretar consigo, do quelutar com elas depois de haverem produzido irreparáveis estragos.A atual Câmara dos Deputados, senhor, não tem a força moralindispensável para creditar seus atos, e fortalecer entre nós o Sistema Representativo. Não pode representar a opinião do País, porque aexpressão da vontade nacional e das necessidades públicas, somentea pode produzir a liberdade do voto. A existência dessa Câmara nãoé compatível com a ideia de um governo regular; porque nela predominam homens que, pondo de parte os meios constitucionais, não recuam diante de outros que subvertem todas as ideias de organização social, invadem, usurpam e tendem a constranger, no exercíciode suas atribuições, os outros poderes do Estado.Ainda não se apagaram da memória dos brasileiros as recordações das tramas, e violências, que na eleição da atual Câmara dosDeputados foram cometidas em quase todos os pontos do Império. Otriunfo eleitoral, calcadas embora as leis do pudor, foi o objeto em quepuseram todo o seu desvelo as influências, que a despeito da vontadenacional então predominavam, e o resultado coroou seus deploráveisesforços, porque contam na Câmara dos Deputados decidida maioria.O Brasil inteiro, senhor, se levantará para atestar que em 1840não houve eleições regulares. São irregularmente suspensas (atémesmo em massa) autoridades, cuja adesão é suspeita ou duvidosa; ordens com prevenção lavradas são confiadas aos agentes quepresidem à empresa eleitoral, para remover obstáculos e impedirque predomine a vontade pública; empregados públicos são colocados na dura colisão de optar entre o sacrifício da sua consciência,e o pão de seus filhos; operários de repartições públicas, soldados,marinheiros de embarcações de guerra, são constrangidos a levar acarga cerrada, em listas que lhes são impostas, um voto, de que nãotêm consciência; agentes subalternos da menor moralidade, e autorizados para proceder como lhes aprouver, arregimentam, e armamindivíduos, cujos direitos são mais que contestáveis, cuja nacionalidade mesma é duvidosa, e muitos dos quais, não pertencendo àsParóquias, não têm nelas votos; estes regimentos invadem os templos, arrancam das mesmas com violência, e rasgando-lhes as vestes,cidadãos que, para as compor, haviam sido chamados, e os substituem por outros à força; expelem dos mesmos templos, com insultos,e ameaças, cidadãos pacíficos, que aí concorrem para exercer um dosmais preciosos direitos do cidadão livre, qual o de eleger os seus representantes. E se esses regimentos não bastam, se o cidadão não seacobarda, a um aceno daqueles agentes obedecidos pela força armada, são acometidos os templos, profanados por baionetas, e corre osangue brasileiro! [Página 88 e 89]

Quando todos esses meios falham, é empregado outro recurso; empenham-se em perturbar por todos os modos as operaçõeseleitorais. Se a maioria dos cidadãos, indignada, se retira sem entregar as suas listas, aparecem, não obstante, pejadas as urnas deum número delas excedente ao dos cidadãos ativos da paróquia. Dasmãos dos que as proclamaram, recebem as Mesas as listas aos maços, aos centos e sem conta, quer venham ou não assinadas, quer osnomes que por baixo delas se leem, sejam ou não de cidadãos ativos, de meninos, de escravos, e ainda mesmo imaginários. E como setanto não bastara, é a apuração feita por essas Mesas uma amarga ecriminosa derrisão do direito de votar! Contam os votos como lhesapraz; leem os nomes dos votados como lhes parece; apuram listaem massa. Esta capital foi, com indignação, testemunha dessas saturnais, as quais disseram ser eleições de um povo livre.A esses atentados, outros acrescem: roubam-se as urnas; substituem-se nelas as listas verdadeiras, ou pelo menos publicamenterecebidas, outras, falsas; e até não se hesita diante da escandalosa etão pública falsificação das atas, quando o resultado que apresentamnão está em tudo ao sabor dos interessados.Em alguns lugares é o número dos eleitores aparentementeaumentado por uma maneira incrível e espantosa. Colégios houveque, não podendo sequer dar cem eleitores, apresentaram, todavia,mais de mil.Não há quase parte alguma do Império, senhor, onde algumdesses atentados contra a liberdade do voto não fosse perpetradoem as eleições da atual Câmara dos Deputados.Uma Câmara Legislativa eivada em sua origem por tantos vícios e crimes, desconceituada na opinião geral dos brasileiros queos testemunharam, jamais poderá conciliar a estima, veneração eprestígio que produzem a força moral, tão necessária a tais corpospolíticos e a manutenção ao regime representativo. Os seus atos nãopodem encontrar aquela obediência fácil e voluntária, que é filha daconvicção que tem os governados, de que para eles concorreram por meio de uma eleição livre. Nem ela conseguirá, quaisquer que sejamseus esforços, dominar a razão social.Entregue necessariamente à publicidade tudo quanto se passaem uma Câmara Legislativa, chama para o campo da discussão a inteligência, as paixões, os interesses de todos os membros da associação, é quotidianamente julgada, condenada ou aprovada. De quantaforça moral deve ela gozar, de quanta confiança deve ser revestida,para que não sofra quebra à sua autoridade por essas quotidianassentenças? Uma Câmara Legislativa desconceituada é a maior calamidade que pode afligir uma nação.Contra a Câmara dos Deputados que acaba de constituir-se, ergue-se de cada ponto do Império uma queixa exprobando à sua origemuma violação de lei; logo no mesmo dia da sua eleição, ouviu-se emcada ponto do Império um protesto contra ela; a razão pública a foicondenando, foi decretando a sua dissolução; e cada fato que ia depoisaparecendo, mais a confirmava em sua sentença. Aceitar ou tolerar talCâmara é concorrer para que seja falseado o sistema representativo, eimpelir a Nação para que seja abismada na anarquia, ou no despotismo.Reconhecem os ministros de V. M. I. que os princípios de ordem não foram de todo repelidos da composição da atual Câmarados Deputados; e reconhecem-no com tanto maior prazer, quantoisso prova a força da opinião nacional, que, apesar de comprimida,conseguiu colocar na mesma Câmara homens notáveis por suas luzes, talentos e virtudes; mas o que poderão seus esforços, sua habilidade e seu patriotismo diante dos obstáculos que têm de encontrar?A salvação do Estado, tal qual se acha constituído pela Constituição e seu Ato Adicional, exige, portanto, que a atual Câmara dosDeputados seja substituída por outra, a quem a liberdade do voto dêo caráter de representante da opinião nacional, e a força moral indispensável para firmar entre nós o sistema monárquico constitucionalrepresentativo.E por isso, os ministros de V. M. I. não hesitaram um momentoem pedir a V. M. I. a providência compreendida no Decreto que têm a honra de depositar nas augustas mãos de V. M. I. que resolverá comohouver por bem.

Palácio do Rio de Janeiro em o 1º de maio de 1842.De V. M. I., súditos fiéis e muito reverentes. Marquês de Paranaguá, Cândido José de Araújo Viana, Paulino José Soares de Sousa, visconde de Abrantes, Aureliano de Sousa eOliveira Coutinho, José Clemente Pereira.

Decreto dissolvendo a Câmara dos DeputadosTomando em consideração o que me expuseram os meus ministros e secretários de Estado no relatório desta data, e tendo ouvido o meu conselho de estado, hei por bem, usando das atribuiçõesque me confere a Constituição no Artigo cento e um, parágrafo quinto, dissolver a Câmara dos Deputados e convocar, desde já, outra quese reunirá no dia primeiro de novembro do corrente ano.Cândido José de Araújo Viana, no meu conselho, ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império o tenha assim entendido, e faça executar com os despachos necessários.Palácio do Rio de Janeiro, em o primeiro de maio de mil oitocentos e quarenta e dois, vigésimo primeiro da independência e doImpério.Com a rubrica de Sua Majestade o Imperador.Cândido José de Araújo Viana.Assim, pois, o ministério, só para firmar a preponderânciaduma facção, que se tem atribuído o exclusivo no governo do País,aconselha a Coroa não o exercício melindroso duma atribuição, que aConstituição mui expressamente conferiu ao poder moderador paradela usar no único caso do salus populi; mas um verdadeiro golpede Estado, que a Constituição não autorizava, nem as circunstânciasjustificavam. A facção sabia que não podia manter-se no poder, tendocontra si a Deputação mineira e paulista; e a primeira só contava emseu seio dois deputados da seita; além disto, um próximo parente [Páginas 90, 91 e 92]

