Pierre-François-Xavier de Charlevoix, ou Pedro Francisco Javier de Charlevoix, jesuíta autor da monumental Historia do Paraguai, publicada em seis tomos, em 1757.O jesuíta Charlevoix caminha por estrada tão escorregadiça,como a de Vaissette; e bem se percebe, que ambos beberam no mesmo charco. Falando dos moradores de S. Paulo, diz na sua História do Paraguai:157“Os seus habitantes com socorros dos jesuítas do seucolégio se conservaram algum tempo em a piedade,158e osíndios do distrito, que estes religiosos impediram fossemmaltratados, abraçaram com ânsia a religião católica; masisto durou pouco, e a colônia portuguesa de S. Paulo dePiratininga, sobre a qual os missionários haviam fundado asua maior esperança, veio a ser um obstáculo às suasconquistas espirituais.159 O mal veio primeiramente de outracolônia vizinha,160 em a qual o sangue português se tinhamisturado muito com o dos índios.161 O contágio deste mauexemplo chegou bem depressa a S. Paulo, e desta mistura saiuuma geração perversa,162 da qual as desordens em todo o sentido chegaram tão longe, que se deu a estes mestiços onome de mamelucos por causa da sua semelhança com osantigos escravos dos soldões do Egito.163“Por mais que trabalhassem os governadores, os magistrados, e os jesuítas ajudados pelos superiores eclesiásticos,16 por deter o curso desta inundação, a dissolução se fez geral, e os mamelucos sacudiram enfim o jugo da autoridade divina e humana.165
Um grande número de banidos de diversas nações, portugueses, espanhóis, italianos, e holandeses, que fugiam perseguidos da justiça dos homens, e não temiam a de Deus, se estabeleceram com eles: muitos índios concorreram, e ocupando-os o gosto da devastação, eles se entregaram a elasem limite, e encheram de horror uma imensa extensão do país. As duas Coroas de Portugal e Espanha, então unidas sobre uma mesma cabeça, estavam igualmente interessadas emlivrar a Terra de semelhantes homens, mas a Vila de S. Paulo,situada sobre o cume do uma montanha,166 não podia sersubjugada, senão por fome,167 e para isso eram precisos numerosos exércitos, que o Brasil, e ainda menos o Paraguai,não estavam em estado de fornecer, além de que um pequenonúmero de gente determinada podia facilmente defender asentradas, e para a render seria necessário que as duas naçõesachassem um meio, que jamais se pôde descobrir.
“O que admira, e o que talvez impediu, que não tomasseo Paraguai em os princípios as suas medidas contra os mamelucos,168 é que estes não tinham necessidade de saírem do seuDistrito para viver em abundância, e para gozar de todas ascomodidades da vida. Respira-se em S. Paulo de Piratiningaum ar mui puro debaixo de um céu sempre sereno, e um clima mui temperado, ainda que por 24° de latitude austral. Todas as terras são férteis, e dão muito bom trigo; as canas-de-açúcar produzem bem; nelas se acham muitos bonspastos, e assim não por outro motivo, que pelo espírito de libertinagem, e pelos atrativos da pilhagem, é que eles por longo tempo correram com fadigas incríveis, e contínuos perigos, essas vastas regiões bárbaras, que despovoaram de doismilhões de homens. Sem embargo que nada é tão miserávelcomo a vida, que eles passavam nos sertões, em que andavamordinariamente, muitos anos seguidos. Um grande númerodeles pereciam, e alguns achavam na sua volta suas mulherescasadas com outros: enfim o seu próprio país estaria sem habitantes, se aqueles, que a ele não voltavam, não substituíssemos cativos, que faziam nos sertões, ou os índios, com quem tinham feito amizade.”
1° de fonte(s) [22667] “Memórias Para a História da Capitania de São Vicente”, Frei Gaspar da Madre de Deus (1715-1800) Data: 1797, ver ano (24 registros)
Pierre-François-Xavier de Charlevoix, ou Pedro Francisco Javier de Charlevoix, jesuíta autor da monumental Historia do Paraguai, publicada em seis tomos, em 1757.O jesuíta Charlevoix caminha por estrada tão escorregadiça, como a de Vaissette; e bem se percebe, que ambos beberam no mesmo charco. Falando dos moradores de S. Paulo, diz na sua História do Paraguai:
“Os seus habitantes com socorros dos jesuítas do seu colégio se conservaram algum tempo em a piedade, e os índios do distrito, que estes religiosos impediram fossemmaltratados, abraçaram com ânsia a religião católica; mas isto durou pouco, e a colônia portuguesa de S. Paulo de Piratininga, sobre a qual os missionários haviam fundado a sua maior esperança, veio a ser um obstáculo às suas conquistas espirituais. O mal veio primeiramente de outra colônia vizinha, em a qual o sangue português se tinha misturado muito com o dos índios. O contágio deste mauexemplo chegou bem depressa a S. Paulo, e desta mistura saiu uma geração perversa, da qual as desordens em todo o sentido chegaram tão longe, que se deu a estes mestiços o nome de mamelucos por causa da sua semelhança com os antigos escravos dos soldões do Egito.
“Por mais que trabalhassem os governadores, os magistrados, e os jesuítas ajudados pelos superiores eclesiásticos,16 por deter o curso desta inundação, a dissolução se fez geral, e os mamelucos sacudiram enfim o jugo da autoridade divina e humana.
Um grande número de banidos de diversas nações, portugueses, espanhóis, italianos, e holandeses, que fugiam perseguidos da justiça dos homens, e não temiam a de Deus, se estabeleceram com eles: muitos índios concorreram, e ocupando-os o gosto da devastação, eles se entregaram a ela sem limite, e encheram de horror uma imensa extensão do país. As duas Coroas de Portugal e Espanha, então unidas sobre uma mesma cabeça, estavam igualmente interessadas em livrar a Terra de semelhantes homens, mas a Vila de S. Paulo, situada sobre o cume do uma montanha, não podia ser subjugada, senão por fome, e para isso eram precisos numerosos exércitos, que o Brasil, e ainda menos o Paraguai, não estavam em estado de fornecer, além de que um pequeno número de gente determinada podia facilmente defender as entradas, e para a render seria necessário que as duas nações achassem um meio, que jamais se pôde descobrir.
“O que admira, e o que talvez impediu, que não tomassem o Paraguai em os princípios as suas medidas contra os mamelucos,168 é que estes não tinham necessidade de saírem do seu Distrito para viver em abundância, e para gozar de todas as comodidades da vida. Respira-se em S. Paulo de Piratininga um ar mui puro debaixo de um céu sempre sereno, e um clima mui temperado, ainda que por 24° de latitude austral. Todas as terras são férteis, e dão muito bom trigo; as canas-de-açúcar produzem bem; nelas se acham muitos bons pastos, e assim não por outro motivo, que pelo espírito de libertinagem, e pelos atrativos da pilhagem, é que eles por longo tempo correram com fadigas incríveis, e contínuos perigos, essas vastas regiões bárbaras, que despovoaram de dois milhões de homens. Sem embargo que nada é tão miserávelcomo a vida, que eles passavam nos sertões, em que andavam ordinariamente, muitos anos seguidos. Um grande número deles pereciam, e alguns achavam na sua volta suas mulheres casadas com outros: enfim o seu próprio país estaria sem habitantes, se aqueles, que a ele não voltavam, não substituíssem os cativos, que faziam nos sertões, ou os índios, com quem tinham feito amizade.”