em 169.204.000 réis 148 . Por fim a producao do mate adquiriu tamanho vulto que no presente alcanca anualmente 300 ou 400 mil arrobas.
Depois de assistir a fabricação do mate, deixei a fazenda da Borda do Campo. Logo penetramos em matas onde predomina a araucaria e onde encontramos alguns profundos atoleiros aos quais o meu guia não deu grande atenção. Com efeito, isso nada era, comparado com o que iríamos enfrentar mais tarde.
Logo começaremos a subida, e pouco depois a araucaria deixou de figurar na paisa- gem. Isso prova que essa arvore, amiga de climas moderados, teme as temperaturas muito baixas. Ela 6 encontrada nos arredores do Rio de Janeiro, nos cumes mais altos da Serra da Estrela, cuja temperatura media corresponde provavelmente a de Curitiba ou dos Campos Gerais, e desaparece no sopé da Serra de Paranagua.
Quando comecamos a subir a serra o caminho mostrou-se razoavel, a princípio. Viamos matas de todos os lados, e até o lugar onde fizemos alto, andamos continuamente dentro delas.
O primeiro trecho dificil que encontramos tern o nome de Pao-de-L6. Ncssc local o caminho e coberto por grandes pedras arrcdondadas e o seu declivc c muito accntuado, de vez em quando as bestas de carga sao for^adas a dar saltos assustadores para o viajante que nunca passsou por essa serra.
O caminho volta a se tornar apresentavel até o lugar chamado Boa Vista, por se descortinar dali uma grande parte da planfcie que se percorre antes de chegar a Serra. Perto de Boa Vista o caminho e cavado na propria montanha, numa profundidade dc quasc 4 metros, apresentando uma passagem muito estreita, por onde os burros avan- cam esbarrando com suas cargas nos barrancos, a direita e a esquerda. Logo adiante apa- rece a nossa frente um dos picos mais elevados da Serra, denominado Marumbi, cujos flancos, talhados quase verticalmente, mostram cm varios trechos apenas a rocha nua.
A estrada vai-se tornando cada vez mais difícil; em certos lugares elac cavada na montanha a uma profundidade considerável, tem pequena largura e é coberta pel a tblhagcm das arvores, que se entrelaçam no alto e privam o viajante da luz do dia.
Em outros trechos são os atoleiros que surgem, e é com grande dificuldade que os burros se livram deles; finalmente ha bruscos desni´veis no terreno, que obrigam os animais a dar grandes saltos. Em vários lugares foram colocadas algumas achas de madeira sobre os atoleiros, mas os animais escorregam ao pisar sobre as suas superffcies arrcdondadas e molhadas. correndo o risco de cair a todo momento.
veneravel bispo do Rio de Janeiro, Jose Cactano da Silva Coutinho , desejando visitar toda a sua imensa diocese, viu-se forcado a passar por essa estrada horrível. Alguns homens, provavelmente requisitados cntre os ordenancas, reccberam a incumbencia de transporta-lo numa rede, revczando-se nesse traballio. O bispo ouviu um deles quei\ar-se da sua carga em termos grandemente desrespeitosos (aquele desgracado pesa muito); ele imediatamente fez parar a marcha c, scm uma linica palavra de censura, passou a inao niim bastao e desceu a pc5 o resto do caminho. Esse caso nao se relaciona propriamente com a minha viagem, mas nao pude deixar passar essa oportunidade de prestar mais uma homenagem a um prelado que honrou a sua cúria por suas virtudes e sua sabedoria, cujos atos de bondade não se apagaram da minha memória e que, amigo entusiástico do Brasil, se deleitava em conversar comigo sobre as regiões que ambos tínhamos percorrido.
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A parte pior do caminho e onde comeca a descida, e que tem o nome de encadeado. O declive e abrupto demais, os ramos das arvores se estendem por sobre o caminho, esca- vado na montanha, tornando-o muito sombrio, e o chao e forrado de pedras grandes e escorregadias, o que as vezes obriga os burros a acelerarem o passo. Eu nao me cansava admirar dos inicialmente para fazerem a travessia da serra sem nenhuma carga no lombo, em segui- da levando apenas a cangalha e, finalmente, transportando a carga. Muitos morrem nos primeiros treinos, mas depois que a travessia foi feita muitas vezes os ammais nao encon- tram nenhuma dificuldade em enfrentar os obstaculos que o caminho apresenta a todo momento. Eles sabem escolher, com uma sagacidade extraordinaria, os lugares onde po- dem colocar os pes com mais seguranca. Tinhamos levado quase oito horas para percorrer 3 leguas. Meu guia afirmou-me que nos seriaimpossivel alcancar as habitacoes mais proximas antes do fim do dia. Resolvi, pois passar a noite no meio da mata; em vista disso, paramos num lugar denominado Pinheirinho, onde parece que os viajantes costumam abrigar-se. A direita elevavam-se picos inacessiveis e cobertos de matas, a esquerda, arvores gigantescas e de urn verde rama barulho era ouvido de longe.