Não sendo acreditável que o governo estivesse determinado asuspender a cobrança das imposições, pois que seria isso perturbare anarquizar a administração, era evidente que as pretendia cobrarsem lei; e é esta a violação mais bradamente da Constituição, o atentado mais atroz que pode. cometer um governo contra as liberdadespúblicas e os direitos do povo, capaz por si somente de armar contra o governo que o ousa, um povo qualquer, se não consta ele dedesprezíveis eunucos, ou de baixos sectários do despotismo. É esta ajustificação mais completa para os heroicos mineiros, que em 1842empunharam as armas em defesa de um tão precioso direito. Os deputados mineiros regressaram para a sua Província imediatamentedepois da dispersão da Câmara, e nela acharam os ânimos sumamente irritados pelas tão manifestas e acintosas invasões do governo, ea reforma da lei eleitoral veio acabar de os exarcebar; todavia, é decrer, que sem as especiais provocações da parte do governo provincial, o rompimento demorar-se-ia mais a aparecer, e então as notíciasda Província de São Paulo, obstaram talvez a que ele tivesse lugar.Quando, porém, chegou à Província a notícia de que BernardoJacinto da Veiga estava nomeado presidente de Minas, a indignaçãopública tocou quase à exageração. Sabia-se ser ele o mais enfezadopartidista da oligarquia; que tinha ódios particulares a vingar, e assim era o mais próprio a fazer saltar a mina, que um governo bemintencionado tratava de entupir. O primeiro ato do presidente Veigafoi ampliar até novembro o adiamento da Assembleia Provincial, tornando assim manifesta a intenção, em que estava o governo, de proceder sem lei à arrecadação dos impostos: suas comunicações comos empregados e com seus amigos indicavam toda a necessidade dese acabar com a oposição.Chega à Província a notícia do rompimento em Sorocaba, e asmedidas preventivas do governo levam todas o cunho da inconstitucionalidade, do arbitrário e da provocação. O presidente mandacontinuar eficazmente os processos contra os vereadores suspensos,e isto com o fim patente de os arredar das eleições; instauram-seprocessos contra povoações em massa, como acontecera no Município de Presídio, por haverem os cidadãos usado do direito depetição; pessoas, que se não achavam indiciadas em crime algum,são conduzidas às cadeias, como se suspensas já estivessem as garantias. Viola-se publicamente segredo das cartas; estabelecem-sedestacamentos nas entradas de povoações notáveis, para revistarem os que entravam e saíam e as cartas, que se encontravam, eramabertas, lidas pela polícia, e serviam de corpo de delito, para seremprocessados os que as escreviam, os que as conduziam, e aquelesaos quais eram dirigidas. Além destas bradantes violações da Constituição, destes atentados cometidos pela polícia, contra as maispreciosas garantias do cidadão, corria, com caracteres de probabilidade, que um conselho, presidido pelo presidente da Província, decretava a morte aos membros da oposição, de que interessasse aogoverno descartar-se. No Município de Sabará e em outros corriamos mesmos boatos e eram os governistas os que mais acreditáveisos faziam pelas ameaças, que constantemente dirigiam à oposição;e o sucesso do major Facundo, a obstinação do ministério, conservando na presidência do Ceará o brigadeiro Coelho, a nomeaçãopara delegados e subdelegados de homens que, salvo algumas exceções, mais necessitavam de ser reprimidos e vigiados, fazia recear que o ministério pretendia na verdade recorrer ao punhal e aobacamarte, para subjugar seus contrários.Ainda na Província se não havia manifestado sintomas algunsde alteração na ordem pública, e os oposicionistas eram a título deaderentes ao Movimento de Sorocaba, presos e perseguidos. Destasorte, o governo parecia dizer à oposição que era preciso resolver-sea um ato desesperado, ou a ser fisicamente aniquilada. Na Provínciade Minas, perdidos estavam para a oposição todos os recursos constitucionais, não já para combater o governo, mas para manter-se emseus mais preciosos direitos.O presidente Veiga recomendava às autoridades subalternas,que era preciso perseguir a oposição com energia violenta, e seguindo em sua administração o sistema de fazer quanto lhe indicavamos que ele dizia amigos do governo, resumia em uma única palavra [Páginas 114 e 115]

de guerra. No dia 27 de maio (ou fosse demasiado temor, ou que oclube diretor do partido quisesse, aterrando-o, acabar de chamar asi o chefe de legião Martiniano Severo de Sarros, que parecia vacilarainda entre os novos aliados, os homens da oposição, entre os quaiscontava ele próximos parentes e amigos, de cuja fidelidade e afeiçãolhe não era lícito duvidar), espalhou-se pela cidade que a oposiçãopretendia naquele dia acompanhar em São João o grito de Sorocaba.Os fatos posteriores convencem de que fora isto um plano estratégico, combinado pelo desembargador Gabriel Mendes e outros,com o fim de exacerbarem os ânimos de alguns indivíduos mais prudentes, aos quais, como ao coronel Severo e a uma senhora, de quemqueriam haver dinheiro para as despesas da projetada resistência,fizeram crer que a oposição os havia votado à morte. Foi tal a impressão que esta miserável intriga produziu no ânimo do coronel Severo,que, para logo dirigiu-se ele a casa de seu cunhado o Dr. Franciscode Assis e Almeida, moço dum merecimento muito superior, de todos respeitado pela brandura de seu caráter, pela gravidade de suasmaneiras, pela pureza de seus costumes, não menos que pela suanão vulgar ilustração; e bem que o achasse prestes a deitar-se, e emconversação familiar com um seu irmão, nem assim deixou de o increpar como envolvido em uma conspiração, que devera surgir peloassassinato do mesmo coronel.Nem a continência do Dr. Assis, nem o modo com que fora eleencontrado, nem o conhecimento dos indivíduos, aos quais tão danadas intenções se atribuíam, puderam tranquilizar o ânimo do atribulado coronel, que deixou seus cunhados, para tomar providências,que obstassem ao rompimento que só nas cabeças de seus correligionários existia.Eram, pois, onze horas da noite, quando a cidade foi arrancadaao profundo silêncio em que jazia, pelas cornetas da Guarda Nacional, que tocavam a rebate. Tudo se agita, perguntam todos o motivodo barulho e ninguém o sabe. Rondam patrulhas toda a cidade; encontram um único indivíduo que pertencia ao lado da oposição e oconduzem preso. Nenhum indício, nenhum sinal, que ao menos remotamente indique alteração do sossego público, e apesar disso, osoligarcas põem a população na mais completa agitação. O delegadode polícia, indivíduo inteiramente baldo de instrução, ainda mesmo amais ordinária, e falto até de senso comum, que desconhece os princípios os mais comezinhos duma educação qualquer, tais providênciastomou, que assaz convenceram elas de que os mais baixos empregados da polícia também estavam persuadidos de que havia ao tododesaparecido do País o sistema representativo. O segredo das cartasera violado com irritante zombaria, a ninguém era permitido sair dacidade sem prévia licença da polícia, ou entrar sem ser revistado pelos destacamentos, que se achavam postados em diferentes lugares.Pessoas de qualidade foram conservadas em cárcere privado em casado delegado. O Batalhão de Guarda Nacional teve ordem para se conservar em destacamento; as casas, que se diziam suspeitas, foram varejadas brutalmente, em busca (dizia-se) de armamento e munição.Gemia, pois, a Cidade de São João del-Rei sob o jugo de meia dúzia deestúpidos, que exerciam todo gênero de violências, para obstarem(diziam eles) a proclamação da República de Sorocaba.Mas, que homens que não sabem com segurança combinarduas ideias, como são quase todos os que em São João del-Rei pertencem ao partido da oligarquia, acreditassem que se pretendia efetuar um movimento naquela cidade, e em tal época, é desculpável, sedesculpa merece a falta de senso; que um indivíduo, porém, que naProvíncia exercia um emprego importante e melindroso, como o dechefe de polícia, da tribuna provincial asseverasse com toda a certeza esse fato, e isto depois de 10 de junho, quando conhecidos eramtodos os sucessos, quando a polícia de São João del-Rei com todo oempenho buscara sem poder encontrar um só vestígio, que ainda remotamente concorresse, para prova duma tal suposição, só pode serexplicado pelo desejo de agravar a sorte de algum adversário, desejoque a não ser o chefe de polícia, o Dr. Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos, mal estivera em um magistrado de tão elevada categoria.Não tinha, pois, a oposição arriscado um único passo, que acomprometesse, mas o partido oligárquico, certo de que é odiado [Páginas 151 e 152]

resolveram todos a obrar nesse sentido. No mesmo dia 17, pois, partiram, Otoni para Barbacena, e Marinho para Baependi.Resultado das comissões de Otoni e Marinho, ataque daFazenda do Ribeirão no dia 20 de julho, dissolução da colunade BaependiA coluna de Baependi, uma das mais brilhantes do exército insurgente, julgou completa a sua missão fazendo reconhecer naquelavila a autoridade do presidente interino, e em vez de prosseguir paradiante, marchando sobre os legalistas que se retiraram para PousoAlto, e seguir sobre a Cidade da Campanha, deixaram-se os influentes embair das promessas de alguns legalistas, que em Baependi depuseram as armas, licenciaram então, duas terças partes da coluna,e deixaram a outra de guarnição à vila. Todo este procedimento erabaseado no fim que tinham em vista os mineiros insurgindo-se; eera, o que tenho já muitas vezes mencionado, apresentarem umamanifestação armada em apoio de São Paulo, e com o único intentode obterem a demissão do Ministério de Março; por isso, cada umjulgava ter tudo feito, quando essa manifestação tinha lugar em seurespectivo município.Os legalistas, porém, que acossados de Baependi, procuravam,uns, o Rio de Janeiro, outros, as suas casas, tiveram em Pouso Altocerteza de que os paulistas haviam sido derrotados e de que o barãode Caxias marchava sobre a Província de Minas com forças numerosas e aguerridas encontraram-se com oficiais e armamento, que oministério enviava, e então deliberaram voltar sobre a vila, que nodia 25 de junho haviam abandonado. Enquanto se ignorava o desfecho do Movimento de Sorocaba, os insurgentes estavam em movimento nos municípios mais ao Sul da Província, e é de crer, que sea luta se não decide em São Paulo tão prontamente, e por um modotão pouco esperado, os municípios de Jacuí e Pouso Alegre reforçariam as fileiras insurgentes; mas desde que os paulistas sucumbiram, acreditaram todos não ser possível aos mineiros a resistência, e [Página 215]

