Viver e sobreviver em uma vila colonial: Sorocaba, séculos XVIII e XIX, 2001. Carlos de Almeida Prado Bacellar
2001. Há 23 anos
O pequeno povoado de Sorocaba surgiu, ainda no século XVII, como ponto de aglutinação rarefeita de anônimos povoadores, embrenhados no sertão da capitania vicentina. Sabe-se que a área era conhecida desde os primórdios da presença lusa no planalto de Piratininga, pois ali passa o então famoso caminho nativo do Peabiru ou Piabiju, que rumava do litoral para o Paraguai e o Guairá. Com certeza, aproveitado desde o século XVI por indivíduos anônimos cujos traços o tempo apagou, esse caminho facilitou as primeiras explorações dos vastos espaços interiores do Sudeste brasileiro.
Esse acesso facilitado permitiu que se identificassem, já na década de 1590, as jazidas de ferro no morro do Araçoiaba. Sua descoberta, atribuída a Afonso Sardinha, o moço, atraiu a entusiasmada presença do governador geral do Brasil, dom Francisco de Sousa, que, vindo de Salvador, levantou, em 1599, o pelourinho da vila de Nossa Senhora de Monte Serrate, em Ipanema. Embora a exploração mineral e o projeto de vila não tenham vingado, há razoáveis pistas de que a presença dos povoadores, efetivos ou temporários, tornou-se constante desde então.
Outra vez dom Francisco de Sousa encarregou-se de erigir nova vila, em 1609, no lugar denominado Itavovu, trazendo consigo povoadores e praticamente promovendo a extinção do primeiro núcleo, de Ipanema. Embora não se saiba maiores detalhes sobre essas duas povoações, há indícios de que esta segunda tentativa chegou a ser efetivada sob a denominação de São Filipe, em homenagem ao monarca da União Ibérica. De qualquer maneira, tais vilas não progrediram. Instaladas em meio ao vasto sertão, por demais afastadas das zonas de efetivo povoamento, permaneceram, sem contar, ao menos, com a instalação de uma câmara ou de uma paróquia.
O fracasso da consolidação desses primeiros núcleos urbanos não significou, contudo, que a região tenha deixado de receber novos contingentes populacionais. O progressivo incremento da exploração do sertão promoveu, embora em ritmo evidentemente lento, a expansão da frente de colonização informal e anônima durante toda a primeira metade do século XVII.
A terceira e efetiva criação da vila de Sorocaba, em 3 de março de 1661, vinha ao encontro dos grande projetos da Coroa Portuguesa para a bacia do Prata. Tomava-se cada vez mais premente a necessidade de acessar, por via terrestre, os imensos territórios existentes entre São Paulo e as terras de Castela, ao sul. Num primeiro momento, buscou-se incorporar aos domínios lusos os chamados Campos Gerais, no atual estado do Paraná, que, desde princípios do século XVII, vinham se estruturando como fornecedores de gado.
Coincidentemente, o início do povoamento da região de Curitiba, nas décadas de 1650 e 1660, foi praticamente simultâneo à ereção de Sorocaba. Sesmarias foram concedidas nas duas áreas, buscando consolidar o povoamento e garantir que o gado fosse convenientemente explorado. O sul paulista principiava a tornar-se atrativo, e Sorocaba a ser alvo de migrantes em busca de novas oportunidades. [Páginas 21 e 22]
No mais, a falta de maiores notícias é total. As fontes laicas e religiosas renascentes se calam a respeito, desinteressadas em contabilizar as almas naquele vasto sertão. Mas, de fato, houve a consolidação da vila, que se expandiu e, cerca de um século mais tarde, em 1767, contava com 1.066 fogos, distribuídos pelos seguintes bairros, confirma lista nominativa desse ano:
Vila Rio Asima thé Itapeba Morros Campo Verde Ahú ahiba Rio abaicho da ponte Ipanema Itangoa Birasoyaba Iperó Pirapora Boa Vista thé Pirajubi Alambary thé Sarapuhy Itapetininga Freguezia das Minas de Paranapanema. (Página 29)
As viúvas tocavam sua vida, portanto, à medida do possível. Nem sempre tinham sorte, e podiam passar sérias dificuldades. Benta Barbosa, viúva, 75 anos, apesar de ter filhos e agregados a sua volta, declarava, em 1772, que “Nada pode colher por não ter quem planete, vivem de fiar algodão e fazer louças”.
Já Quitéria de Quevedo, viúva de apenas 42 anos, apesar dos cinco filhos adolescentes, declarou que “não possue morada de casas e vive de esmolas”, enquanto Rita da Silva, 30 anos, embora figurasse como mãe viúva de dois rapazes (16 e 15 anos) e uma menina (4 anos), também declarou que “vive de esmolas, e de fiar fio de algodão”. (Página 59)
Em 1810, a participação de mulheres na chefia crescera substancialmente no meio urbano; no 1a. Companhia, agora discriminada em seus diversos bairros, tem-se uma visão bem mais detalhada da distribuição espacial do fenômeno: