água e traziam-nos aos batéis”. Sem solicitação dos portugueses, espontaneamente os índios forneceramlhes água doce em cabaços; também tomavam barris, enchiam-nos de água e levavam-nos de volta aosbatéis: os índios voluntariamente participaram da aguada, “como se já estivessem habituados a praticaresse serviço, repetindo actos praticados anteriormente; o que demonstra que não era a primeira vez queviam homens brancos e naus.”9Cabral não reabasteceu a esquadra no Cabo Verde, ao que lhe seria imperioso proceder, a menosque o fizesse no Brasil: fê-lo neste, com cuja existência contava para a aguada, existência de seuconhecimento antes de lhe dar à costa. Por seu lado, os indígenas conheciam a precisão de água doce dafrota, o que só poderia resultar de contactos anteriores entre embarcações e eles.No domingo (26 de abril) os marinheiros em geral apearam para folgar. Um gaiteiro tocou suagaita e “meteu-se com eles [os índios] a dançar tomando-os pelas mãos, e eles folgavam e riam, a andavamcom ele mui bem ao som da gaita.”10 No dia subseqüente, todos desembarcaram para dessedentarem-seou fazer aguada; aproximaram-se índios que “[...] misturaram-se conosco; e abraçavam-nos e folgavam[...].”11Souberam os adventícios captar a simpatia dos autóctones, mercê da oferta de prendas e daausência de hostilidade, mas para quem (supostamente) se desconhecia, a receptividade dos índios, ocontubérnio entre uns e outros, o folguedo, exprimiriam a índole amistosa dos da terra, mas denuncioutambém amizade presumivelmente já entabulada entre eles e os portugueses em desembarques precedentes.
Em 1º de maio, celebrou-se a segunda missa, ao cabo da qual frei Henrique de Coimbra distribuiu cruzes de estanho que trazia Nicolau Coelho e “que lhe ficaram ainda da outra vinda.”12 “Ficaram” exprime sobraram.
Caminha não redigiu “outra viagem”, “outra navegação”, o que poderia aludir a expedições indeterminadas; empregou o vocábulo “vinda”, particípio passado de “vir”. “Outra” somente pode equivaler a precedente, anterior, antes da atual. “Outra vinda” equivale a “vinda anterior”. Nicolau Coelho distribuiu cruzes que lhe remanesceram de vinda precedente: ele estivera, já, no Brasil, e certamenteentrou em contacto com os indígenas. Por isto, agrupados alguns deles, no dia 23, Cabral enviou-o parair ter com eles, ele acenou-lhes e eles inteligiram-lhe os acenos.V- O regresso da nau de mantimentos.No domingo, 26 de abril, Cabral congregou seus capitães (também Caminha) e “perguntou assima todos se nos parecia ser bem mandar a nova do achamento desta terra a Vossa Alteza pelo navio dosmantimentos [...] e entre as muitas falas que no caso se fizeram, foi por todos ou a maior parte dito queseria muito bem e nisto concluíram”13.Um dos navios servia de despensa; foi despejado para regressar a Lisboa, como estafeta dasmissivas produzidas pelos capitães, Caminha e mestre João. Por velha, não a quiseram arriscar no mar docabo da Boa Esperança14 e, contra o costume de incendiarem as naus abandonadas, Cabral fê-la arrepiarcaminho.É inusitado, é estranhíssimo que ao aparelharem a esquadra, nela incluíssem navio velho e incapazde enfrentar a ida e o regresso da longa viagem; que aos organizadores da expedição minguasse sensatez(ou, quando menos, prudência) na seleção dos navios; que cedo, a menos de um terço do percurso, aquelaembarcação já se evidenciasse inapta para manter-se em navegação. Não escasseariam materiais, temponem artífices com que se construísse mais uma embarcação em condições de velejar a totalidade previstada viagem, em lugar de lançarem mão de uma em mau estado.Pondera Metzer Leone, quanto ao recambiamento do navio-despensa: (Página 4)