Propôs ele, então, que se lhe confiassem duzentos homens,com os quais iria naquela mesma noite, sem que o pressentissemos legalistas, ocupar as estradas de Ouro Preto, Congonhas e Suaçuí;que no dia seguinte (25) fosse uma das colunas acampar defronte àvila, na estrada do Rio de Janeiro, e a outra na de Itaverava, as quaisdeviam ir sucessivamente apertando o cerco até que os legalistas seconcentrassem todos na povoação, caso em que lhes seriam tomadasas fontes, e eles, obrigados pela sede, entregar-se-iam à discrição.Este plano defendido com entusiasmo por Otoni foi unanimemente adotado. Quando, porém, o massena10 de Minas tratava deseparar gente para dispor a emboscada, foi Otoni advertido que serevogara a deliberação tomada; em consequência, partiu ele aceleradamente com João Ribeiro Guimarães, que lhe trouxera o aviso, aprocurarem o presidente interino, que acharam conferenciando comGalvão. Com efeito, tratavam eles do objeto, ou antes, o tinham decidido, e a Otoni, que instava pela execução do plano anterior, objetavao venerável velho as dificuldades de um assalto à Vila de Queluz, defendida por força disciplinada, igual em número à insurgente, porémmelhor armada, bem municiada, protegida por artilharia e por imensas trincheiras naturais. E como se um outro Galvão comandasse acoluna legalista, lembrava ele o acontecido no dia 4 do mesmo mês.Estas objeções eram acolhidas e mesmo sustentadas pelo presidente interino, não só porque eram elas razoáveis, mas tambémporque ele, desde São João del-Rei, se convencera de que era verdadequanto se dizia a respeito da pacificação de São Paulo; e então, deixando Queluz à direita, queria procurar o Sabará, com o fim de ganhar tempo, informar-se do verdadeiro estado de São Paulo e tomarconselho das circunstâncias.Otoni, porém (bem que quando partisse do Rio de Janeiro, nodia 15 de julho, já fossem aí sabidas as notícias da retirada da pontedos Pinheiros e a derrota da Venda Grande, notícias que ele ocultaramesmo a amigos particulares, porque, supondo que os paulistas sehaviam concentrado para Curitiba, onde acreditava ele ser o teatroda guerra, evitava tudo quanto pudesse trazer desânimo aos minei- [Página 237]

viam empenhadas outras pessoas pelas quais muito vivamente se interessavam, bem como pela mesma causa dos insurgentes — trouxeram ao presidente interino a notícia da derrota dos paulistas e lhesfizeram ver a necessidade de pôr um termo à revolução, persuadidoscomo estavam de que uma mais teimosa resistência poderia comprometer sem remédio e sem utilidade os insurgentes. Otoni, que assistira à essa conferência havida no mesmo momento em que dentroda Vila de Queluz troava a artilharia e fuzilaria, e que se obstinavaem não acreditar no que se lhe dizia a respeito do barão de Caxiase dos paulistas, respondeu a uma dessas pessoas que se esforçavampara fazerem-lhe compreender a necessidade de pôr termo ao movimento: que naquele instante se tratava da infalível decisão da causa; que se os insurgentes perdessem aquela batalha, morta estava arevolução, independente da coadjuvação do barão de Caxias; e se aganhassem, pouco lhes devia então importar a derrota dos paulistase a espada do barão. Ganhou-se a vitória, com efeito, e mais extensa do que se poderia prever, mas, ainda que Otoni e algumas outraspessoas influentes continuassem firmes em não acreditar na derrotados paulistas, o presidente interino não compartilhava essa convicção, e como se pondo à frente do Movimento de 10 de Junho nenhumoutro pensamento tivera senão o de fazer uma manifestação armadaem apoio do de Sorocaba; sufocado aquele, era evidente que o de 10 de junho tinha saído fora do programa do presidente interino, e daí,vêm as hesitações, os vagares, as incertezas, porque nenhuma resolução enérgica tinha já o assenso dele.Daí também o motivo porque sendo a opinião geral do exército pelo pronto assalto da capital, passaram-se em Queluz os dias 27e 28, e só a 29 pôs-se o exército em marcha para Ouro Branco, donde se expediram alguns emissários a procurarem notícias do Norte,dizendo-se sempre, para condescenderem com a opinião geral, queseria atacado o Ouro Preto.No dia 31, estavam acampados no Capão do Lana os insurgentes, e quando esperavam todos que se marcharia diretamente sobreo Ouro Preto, ordens foram dadas, para que tomassem a direção da [Página 243]

Poucos eram os que sabedores das notícias vindas de Barbacena duvidavam ainda da derrota dos paulistas, e menos os que ignoravam o que se passava ao sul da Província, e muitos os que se persuadiam que em tais circunstâncias era impossível conduzir para diantea revolução, convencidos de que era impossível fazé-la parar, alcançando do governo uma anistia geral para todos os comprometidos.Esta ideia foi apresentada a Otoni pelo Dr. Melo Franco, e tãopouco suspeita se devia considerar esta proposta, quanto era certopartir ela dum homem que havia prestado à revolução relevantesserviços, servindo-a com um zelo infatigável e sustentando-a comuma coragem a toda a prova. Otoni, porém, conhecendo melhor oshomens, como os posteriores acontecimentos o mostraram, comos quais se tinham de haver os insurgentes, tergiversava, para ganhar tempo, nunca dando de mão a estratégia favorita de consideraros paulistas fortificados na Curitiba, e que, portanto, cumpria nãoabandoná-los.Era por isto que um periódico publicado no Ouro Preto – Olegalista – informado, sem dúvida, por algum desertor, dava a Otonio título de pregador dos rebeldes.

Assim, iam as coisas, quando no dia 5 de agosto, um expressovindo de Queluz, onde ficara o barão de Caxias, chegou ao acampamento dos insurgentes, trazendo cartas de Barbacena e número doJornal do Comércio, que noticiavam a pacificação completa de SãoPaulo, com a entrada da legalidade em Sorocaba. Asseguravam essascartas, escritas ao que parecia, sob os ditames do barão de Caxias,que este não atacaria os insurgentes sem primeiro ter uma conferência com o presidente interino: que o imperador havia tratado oseu casamento, que se celebraria em outubro, e que no caso de deporem as armas, os insurgentes, deviam por essa ocasião, contar com aanistia: que o barão de Caxias pedia a seu primo, o Dr. Camilo, a quem(são suas palavras) estimava como parente, voltasse sem susto parasua casa, certo de que nada lhe aconteceria. Ver-se-á ao depois comofoi cumprida esta palavra do general da legalidade para com o Dr.Camilo, que na Cidade de Barbacena se apresentara. [Página 254]

de Sorocaba lhe escrevera, e tal tratamento lhe dera, bem claramente indicava qual o assenso que o general barão de Caxias daria àspropostas dos insurgentes mineiros, se nelas pudesse ler o mesmogeneral o temor ou fraqueza.Com efeito, na tarde do dia 11, trocaram-se os primeiros tirosentre uma partida das forças insurgentes, comandada por Lemos,e as forças legalistas, que não puderam ganhar, como pretendiam,a eminência do morro denominado “Cabeça de Boi”, porque, sendopressentida essa tentativa, foi, apesar do tempo chuvoso, ocupadaessa eminência pelos batalhões de Santa Quitéria e Santa Luzia, pernoitando o grosso do exército na “Casa de Pedra”. Na manhã do diaseguinte, continuou o exército a sua marcha para a Cidade do Sabará;tomou a coluna Alvarenga a estrada que vai de Raposos para o Arraial Velho, a coluna Galvão, a de Rapa Queijo, e a coluna Lemos pelado Papa Farinha.Tendo as três colunas ocupado as posições que lhes foramdesignadas, apenas Alvarenga avistou os legalistas, fez avançar sobre eles as guerrilhas e atiradores comandados por Zeferino, querompeu o fogo com tanta bravura, que os desalojou imediatamente da melhor posição que ocupavam; carregando, então, o grossoda coluna, os levou de rojo e os bateu por espaço de meia hora,quando, aproximando-se a coluna Galvão, levou diante os que nãotinham podido cortar a retaguarda à coluna Alvarenga, como indicavam desejar.Fugiram, pois, precipitadamente, os legalistas, e se foram entrincheirar nas casas da cidade, donde respondiam ao terrível fogo,que sobre eles faziam as duas colunas.Enquanto o sul da cidade era assim acometido, a coluna Lemosatacava a parte fronteira, que se estende até a Igreja Grande; quandoos atiradores desta coluna desciam pelo Morro do Papa Farinha, aforça legalista, que estava postada em frente, alto de um morro forada cidade, recuou precipitadamente logo que os mesmos atiradoresderam uma descarga sobre o piquete legalista, postado em uma coluna fronteira à Igreja do Carmo. [Página 263]

Era em Sorocaba que o exaltamento tinha requintado; porqueos governistas, desesperados por haverem sido deslocados nas passadas eleições, querendo impor a maioria, se haviam reunido armados, por duas noites, blasonando que se achavam armados e prontospara obrigar a Câmara Municipal a dar posse aos novos empregados;e para isto chamavam em seu apoio os adotivos e papeletas, ameaçando aos naturais de fazerem neles um exemplo para os vindouros.

