' Hans Staden (oração chuva) - 10/08/1554 de ( registros) Wildcard SSL Certificates
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Hans Staden (oração chuva)
1554. Há 470 anos
COMO DANSAVAM COM OS SEUS INIMIGOS, QUANDO PERNOITAMOS,NO DIA SEGUINTE. CAPUT 44 .No dia seguinte chegámos não longe do seu paiz, ao pé de uma grande montanha denominada Oeearasu. Alli acamparam para passar a noite. Fui então á cabana do rei chefe (Konianbebe chamado) e lhe perguntei o que pensava fazercom os mammelucos.Elle disse que seriam devorados e prohibiu-me fallar com elles, porque elle estava muito zangado com elles; deviam ter ficado em casa e não ter ido com seus inimigos em guerra contra elle. Eu pedi a elle para deixal-osviver e vendel-os aos seus amigos, outra vez. Elle repetiu-me que seriam devorados.E o mesmo Konian Bebe tinha uma grande cesta cheia de carne humana diante de si e estava comendo uma perna,que fez chegar perto da minha bocca, perguntando si eu também queria comer. Eu respondi que nenhum animal irracional devora o outro, como podia então um homem devorar um outro homem? Cravou então os dentes na carne e disse: «Jau waresche (jauar e xé)», que quer dizer: sou um tigre, está gostoso!Com isto, retirei-me de sua presençEsta mesma noite ordenou elle que cada um levasse seusprisioneiros para a frente do matto, ao pe da água, num logar limpo. Isto se fez. Reuniram-se então fizeram um grandecirculo e dentro ficaram os prisioneiros.Obrigaram todos os prisioneiros a cantarem e chocalharem os idolos Tammaraka. Quando os prisioneiros acabaram o canto começaram, um depois do outro, a fallar com coragem: «Sim, sahimos como costuma fazer gente brava, para apprender a comer os nossos inimigos. Agora vós vencestes e nós aprisionastes, mas não fazemos caso disso! Os valentes morrem na terra dos inimigos; a nossa e ainda grande; os nossos nôs vingarão em vos*. «Sim, respon-1 0 2 deram os outros, vós já acabastes a muitos dos nossos, porisso queremos nos vingar de vós.» Acabada esta disputa, levou cada um seu prisioneiro,outra vez, para o alojamento. Três dias depois partimos novamente para a terra delles; cada um levou seu prisioneiro para a sua casa. Os que eram de Uwattibi, onde eu estava, tinham capturado oito selvagensvivos e três mammelucos que eram christãos, a saber: Diego e seu irmão, e mais um cbristão chamado Andorico; estetinha sido aprisionado pelo filho do meu senhor. E mais dous mammelucos que eram christãos levaram assados para acasa, para lá os devorar. Tínhamos levado onze dias na viagem, ida e volta.

CAPITULO XLIVCOMO O NAVIO FRANCEZ AINDA LÁ ESTAVA, PARA O QUAL ME TINHAM PROMETT1DO LEVAR QUANDO VOLTASSEM DAGUERRA, ETC, COMO FICA REFERIDO. CAPUT XLV.

Quando chegámos outra vez a casa, pedi a «lies que me levassem para o navio francez porque já tinha estado naguerra com elles e tinha ajudado a capturar seus inimigos, dos quaes ja deviam ter ornado que eu não era nenhumportuguez.Disseram-me que sim, que iam levar-me; mas que queriam primeiro descançar e comer mokaen (moquem), isto é, a carneassada dos dous christãos.

CAPITULO XLVCOM O FO I QU E ELLE S COMERAM A ASSD O O PRIMEIR O DO S DOI SCHRISTÃOS, A SABER: JORG E FF.RREIRA , O FILHO DOCAPITÃO PORTUGUEZ. CAPUT 46 .

Havia um rei de uma das cabanas, defronte daquella em que eu estava. Este era chamado Tatamiri, forneceu o assadoe mandou lazer bebidas, como era o costume delles; reuniramse então muitos delles para beber, cantar e ficar alegres. No dia seguinte, depois de terem bebido muito, aquentaram outra \ez a carne assada e a comeram. Mas a carne de Hieronymus — io3 —estava ainda dentro de uma cesta, pendurada ao fumeiro na cabana onde eu estava, havia mais de três semanas; estava tão secca como um páu por ter estado tanto tempo ao fumeiro sem que a comessem. O selvagem que a possuía era chamado Parwaa. Este tinha ido algures buscar raizes para fazer a bebida que serviria na occasião de comer a carne de Hieronymus. Assim passou o tempo e não queriam levar-me para o navio antes de ter passado a festa de Hieronymus e terem acabado de comer a sua carne. Emquanto isso, foi-se embora outra vez o navio francez, sem eu saber porque havia mais ou menos oito milhas de caminho de onde eu estava. Quando soube desta notícia fiquei muito triste; mas os selvagens diziam que costumava geralmente voltar todos os annos, com o que me tinha de contentar.

CAPITULO XLVICOMO O DEUS TODO PODEROSO ME FEZ UM SIGNAL. CAPUT XLVII.

Eu tinha feito uma cruz de um páu ôco e a tinha levantado em frente da cabana, onde eu estava. Muitas vezes fiz ahi a minha oração ao Senhor e tinha ordenado aos selvagens (pie a não arrancassem porque havia de acontecer uma desgraça; porém desprezaram minhas palavras. Uma vez que eu estava com elles em uma pescaria, uma mulher arrancou a cruz e a deu a seu marido para esfregar (polir)no páo, que era redondo, uma espécie de rosário que fazem de conchas marítimas. Isto me contrariou. Logo depois começou a chover muito e durou a chuva alguns dias. Vieram á minha cabana e pediram-me que eu fallasse com meu Deus para lazer cessar a chuva, porque sinão parasse impediria a plantação, visto ser chegado o tempo de plantarem. Eu disse que era culpa delles porque tinham offendido meu Deus, arrancando o madeiro; e era ao pé deste madeiro que eu costumava fallar com o meu Deus. Como elles acreditaram que esta era a causa da chuva, ajúdou-me o filho do meu senhor a levantar de novo a cruz.

