naquele mar de morros e chapadões requentados de Minas Gerais, né, quando entra numa taverna imunda de beira de estrada ã ã numa cidade chamada Curvelo, "Grande Sertão: Veredas", né, entra, segue essas veredas do grande sertão, entra na taberna em Curvelo, se senta,e quando ele está sentado cara, entra um sujeito alto, grande, com umas botas enormesassim, poc poc poc, mal encarado total, se dirige até o balcão, pega a garrafa de cachaçaparticular dele, abre a garrafa de cachaça dele, serve, bate com a garrafa, toma um golede cachaça, puff, dá uma cuspida pro lado e diz em dinamarquês: "ainda bem que nãotem ninguém que entenda minha língua nesse lugar onde o diabo perdeu as botas" e o PeterLund ouve um cara falar dinamarquês, cara! No meio do nada em Minas Gerais, dinamarquês.Daí ele diz: "não se fie tanto nisso, senhor", e aí se levanta, vai lá e conhece o cara.O cara era um escroto, o cara era um canalha, era um desses exploradores aí, um ruralista,pra dizer... Não, no caso nem era um ruralista embora fosse... Ele explorava Salitre, prafazer pólvora, nas cavernas de calcário de Minas Gerais. E eles começam a conversar,o cara se chama Peter Claussen, né, e o Peter Claussen diz pra ele, diz pro Lund, "olha,toda essa região aqui"... (eles tavam no Vale do Rio das Velhas), "existem mais deduzentas cavernas calcárias aqui nessa região" e quando ele sabe que o Lund é um pesquisadorele diz: "e repletas de ossos de animais antediluvianos". Papai, ó os animais antediluvianos! Esseera o dia 10 de outubro de 1834. E tu deveria gravar na tua memória essa data. 10 de outubrode 1834, porque essa data e esse encontro mudou a história da paleontologia, mudoua história da ecologia da pré-história, mudou a história da pré-história. Sim,cara. Porque o Lund, os olhos do Lund brilham e esse Claussen, que era realmente um sujeitobrutal, andava assim com tipo um chicote, dava umas porrada em qualquer um que encontrava,tinha um monte de trabalhador quase escravo assim, papapá papapá, né, e ele leva oLund nessas cavernas, cara. E o Lund ingressa nessas cavernas, cara, logo em seguida elechegaria, inclusive naquela grande catedral subterrânea, naquele lugar repleto de estalactites,estalagmites e grinaldas feitas de pedra e arabescos e requintes da natureza e ele étomado por um fervor religioso nessa gruta incrível que ainda existe, cai de joelhose decide dedicar o resto da sua vida a ler as páginas de pedra que a natureza tinhaesculpido nessas reentrâncias do Planeta Terra. Porque ele, embora fosse um cientista,era também luterano, quase praticante, sabe, ele estudava muito a Bíblia, tal, e ele tinhasido aluno do George Cuvier, que era o grande francês lá, estudioso, o cara que criou,junto com o Lineu as ciências naturais, e que defendia a tese do catastrofismo, quenem tem gente... tem CATÁSTROFES aí no Brasil hoje em dia, né. E essa tese era de que tinhahavido um grande dilúvio, tinha afogado todos os animais antediluvianos e que a Terra tinhapassado por um cataclismo, tal né, mas que a Terra teria 5.435 anos. 5.435 anos era aidade da Terra, segundo a Bíblia e segundo o que o próprio Cuvier achava e segundo,em tese, o que o próprio Lund acharia. 5000 anos de idade. Mas ele achava, ao mesmo tempo,o Lund, que Deus havia deixado... Ele queria desvendar o grande plano geral da criação.Ele achava que Deus tinha deixado pequenas pistas, pequenas raspas e restosem locais remotos do mundo, que seriam indícios que você, como num quebra-cabeças, poderiamontar a história do mundo. E ele percebeu que naquelas cavernas poderiam estar essasraspas, esses restos, esses vestígios. Aí cara, ele começa a pesquisar essas cavernas,o que ele faria durante 30 anos, ele descobriu, por exemplo, 22 mil mandíbulas de um únicotipo de animal pré-histórico, ele descobriu 120 mil vértebras, ele encheu 50 contêinersde ossos de animais antediluvianos, animais pré-históricos, entendeu. E aí ele descobriuo megatério, o preguiça gigante, o animal que deveria ser símbolo do Brasil, né cara,vai aparecer aqui, vou por o megatério gigante, o preguiça, vivia sem fazer porra nenhumao megatério, né, o preguiça gigante, meu animal favorito. E aí ele pesquisando, pesquisando,assim, viajando, sempre a luz de velas e tal papapá, né, com circunstâncias difíceise ele se instala numa pequena casa que ele vai aumentando nas margens da Lagoa Santa.Cara, eu queria fazer um episódio simples, mas é que só dizendo o nome Lagoa Santa