c | Arreóda - Sorocaba dos velhos tempos |
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| 6 de outubro de 1951, sábado. Há 73 anos |
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| | | mpoóSOROCABAantiga, iluminada a querosene. São vinte e três horas. Naqueles tempos, isto que vamos narrar, valendo-nos das palavras do amigo Bernardo Ferraz de Almeida, era uma temeridade.
É que, às 21 horas, — nove horas da noite dos antigos tempos — o sino da matriz tocava a silêncio. O velho carcereiro, saindo à porta da cadeia, bradava a plenos pulmões, uma palavra que era como que um decreto oral de mutismo para a cidade: ARRECOÍDA!...
E o éco da "arrecoida" repercutia, sinistramente, de ponta a ponto da velha Sorocaba. O silêncio era total. Somente a ronda começava a vigília ambulante pelas ruas modestas, mas já famosas, da cidade. A molecada não esperava os rondantes. Ao bater do sino, espavoridos, os moleques procuravam seus lares.
Na cadeia ficava apenas um soldado já muito velho, a montar guarda. De tantos em tantos minutos, de acordo com o badalar de um relógio, o setuagenário militar abandonava a porta e, de "riúna" em punho, ia até à esquina onde terminava o edifício da prisão, e bradava dali: "A guarda!".
Depois voltava ao posto, à missão que lhe cumpria: — sentinela na porta principal.A severidade no horário de recolher só era relaxada nos dias de função, — circo na cidade, espetáculos de alguma companhia teatrais, festa religiosa e cousas semelhantes.
Mas, despedindo-se os artistas, passados os dias de fervor religioso, tudo voltava ao regime de silêncio anterior. Mas, como dizíamos, isto de perambular pelas ruas de Sorocaba, depois das nove horas da noite, era temeridade.
E havia tanta "assombração"! Cada rua, cada beco, tinha a sua própria h:stória.Aqui, era um frade que costumava aparecer à meia-noite, metidona estamenha escura, capuz à cabeça, flutuando no ar, à procurados pecadores para a confissão; ali, uma virgem — sombra diáfana, vaporosa, de véus brancos, noiva do "outro mundo" que voltava à terra para cumprir promessas esquecidas em vida; maisalém, horripilante cavalo "sem cabeça", terror dos meninos e dasmulheres supersticisas.
E as histórias que ornamentavam as aparições eram de arrepiar ate ao ultimo e intimorato fio de cabelo de algum respeitável careca da cidade heróica.Mas, mesmo assim, havia sempre um mais corajoso, um UD.Juan" capaz de arriscar-se em andanças pela noite a dentro. Uma aventura amorosa, sendo bem sucedida, não compensa o sacrifício?E aí está o motivo de, às 23 horas, na rua da Penha, alguém que. por ali passava, ter ficado apaixonado por certa donzela que, àquelas horas, permanecia desassombradamente à janela de sua casa.
O herói motivado, desobediente às badaladas do sino e aos berros estentóricos de "Arrecoida!", passou pela calçada, olhou a formosa criatura e chegou à esquina. Tornou a voltar, olhou-a e parou por uns minutos na esquina oposta. Fêz a manobra várias vêzes. Queria certificar-se de que ela lhe prestava atenção.
Certo de que a beldade o acompanhava com o olhar, retornou mais uma vez e, enchendo-se de coragem, parou diante dela e perguntou com a voz alterada pela emoção:
- Posso entrar? - Pois não, cavalheiro!
Havia um portãozinho ao lado, entrada para longo corredor. Ao fundo, pela porta mal cerrada, filtrava uma réstea de luz. O conqustador entrou, triunfal na cidadela que se rendia. Forçou, de mansinho, a porta, mas... oh!...
Sabem o que havia a esperá-lo? Um respeitabilíssimo defunto, e, infelizmente para o nosso catador de amores, a "guarda" era fraca. Para fazer número, ou não fazer feio, uma vez que sua saída brusca seria notada, lá se ficou durante várias horas, no guarda- mento ao ilustre amigo desconhecido, pelo qual, de certo fingiu derramar uma lágrima furtiva, mais de ódio do que de saudade.
Mas, o que não pudemos saber até hoje, é se a jovem da janela estaria a distrair o espírito atribulado, ou intencionadamente, temendo que o defunto passasse a noite sozinho, se postasse ali, a servir de isca, atraindo "voluntários" para o velório.; | |
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