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Imaginária Retabular Colonial em São Paulo. Estudos Iconográficos (2015) Maria José Spiteri Tavolaro Passos
2015. Há 9 anos
Isso sem contar as inúmeras vezes em que fui à igreja com meus pais quefaziam questão de me conduzir a cada uma das imagens expostas para queeu aprendesse a reconhecer todos os santos expostos, especialmente SãoJosé (cujo nome eu carrego até hoje) e Santana, “protetora dos professores”como enfatizava minha mãe, e a inadiável montagem do presépio na véspera de Natal, um ritual que meu pai nunca deixou de cumprir, enquantoesteve conosco.O tempo passou e em 1988, ano de meu ingresso no curso de EducaçãoArtística no antigo Instituto de Artes do Planalto, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (hoje, IA/Unesp), participei da primeiraviagem oficial dos alunos do IA a Minas Gerais: o início do projeto BarrocoMemória Viva1, ali começaria esta pesquisa. Ali começava o processo deressignificação de todo um repertório com o qual eu convivera desde muito cedo. O Prof. Tirapeli, que hoje orienta este trabalho, me apresentouum novo modo de olhar aqueles ambientes que até então envolviam duasúnicas dimensões: a tradição e a fé. Foi nesse contato que notei o quantode arte havia nesses espaços e o quão envolvida eu estava com tal temática.Embora no mestrado não tenha trabalhado com arte sacra, nunca abandonei o tema, sempre vinculada ao grupo de estudos Barroco Memória Viva,participando das pesquisas ligadas ao patrimônio sacro no Brasil e, maisespecificamente em São Paulo, como foi o caso dos livros do meu orientador As mais belas igrejas do Brasil, Arte Sacra Colonial - Barroco MemóriaViva e Igrejas Paulistas: Barroco e Rococó, ou ainda de projetos educativosem exposições como “O Universo Mágico do Barroco Brasileiro” (Galeriade Arte do SESI, São Paulo, 1996), “Imagens do Barroco” que integrou aMostra do Redescobrimento – Brasil + 500 (Pavilhão da Bienal, São Paulo,2000/ Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, 2000-2001).A realização deste trabalho é portanto não apenas um estudo acadêmico, mas também um profundo exercício de reflexão a respeito das raízes domeu povo e um encontro com minha própria história.Desse modo, deixo aqui um agradecimento especial a todos aqueles queme ensinaram a respeitar os objetos de culto, e aqueles que contribuírampara que ao construir o meu olhar crítico, pudesse respeitá-los, ressignificando-os como obras de arte. [Página 16]

São Sebastião, Santo Antônio e São Roque foram muito populares durante a Idade Média como protetores contra as pestes, segundo Louis Réau(1998, v.5, p. 375) com a Contrarreforma os jesuítas os substituíram nestafunção por São Calos Borromeu.Com respeito às profissões, São Miguel, com sua balança, está ligado aos comerciantes que em suas atividades pesam os produtos a seremvendidos; Santo Ivo protege os advogados; São Jerônimo protege os bibliotecários, Santana os professores, Santa Catarina de Alexandria é apatrona dos filósofos e estudantes, Santa Bárbara dos mineiros, havendomuitos outros.Os atributos nos auxiliam no reconhecimento dos santos. É possívelque grande parte desse repertório tenha se configurado a partir do século V, consolidando-se no final da Idade Média, chegando até os diasde hoje. Trata-se de um costume muito mais ligado ao Ocidente, vistoque na tradição da igreja do Oriente representava-se os santos segundodeterminados padrões e acrescentava-se a cada um deles um filactériocontendo seu nome.No Ocidente os santos ganharam características específicas (tipo físico, indumentária etc.) e atributos (objetos ou animais que carregam ouque os acompanham), sendo que estes podem ser de três ordens: universal(como os resplendores que indicam a santidade), genérica (como a palmaque identifica os mártires, o báculo dos bispos e abades, a maquete de umaigreja para os fundadores), individuais (como o resplendor cruciforme deCristo, a chave de São Pedro e outros). Os atributos podem estar ligadosao nome do santo, ao ofício que exerceram, aos episódios que viveram ouainda aos instrumentos de seus suplícios, no caso dos mártires (RÉAU,1998, v. 5, p. 381).A vida na colônia era cheia de adversidades: o contato com os indígenas,a natureza “selvagem”, a falta de recursos. Os portugueses necessitavamde um amparo divino que os auxiliasse na aceitação das condições a queestavam se submetendo nas novas terras, tal proteção era proveniente daintercessão de Maria, dos santos e dos anjos. Essa “corte celeste” amparavanão somente os colonizadores, mas também os índios cristianizados, osnegros e os mestiços.Os conjuntos de informações a respeito dos santos passaram a circular sob a forma de coletâneas hagiográficas a partir do século XIII, coma publicação Legenda Áurea, do dominicano Frei Jacopo de Varazze. Jáno século XV surgiram outras obras de semelhante teor, entre as quais sedestaca a Flos sanctorum (c. 1480), de Padre Paulo, da Congregação de SãoJoão Evangelista.Uma parcela da preocupação dos religiosos no Brasil colonial em relação à autenticidade das informações transmitidas à comunidade pode [Página 129]

Sabe-se porém, que gradativamente, tais importações deram lugar aouso das peças produzidas na própria colônia, empregando a mão-de-obraindígena, formada nas oficinas dos padres (OLIVEIRA, 2000, p. 54)9.A igreja do colégio dos jesuítas na capital reunia um significativo número de imagens, distribuídas no conjunto retabular, conforme a descrição deGeraldo Dutra de Moraes (1979)10, das quais encontra-se atualmente no9. No livro The Andean hybrid baroque, ao rever a obra de diversos estudiosos da história, arte earquitetura coloniais hispano-americanas (Ángel Guido, Martín Noel, Alfredo Benavides Rodríguez, Ricardo Mariátegui Oliva, Mario José Buschiazzo, Marco Dorta, Alfred Neumeyer, HéctorVelarde, entre outros), Gauvin A. Bailey (2010) aponta para a existência não apenas de uma açãocopista dos indígenas que atuaram nas oficinas dos religiosos católicos, como também de uma persistência de seus próprios valores estéticos na produção colonial, por meio da inserção de elementosque remetessem às culturas tradicionais andinas na produção de obras que, em princípio, seriamreproduções de modelos europeus. Embora em seus estudos a pesquisadora brasileira Aracy Amaral(1981) tenha apresentado influências da hispano-América em São Paulo durante o período colonial,até o momento não localizamos efetivamente na imaginária de uso retabular das igrejas paulistasuma tão marcante troca ou contribuição dos indígenas como se pode encontrar nos exemplares doterritório andino, ou em obras realizadas nas missões jesuíticas do Norte ou do Sul do Brasil tal qualapontado por Myriam A. R. Oliveira (2000, p. 54- 58). Eduardo Etzel (1971, p. 26), no entanto,aponta para uma possível relação entre a herança indígena e a intensa atividade barrista em SãoPaulo, dirigida inclusive à produção de imagens, especialmente no Vale do Paraíba. No caso da talhaornamental, remanescente em algumas capelas dos jesuítas em terras paulistas isso pode ser maisfacilmente reconhecível. Como exemplo poderíamos citar as meias-figuras da mesa da comunhãoda Capela de São Miguel Arcanjo, em São Paulo, já analisadas por diversos autores como LucioCosta, a própria Aracy Amaral, Percival Tirapeli e Mozart Bonazzi da Costa, que remeteriam amotivos semelhantes, presentes em outras obras dos templos da América Espanhola, às quais AngelGuido denominaria “indiátides” (BAILEY, id., p. 17). Ainda assim, no caso das figuras da capela deSão Miguel, seria possível considerá-las mais como modelos europeus reproduzidos sob o “filtro”do repertório técnico e artístico dos indígenas da região de São Miguel, do que propriamente umasolução criativa ou hibridizante em relação aos mesmos modelos que talvez tenham sido originalmente apresentados pelos missionários.10. Em seu livro A Igreja e o Colégio dos Jesuítas de São Paulo Geraldo Dutra de Moraes (1979, p.71-89) realiza uma minuciosa descrição dos retábulos do templo dos inacianos na capital paulista.Segundo o autor, assim se distribuíam os retábulos e imagens nesse antigo templo: do lado da Epístola, junto ao arco cruzeiro estava o altar consagrado a Nossa Senhora das Dores, com sete punhaisno coração e a Jesus Crucificado (Senhor da Agonia), esta última imagem proveniente de Lisboa,em 1654, como presente de Dom Afonso IV, rei de Portugal, quando do primeiro centenário dafundação de Piratininga. O segundo altar era dedicado à Nossa Senhora Rainha dos Anjos “a cujaimagem os inacianos dedicam especial devoção”. Nesse mesmo altar estavam ainda duas imagensde São Joaquim e de São João, cada uma com cerca de 115cm. O terceiro altar, logo após o púlpito,era dedicado à Nossa Senhora do Desterro, imagem de madeira policromada, de provável origemportuguesa, bracarense, com 1,54m de altura, além das imagens de São Lourenço (terracota) e SãoFrancisco de Borja (madeira). Do lado do Evangelho, o primeiro altar era consagrado a Nossa Senhora das Graças , “grande devoção dos inacianos”, proveniente da antiga igreja, no nicho inferiorestavam as imagens de Santa Úrsula (protetora dos estudantes) e do Arcanjo Miguel (ambas efígiesem madeira policromada). Outro altar era dedicado à Sagrada Família, com as imagens de Jesus,Maria e José. Segundo MORAES (1979, p. 77) nesse altar foram feitas algumas adaptações, entreelas teria sido criada uma charola para abrigar uma urna-oratório para a imagem de Nossa Senhorada Boa Morte em seu esquife. Nas colunas laterais desse altar estavam também as imagens de NossaSenhora do Livramento e Santa Bárbara (ambas em terracota policromada).

