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“Ulrico Schmidl no Brasil quinhentista”. Sociedade Hans Staden
1942. Há 82 anos
Todos nós sabemos que ao tempo do governador d. Luis de Céspedes y Xeriá, em 1628, os moradores de São Paulo se serviam da via fluvial do Tietê para atingir o Guairá e daí, Assunção. Na documentação paulista a primeira referência que dela encontramos data certamente de 1602, quando, com respeito à bandeira de Nicolau Barreto, que vencera o "caminho do Piquiri", houve a alegação de que "uns dez ou doze homens que estavam em seu seguimento, mudaram de viagem e se foram pelo Anhembí abaixo". (Ata, II, 114-130).

A caravana de Nicolau Barreto, como temos notícia, fora organização de d. Francisco de Souza, o encantado do ouro e da prata e que, muito embora não mais fosse governador-geral do Brasil, conservava-se no entanto, como simples particular, na vila bandeirante, aguardando a volta daquele sertanista enviado em demanda da prata dos serranos.

Decorrente desses fatos foi a presença em São Paulo dos emissários do Paraguai, no ano seguinte de 1603, vindos de Vila Rica do Espirito Santo, a mandado de d. Antonio de Añasco e que tiveram entendimentos com d. Francisco de Sousa.

A todos então "pareceu bem pelo proveito que se esperava deste caminho se abrir e termos comércio e amizade por sermos todos cristãos e de um rei comum".

Acreditamos que aqui se tratava da via do Tietê, pois o antigo caminho aberto para o Guairá, aquele que buscava as cabeceiras do rio Paranapanema e depois o curso dos rios Tibagí, Ivaí ou Piquirí, esse da ha muito tinha relativa segurança e não carecia das precauções mandadas tomar por d. Francisco de Sousa e executadas pelos camaristas de Piratininga. Ao demais é sabido que esse fidalgo governador, tendo para isso se cercado de engenheiros e práticos topógrafos, desenhou outras vias para atingir de São Paulo mais rapidamente outros pontos onde era fama existirem metais preciosos e haja vista nesse sentido de ter se servido do vale do rio Paraíba para atingir o platô acidentado das Minas Gerais. (Atas, II, 136-138) [“Ulrico Schmidl no Brasil quinhentista”, 1942. Sociedade Hans Staden. Páginas 9 e 10]

Entendemos assim muito plausível a tese aqui defendida pelos senhores Kloster e Sommer de que desde o século XVI se conhecia no Paraguai, como comunicação mais pronta para alcançar o litoral vicentino, o caminho que tinha como ponto de referência o rio Tietê.

Batem-se esses dois cientistas para que Ulrico Schmidl tivesse tido a primazia do seu trajeto, não aceitando que o seu percurso fosse o da única via admitida pelo senso da época para o acesso entre o vale do Paraguai e o litoral atlântico, isto é, o caminho de pé posto que partindo das margens do rio Paraná, vinha ter às cabeceiras do rio Tibagi e que aí se tripartia - uma ponta seguia para Santa Catarina, outra vinha ter a Cananéa e a última finalmente, tomando para o nordeste, espontava nos campos de Piratininga. Teodoro Sampaio foi quem revelou essa vereda, dizendo que os nativos a denominavam Peabirú.

O itinerário de Ulrico Schmidl revelado no presente trabalho, extingue a uniformidade dessa afirmativa. Aliás, os autores ressalvam que o caminheiro germânico após chegar à foz do rio Tietê, no Paraná, não seguiu o seu curso, rio acima, atendendo não só às dificuldades naturais certamente conhecidas, como a insegurança das regiões marginais, habitadas por tribos sobremodo hostis.

Fazem-no por isso seguir, daquele ponto em diante, pelas terras entre o referido Tietê e o rio Paranapanema, para desse modo alcançar Botucatú e vir daí pelos caminhos clássicos até São Vicente.

Recomendamos porém uma maior atenção para muitos dos fatos a que os autores dão modernas explicações, afim de serem desfeitas as objeções que por ventura possam ser antepostas às suas interpretações. O desinçamento das margens do rio Tietê, começou somente trinta anos depois de viagem de Schmidl, por iniciativa do fidalgo Jerônimo Leitão.

As suas bandeiras levaram então tudo de roldão, com aquela tremenda energia dos lusos quinhentistas. Tão memoráveis ficaram, que os castelhanos, em documento de 1611, fazendo referência ao Guairá, lembravam ainda a passagem daquele temível capitão-mór vicentino. [“Ulrico Schmidl no Brasil quinhentista”, 1942. Sociedade Hans Staden. Página 11]

Ele cita um aldeamento tupí Kariesseba, por onde passou, uma nação Wiessache, que habitava as margens de um rio Urquaie, e, finalmente, um povoado nativo Scherebethueba, que poderia ser o antigo lugar Geribatiba, situado a margem do rio, atulamente denominado Jurubatuba, na proximidade do atual Santo Amaro.