Era mais ou menos a uma hora da tarde, calculada pelo sol. Logo que a cruz se levantou ficou immediatamente bom o tempo, que tinha estado muito tempestuoso antes. Admira- — 105 -ram-se todos e pensavam que meu Deus fazia tudo que eu queria.

CAPITULO XLVIICOM. . UMA NOITE FUI PESCAR COM DOUs SELVAGENS E DEU S FEZ UMMILAGRE POR CAUSA DE UMA l HUVA E TEMPESTADE. CAPUT XLVIII.

Eu estava com um dos mais nobres dentre elles, chamadoParwaa, e que tinha assado Hieronymus. Elle, mais um e eu estávamos pescando; ao escurecer levantou-se uma chuva comtrovoada, mas não longe de nós, e o vento trazia a chuva parao nosso lado. Pediram-me então os dous selvagens que eu (aliasse com o meu Deus para que impedisse a chuva, porque assim talvez apanhássemos mais peixe. Eu sabia que nas cabanas nada mais tínhamos para comer. As suas palavras me commoveram e pedi a Deus, do fundo do meu coração, (piequizesse mostrar o seu poder, por terem os selvagens pe-dido e para que vissem que tu, meu Deus, estás sempre commigo. Como tinha acabado a minha oração, veiu o ventosoprando com violência e trazendo a chuva; esta cahiu atémais ou menos seis passos de nós e nós nem dêmos por isso.Então disse o selvagem Parwaa: «vejo agora que fallaste comteu Deus.» E apanhámos alguns peixes.Ouando voltámos para as cabanas, contaram os dous aosoutros selvagens que eu tinha fadado com o nu ai Deus e quecousas tinham acontecido. Os outros ficaram disso muitoadmirados

— io7 —CAPITULO XLVII1COMO EOI QUE COMERAM ASSADO O OUTRO CHR STÃO CHAMADOHIERONYMUS. CAPUT XLIX.

Quando o selvagem Parwaa estava com tudo prompto,como já disse, mandou fazer bebidas para beberem quandocomessem Hieronymus. Tendo depois acabado isto foram buscar os dous irmãos e mais um que o filho do meu senhor tinha capturado, chamado Anthonius. Ouando nós, os quatrochristãos, estivemos juntos, fomos obrigados a beber comles, mas antes de beber fizemos a nossa oração a Deus paraque salvasse as nossas almas e a nós também quando chegasse a nossa hora. Os Índios conversaram comnosco e se mostraram alegres, mas nos viamos so desgraças! No dia seguinte de manhã aquentaram de novo a carne, comeram e acabaram logo com cila. Nesse mesmo dia me levaram para tazerpresente de mim. Ouando me separei dos dois irmãos, pediram-me elles que orasse a Deus por elles; e eu lhes ensinei o modo de fugirem do logar para onde elles deviam dirigir-sena serra e não serem perseguidos, porque eu já tinha explorado a serra. Isto fizeram, ficaram livres e se escaparam, como soube depois; mas si foram apanhados outra vez não seiainda.

CAPITULO XLIXCOMA FOI QUE ME LEVARAM CARA FAZER PRESENTE DEMIM. ( APUT 50 ,

Levaram-me para o logar em que queriam fazer presente de mim, ate um ponto chamado Tackwara sutibi (Itaquaquecetuba), e quando estávamos já a certa distancia voltei-me para as cabanas de onde tínhamos sahido e vi (pie havia uma nuvem preta sobre ellas. Apontei para ella e disse que meu Deus estava zangado com a aldeia porque tinham comido carne de gente. E depois de me levarem, entregaram-me a um rei de nome — 108 —Abbati Bossange (Abatybo sanhé). A este disseram que elle não me fizesse mal, nem deixasse fazerem, porque meu Deus era terrível quando me faziam mal. E isto tinham elles visto quando eu ainda estava com elles; eu também o exhortei edisse que logo meu irmão e meus parentes deviam vircom um navio cheio de mercadorias e, si me tratassembem, havia de lhe dar muitos presentes, porque eu sabia queDeus havia de fazer chegar logo o navio do meu irmão. Istomuito o agraciou. O rei chamou-me seu filho e fui á caça comos delle.

CAPITULO LCOMO os SELVAGENS DAQUELLE ROLAR CONTARAM QUE O NAVIOFRANCEZ TINHA SE FEITO A VILA DE NOVO. CAPUT 51.Contaram-me como o navio anterior, Afaria Bellete (BcTEtc)chamado, de Depen (Dieppe), e pelo qual eu tanto queria partir, alli recebeu carga completa, a saber: pao prasil, pimenta, algodão, pennas, macacos, papagaios e muitas outras coisas que não tinham encontrado em outra parte. No porto do Rio de Jenero tinham aprisionado um navio portuguez e dado um portuguez a um rei selvagem, chamado Itawu, que o tinha devorado.

Também o francez que, quando eu fiquei prisioneiro, tinha recommendado que me devorassem, estava no navio e queria voltar para sua terra. O navio dos francezes, como já contei, e quando eu tinha fugido para o bote delles não me quizeram receber, tinha naufragado na volta e quando eu voltei para a França em outro navio, ninguém sabia ainda onde tinha ficado, como direi mais tarde.

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