No dia 10 de maio, apresentou-se o juiz de direito, para dar posse às novas autoridades, sendo disso dispensada a Câmara Municipal; conferenciando, porém, com os juízes de paz, convenceu-se de que não lhe era possível quitar-se dessa comissão sem grave alteração no sossego público, e desistiu ou adiou o empenho em que viera.

No dia 11, circulou o boato que uma força vinda da capital, e reforçada com a Guarda Nacional da Vila de São Roque, vinha proteger a autoridade para se efetuar a posse, bem como a prisão de alguns indivíduos mais influentes.

Efetivamente, chegou à Cidade de Sorocaba, vinda de São Roque e da freguesia de Una, uma porção de força, que acompanhavao juiz municipal nomeado! Estavam abertas as hostilidades, e no dia 12 concorreu grande número de gente armada, protestando opor-se até o extremo à posse das novas autoridades, até que novamente se representasse ao imperador. As autoridades municipais procuraram manter a ordem, fazendo aquartelar a gente e dando-lhe um comandante. Antes de chegar o dia 17, em que tivera lugar o rompimento de Sorocaba, releva expor o que se passara no Rio de Janeiro a respeito da revolução.Chegados à corte os deputados de São Paulo e Minas, em fins de abril de 1842, souberam que um grande golpe de Estado se preparava; que o ministério, seguro de que seria acusado formalmente pelas violações da Constituição, e muito principalmente pela suspensão das câmaras municipais, não podendo contar com uma maioria na Câmara Temporária, vendo excluídos dela seus sustentáculos os mais fortes e seus melhores amigos, temia-se de entrar em luta com a oposição, que em seu seio contava homens de talento, fortes e deci- [Página 317]

Foi esta a primeira fatalidade para os revolucionários de 1842.O senador Ferreira de Melo, persuadido de que a sua retirada imediata para a Província de Minas poderia prevenir o governo, e adverti-lo a tomar providências enérgicas a respeito de Minas, enviandomesmo para lá qualquer força, e obstando a alguma manifestaçãono sentido de São Paulo, deixou-se ficar na corte, para iludir, assim, aprecaução do ministério.17 de maio – Proclamação do coronel Rafael Tobias deAguiar para presidente interino da Província de São PauloA Província de São Paulo estava sumamente agitada, mas Rafael Tobias, na convicção de que a de Minas não se movia, julgoufora de prudência pôr-se à frente de um movimento, e ainda maispelas razões por ele apresentadas em seu manifesto, publicado a 17de abril do corrente ano, e que vai no fim desta história: deliberou,pois, retirar-se para sua fazenda, porque foi avisado de que do Rio deJaneiro partira um oficial encarregado de o prender. Chegado a Sorocaba na noite de 16, foi informado das ocorrências do dia 10 e seguintes, e urgentemente instado para que se pusesse à frente do movimento, a que já não era possível obstar, havendo sido proclamadono dia 17, mesmo sem seu acordo, presidente interino da Província.

Aceitando a nomeação pelas razões no citado manifesto escritas, tratou de fazer marchar imediatamente uma força sobre a capital, que no dia 19 montava já a perto de 1.000 homens, cheios do maior entusiasmo, suficientemente armados e municiados; encarregou o comando desta força ao major Francisco Galvão de Barros França, oficial que gozava a reputação de homem de bem, valente e prático na arte da guerra.

Nesse mesmo dia, em que partia a força de Sorocaba para SãoPaulo, chegou àquela cidade o senador Feijó, que apenas soubera emCampinas, onde morava, o que se passava em Sorocaba, apesar desua idade e moléstias, correu a servir e ajudar aos seus patrícios noempenho de sustentar a Constituição e o trono. A população corria cheia de entusiasmo às armas, pois que em .todos existia a convicçãode que a liberdade pública estava gravemente comprometida pelosexcessos do Ministério de 23 de Março; e era para se ver que o homem, que em 1831 salvara por seus esforços a monarquia e a ordempública, dos furores da revolução, fora em 1842 o mais dedicadodos insurgentes, porque em 1842 via, como em 1831, ameaçada aliberdade e com ela a monarquia constitucional que pairava sobreum abismo, fadigosamente cavado por uma oligarquia infrene e despótica.Entretanto, uma fatalidade havia comprometido os insurgentes, sem que eles o soubessem; um tiro tinha sido disparado na portado juiz de direito, na ocasião em que conferenciava ele com os juízesde paz sobre os meios por que poderiam realizar a posse dos novosempregados policiais; o juiz de direito, atemorizado com os preparativos anteriores, participou ao presidente que a revolução ia aparecer; e o presidente, aproveitando a oportunidade, fez para o Rio deJaneiro a mesma participação, que chegou a Santos duas horas antesda partida do vapor Ipiranga. Assim, enquanto os insurgentes de Sorocaba acreditavam que a notícia do rompimento não tinha chegadoainda ao Rio de Janeiro, já o general barão de Caxias desembarcavasuas forças, e ocupava com elas a capital da Província. Em São Paulo,pois, assim como em Minas, os erros se encadearam e as fatalidadesse acumularam desde o primeiro dia em que tiveram lugar os respectivos movimentos.O major Galvão, em vez de marchar rapidamente sobre a capital, como muito se lhe recomendara, gastou quatro dias para chegarao Ribeirão do Pirajussara, onde reforçou ainda mais a coluna coma força de Itu, que aí encontrara, não sendo de Sorocaba à Cidade deSão Paulo mais que 18 léguas, e tendo o comandante à sua disposição uma bela e considerável cavalaria. Em Pirajussara, encontrou-seo major Galvão com uma guarda avançada da pequena força com queo general barão de Caxias havia guarnecido a Ponte dos Pinheiros, etão estropiada estava toda a força, pela marcha forçada, que de Santos trazia tão desanimada pelo terror que infundia a persuasão de que a Província de São Paulo havia-se erguido, unida como um sóhomem, e forte como um gigante, que as forças do general Caxiasjulgavam-se infalivelmente esmagadas; e o teriam sido, se o comandante dos insurgentes quisesse arriscar a menor tentativa sobre esses homens fatigados, e tanto desmoralizados; mas o major Galvão,longe de avançar, retirou-se para o Jaguaraí.A deliberação do comandante dos insurgentes, além de mostrar desânimo e irresolução, que é sempre para os revolucionáriosum infalível prognóstico de derrota, proporcionou ao general da legalidade ocasião, de que ele aproveitou imediatamente, para desenvolver seus planos. Foi o primeiro cuidado do general dirigir um ofícioao major Galvão, em que lhe fazia ver os perigos, que corria ele, noqual pedia o general se não comprometer por alheios caprichos, eassegurava-lhe que levava poderes amplos para aplanar todas as dificuldades, dando a entender que seriam satisfeitos os desejos dospaulistas, se além não fossem eles do que parecia.O major Galvão respondeu com firmeza e dignidade a esteofício; mas, em vez de autorizar sua resposta com a ameaça de umpronto assalto à capital, tirou-lhe todo o préstimo e valor, retirando--se para Bairiri. É inexplicável a maneira por que esse oficial, aliásbravo e honrado, comprometeu a causa que abraçara; pois que, nãopodendo ele ignorar que o êxito do movimento dependia absolutamente de um assalto à capital, onde encontraria poderoso apoio,deixou de acometer as forças do barão de Caxias, ou não podendoentrar pelos Pinheiros, não procurou algum passo vadeável no rio,que muitos achariam, estando guarnecidas por forças muito insignificantes as Pontes do Anastácio e de Santana, e as de Santo Amaro ePasso do Ó: se algumas tinham, constavam elas de paisanos. O que é,porém, ainda mais inconcebível, é o abandono em que deixara Galvão as estradas de Sorocaba e Campinas, por onde iam e vinham,sem que o menor estorvo os embaraçasse, os agentes do presidenteMonte Alegre; e tal era o desleixo, que um general com habilidade egênio, poderia ter introduzido força em Sorocaba sem ser pressentido, e teria também prendido a Rafael Tobias. Foi tal a inércia e o desleixo do comandante dos insurgentes, que, pela estrada de Campinas passaram, sem que sofressem a menor inquietação, 200 praçase armamento, que foram ao depois ocasionar a fatalíssima derrotade Venda Grande.Teve o comandante certeza de que partira de Jundiaí para SãoPaulo uma cavalhada, de que o barão de Caxias tinha urgente necessidade, e bem que passasse ela a quatro léguas distante do seu acampamento, não teve a deliberação de a mandar tomar. Tanta inaçãoe negligência pudera desmoralizar o mais aguerrido exército. Queefeitos produziriam, então, em paisanos, reunidos pelo entusiasmo,pela dedicação patriótica, com a convicção, porém, de que pelejavamcontra o governo e que necessitavam de ser sustentados neste empenho por empresas próprias a inspirarem confiança?O susto principiou a preocupar os espíritos, e o desânimo tornou-se geral. O coronel Tobias tomou, então, a deliberação que aoprincípio devera ter tido, pois que em vez de se deixar ficar em Sorocaba, convinha que tivesse marchado com as forças, e então teriaevitado o que agora não era possível remediar; apareceu, pois, no dia8 de junho, no acampamento de Bairiri, e tão mal colocado o achou,que, se o general da legalidade fosse empreendedor, pudera ter introduzido no acampamento a sua força, a qualquer hora da noite;fez mudar o acampamento e procurou por todos os meios reanimaros espíritos. Já não era tempo, porém; passada estava a ocasião, epara cúmulo de fatalidades foi aí sabida a terrível derrota da Venda Grande, ocasionada pelo desleixo de Galvão e pela imprudentee intempestiva coragem de um comandante dos insurgentes. Então,principiaram a aparecer algumas pequenas partidas das forças da legalidade, pelo lado da Cotia; em consequência disto, resolveu Galvãoretirar-se com o intuito de se ir colocar entre São Roque e Sorocaba,o que em verdade era obrar militarmente, pois que, ocupando essasposições, não só obstaria ao assalto de Sorocaba, mas poderia cortara marcha dos inimigos nas muitas matas que bordam aquela estrada. O major Galvão, porém, não fez alto em parte alguma, e nos dias13 e 14, divididas em duas colunas, chegaram a Sorocaba as forças insurgentes, e com tal precipitação, que não só não deixaram algumaforça que lhes protegesse a retaguarda, mas nem ainda vedetas quelhes dessem aviso, se o inimigo se aproximasse. Nestes momentos desusto e de ansiedade, chega também a notícia de que Rafael Tobiashavia sido atraiçoado em Curitiba, e que essa importante comarca,longe de aderir ao movimento, estava ocupada por forças vindas deSanta Catarina, as quais deviam marchar a ocupar Itararé. Todos sejulgaram cercados; e para aumentar-lhes a angústia e o desânimo,nenhuma notícia havia do que nas vilas do Norte se passava, muito menos ainda do que ia pela Província de Minas, que Rafael Tobias acreditava, fundado nas primeiras opiniões dos deputados mineiros, não se haver movido.