Após o púlpito e junto ao batistério estava o altar da Santana Mestra (reconstruído em 1770, por determinação expressa de Morgado de Mateus para acolher a imagem de Santana, como cumprimento de promessa) e duas pequenas imagens em barro cozido de São Paulo e Nossa Senhora do Rosário. “Posteriormente o oragofoi substituído por São Jorge, padroeiro do Senado da Câmara e do Regimento Real de Cavalaria” [Página 133]

No Brasil, é recorrente a representação de Nossa Senhora dos Prazeres, invocação relacionada às alegrias da Virgem (anunciação do anjo, oencontro com Isabel, o nascimento de Jesus, a visita dos Reis Magos, oencontro com Jesus no templo, a primeira aparição de Cristo após a mortee a coroação da Virgem no céu). A devoção à Nossa Senhora dos Prazeresremonta aos século XIV, mas foi difundida em Portugal no século XVI,com o surgimento de uma imagem da Virgem em uma fonte na quinta doscondes de Alcântara. Nossa Senhora dos Prazeres é também consideradaa protetora dos pernambucanos em sua insurreição contra os holandeses(MEGALE, 1998, p. 411-412).Em terras paulistas, as imagens da Virgem sob esta invocação apresentam a figura de Maria em pé, vestindo uma longa túnica e coberta por ummanto azul. Tem sentado sobre o seu braço esquerdo o Menino Jesus, emgeral nu, de quem toca carinhosamente os pés.

Porém, na imagem atualmente exposta no Santuário de Nossa Senhorados Prazeres de Itapecerica da Serra, o menino está sentado sobre o braçodireito da Virgem vestido uma túnica que lhe cobre todo o corpo, assimtambém como ocorre com a imagem proveniente de Sorocaba, pertencenteao acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo. Curiosamente, nenhuma das imagens localizadas em São Paulo sob esta invocação, corresponde completamente àquela indicada por Nilza B. Me [Página 176]

4.2.1.3 Ordem BeneditinaConsiderada a primeira ordem monástica do ocidente, a Ordem Beneditina, foi criada no século VI por São Bento de Núrsia, seguindo umaregra que defendia valores como a castidade, a obediência, a oração e otrabalho dentro dos monastérios. Também entre os beneditinos tornou-setradicional o hábito de oferecer em seus mosteiros abrigo aos peregrinos eviajantes, além de assistir aos pobres e promover o ensino. Os beneditinoschegam ao Brasil, em 1582, estabelecendo-se na Bahia, sob o comando defrei Antônio Ventura do Laterão (LORÊDO, 2002, p. 105).Em São Paulo a presença dos beneditinos se concentrou inicialmenteem Santos.

Em 1610, chegaram à Vila de São Paulo, acompanhados pelo novo governador da Capitania, Dom Francisco de Souza, para construir um mosteiro que seria elevado à abadia em 1635, tendo como padroeira Nossa Senhora de Montesserrate. A partir da capital, as ações dos beneditinos se estenderam posteriormente a regiões como as de São Bernardo do Campo, Santana de Parnaíba, Santos, Sorocaba, Jundiaí e a Fazenda do Parateí, em Mogi das Cruzes (ETZEL, 1971, p. 64).

É conhecida a atividade barrista dos beneditinos paulistas, especialmente aqueles fixados na região de São Caetano, onde os monges possuíamduas olarias, uma delas criada em 1730 e outra em 1757, sendo que estaúltima produzia tijolos, lajotas, telhas, ladrilhos, canaletas (para canalização de água) e louças vidradas para uso doméstico e obras de arte (CARVALHO, 2007).A obra dos monges escultores, Frei Agostinho da Piedade (? – 1661)e Frei Agostinho de Jesus (1600-1661)30, vem sendo objeto de estudo dediversos pesquisadores, tendo o segundo deles deixado suas obras em diferentes fundações religiosas do litoral e do interior. Essa produção, estilisticamente identificável por figuras sóbrias e austeras, que refletem uma“espiritualidade concentrada”, com corpos robustos, panejamentos comdrapeados miúdos, marca o “ciclo da imaginária beneditina seiscentista”que, segundo Myriam A. R. de Oliveira (2000, p.51) se encerraria com aatuação do português de Matozinhos, Frei Domingos da Conceição, realizando trabalhos no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, como oCrucificado do antigo coro dos monges.29. Em princípio a abadia paulistana tinha como padroeira Nossa Senhora de Monteserrate, oragoeste que seria alterado em 1720 para Nossa Senhora da Assunção, em homenagem José Ramos daSilva Filho, benfeitor da fundação paulistana e devoto da santa.30. A esse respeito podemos destacar, entre outros, o trabalho pioneiro de Dom Clemente Maria daSilva Nigra e mais recentemente os estudos de Rafael Schunk (2012), realizados junto ao Institutode Artes da Unesp – SP, acerca da obra de Frei Agostinho de Jesus. [Página 180]