O rio Urquaie, citado no mesmo contexto, passou a ser considerado como sendo o grande rio Uruguai do Brasil meridional, contribuindo essa interpretação mais ainda, para que se procurasse o tão falado itinerário de Schmidl na região dos posteriores Estados de Paraná e mesmo Santa Catarina, antes de fazer o viajante chegar à extremidade Sudoeste do atual Estado de São Paulo.

Pelo que vai aqui exposto, julgamos ter esclarecido o quanto divergimos daquela concepção. Não é nas margens do rio Uruguai do Brasil meridional que vamos acompanhar a caravana de Schmidl, e sim nas margens do Anhembí ou Tietê, do mesmo rio ao qual caberia um papel histórico de alta importância, quando, cerca de meio século após, os bandeirantes paulistas haviam começado a estender cada vez mais as suas expedições para o interior. [Ulrico Schmidl no Brasil quinhentista. Sociedade Hans Staden, 1942. Página 38]

Supomos-nos transportados para um lugar, onde o rio toma, em certo ponto, o rumo Oeste, mais ou menos no lugar, posteriormente, surgiria Porto Martins. Não haveria extranhar, se os habitantes dessa zona se servissem, para dominar o rio, de um nome diferente do que se dava ao curso inferior; [Página 39]

(...) entre Weittaca de Hans Staden e o Wiessache de Ulrico Schmidl.

Cabe aos etnologistas a tarefa de verificarem, se, realmente, em meados do século XVI, a tribu dos Guaiatacás possa ter vivido no curso médio do rio Tietê, e, ainda, se a informação de Schmidl e a interpretação aqui exposta se coadunam com o que sabe sobfre a população nativa da Capitania de São Vicente.

Julgamos possível que este modo de ver forneça novo elemento para enriquecer o conhecimento da população aborígene paulista. Se, aliás, se pudesse comprovar terem os supostos Guaiatacás pertencido ao grupo dos Guaianás, oferecer-se-ia, talvez a possibilidade de interpretar o nome do rio Urquaie, citado por Schmidl.

Por, vários pesquisadores consideram os atuais Kaingangs como grupo remanescente dos Guaiatacás. Na língua daqueles, o rio é chamado: goio, palavra que em bastante assonância (semelhança ou igualdade de sons em palavras próximas) com a segunda parte de: Urquaie.

Na época em que os índios botocudos (da nação macro-jê) rondavam as cercanias da foz do rio Itapocu desde os tempos do século XIX, chamaram o local pelo termo Goio Tuié (Goio = água e Tuié = velha), ou seja, "água velha" (uma alusão ao que seria antigamente um canal antigo entre a lagoa de Barra Velha com o mar).[carece de fontes]

Se, aqui, nos esforçamos por projetar alguma luz sobre a significação do problemático "Bieasie" de Schmidl, palavra que não denominava lugar, mas sim uma tribo, e cuja grafia melhor seria Wiessache, senão mais corretaainda Wiettache, foi porque o pesquisador paulista Dr. Gentil de Assis Moura atribuiu não pequena importância ao ponto "Bieasaie" de Schimdl.

Concordamos com o doutor paulista localiza esseponto "Biesaie" também nas margens do Tietê, discordamos, porém, quando assinala na região da atual cidade de Itú. O referido historiador julgou poder equiparar Biesaie à povoação Jabiuba ou Maniçoba, onde o padre Nóbrega exerceru, pelos meados do ano de 1553, sua primeira atividade como missionário no nterior de São Vicente. Ao posterior fundador de São Paulo servira como guia o noviço Antônio Rodrigues que, conforme supunha o Dr.Moura, fora companheiro de Schmidel, pelo que deveria, anteriormente, ter tido conhecimento do lugar Biesaie.

Entretanto, supondo-se esse aldeamento nativo situado no lugar, onde, posteriormente se fundararia Itú, ele não distava 100 léguas de Geribatiba, segundo afirma Schmidl,pelo que deveria, sim, apenas 40 (8, 58); tratamos, aliás em outra parte, de comprovar que não foi Antônio Rodrigues quem acompanhou o straunbinquense. [“Ulrico Schmidl no Brasil quinhentista”, 1942. Sociedade Hans Staden. Página 40]

E foram os paulistas posteriormente talando essas trilhas, de modo que em 1676 um documento oficial de Assunção esclarecia que eram três, largamente usadas:

"la uma por las cabezadas del rio Pirapó, que também se chama Paranapanema e o o Ivaí e Piqueri, atravessando os Pirianes e terras dos infieis Guayanás que tem despobladas os portugueses e cativas suas famílias.