Entretanto, deliberaram sustentar com todo o esforço o ponto de Sorocaba; e Rafael Tobias retirou-se na noite de 18 de junho para Itapetininga, a fim de observar dali o que convinha fazer-se, deixando, entretanto, a direção dos negócios ao vice-presidente senador Feijó, que, no último e desesperado momento, tomou sobre si todas as consequências do movimento, e com tanta generosidade se sacrificou, bem que não desconhecesse ele os homens em cujas garras se metia. A aproximação das forças da legalidade foi o sinal de dispersão geral, foi um verdadeiro “salve-se quem puder”.

Assim, no dia 20 de junho, estava o general da legalidade na casa da presidência interina, e o honrado e dedicado senador Feijó, metido em uma caleça, caminhava, guardado por numerosa escolta, para a Cidade de São Paulo, levando sobre o semblante os traços de uma alma impassível na desgraça, e os sinais de uma consciência tranquila, pela convicção de haver fielmente preenchido o seu dever.

Rafael Tobias caminhava ainda para Itapetininga, quando teve notícia do ocorrido em Sorocaba, e conhecendo a extensão dos perigos que o ameaçavam, tratou de refugiar-se, não podendo, todavia, escapar à política14 da traição, de que se ele queixa em seu manifesto. Assim, estava vencido, e com tão pouco custo pela parte da legalidade, aquele movimento, filho do entusiasmo, mas tão infelizmente dirigido. Os sucessos que se seguiram à derrota dos paulistas são, sem dúvida, de uma gravidade e importância não comuns; entretanto, a falta de dados positivos faz que pare eu a respeito de São Paulo no pouco que escrito fica, continuando desde este ponto a narração do ocorrido na Província de Minas, único comprometimento que tomei para com meus coprovincianos e para com aqueles que me prestaram sua coadjuvação no empenho de apresentar ao País, com toda a fidelidade, uma parte dos ponderosos acontecimentos que tiveram lugar na minha Província, deixando ao futuro um trabalho, bem que mal alinhado, mas que poderá servir para sobre ele formar o que se encarregar de escrever a história do País, um dos não menos importantes episódios dela.

Providências dadas pelo governo-geral para sufocar oMovimento de 10 de JunhoAntes de expor a política que seguira o governo depois de vencida a revolução, releva dar uma sucinta notícia do modo por que seconduzira ele para sufocar os movimentos de São Paulo e Minas, edos meios que nesse empenho empregara. A notícia de haver ecoadona Província de Minas o grito levantado em Sorocaba contra o tirânico e audaz Gabinete de 23 de Março, e de que à frente do movimentomineiro se achava um homem distinto por sua fortuna, nascimentoe aferro à monarquia constitucional, atordoou o gabinete e a oligarquia que o sustentava; e se outra fora então a atitude da Provínciade São Paulo, a facção houvera caído, carregada com o peso da geral execração, e os insurgentes tiveram mostrada a lealdade comque sustentam o trono constitucional, e sobre ele a dinastia do Sr.D. Pedro I; porém, por mais sérios que fossem os receios de que seapoderara a facção, ao ouvir o estrondo do trovão que rebentara emBarbacena, eram eles muito atenuados pelos sucessos da Provínciade São Paulo, que necessariamente deviam ter poderosa influênciasobre os de Minas.A facção tentou todos os meios legais ou não para conjurar operigo que somente a ela ameaçava. Fez, pois, o ministério aparecera Proclamação de 19 de Junho. Essa peça, bem que sem a referenda [Páginas 322, 323, 324, 325, 326 e 327]

sassinos, condenados como tais, e pretos da costa da África, que elevou à qualidade de cidadãos brasileiros, em cujas mãos depositouas armas da Nação, para irem bater os industriosos mineiros. Tudoquanto uma imaginação diabólica podia sugerir a homens para osquais não havia leis nem fórmulas, tudo foi lembrado. Assim, a par daProclamação de 19 de Junho, apareceu o Aviso de 23 do mesmo mês,ordenando o sequestro aos bens de todos os que houvessem aderidoaos movimentos. Ei-lo, esse aviso, origem de tantos males:Aviso de 23 de JunhoIlmo. e Exmo. Sr.S. M. o Imperador, tendo em consideração, por uma parte, osgravíssimos prejuízos ocasionados à Fazenda Nacional pela rebeliãoque infelizmente se levantara em Sorocaba e Barbacena, nas Províncias de São Paulo e Minas Gerais, havendo-se os rebeldes apoderadode dinheiros públicos, pertencentes às rendas gerais e provinciais,assim como de edifícios, bens e gêneros próprios da mesma Fazenda,obstando com seus atos criminosos a regular e legal arrecadação dasditas rendas, e constituindo o governo na dura necessidade de fazeravultadas despesas para a manutenção da ordem e proteção dos cidadãos pacíficos; e por outra parte, que, apesar de ser bem definidoe seguro o direito que tem a Fazenda Nacional de haver a indenização de todos os sobreditos prejuízos pelos bens dos delinquentes,contra quem se há de proceder com todo o rigor das leis, em virtudeda legal hipoteca estabelecida no art. 27 do Código Criminal, poderão algumas pessoas de boa-fé ser iludidas por meio de contratos,a que as induzam os comprometidos na dita rebelião, a respeito deseus bens assim hipotecados; há o mesmo augusto senhor por bemordenar que V. Exa. faça publicar por editais o teor do referido art.27 do Código Criminal, e intimar por meio deles a todos e quaisquerindivíduos, ou companhias nacionais ou estrangeiras, dessa ou dequalquer outra província, que não façam com os rebeldes trato, oucontrato algum sobre seus bens móveis, semoventes ou de raiz, porque todos se hão de haver por nulos e de nenhum efeito, visto que seacham os sobreditos bens sujeitos à indenização da Fazenda Nacional. Outrossim ordena S. M. o Imperador que V. Exa. expeça ordensaos magistrados territoriais para que ponham em arrecadação e boaguarda todos os bens pertencentes a rebeldes, que, empenhados narevolta, se tiverem ausentado de seus domicílios, para oportunamente terem o destino legal, na conformidade das leis, quando seterminar a mesma revolta.Deus guarde a V. Exa.Palácio do Rio de Janeiro, em 23 de junho de 1842.Visconde de Abrantes.Sr. Presidente de Minas Gerais.Semelhantes aos presidentes de São Paulo e Rio de Janeiro.Proclamação de 19 de JunhoBrasileiros!O grito de rebelião, que soou em Sorocaba na Província de SãoPaulo, acaba de achar eco em Barbacena na Província de Minas Gerais. Homens, cujos princípios foram repelidos pelos poderes políticos nacionais, entendem que os devem prevalecer, tentando revolucionar o Império.Não satisfeitos com as rebeliões, que tanto afligiram a nossapátria, durante a minha menoridade, querem ainda abismá-la noshorrores da guerra civil. Fiel ao juramento que prestei, de guardara Constituição, e cônscio dos deveres que ela me impõe, jamais deixarei de fazer executar as leis emanadas da representação nacional,de manter ilesas as prerrogativas da minha Coroa, de promover afelicidade geral, e de salvar o Estado. Conto para isso com a eficazcooperação dos meus leais súditos de todas as províncias.Brasileiros, que fostes iludidos! Abandonai os homens que vostêm conduzido ao crime: como pai, vos aconselho que desprezeissuas pérfidas sugestões; poupai-me a dura necessidade de punir- [Página 330 e 331]

