PeriódicosInstituto Municipal Nise da Silveira - IMNSCentro de Estudos Treinamento e Aperfeiçoamento Paulo ElejaldeBiblioteca Alexandre PassosARQUIVOS BRASILEIROS DE NEURIATRIA E PSIQUIATRIA. Rio de Janeiro, n.6, p. 286-292, ano 18, nov./dez. 1933.Primeiro Hospital Psquiatrico do BrasilPeloDr. Cunha LopesDocente de clinica psiquiátrica da Universidade do Rio de Janeiro18 de julho de 1841. Nesta data, há 94 anos, é assinado pelo imperador D. Pedro II o decreto da fundação do primeiro hospital psiquiátrico do Brasil.Essa casa, quase secular, que acolhe de braços abertos todos os infelizes que perderam a razão, precisa não ficar votada ás sombras do esquecimento.Rememoremos, pois, a sua história.Em 1830, começa a cidade do Rio de Janeiro a reclamar instantemente um serviço de assistência aos insanos. A classe medica insiste no sentido dessa iniciativa e a Academia Imperial de Medicina retoma o seu apelo desejosa de ver realizado esse humanitário ideal. Um dos primeiros médicos que tomaram a serio essa grande empreitada foi o dr. De- Simoni, que escreveu oportuna memória provando a necessidade da construção de um hospital em que os doentes mentais pudessem ser submetidos a tratamento conveniente, pois que jaziam reclusos em subterrâneos humidos e escuros do hospital da Misericórdia.Esse apelo, reiterado pelos anos seguintes e amparado pelos espíritos mais filantrópicos abnegados da época, teve seu feliz epílogo no relatório apresentado por José Clemente Pereira, então provedor da Santa Casa da Misericórdia, em 25 de julho de 1840, onde profeticamente disse: " Não sei que espírito de previdência me inspira, a chácara do vigário geral há de um dia converter-se em hospício de alienados."Inspirado, sem duvida, andava José Clemente Pereira.UNE IDE´E EST UNE ACTION VERS UM BUT: eis a máxima de um filosofo francês.Efetivamente, dois lustros passaram-se no afago idealístico da grande realização benemerente. E, ano após o relatório, o bem inspirado provedor da Misericórdia, remetia a 15 de julho de 1841, ao ministro do Império o seguinte oficio:" O zelo de melhorar a sorte dos infelizes que tendo a desgraça de perderem o juízo, não encontrarão nesta Capital hospital próprio, onde possam obter tratamento adequado á sua moléstia, por serem insuficientes as enfermarias, onde são recebidos no hospital da Santa Casa, me faz lembrar a necessidade de dar-se principio a um hospital destinado privativamente para tratamento de alienados; e debaixo destas vistas dei principio a uma subscripção aplicada ao dito fim, que monta já á quantia de 2:500$; e espero que hoje mesmo esteja elevada a mais, segundo informações de pessoas encarregadas de a promoverem em diversos lugares desta província. Felizmente os meus votos são hoje auxiliados por outra subscripção que a comissão da praça do comercio desta corte acabada pôr a disposição de S.M. o Imperador para ser aplicada a fundação de um estabelecimento de caridade, que for mais de seu imperial agrado.E como nenhum outro possa ser mais importante; e S.M o Imperador se dignasse de declarar-me que deseja ardentemente proteger esta instituição, opresso-me em por a disposição do mesmo Senhor a sobredita quantia, que existe já arrecadada, com a qual, junta a da subscripção promovida pela comissão da praça do comercio, se póde dar principio a obra, na certeza de que a piedade dos fieis lhe dará andamento com generosas esmolas.E como seja indispensável lugar salubre e apropriado, com terreno suficiente para as comodidades e larguezas, que estabelecimentos de semelhante natureza exigem, poderá o referido estabelecimento fundar-se na chácara que a Santa Casa de Misericórdia possue na praia Vermelha, denominada do Vigário Geral, e onde existe já uma enfermaria de alienados que tem obtido melhoramentos, e alguns até um total restabelecimento; e há a possibilidade de comprar-se uma casa para enfermarias de homens, que se vende por 6:000$. E porque em tais fundações a construção do edifício é pouco em comparação da despesa ordinária para sustento dos estabelecimentos, a Santa Casa de Misericórdia não terá dúvida em tomar esta a seu cargo, uma vez que se lhe confie a administração, como será de razão, e até conveniente, pois fornecerá o terreno e a