O culto mariano foi oficializado no Concílio de Éfeso (431 d.C.), quando passou-se a considerar Maria não apenas como “mãe”, mas também a“esposa mística de Deus encarnado”. Em princípio, havia uma certa controvérsia envolvendo o seu culto, visto que Maria não era mártir, não haviaproduzido milagres e de seu corpo não se guardavam relíquias, o que erafundamental para o culto aos santos. Segundo Réau (2008, v. 5, p. 62-68)a questão do martírio foi solucionada estabelecendo-se um paralelo entrea Paixão de Cristo e a compaixão da Virgem. A falta de relíquias corporaisera justificável, já que o próprio corpo de Maria teria sido levado aos céus;desse modo passaram a ser aceitas as relíquias indiretas ou extrínsecas, ouseja, objetos que porventura tivessem estado em contato com o corpo daVirgem. Em último caso, seriam aceitas até mesmo reproduções das medidas (altura, circunferência da cintura) de Maria como relíquias (o mesmose aplicava a Cristo), que eram aplicadas nas construções etc.Na Idade Média, sobretudo pela ação das ordens monásticas difundiuse o culto à Virgem, sendo os cistercienses os primeiros a terem sua abadiaconsagrada à Maria por São Bernardo.As imagens da Virgem se multiplicaram por todas as igrejas, fosse nasentradas dos templos (Figura 179), nos retábulos, nas esquinas das casas(em pequenos oratórios), como reflexo da devoção mariana à qual se seguiram o culto a Santana e São Joaquim, seus pais, e São José, seu esposo. [Página 232]

antigas do sudeste. Por outro lado, invocações de Nossa Senhora como padroeira de marinheiros e pescadores (Nossa Senhora da Guia, da Boa Viagem e dos Navegantes) estão concentradas nas regiões litorâneas, enquantoque aquelas ligadas aos lavradores e criadores de gado são predominantesno interior (Nossa Senhora das Brotas); quanto às regiões de atividademineradora, predominaram as devoções à Nossa Senhora da Assunção,Nossa Senhora do Carmo, do Bonsucesso, da Piedade, do Rosário.As ordens religiosas e confrarias tiveram em toda a América de colonização ibérica um papel fundamental na difusão das múltiplas devoçõesmarianas, às quais por meio de imagens pintadas ou esculpidas, operavamtambém como um elemento agregador, sendo associadas aos diferentesgrupos do mundo colonial: europeus, negros, indígenas, mestiços.Así como la Virgen del Carmen es un sinónimo de espiritualidade carmelitana,la Inmaculada y Nuestra Señora de los Ángeles lo son para los frailes menoresy la de la Merced para los mercedários. Los dominicos propagaron la devocióna la del Rosario y la de Atocha; los agustinos a la Virgen de la Consolación, delBuen Consejo (Colombia) y del Buen Despacho (Brasil). Los trinitários a la delRemedio, los capuchinos a la Divina Pastora, los servitas a la Dolorosa y los mínimos a Nuestra Señora de la Victoria. Los jesuitas divulgaron la veneración a lasSeñoras de Loreto y de la Luz y, tardíamente, al Sagrado Corazón y también lostítulos de Ayuda y del Buen Consejo en la cultura lusobrasileña. Los jerônimos,por su parte, veneraron a la Patrona de Extremadura, la Virgen de Guadalupe.( JÁUREGUI, 2008, p. 273-274).No universo colonial luso-brasileiro a presença Virgem Maria era umaconstante, como exemplo da mulher perfeita, desde o seu nascimento, suaconduta em vida até sua assunção aos céus, acompanhava a vida dos colonos, da gestação à morte, Nossa Senhora era a protetora: Nossa Senhora daExpectação do Parto (Nossa Senhora do Ó), Nossa Senhora do Bom Parto,Nossa Senhora do Leite, Nossa Senhora da Boa Morte, Nossa Senhora daGlória. Muitas mulheres eram batizadas com o nome de Maria, e muitosa tinham ainda como madrinha de batismo.Do ponto de vista imagético, Maria, representada sempre como a senhora branca, bela e bem trajada, mãe e senhora, passa a refletir a imagemda esposa do patriarca, o senhor do engenho que tem seu paralelo devocional na imagem de São José trajado com botas (São José de Botas), ofiel esposo.Juntamente com a Virgem e José surge também a imagem de SantanaMestra, a mãe que ensina o catecismo à filha. Simbolicamente, Santana seconverte em uma representação da casa-grande colaborando de um modomaternal e didático para o processo de cristianização dos escravos. [Página 237]

III – Nossa Senhora da Luz – distrito da cidade de São PauloIV – Nossa Senhora da Penha nos limites de São PauloV – Nossa Senhora do Ó – distrito de São PauloVI – Nossa Senhora dos Pinheiros no distrito de São PauloVII - Imagem de Nossa Senhora da Conceição de São PauloVIII – Nossa Senhora da Escada da Aldeia de MaveriIX – Nossa Senhora do Montesserrate do Bairro de CotiaX –Nossa Senhora da Ajuda do Bayro de TaquaquicetibaXI – Nossa Senhora de Nazareth do Bayro da TibayaXII – Nossa Senhora do Desterro do Bayro de JuqueriXIII – Nossa Senhora do Bonsucesso do mesmo bairro de JuqueriXIV – Nossa Senhora do Desterro Covento dos Religiosos do Patriarca SãoBentoXV – Nossa Senhora da Penha de AraçariguamaXVI – Nossa Senhora da Conceição – Ermida da fazenda do Padre Guilhelmo PompeyoXVII –Nossa Senhora das Candeas de ItuXVIII – Nossa Senhora do Montesserrate no SaltoXIX – Nossa Senhora da Penha da Povoação do SaltoXX – Nossa Senhora do Montesserrate da Villa de SorocabaXXI – Nossa Senhora do Desterro de SorocabaXXII - Nossa Senhora da Ponte da Villa de SorocabaXXIII – Nossa Senhora do Carmo da Villa de MagiXXIV – Nossa Senhora da Ajuda do Porto das LarangeyrasXXV – Nossa Senhora da Conceição da Povoação de JacareyXXVI – Nossa Senhora da Ajuda do Bayro de CassapabaXXVII – Nossa Senhora da Conceição do Bayro de TremembéXXVIII – Nossa Senhora do Bom Successo da Villa de PindamouhaugàbaXXIX – Nossa Senhora da Piedade da Villa de Guaràtiguità, ou de Guaypacarè [1]Observa-se que, da lista aqui apresentada que representaria as imagens consideradas como mais importantes por ocasião dos levantamentos de Frei Agostinho de Santa Maria, do Livro II, as imagens de I a VI estão hoje em território fluminense e as de número XXII a XXIV, correspondem hoje aos territórios paranaense e catarinense.