va sobre o coração, de que uma revolução fortemente organizada naProvíncia poderia comprometer o trono. É igualmente fato provadoque se o tenente-coronel José Feliciano não houvesse abandonadoo exército na madrugada do dia 20, se Lemos não o tivesse acompanhado, fiado talvez na promessa de anistia, que dizem lhe fora formalmente feita; se em virtude da Proclamação de 19 de Junho, o Sulinteiro da Província não tivesse abandonado o movimento, ainda emdias de julho, se todos os comprometidos não tivessem a esperançade serem anistiados, e para salvarem-se se conservassem unidos, econtinuassem o movimento; se, é preciso repeti-lo, o tenente-coronel José Feliciano não tivesse nutrido o mesmo temor que Tobias,retirando-se do exército, talvez porque se temesse que uma vitória,ganha sobre um general de tanto prestígio, conduzisse além do ponto que em 10 de junho ele marcara como meta do movimento, e quefizera constar a S. M. I., na carta que ficou transcrita em o primeirotomo, mas que foi, contudo, o que tendia a esclarecer o espírito domonarca, desviada de seus olhos; sim, se José Feliciano quisesse proceder revolucionariamente, e mais amplos desejos tivesse, que nãosó o de uma manifestação armada, com o fim de esclarecer a religiãodo monarca, qual seria o termo do Movimento de 10 de Junho?

Apesar, porém, do procedimento leal de Tobias e José Feliciano, a oligarquia, que antepõe a sua causa à do monarca, esforçava-separa sacrificar sobre seus altares, e em seu proveito, esses dois súditos leais do Sr. D. Pedro II; e Rafael Tobias de Aguiar, contra os preceitos do senso comum, contra os ditames da opinião pública, contrao espírito e a letra da lei, foi colocado em uma classe que não era asua, unicamente para que fosse arrancado ao juízo de seus pares, afim de ser julgado por uma comissão militar, cujos votos o governopudesse de antemão contar e cuja decisão infalível seria o sacrifíciode uma tão importante vítima. O exército do Brasil teve ainda quatro coronéis (e mais poderá ter), que, antepondo a honra a todas asconsiderações de opressão ou de proveito, fizeram pé firme dianteda oligarquia, e não transigiram com as exigências do governo, nemquiseram ser comparsas em tal atrocidade, julgando um homem de quem não eram em suas consciências, firmados nos preceitos da lei,os verdadeiros juízes.

O governo da oligarquia, porém, que não sabe recuar de suaspretensões, nem quando lhe bradem as vozes do dever, as da justiça,as da pública utilidade, ou os preceitos universais da moral, tomoumais a peito a causa sua, que não do monarca, e muito menos aindaa da utilidade pública. Intrigou, manejou, ameaçou, e uma decisão doConselho Supremo militar veio acrescentar o catálogo, já tão extenso, dos escândalos nos anais dos Tribunais Judiciários do Império.É um preceito de hermenêutica judiciária, que, quando setrata da interpretação de uma lei, e que principalmente comportaassunto tio grave e importante, se deve procurar mais que tudo conhecer a mente do legislador. A lei, de cuja execução se tratava, haviasido votada no ano de 1841; as discussões que então tiveram lugar,palpitavam ainda na memória do público e puderam ser facilmente consultadas; delas se conheceria que o legislador não teve, nempodia ter em mente, estender uma disposição tão odiosa a militares da classe do coronel Tobias, porque a conveniência pública, queaconselhava a disposição de serem os militares julgados por seuspares, no caso de comoções políticas, provinha do perigo, e mesmoda experiência de voltarem contra o governo e a ordem pública asarmas àqueles que têm por ofício defender estes objetos; igualmenteda maior facilidade que tem o general que comanda um exército, ouuma coluna, o comandante de um corpo, de uma fortaleza, mesmode uma companhia ou de um destacamento, de perturbar a ordempública com mais segurança do que o simples cidadão: estas foramas razões apresentadas no seio do Parlamento pelos próprios que talmedida propuseram e sustentaram; aplicá-la, pois, a quem de militar só tinha as honras, e que nenhuma influência militar podia exercer, é o cúmulo da atrocidade; mas, para tornar ainda mais calamitoso o estado do País, um dos tribunais de maior categoria do Império, assassinando a razão, a lei e o bom senso, sancionou-a, e Rafael Tobias de Aguiar devia ser militarmente julgado, e seria talvez, e muito provavelmente, militarmente executado, se a Providência não tivesse inspirado ao jovem monarca, que no dia 2 de fevereiro despedira os que tão falsa e cavilosamente o aconselhavam.

O primeiro dos comprometidos, que teve de comparecer perante o júri, para responder pelo crime de rebelião, foi o Dr. Joaquim Antão Fernandes Leão. O presidente Veiga tinha posto em prática todos os manejos, e contava com a condenação de todos os acusados, à exceção do vigário do Bonfim e padre Francisco de Paula Teixeira, que deviam ser julgados na mesma ocasião. Apesar, porém, de quanto havia tramado o presidente e seus respectivos ajudantes, o Dr. Antão foi absolvido por 11 votos contra 1; e essa absolvição obtida em dezembro de 1842, e à face do mesmo presidente, convenceu-o de que havia ainda no País um recurso para os oprimidos; que o júri,desnaturado como tinha tornado a nova reforma, seria ainda assim a tábua de salvação e o archote da liberdade.

Este sucesso, porém, que se realizara contra todas as previsões, e apesar de todos os manejos que Veiga tinha posto em prática,o lançou em uma espécie de delírio por ver escapar-se-lhe uma dassuas mais queridas vítimas, e por ver desmentidas as informaçõesque mandara para o Rio de Janeiro, nas quais asseverava que a Província inteira odiava os comprometidos, e que os jurados condenariam a todos; tudo isto fez que Veiga lançasse mão de uma das maiores iniquidades, que no julgamento de qualquer acusado se puderacometer.Penetrado da necessidade de iludir ao público, fazendo-o persuadir-se de que a absolvição do Dr. Antão tinha sido filha de manejose de relações pessoais, combinou-se com o advogado, a quem estavaencarregada a defesa do vigário Tristão e padre Paula Teixeira, a fimde os atraiçoar e poder-se, assim, obter uma condenação, com que seargumentaria, para mostrar-se a inconsequência dos jurados, e fazerdesaparecer a importância política da absolvição do Dr. Antão.A sorte de todos os comprometidos havia-se precedentemente discutido e decidido no clube, celebrado no Palácio da presidência,de que era membro efetivo o defensor dos padres TristSo e Teixeira,e a opinião era pela absolvição desses dois acusados; e tanto que, na [Páginas 392.393 e 394]

Manifesto de Rafael Tobias de Aguiar

É um direito inalienável, e tão sagrado como o que temos para conservar a nossa vida, o que nos assiste para guardar intacta a nossa honra e reputação. Faltaria eu pois não só a mim, mas também ao que a minha pátria de mim devia esperar, se deixasse triunfante a mentira e calúnia, com que se me atacou tão atroz e acerbamente, sem escutarem a voz da generosidade, que lhes gritava, poupassem o desgraçado e não exacerbassem as dores dos padecimentos físicos, que sobre ele acarretavam uma prisão rigorosa e privações insuportáveis, acrescentando-lhe o mal moral de ver desconhecido e ultrajado o seu caráter na impotência de mantê-lo eficazmente.