subsistencia futura do novo hospital; acresce que gosa do merecido conceito de administrar bem seus estabelecimentos, que todos prosperão por uma maneira espantosa. Digne-se V. Ex. de levar todo o referido á soberana presença de S.M. o Imperador para que haja bem ordenar o que for mais do seu imperial agrado; e fará um ato que eternizará o fausto dia da sagração e coroação do mesmo augusto Senhor, a fundação de um hospital de alienados, que poderia bem tomar o nome de Hospício D. PedroII. D. G. a V. Ex. Santa Casa de Misericórdia 15 de julho de 1841. Illmo. Exm. Sr. Candido José de Araújo Vianna, ministro e secretario de estado dos negócios do império, José Clemente Pereira."A impressão causada por esse oficio produziu resultado que não se fez esperar. Devo a copia, que aqui ponho, ao Sr. Eliseu Linhares, atual administrador do Hospital Psiquiátrico.Em 13 de julho de 1841, assinava-se o decreto de fundação do hospital que se chamou Hospício de Pedro II, porque nesse dia também se realizou a solenidade da sagração e coroação do segundo imperador do Brasil. Era então o Hospício Pedro II anexo Hospital da Misericórdia. Esta anexação foi aceita pelo provedor a 6 de agosto de 1841, sob a condição de que o estabelecimento fundado só serveria para tratamento de alienados e nunca para outro destino; que deveria ser edificado na Chácara do Vigário Geral, na praia da Santa Cecília, e que seria mantido com o rendimento da Santa Casa de Misericórdia.Em 3 de setembro de 1842, lançou-se a pedra fundamental e o dia 5 iniciou-se a construção do edifício que hoje se ergueu na outrora chamada praia de Santa Cecília.Em 1846, José Ribeiro Monteiro ofereceu a D. Pedro II o terreno da chácara da Capela, na Praia Vermelha, e outros contíguos para uma metade ser incorporada ao Hospício e outra ficar a disposição do monarca. Em 14 de setembro desse mesmo ano, ordenou S.M. Imperial que se cumprisse a vontade do doador.Em 19 de junho de 1850, a Assembléia provincial do Rio de Janeiro concedeu duas loterias para as obras do Hospício e, ainda nesse ano, o decreto de 10 de julho votou para esse fim e para manutenção dos alienados mais 20 loterias.Em 1852, a 30 de novembro, com a presença do Imperador, benzeu-se o edifício e sagrou-se a capela; 15 dias depois, inaugurou-se o estabelecimento, celebrando pontificial monsenhor Narciso da Silva Nepomuceno, e produzindo sermão alusivo á solenidade o padre frei Antonio do Coração de Maria. A orquestra foi regida pelo maestro Francisco Manoel da Silva. Após o ato religioso, foram lidas as atas das sessões da mesa conjunta da Irmandade da Santa Casa de onde constava ter a administração tomado a si a tarefa do levantamento do hospital e a elevação duma estatua ao Imperador para perpetuar a memória da fundação. Finda a leitura, foi descerrada a cortina que cobria a estatua. Seguiram-se discursos de José Clemente Pereira, doutores José Martins da Cruz Jobim, diretor da Faculdade de Medicina, e Francisco de Paula Candido. Por essa ocasião, suas Majestades Imperiais aceitaram uma refeição oferecida pela Irmandade.Os terrenos constantes da Chácara do Vigário e da doação de José Ribeiro Monteiro deram a superfície em que se erigiu o hospital. Somente a dita Chácara do Vigário compreendia 1562 braças quadradas.Foi a 3 de dezembro desse ano de 1562 que teve inicio o funcionamento do Hospício de Pedro II. Constituíram o primeiro núcleo de insanos ai internados 140 doentes, 67 vindos da enfermaria provisória da Praia Vermelha e 73 provenientes da Santa Casa de Misericórdia. As obras, porém, do grandioso edifício só foram concluídas em 1855. Novas loterias foram então concedidas pela lei provincial de 29 de outubro de 1856 e pelo decreto de 10 de setembro do mesmo ano: a primeira concedia uma loteria por ano e o segundo, 30 loterias para o patrimônio do hospital.A engenharia sanitária do segundo Império legou-nos no sumptuoso palácio da Praia Vermelha empolgante atestado de sua capacidade realizadora. A planta dessa esplendida construção granítica foi traçada pelo engenheiro Domingos Monteiro, sendo desenho do engenheiro Guilhobel, com modificações de José Maria Jacinto Rebelo o artístico pórtico. Embora destinada aos loucos, essa casa não esqueceu a importância