Com relação às demais imagens apontadas por Frei Agostinho de SantaMaria em localidades ainda hoje pertencentes ao território paulista, observa-se que 18 delas estavam em terras litorâneas e 29 no interior. Entreos exemplares, há uma maior recorrência de imagens de Nossa Senhorada Conceição (Ubatuba; Boissucanga – S. Sebastião; Itanhaém; Jacareí;São Paulo; Araçariguama; Tremembé), de Nossa Senhora de Montsserrat (Santos; São Paulo; Cotia; Salto; Sorocaba); Nossa Senhora do Desterro (Santos; Juqueri, São Paulo, Sorocaba) e Nossa Senhora do Carmo (Guaecá – São Sebastião; Santos, São Paulo, Mogi das Cruzes). [Imaginária Retabular Colonial em São Paulo. Estudos Iconográficos (2015) Maria José Spiteri Tavolaro Passos. Páginas 240 e 241]

72), pertencente à igreja Matriz de São Vicente,foram atribuídas a João Gonçalo Fernandes, a respeito do qual não há dados precisos.Segundo Eduardo Etzel (1984, p. 16) há trêsdiferentes versões a respeito da procedência dessasimagens, porém todas tendo como base a tradiçãooral. Uma delas envolve a vinda de um imaginário da Bahia, que teria modelado as peças em SãoVicente; a outra, considera que o autor das peçasteria sido preso injustamente e, na cadeia, teriamodelado as peças, sendo posteriormente levadoà Bahia para ser julgado e absolvido; a terceira eúltima hipótese é a de que as imagens teriam sidoimportadas de Portugal.Para o pesquisador, a mais fundamentada dastrês hipóteses é a última, levantada pelo pintor ehistoriador Benedito Calixto que defende que Itanhaém teve duas povoações, sendo a primeira delasdatada de 1532, em local conhecido como Abarebebê. Ali, cerca de um quilômetro da praia de Peruíbe, no alto de um outeiro, teria sido construídauma primeira ermida, dedicada à Nossa Senhorada Conceição. Segundo Calixto (apud ETZEL,1984, p. 17), para essa igreja Martin Afonso deSouza teria mandado vir de Portugal uma imagemdo orago, entronizada em 1544. Anchieta, grandeadmirador da Virgem, teria se dedicado ao desenvolvimento desse templo, que se tornou muito frequentado pelos fiéis.No entanto, buscando por um local menos suscetível a ataques, fundou-se uma nova vila, pelo próprio Martin Afonsode Souza, próximo ao rio Itanhaém, no local onde hoje temos a cidade demesmo nome.A primeira vila ficou posteriormente conhecida como aldeia de SãoJoão Batista de Peruíbe. Na nova aldeia construiu-se uma nova ermida,também no alto de um morro e com o mesmo orago da primeira, porém,os índios de Abarebebê não permitiram o traslado para o novo templo,forçando a comunidade a providenciar uma nova peça.Segundo Eduardo Etzel (1984, p. 25) a imagem de Nossa Senhora daConceição que se encontra na Matriz de Santana (Matriz de Itanhaém)é a mesma que “foi padroeira da primeira ermida de Itanhaém na antigapovoação indígena de São João Batista de Peruíbe” (Figura 185). [Página 245]

Por vezes, Maria pode estar sentada em um trono, ladeadapelos leões de Salomão , ou ainda figuras alegóricas de mulheres coroadas, representando as virtudes: solidão, modéstia,prudência, virgindade, humildade e obediência.Não raro são encontráveis no Brasil imagens de Santanasentada em um trono com pés arrematados com patas de leão,podendo esta ser além de uma referência a mobiliário do século XVIII, uma citação à iconografia do trono de Salomão(Figura 211).Nossa Senhora de MontserratA devoção de Nossa Senhora de Montserrat é de origemcatalã. O nome Montserrat está ligado a uma serra montanhosa, próxima a Barcelona, que apresenta o cume em formato semelhante ao corte de uma serra de madeira. Ali, uma escultura de Nossa Senhora com o Menino teria sido escondidana época da invasão sarracena, sendo localizada cerca de doisséculos mais tarde e levada até um vilarejo próximo onde seergueu a primeira capela sob essa invocação. Posteriormente,tornou-se um centro de peregrinação passando, no século XI aos cuidadosdos religiosos da Ordem de São Bento, que ali criaram um mosteiro. Noséculo XIX, a Virgem de Montserrat foi declarada patrona da Catalunha.A devoção à Nossa Senhora do Carmo se estendeu a diferentes fundações beneditinas europeias, em especial na Itália e também em Praga eViena, chegando também à América hispânica.No Brasil, o culto à Virgem de Montserrat foi introduzido na época dodomínio espanhol, quando o então governador D. Francisco de Souza divulgou essa devoção mandando erguer capelas em honra à tal invocação emdiferentes localidades da colônia como Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo.66O primeiro templo dedicado à Nossa Senhora de Montserrat em SãoPaulo, foi erguido no Morro da Vigia (hoje morro de Monte Serrate), nacidade de Santos, litoral sul paulista, em 1602. Segundo Nilza B. Megale(1998, p. 324) a capela, erguida em 1602 era parte de um hospício67. Inicialmente a capela teria ficado sob os cuidados provisórios do vigário de