Aguardava eu, pois, a ocasião de comparecer perante o júri para fazer sentir aos meus pares quão injustamente se me imputavam opiniões avessas às que eu sempre abraçara. Não o consentiu, porém, a prepotência do ministério passado, digno sucessor do de 23 de março; tinham sede do meu sangue, e temiam que o juízo do País me salvasse; fizeram-me, pois, militar, com inversão do bom senso, com desprezo das leis, esperando achar na obediência passiva dos militares o preciso auxílio para conseguimento da sua vingança, como se pelas leis das reformas o júri falseado lhes não apresentasse quase igual probabilidade de obter instrumentos asados para seus negros planos. [Página 523]

Quatro coronéis, porém, independentes e generosos, honra lhes seja feita, não quiseram obtemperar ao firmã (No Dicionário Houaiss, “firmã” (ou firmão) significa “decreto vindo de soberano ou autoridade muçulmana”), expondo-se a terem suas nobres fardas manchadas com os salpicos do sangue inocente, derramado contra a lei. Permaneceu de novo em mim a esperança de poder desmascarar a impostura, e fazer ouvir os gemidos da opressão ante um juízo reparador; mas o governo não dormia, ainda restava o Conselho Supremo, e uma sentença desse corpo cortou-a em agraço33. Esta peça, que nenhuma honra faz a quem a redigiu e assinou, mormente aos magistrados, pois nela ressumbra ou má-fé, ou ignorância, que não era de esperar, será competentemente analisada, e seus débeis e inválidos fundamentos desmascarados pelo digno advogado que assinou a declinatória por mim apresentada no Conselho de Guerra; e eu já de antemão, bem que perfunctoriamente, mostrei seu nenhum peso no requerimento que fiz subir à presença de S. M. I., implorando do poder moderador remédio contra a invasão feita aos meus direitos. Cerrado assim para mim todo acesso à publicidade nada me restava senão exalar em segredo a minha irritação contra injustiça tão clamorosa para não exacerbar mais a cólera de juízes, que, sem serem meus, se arrogavam essa qualidade. Graças porém ao ato da anistia, já posso apresentar-me ao Brasil, à minha província tal qual fui, qual sou, e qual sempre serei; quais minhas convicções, que decidirão a minha conduta, e qual na realidade foi ela; e este relatório não será embuçado, e menos arrebicado para obter nomeada que me não caiba, ou evitar censura, que mereça.

Eu tive a ventura de ter tido na alvorada da vida um mentor venerável, um mestre ilustrado e probo, um meu patente e amigo, o finado conselheiro Sr. Martim Francisco Ribeiro de Andrada; dele recebi as primeiras ideias de política e moral, que depois se arraigaram no meu espírito com a leitura e estudo próprio. Desde então aprendi que o homem tinha qualidades que o separavam inteiramente da bruta animalidade, que lhe constituíam uma natureza moral que não pertencia ao mundo animal, puramente físico, que a espontaneidade e a consciência, que os outros animais não possuíam lhe criavam direitos e deveres anteriores aos governos, que só foram inventados para segurar-lhes o gozo.

Aprendi mais, e ainda agora creio, como indubitável, que uma vez dado o direito, dado é também o meio de o conservar e recuperar, quando invadido; pois que a obediência cega é o antagonismo da espontaneidade, que constitui a essência do ente moral chamado homem; e que isto se não modificava no estado social com a criação de um governo. Convenci-me mais que, conquanto as formas dos governos possam amoldar-se e variar segundo a civilização, e mesmo condições físicas do povo que as escolhe, todavia, em geral, a monarquia era preferível por casar mais facilmente a liberdade com a ordem, uma vez que fosse rodeada de instituições liberais.

Foram estas convicções, que ainda agora estão inabaláveis no meu espírito, as que decidiram de minha sorte; são elas a clave de toda a minha conduta, quando elaapresenta o que pode parecer ao olho menos atento flagrante inconsistência.

Como monarquista constitucional por convicção e amor, distingui-me nas minhas presidências de São Paulo, que, por dizer de passagem, não foram por mim procuradas, e só me trouxeram sacrifícios e dispêndios.

Quando por esta convicção opus-me com energia na minha primeira presidência aos chamados exaltados, e talvez daí venha o ódio que me tem votado o Sr. Paulino José Soares de Sousa, ministro da Justiça no tamerlânico vizirato (O autor quis fazer uma comparação do Gabinete de 23 de Março com o vizirato do cruel conquistador tártaro Tamerlão) de 23 de março, e de estrangeiros no avelhacado Divã de Janeiro, e que era então presidente em São Paulo de uma sociedade secreta, denominada do punhal e do cacete, que pregaram o extermínio das testas coroadas.

Inspirado pelo amor da monarquia, não duvidei na minha segunda presidência defazer empréstimo de minha fazenda para preparar a Comarca de Curitiba a defender-se da ameaçada invasão dos dissidentes do Rio Grande.

Fiel às minhas crenças monárquicas, não acompanhei, como talvez devesse, o Ministério de Julho na sua retirada. Amigos meus, insinuados pelo Gabinete de Março, mo escreveram pedindo-me esta conduta, esperando que não servisse a ministros, quaisquer que eles fossem, mas somente ao imperador, e assegurando-me o apoiodo novo ministério. Cedi ao que me parecia razoável, e fiquei na presidência até parasatisfazer aos desejos da Província quase inteira, que com ardor me pedia não largasse um posto, no qual, diziam eles, tanto bem tinha feito, e podia ainda fazer. Mas,cedo desapareceu o burlado empenho, que mostrava fazer pela minha conservaçãoo Gabinete de Março e novas cartas exigiram de mim que pedisse minha demissão,ao que não pude anuir por ter a minha palavra empenhada para com a Província, edeclarei categoricamente que obedeceria a demissão, quando se me desse, mas não a pediria em obediência a insinuações de homens, que profundamente desprezavapor seus precedentes e vis manejos.

Fui demitido, e ainda então amigo da ordem, cerrei os ouvidos às vozes de amigosmeus, que embora fiéis súditos de S. M. I. e amantes do País, me aconselhavamdesobedecesse ao ministério, escutando o bem da Província e do serviço, não entregasse a presidência sem que S. M. I., melhor informado, de novo ordenasse. Nãoobtemperei às imprudentes requisições, antes prontamente entreguei a presidênciaao Sr. Miguel de Sousa Melo e Alvim, de cuja nobre conduta para comigo naquelelugar não tenho senão bem a dizer.

Seguiu-se o Sr. Visconde de Monte Alegre ao Sr. Miguel de Sousa, e com ele veio a perfídia sentar-se no lugar da honra. Um acontecimento inaudito veio pôr o remate à irritação da Cidade de São Paulo e de toda a Província. A Assembleia Provincial,que, como eu e todos os que respeitavam as regras do dever, não considerava a chamada Lei das Reformas, como uma lei, mas simplesmente como um ato de força da legislatura que a fez, visto exceder as atribuições que lhe conferia a Constituição,além das quais não aparece senão violência e arbítrio, e não direito, mandou uma deputação do seu seio para pedir a S. M. I., na forma do Ato Adicional, a suspensão da chamada lei, até ser outra vez examinada pela nova Legislatura. A deputaçãocondutora da mensagem enérgica e acre, mesmo contra os indignos conselheiros que enganavam a S. M. I., e queriam abismar o trono, mas cheia de acatamento e respeito para com o monarca, nem sequer teve acesso à presença de S. M. I., e o vizirato tártaro e tamerlânico negou à deputação de uma Assembleia, o que se não recusa ao mais humilde mendigo.

Com este impolítico desprezo subiu ao auge a irritação dos ânimos; todos tomaramas armas, o rompimento era infalível, e a segurança da Província, e mesmo da vidado presidente, a cujas intrigas e falsas informações atribuíam a afronta sofrida pelaProvíncia, corria o maior risco. Mas o meu amor da ordem e respeito à monarquia,preveniram então o escândalo: cuidei de amortecer a irritação e de acalmar as paixões, servindo-me para isto da estima que concediam os meus concidadãos e dosmeios que estavam ao meu alcance, e não hesitei de aceder ao pedido do padre Dr.Vicente Pires da Mota, que em nome do visconde de Monte Alegre rogava o meuauxílio para arredar um rompimento que ele julgava próximo, e que o esfriava de susto e oferecia as condições que constam dos periódicos da época. Eu tinha plenoconhecimento do caráter insidioso do visconde; sabia o rancor que me votava oantigo redator do Farol Paulistano, no qual não podia deixar de recear que a minhatenacidade de memória me servisse para comparar as doutrinas exageradas, queentão espalhava, com as retrógradas que agora professava; mas nada disto desviou--me de anuir à exigência de uma autoridade, embora nela eu não me fiasse, quandoo que pedia era conforme ao desejo que eu tinha de conservar a paz na Província,e não arremessá-la a comoções semelhantes às de Panelas, Pará e Maranhão; certode ser enganado pelo visconde, preferi antes isto, e cair inerme nas mãos dos meusinimigos do que assegurar-me reduzindo São Paulo ao estado das já mencionadasprovíncias. Seguro o visconde que os elementos de resistência se tinham dissipado,graças aos meus esforços, e tendo-se preparado com as poucas forças que pôdeobter, e contando outras que do Rio lhe prometiam, largou a máscara, passou ademitir a torto e a direito a gente honesta, que ocupava os lugares de administraçãoe polícia, e nomear para eles as mais detestadas e desacreditadas das povoações emque deviam funcionar.