Tao logo foi descarregada a minha bagagem,a chuva comecou a cair. Afligi-me ao pensar nas minhas colecoes, mas Manuel e o meu guia tomaram algumas medidas que Iogo dissiparam os meus receios. Colocaram as minhas canastras sobre algumas varas estendidas no chão e fizeram acima delas uma armação com paus e varas de bambu, estendendo finalmente por cima os couros que serviam para proteger a carga dos burros. Minha cama foi arrumada em cima das canastras e a bagagem miúda colocada ao meu lado, e ainda sobrou espaço no abrigo para Laruotte e José.
Nao choveu durante a noite, mas tao logo o sol apareceu o tempo se tornou nubia- do e choveu quase o dia todo. A descida continua até o lugar chamado Porto, e embora o declive já não seja tão acentuado o caminho se mantém tão ruim quanto antes.
Ao chegar ao Porto eu me vi em outra atmosfera. O ar era pesado e o calor muito mais forte do que nos arredo.es de Curitiba 150 e nos Campos Gerais. Eu na~o me achava mais no planalto, nem na serra, e sim nas proximidades do litoral, onde a temperature dos tro- nicos ainda chega a uma parte do sul. O clima tinha mudado, e a vegetacao devena forco- samente mudar tamWm. Com efeito, voltei a ver, de repente, as plantas cultivadas nas nas regiões mais quentes do Brasil. Em lugar dos pessegueiros que cercam as habitações do distrito de Curitiba distrito de Curitiba, sao as bananeiras que abrem suas largas folhas sobre as casas do Porto e encontrei algumas criancas carregando cana-de-acucar. Se, pois, o chma de Cun- tiba e muito temperado, embora essa cidade esteja situada num paralelo bem mais meridional que o do Porto, se as plantas européias se adaptam ali com tanta facilidade, se ali as geadas matam os cafeeiros, as bananeiras e a cana-de-açucar, não há dúvida de que a causa principal disso tudo seja a altitude do lugar.Nao creio, entretanto, que a distancia do Equador nao possa ser responsabilizada tambem pela temperatura reinante na regiao que se estende entre Itu e Curitiba, pois quanto mais nos aproximamos dessa ultima cidade, ou, melhor dizendo, do Sul, mais frio se torn a o clima. Os cafeeiros, como ja* expliquei, nao se estendem muito além de Sorocaba, Itapetininga marca praticamente o limite da cana-de-acucar, Itapeva o das bananeiras e, finalmente, a Serra das Furnas o do algodao e do abacaxi.Se unicamente a altitude influisse no clima, as plantas tropicais que crescem acima da Serra das Furnas deveriam, com mais razao, crescer abaixo dela, pois ocorre ai urn rebaixamento do solo. No entanto, 6 o contrario que ocorre. E no Porto que se veem as primeiras habitacoes; por ali passa também o Rio de Cu- batao, que eu ja tinha visto ao descer a Serra, onde ele nasce. Para ir a Paranagua, embarcava-se antigamente no Porto. Mas como existam corredeiras entre esse lugarejo e o arraial de Morretes - hoje cidade - a época da minha viagen^era nesse arraial que se faziam os embarques. O Porto tinha perdido sua primitiva finalidade, mas conservava ainda o nome que lhe dera a sua antiga funcao. E encantadora a vista que podemos descortinar a saida do lugarejo, se olharmos para tras. Vemos as montanhas cobertas de matas que acabamos de atravessar, no sopé da serra tica o aglomerado de casinhas do lugarejo, rodeadas de arvores copadas, e diante delas o Rio do Cubatão, que € bastante largo e deslisa celeremente sobre um leito coberto de seixos.
No Porto comeca uma planicie pantanosa que tern o nome de Vargem, como todas as planicies desse tipo, e que causa tanto temor aos tropeiros quanto a propria Serra. Essa planicie coberta de mata nao passa, toda ela, de um extenso brejo, e e com grande dificuldade que os burros se safam dos fundos atoleiros onde caem a todo momento.
De um modo geral o caminho e bastante largo e vai margeando o rio, mas em certos trechos temos de nos esgueirar por entre as arvores, pouco espacadas umas das outras, o que faz com que as cargas dos burros se choquem contra elas a todo instante.
Parei no arraial de Morretes, situado em aprazivel local, a beira do Rio de Cubatão. O capitao-mor de Curitiba mandara avisar ao comandante do lugar sobre a minha chegada, e ele me arranjara uma casa. Logo que me instalei, recebi sua visita, e pouco depois ele enviou um miliciano para montar guarda a minha porta, mas eu o dispensei, como havia feito com o de Curitiba.
Morretes 151 era primitivamente um vilarejo subordinado ao distjito da pequena cidade de Antonina, da qual dista cerca de 2 leguas 152 . Quando por ali passei nao fazia mais de oito anos que o lugar havia sido elevado a sede de uma paroquia, a qual, segundo me declarou o vigario, contava com cerca de mil fieis. Os habitantes da regiao, em sua maior parte mesticos de mdios, de brancos e de mulatos, assassinavam seus semelhantes