66. A primeira ermida dedicada à Nossa Senhora de Montserrat em terras brasileiras foi erguida na Bahia, sob a responsabilidade de Dom Francisco de Souza, ainda no século XVI e doada ao Mosteiro de São Bento da Bahia em 1598. No Rio de Janeiro, a fundação beneditina que havia sido elevada a abadia em 1600, mudou a invocação de sua ermida de Nossa Senhora da Conceição para Nossa Senhora de Montserrat, no intuito de agradar o Governador Dom Francisco de Souza, que era seu devoto. (FAUS, 1976).

67. Hospital. [Página 267]

gale (1998, p. 412) ao tratar da iconografia de Nossa Senhora dos Prazeres,visto que segundo a autora, a Virgem levaria na mão direita um pequenocetro, como se observa na imagem da Igreja de Nossa Senhora dos Prazeresdos Montes Guararapes, de Pernambuco (Figura 218). Nas representaçõesmais tradicionais, sob seus pés, sete cabeças aladas ou sete rosas representariam os sete prazeres de Maria.Na maior parte dos exemplares localizados a Virgem tem aos pés cabeças de querubins, ora em número de três, ora em número maior, como seobserva na obra de Frei Agostinho de Jesus, originalmente pertencente àmatriz de Santana de Parnaíba, na qual doze cabeças de anjos se distribuemem duas fileiras horizontais na base da imagem. (Figura 219)No Santuário de Nossa Senhora dos Prazeres e Divina Misericórdia,em Itapecerica da Serra, vemos uma peça em madeira policromada, queremonta à devoção levada pelos jesuítas que ali instalaram um aldeamento. A escultura apresenta linhas bastante rígidas, porém seus traços foramaparentemente alterados pela repintura que lhe foi aplicada; nesta peça, aocontrário das demais, o Menino está posicionado sobre o braço direito daVirgem e não há anjos junto à base (Figuras 220, 221, 222). [Página 277]

4.2.3.2 A Sagrada Família e a Sagrada ParentelaA Sagrada Família é um tema recorrente na iconografia religiosa portuguesa e de suas colônias.Louis Réau (2008, v. 2, p. 147) destaca a importância de se diferenciaresse tema da Sagrada Parentela, que se refere a linha familiar de Maria. ASagrada Parentela é um tema apócrifo, que tendo sido citado na Legenda Áurea, de Jacoppo Varezze (Santiago de Vorágine), se popularizou em1406, a partir de uma visão de Santa Coleta98. O tema trata do tríplicematrimônio de Santana, mãe de Maria, que teria sido casada três vezes. Doprimeiro casamento, com São Joaquim, Santana teria dado a luz à Maria,esposa de José e mãe de Jesus; do segundo, com Cleofas, nasceria Maria deCleofas, esposa de Alfeo e mãe de São Tiago Menor, José - o Justo, Simãoe Judas; do terceiro, com Salomé, teria nascido Maria Salomé, esposa deZebedeu e mãe de Santiago Maior e João Evangelista.

Ainda a partir da visão de Santa Coleta, foram acrescidos a esta genealogia os nomes de merenciana99 e Estolano, pais de Santana e, portanto, bisavós de Jesus. Segundo a lenda, após uma visão sobre o monte Carmelo, Emerenciana teria se casado com Estolano, motivo pelo qual esta devoção apócrifa, teria sido difundida pelos carmelitas. Encontra-se no Museu das Igrejas Carmelitas de Mogi das Cruzes, uma representação que pode remeter a essa devoção onde se observa uma figura feminina em pé,vestida com hábito carmelita tendo na mão esquerda uma figura de Maria (que possivelmente teria um Menino apoiado sobre seu braço esquerdo) e na direita uma outra figura feminina que, embora tenha perdido a face por desprendimento de matéria escultórica, poderia ser a representação deSantana (Figura 334).