Tão imorais e impolíticas medidas produziram o fruto que se devia esperar. Uma fermentação surda, que depois passou a inflamação ardente, apoderou-se dos ânimos. É neste estado que novo combustível veio ajuntar ao incêndio que ameaçava lavrar, o da dissolução prévia da Assembleia Legislativa; toda a Província cria então que era tempo de se levantar em massa para salvar a liberdade adquirida pela independência, e que despejadamente se calcava aos pés. Apesar das precauções do visconde, antes que pudessem chegar os socorros da corte, se eu tivesse escutado asadvertências dos meus amigos, talvez São Paulo tivesse feito muito diferente figura do que fez. Mas o amor da ordem, talvez exagerado, o temor de abalar os sentimentos monárquicos, que eram na minha opinião o santelmo nas borrascas do Brasil, e mesmo forçoso é confessar, bem que me repugne a demasiada prudência mundana, que me clamava surdamente cuidasse em salvar-me, pois que do Rio me avisavam que se expediram ordens de prisão contra mim, fizeram que longe de acoroçoar com a minha presença os movimentos que o patriotismo pedia, os desanimasse com a minha retirada.

Mil perdões do meu erro, em assim obrar, peço ao Brasil, peço à minha província, e ainda mais a S. M. I.. Há mais tempo ter-lhe-ia caído a venda dos olhos, há mais tempo teria arredado dos seus conselhos os abomináveis mandantes da devastação de São Paulo e Minas, e seu paternal coração não se veria cortado de dor com a relação dos tormentos dos seus fiéis e inocentes súditos das duas províncias conquistadas e taladas ao aceno dos novos gengiscãs (Gengiscã ou Gengis Khan (1162-1227), conquistador e imperador mongol, grande guerreiro e estrategista brilhante.).

Um movimento, posto que irregular, justo em sua natureza, se concertado fosse, faria chegar aos ouvidos de S. M. I. as queixas do seu povo, que certos seriam escutados. Assim não sucedeu, e eu caminhei depois de ter-me ocultado por alguns dias, para minha fazenda de Paranapitanga, e chegando a Sorocaba já aí achei uma grande força armada e aquartelada, sob o comando do tenente-coronel Jerônimo Izidoro de Abreu; a governança da cidade e todos os habitantes dela exigiam a minha coadjuvação, e finalmente, a Câmara e povo nomearam-me presidente interino da Província; tudo isto consta da ata respectiva. Lutei com minhas convicções e hábitos, que pareciam chocar-se, por uma parte receava de perturbar a paz pública, temia de comprometer involuntariamente a unidade monárquica, receava as consequências imprevistas das crises as mais justas, por outra parte estava convencido da justiça da resistência, ainda quando fosse questionável a sua conveniência, previa a irrupção da anarquia, se o movimento não tivesse à testa pessoas que o povo respeitasse, e que pudesse evitar os desatinos naturais em semelhantes ocasiões; enfim, parecia-me vergonhoso não partilhar perigos a que já se achavam expostos os meus amigos, e que não tinham outro fim senãorestabelecer os direitos consignados no pacto fundamental. Resolvi-me depois de

maduramente refletir, a correr os azares dos meus correligionários; fazendo ao menos o bem de conservar intacto e acatado o elemento monárquico. Leiam-se as atasda Câmara de Sorocaba, das outras cidades e vilas que ao novo governo aderiram,e ninguém duvidará do que afirmo; e como se até a circular do então ministro dosNegócios Estrangeiros o reconhece? E se assim não fosse, para que o afã com quecá quiseram erguer em rebelião um movimento, que, quando não fosse justificável,apenas poderia classificar-se como sedição? Como nessa mesma qualificação se mostraram divergentes?

As causas do mau sucesso do Movimento de Sorocaba não vêm aqui apelo mencionar; todavia, o nímio amor da humanidade, o horror do derramamento de sangue parente, e a novidade de semelhante acontecimento numa província acostumada à longa paz, e dada em grande maioria à agricultura, comércio e artes da sua vida privada, pode bem explicar, sem recorrermos a faltas pessoais, que não é prudente esmerilhar muito miudamente. [Páginas 524, 525, 527, 528 e 529]

Nada mais me restaria a dizer, se não devesse dar um desmentido solene ao barão de Caxias, imputando-me no seu ofício ao governo a tenção de me ir unir aos dissidentes do Rio Grande, quando eu me dirigia para o Estado do Uruguai.

Eu fui preso no lugar chamado Guarita, e, para aí chegar, devia passar, como passei, pelo Mato Castelhano, o qual é muito mais perto da Cruz Alta, onde se achava o rebelde Portinho com uma grande força do que da Guarita onde fui preso; como, pois, não fui eu para a Cruz Alta a buscar Portinho, antes me arredei dele, seguindo o caminho da Guarita? O que digo reconhece o barão na ordem do dia que publicou quando cheguei preso a Porto Alegre. O barão de Caxias, além de caluniador, é supinamente ignorante na topografia da Província do Rio Grande.

Seja-me aqui permitido agradecer-lhe a bizarria cavalheiresca com que me mandou tratar a bordo do brigue-barca, sem permitir que um meu escravo pudesse ir à terra a comprar alguma coisa de que eu precisava, e exigindo que as cartas que eu houvesse de escrever a qualquer pessoa passassem por suas mãos. Nem devo esquecer a delicadeza com que se serviu do conhecimento que confidencialmente lhe comuniquei a respeito da qualidade de meu enteado Felício Pinto de Mendonça e Castro, que me acompanhava incógnito, e como executou briosamente a palavra que me dera de odeixar acompanhar-me livre, visto não ser ele complicado e não ter ele, barão, ordemde prendê-lo; mandando-o reter preso em desprezo da promessa.Tal é a força do hábito, que, quem principiou por esbirro, deve sempre sê-lo em qualquer situação em que se ache por elevada que seja; as ruins manhas quase nunca seperdem. O que é para pasmar é que tantos serviços praticados na minha prisão lhenão tenham trazido acréscimo de título, quando a denúncia, que contra mim lhe deraalguém, bastou para criação de um novo título em prêmio ao denunciante.Tenho completado as minhas confissões, e entrego-me com satisfação ao juízo doBrasil; seu veredicto36 será por mim respeitado. Eu cria, e ainda creio, que casos háem que é não só permitido aos cidadãos, como até ordenado, a resistência à autoridade; que esta permissão se verifica quando a autoridade viola às escâncaras opacto fundamental, e não há outro meio de a obrigar a respeitar a lei. Esta doutrinaé a da Inglaterra e da França livre, é a da América; é aquela por que se guiavam osChatans, os Cavendish, e outros luzeiros do Parlamento britânico; é a que decidiu os Hampden, os Hullinse, os Pyms, foi a mãe da Revolução Francesa, tão magnífica emseus princípios, embora depois degradada em sua continuação; e trouxe à luz do diaem nosso continente uma nação nova, que ainda hoje pulula de vida e grandeza, osEstados Unidos.Como, pois, será crime em mim, o que era glória em outros? Mas demos que me enganasse, do erro ao crime é grande a distância, a consciência errônea sempre mereceatenção; é sempre consciência. E não se me levará ao menos em conta o meu afincoà Constituição e ao elemento monárquico que ela consagra? Não se creia, porém,que destarte me queira furtar à gratidão que de mim deve exigir o ato magnânimoda anistia, embora eu me não possa crer criminoso, tendo obrado de boa-fé; todavia,assim o não acreditavam todos, e o resultado dessa verdadeira, ou errada opinião,era para mim uma prisão rigorosa, privações duras na minha posição, era o abandono de meus interesses, a perda do meu futuro, e ver-me exposto inerme ao escárniode uns, e à piedade humilhante de outros, bocado ainda mais difícil de tragar.De tudo isto livrou-me o ato da anistia. Quando, no seio das afeições doces da vidaprivada, me lembrar da mão poderosa que me segurou à borda do abismo, não poderei deixar de dizer como o poeta: “Deos nobis haec otia fecit“37.Rafael Tobias de Aguiar [Página 530 e 531]

1° de fonte(s) [24461]
“São Paulo na órbita do Império dos Felipes: Conexões Castelhanas de uma vila da américa portuguesa durante a União Ibérica (1580-1640)” de José Carlos Vilardaga
Data: 2010, ver ano (130 registros)

Em novembro, o mineiro Gaspar Gomes Moalho requeria terras no caminho de Pinheiros e Piratininga, defronte às de Domingos Dias, este também soldado de D. Francisco de Souza.


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