que a arte representa nos anseios humanitários da ciência.Relembrando em merecedora homenagem expoentes da psiquiatria francesa, foram as estatuas de Pinel e Esquirol colocadas no saguão do edifício. Custavam essas estatuas 1:400$. Em marmore, foi colocada na capela a imagem de São Pedro de Alcântara esculpida por Pettrich, a qual custou 5:000$. A estatua, que rememora a fundação do Hospício, encontra-se no salão nobre. E´magnifica obra trabalhada pelo escultor Pettrich, em fino mármore de Carrara, representando D.PedroII revestido de capa e cetro. Atentando no alto valor de nossa moeda naquela época, podemos fazer aproximado juízo do custo dessa obra que importou em 10:711$984.Por falecimento de José Clemente Pereira, a 10 de Março de 1857, um decreto do Imperador mandou que fosse colocada a estatua desse benemérito em frente á sua. Assim, a 19 de junho de 1857, foi inaugurada a estatua de José Clemente Pereira em obediência ao decreto imperial de 13 de março dessa ano, como "monumento de gloria que ergue o Imperador para si e para o provedor da Misericórdia".E´interessante lembrar que a construção do Hospício Pedro II importou em 1.313: 451$841.Foi seu primeiro diretor medico o Dr. Manuel José Barbosa, que, por haver recusado alta a um louco, escapou de ser assassinado. Existiam, por essa ocasião, os lugares de escrivão, tesoureiro e procurador, que fôram, respectivamente, desempenhados pelo dr. Diogo Soares da Silva Bivar, pelo barão de Bomfim e por Francisco José da Rocha Junior. O primeiro regimento interno foi aprovado em 14 de março de 1858. No hospital admitiam-se gratuitamente os loucos indigentes.Um aviso expedido a 11 de agosto de 1862 informa-nos que ali prevaleciam as seguintes diárias para pensionistas: de 1ª classe, cinco mil réis; de 2ª, três mil réis e de 3ª dois mil réis. A lotação do hospital comportava nessa data 350 doentes.Não devem passar sem comentários certas zombarias que a historia nos transmitiu e que mui naturalmente tiveram curso durante os dez longos anos da construção de nosso primeiro hospital psiquiátrico. Alguns espíritos pouco penetrantes e incapazes da inspirada compreensão social de José Clemente Pereira, julgavam inútil tanta sumptuosidade e tão vasto palácio para encerrar doidos. O espírito derrotista, que vive ainda, não abalou todavia o animo daquele bemfeitor. E não passou muito tempo, apenas um ano e nove meses, de regular funcionamento, tácita resposta era dada aos conceitos malavisados. A lotação do grande Hospício já se havia excedido. Dil-o o aviso de 4 de setembro de 1854, que proíbe a admissão de alienados das províncias sem previa autorização do ministro do Império.Em 1876, foi colocado no salão nobre o busto do comendador Tomé Ribeiro de Faria, a lado de quem, talhado em mármore, figura esse outro assinalado bemfeitor que se chamou Joaquim de Babo Pinto.Rememoram-se aqui as principais datas inscritas nas efemérides antigas. Em 11 de janeiro de 1890, foi o então Hospício Nacional desanexado da Santa Casa de Misericórdia. A história moderna da assistência a psicopatas no Brasil teve inicio com a lúcida atuação medico- filosófica do grande sábio e mui saudoso mestre Juliano Moreira. Ela está ainda muito viva na memória de todos para ser descrita. As árvores frondosas melhormente se destacam quando vistas na floresta ao longe. Nessa obra colaboraram os antigos chefes de serviço Austregésilo, Gotuzzo, Jefferson de Lemos, Ulisses Viana, Mario Pinheiro e Roxo, atual catedrático de clinica psiquiátrica em nossa Faculdade.Quatro datas memoráveis da psiquiatria brasileira assinalam os seguintes acontecimentos: a fundação do Hospital Nacional, em 18 de julho de 1841: a criação do ensino psiquiátrico no Brasil, em 30 de outubro de 1832; a volta do antigo Hospício Pedro II á administração do Estado, em 11 de janeiro de 1890; a promulgação da lei federal de assistência a alienados, em 22 de dezembro de 1903.Agora, sob a direção de Waldomiro Pires, se projeta ampla reforma, que certamente marcará nova data.Eis, em traços rápidos, alguns subsídios históricos me pareceram interessantes fornecer aos estudiosos da evolução de assistência aos insanos no Brasil e especialmente na cidade do Rio de Janeiro.Rio, 18 de julho de 1935.