Ao grupo genealógico de Maria, outras figuras foram acrescentadas,especialmente nos Países Baixos: sua tia, Santa Hismeria, sua prima, SantaIsabel com São João Batista e São Servando, bispo de Tongeren, um parentepóstumo, muito distante, porém grande parte desses personagens foi eliminada após o Concilio de Trento (RÉAU, 2008, v. 2, p. 149), inclusive porse considerar comprometedora a lenda do tríplice matrimônio de Santana.Convém lembrar que em sua XXIV sessão, o referido concílio dedicou umespaço à regulamentação do matrimônio como um sacramento e conferiude certo modo uma “santidade” ao “estado matrimonial”, definindo umasérie de práticas envolvidas no estágio preparatório, na cerimônia e na conduta dos casados100.Na Igreja de São João Batista, Matriz de Atibaia, encontram-se no retábulo-mor três imagens que representam São João Batista (imagem doséculo XX), Santa Isabel e seu esposo, Zacarias, o protetor contra as hemorragias101, aqui representado como sacerdote, sustentando um turíbulo(Figuras 335 e 336).100. A esse respeito, sugere-se o texto de Maria de Lurdes Correia Fernandes. O Concílio de Trento:ponto de chegada e ponto de partida das questões matrimoniais. In: Espelhos, cartas e guias : casamento e espiritualidade na Península Ibérica : 1450-1700. Porto: Instituto de Cultura Portuguesa/Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1995. p. 201-222.101. Acredita-se que o sangue de Zacarias, coagulado teria deixado marcas no piso do templo deJerusalém. A partir disso, desde a Idade Media, seu nome passou a ser invocado na proteção contrasas hemorragias, especialmente nasais.

98. Nicoleta Boilet (Corbie, 1381-Gand, 1447) foi uma religiosa da região de Amiens, França.Santa Coleta (Nicoleta), como ficou conhecida, aos dezoito anos ficou órfã e recolheu-se na Ordem Terceira de São Francisco, quando relatou ter uma visão de Cristo que a orientou a realizaruma reforma das irmãs Clarissas. Tal ação somente se efetivou após ter recebido o hábito de irmãprimeira, sendo encarregada pelo papa de proceder a reforma das três ordens religiosas em todos osmosteiros de Clarissas da França (hoje, irmãs Claras Coletinas e irmãos Menores de São Francisco).Fundou diversos conventos femininos e reformou outros tantos masculinos, trazendo de volta àsfundações franciscanas “o espírito de pobreza” implantado por seu fundador.99. Embora em muitos textos seja citado o nome de Emerenciana como mãe lendária de Santanae bisavó de Jesus, Louis Réau se refere a esse personagem como Emerencia, reservando o nome deEmerenciana à uma romana, do século IV, irmã de leite de Santa Inês, que teria sido martirizadapelos pagãos por apedrejamento ou ainda lhe teriam aberto o ventre. Santa Emerenciana é festejadano dia 23 de janeiro. [Páginas 372 e 374]

O Museu de Arte Sacra de São Paulo guarda uma imagem setecentistade São Joaquim, em barro cozido e policromado, remanescente da antiga Matriz de Parnaíba (Figura 340). A imagem do Museu das Igrejas doCarmo, em Mogi das Cruzes, diferentemente da imagem do museu dacapital, é uma obra em madeira, apresenta linhas mais sinuosas, com maiormovimentação do corpo e do planejamento além de gestos mais delicadose uso de olhos de vidro (Figura 341).Já na Igreja Matriz de Santa Branca, vemos uma outra representaçãotambém bastante tradicional desta mesma devoção: São Joaquim está empé, como na maior parte das representações é um homem calvo e de barbas longas, apoiando-se em um cajado curvo que leva na mão direita, e naesquerda, um pequeno cesto contendo duas aves (pombas) (Figura 342).A devoção à Santana se popularizou a partir do século XVI e assim, afigura da avó de Cristo tornou-se também uma recorrência entre os retábulos das comunidades coloniais.102 Santana é a matrona, tradicionalmente representada como uma mulher mais velha, trajando um manto verde,símbolo da esperança. Está, em grande parte das representações, junto deMaria, ensinando-a a ler (Réau , 2000, v. 3, p. 76, 78).Ao desenvolver um estudo a respeito das Santanas Mestras no Brasil,Vera Toledo Piza (2002) destaca a importância dos artistas barristas beneditinos na difusão dessa iconografia no país, com ênfase para Frei Agostinho da Piedade, de quem o Museu de Arte Sacra da Bahia guarda em seuacervo um importante exemplar, no qual Santana está sentada em umapoltrona e Maria está em pé, entre os joelhos da mãe (Figuras 343 e 344).Embora a maior parte dos exemplares representando a figura de Santana nos reporte à iconografia da mestra, a disposição das personagensnessas esculturas difere daquela adotada pelo frei beneditino na imagem do museu baiano. Na configuração mais frequente em templos brasileiros,inclusive entre os exemplares localizados em São Paulo, Santana está sentada em um trono e tem ao lado, ou no colo a Menina, como nas imagensda Igreja Matriz de São Sebastião (Figura 345), no litoral norte do Estadoe, aquelas guardadas nos museus de Arte Sacra de Santos (Figura 346) ede São Paulo (Figura 347), na Igreja Matriz de Areias (Figura 348), naBasílica do Carmo em São Paulo (Figura 349), ou ainda os dois majestososexemplares presentes nas fundações beneditinas de Sorocaba (Figura 350)e Jundiaí (Figura 351). [Páginas 377, 379 e 381]