A outra pelo rio Anhemby, que corre por São Paulo, Pernaíba e Itúasú e tomando puerto, entrando no Paraná, em el mismo real que ahora hicieron, em trinta dias marchar por terra rompendo os montes dos caminhos antigos que usava para comunição de aquelas doutrinas com la Ciudad Real de Guayrá.

Y dando la vuelta por el próprio caminho, prosseguir sua retirada, pelos mesmos montes e caminho que agora abrieron e seguem ao Brasil que empiesan de las labores que hicieron y le concluyen em dois meses de tempo, según relação de d. Juan Monjelos, hasta salir á unos campos y de ellos, en quarenta dias, é la villa de Sorocaba, capitania de São Vicente.

Y la tercera, bajando por el referido Anhemby y el Paraná, y tomando puerto á los quarentas dias, em el salto que llamam de Guayrá, machar por la costa dejando en el sus canoas..." (Ulrico Schmidl no Brasil quinhentista, 1941. Sociedade Hans Staden. Páginas 11 e 12) [0]

No Domingos de Ramos, 26 de março de 1553 - perto de Kariessaba
4 dias e noites - Defesa na mata, perto de Kariessaba
6 dias - atravessando matas
4 dias - Estada em Wiessache, perto do Rio Urquaie.[Página 66]

No trecho da viagem até o Assunguí, o Dr. Moura faz enveredar a caravana pelo caminho tomado, 10 anos antes, por Cabeza de Vaca com seu grande séquito. Sobre essa expedição, iniciada em 29 de novembro de 1541 na foz do Itapocú, próximo da atual freguesia de Paratí, no estado de Santa Catarina, e levada a bom termo a 11 de março de 1542 em Assunção, existem melhores informações, visto que os pilotos de Cabeza de Vaca determinaram no caminho as posições como em alto mar.

Assunção - Paraguai abaixo até a sua confluência com o Paraná - Paraná acima até a foz od Iguassú - margem direita do Iguassú até a altura do rio Cotegipe - passagem do Pequirí, Cantú e afluentes - através a Serra da Esperança - curso superior do Curumbatí - passagem do Ivaí na região de Terezina - rumo Sub-Oeste pelas cabeceiras do Tibagí até onde se desvia o caminho para Santa Catarina, o mesmo que Cabeza de Vaca veio subindo - para o Oeste, pelas matas do vale do Assungí - povoado dos bilreiros e Kariesseba - atravessando o caminho para Cananéa - deixando o vale do Assunguí, para o Oeste pelos campos de Faxina, Capão Bonito e Itapetininga até a região de São Miguel Arcanjo - encruzilhada do caminho que ligava Cananéa à região de Piratininga - pelos campos de Sarapuí e Sorocaba - Biesaio, mais tarde Maniçoba ou Japiuba, hoje Itú - ao longo do Tietê até a região do rio Jurubatuba - Santo André - São Vicente. [“Ulrico Schmidl no Brasil quinhentista”, 1942. Sociedade Hans Staden. Páginas 67 e 68]

Quanto à rota provável já dissemos o bastante à página 37 e segundo, onde tentamos também dar aos nomes Wiessache e Urquaie uma interpretação que caiba nos moldes desse itinerário. Subdividindo o trecho da foz do Tietê até Geribatiba na proporção dos valores indicados por Schmidl, o lugar Wiessache vem a ficar na região entre Tietê e Paranapanema. As matas "selvagens" ficariam, então, na serra diante de Botucatú, e o Urquaie viria a ser o Tietê, mais ou menos acima de Porto Martins.

Terminada a travessia, Schmidl indica a distância percorrida desde Assunção até São Vicente com 476 léguas. Esses valor parece muito alto, confrontando-o com outros valores encontrados na literatura.

Nos Documentos Interessantes, volume VI, à página 170, indica-se com 250 léguas a distância São Paulo - Iguatemí, 80 léguas a distância distância Iguatemí - Assunção, ao todo, portanto, 350 léguas. É preciso, porém, ter em vista que essas distâncias foram calculadas à base de outra unidade que foi a antiga "legôa" portuguesa de 6,1 kms, de sorte que as 330 léguas corresponderiam a 330x6,1 = 2013kms.

As léguas de Schmidl tinham apenas, 4,5 kms; portanto, as 476 léguas representam 476 x 4,4 - 2094 kms. A diferença de 2094 kms e 2013 kms são 81 kms, corresponde aproximadamente à distância São Paulo - São Vicente, não incluída no valor de confronto (São Paulo - Iguatemí - Assunção). [Páginas 71 e 72]

Erasmo Esquert [Página 81]

Ulrico Schmidl no Brasil quinhentista
Data: 01/01/1942 1942
Créditos / Fonte: Sociedade Hans Staden
Página 9

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Página 10

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