a incluir nos estudos alguns exemplares que se encontravam em outrasdependências do templo.Embora as soluções técnicas e compositivas aplicadas a essas imagenstenham em muito contribuído para a seleção dos exemplares, a tônica destetrabalho recaiu sobre os estudos de iconografia. Desse modo de posse deum significativo número de esculturas identificadas, passou-se a analisar asrecorrências devocionais localizadas, por meio do que se verificou haverum predomínio de imagens de Cristo, especialmente aquelas ligadas à dore ao martírio, as imagens de Nossa Senhora e dos personagens ligados àfamília de Jesus, seguidos dos santos ligados às ordens religiosas, mártires,apóstolos e outros.Embora cônscios da importância das determinações tridentinas para adifusão dessas devoções em todas as terras católicas, surgiu aqui um questionamento a respeito de possíveis relações entre elas e a sociedade colonial,em especial, a paulista.As respostas começaram a surgir quando passamos a estabelecer paralelos entre questões históricas e sociais e as devoções presentes naquelasigrejas. Para tanto, o estudo das teologias coloniais, nos permitiu analisaresses conjuntos dentro do universo colonial, estabelecendo uma série derelações ligadas a mensagens subliminares presentes naqueles objetos deculto e que poderiam direcionar a moral e refletir um modo de pensar ede agir daquela sociedade.Acreditamos que compreender que a figura de Nossa Senhora podeassumir o papel de modelo exemplificando um conjunto de posturas desejáveis para a mulher colonial, dando-se o mesmo em relação ao cultoao martírio, seja dos santos ou de Cristo, como um alento para os queenfrentavam a vida dura nas terras de além-mar, seja como colono ou comoescravo, trouxe para este estudo novas perspectivas analíticas, ressignificando o objeto devocional e artístico, entendendo-o não apenas como uminstrumento evangelizador e catequético, útil à religião, mas também comoveículo útil à implantação de projetos convenientes aos meandros políticose sociais.Ainda com relação aos santos de ordens, observou-se uma significativaescassez de representações de figuras femininas, o que pode estar diretamente relacionado às restrições impostas pela Coroa quanto à criação defundações religiosas para mulheres. Assim, é possível que o predomíniode imagens de Nossa Senhora, Santana, represente a existência de um programa iconográfico dirigido ao incentivo ao matrimônio e à formação davida em família.Observa-se aqui que, em grupo ou isoladamente, os personagens dafamília de Jesus (pais, avós, primos) se mostraram recorrentes nas igrejasdo litoral e do interior. Entre essas figuras as de São José e Santana foram as mais frequentes. Acreditamos encontrar-se aí, especialmente no casode São Paulo, uma certa ênfase nas figuras do senhor de terras, do bandeirante e da senhora dona da casa que, conforme apontado neste trabalho,era quem por vezes dirigia a família e a propriedade, em razão das muitasviagens exploratórias ou de negócios, com as quais o contingente masculino se envolvia.Esculturas devocionais e retábulos são elementos que se complementam, compondo um aparato cenográfico, no qual as imagens ocupam umlugar de proeminência, impregnadas de discursos subliminares que envolvem uma passagem vitoriosa sobre os conflitos e as inconstâncias da vidaterrena, para a conquista de uma posição privilegiada junto à corte celeste.Retábulos vazios perdem o sentido, como um palco sem atores. Por outrolado, destituídas do impacto visual proporcionado pela sua exposição emmajestade, as imagens fora de seus retábulos perdem a força.Ao longo da pesquisa foi possível verificar situações as mais diversascomo por exemplo a alteração de imagens por meio de repinturas, na maiorparte dos casos grosseiras ou outras intervenções como acréscimos pormeio de modelagens em massa de papel, cera ou outros materiais, muitasvezes descaracterizando drasticamente os originais, inviabilizando umaprecisa leitura e análise do seu valor documental.Infelizmente, os cuidados aplicados aos acervos em relação ao patrimônio seja pelas autoridades eclesiásticas ou, em alguns casos, pelos própriosórgãos de preservação nem sempre tem sido adequados ou suficientes podendo conduzir à perdas irreparáveis. O caso da imagem do Senhor Morto,localizado em um depósito de materiais de limpeza nas dependências doSantuário de Nossa Senhora dos Prazeres, em Itapecerica da Serra aquiapontado é um exemplo de como uma obra pode se transformar em umpotencial candidato ao desaparecimento, caso não sejam adotadas medidasque a protejam.Um outro caso interessante a se observar é a recombinação de originais:retábulos do século XVIII que abrigam imagens industrializadas, do séculoXIX ou posteriores, em gesso, madeira ou até mesmo resina; ou ainda,as antigas imagens de barro ou madeira, expostas em retábulos de outrosperíodos, que podem gerar outras leituras dos conjuntos.Destacamos aqui o exemplo da Catedral de Jundiaí que, apesar de tersua igreja matriz totalmente reformada, na segunda metade do século XIX,de acordo com os padrões estilísticos do neogótico, manteve o grupo deimagens setecentistas de Nossa Senhora do Desterro, o que pode nos darindícios da permanência de tradições de um povo empreendedor, queremetem ao tempo das bandeiras, mas que simbolicamente podem estarpresentes na associação entre o passado e o futuro, no retábulo neogótico(símbolo de uma “modernidade” na passagem do século XIX para o XX), [Páginas 478 e 479]

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