“Itaquaquecetuba em tempos coloniais: a função social do aldeamento de Nossa Senhora da Ajuda na ocupação do planalto da Capitania de São Vicente (1560-1640)”. Diana Magna da Costa - 01/01/2021 de ( registros)
“Itaquaquecetuba em tempos coloniais: a função social do aldeamento de Nossa Senhora da Ajuda na ocupação do planalto da Capitania de São Vicente (1560-1640)”. Diana Magna da Costa
2021. Há 3 anos
RESUMO
Este trabalho propõe o estudo da função social do aldeamento de Nossa Senhora d´Ajuda, em Itaquaquecetuba, ao longo do processo de ocupação territorial do planalto da Capitania de São Vicente entre 1560 e 1640.
Este aldeamento, cuja fundação é comumente atribuída às peregrinações missionárias de José de Anchieta no ano de 1560, teria sofrido transformações significativas na virada do século, até ser transferido à posse da Companhia de Jesus por ocasião do falecimento de seu construtor, padre João Álvares, cujas menções na documentação, segundo a bibliografia, desaparecem aproximadamente em 1640.
Pertencendo ao termo da vila de Sant´Anna de Mogi das Cruzes após sua fundação em 1611, teve sua capela erguida na fazenda de Taquaquicetiba , propriedade do padre João Álvares, membro ativo do clero secular, cuja atuação nos aldeamentos da região sedestacou num contexto de auge das expedições bandeirantes. Sob a administração pessoal deste padre no período de tentativa de implementação de uma política de integração econômica - iniciativa metropolitana representada pela atuação do governador geral D. Francisco de Sousa na vila de São Paulo -, este aldeamento tornou-se um núcleo de indígenas“administrados” por este padre e, posteriormente, pela Companhia de Jesus.Neste sentido, considerando os chamados aldeamentos como uma estratégiaalternativa para assimilação dos nativos e o efetivo controle social da mão de obra indígenano planalto, esta pesquisa busca compreender o papel do aldeamento de Nossa Senhorad´Ajuda para a organização social dos colonos na região. Problematizando a relação entreclero secular e clero regular neste contexto de disputas e também os impactos de suasatuações no processo de escravização indígena.Palavras - chaves: Indígenas, Bandeirantismo, aldeamento Nossa Senhora d´Ajuda,Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Guarulhos, História de São Paulo Colonial. (Página 9)
os lugares comuns característicos de uma produção intelectual que privilegiava a história deindivíduos de destaque na vida política, social e econômica da cidade, em detrimento dasdemais categorias sociais ativas nos processos históricos. A ausência de pesquisas em históriaregional que tomassem por objeto de estudos este território também prejudicou a construçãode conhecimento histórico mais aprofundado sobre as cidades da região.Neste sentido, tomamos por objeto de estudos o aldeamento de Nossa Senhorad´Ajuda, buscando compreender a sua função social no processo de ocupação do planalto daCapitania de São Vicente, no período entre 1560 e 1640. Consideramos, em nossa abordagem,que para pensarmos a história da cidade de Itaquaquecetuba precisamos pensar em conjunto ahistória das demais cidades que se constituíram na região do Alto Tietê. Isso porque, noperíodo colonial, este território conhecido como região de Serra Acima não se definia pelosmarcos fronteiriços que conhecemos na atualidade. Logo, um estudo sobre a função social doaldeamento de Nossa Senhora d´Ajuda pode apresentar relevante contribuição para acompreensão do processo de ocupação colonial das demais cidades da região.É importante lembrar que os primeiros a ocuparem esta região foram os gruposindígenas, alvos do projeto missionário e da escravidão desde os primórdios da colonizaçãoportuguesa na América 12. Com a implantação da política sesmarial pelo Império Português, jáem fins do século XVI observamos a concessão de terras na região para o aldeamento real deSão Miguel Arcanjo, administrado pelos missionários jesuítas, seguida de uma política deconcessão de terras para colonos particulares que, no século XVII, favoreceu a ocupaçãocolonial nas regiões de assentamento dos índios de Boigi e dos índios Guarulhos 13, rio acimae abaixo do Tietê. Os colonos provinham de vários lugares, desde proprietários já assentadosna vila de São Paulo, como pessoas identificadas na condição de moradoras de Santos, daCapitania de São Vicente ou mesmo residentes na região de Mogi.O processo de ocupação territorial da região que se seguiu no século XVII, com afundação da vila de Sant´Anna de Mogi das Cruzes, em 1611, foi primordial para a alteraçãoefetiva da dinâmica social dos grupos nativos, integrados à uma nova realidade que não lhespermitiu a manutenção de seus modos de vida originários nem de sua liberdade. Nesteperíodo, os aldeamentos de São Miguel Arcanjo, Nossa Senhora d´Ajuda, Nossa Senhora da12 Ver PRÉZIA, B. Os Tupi de Piratininga: acolhida, resistência e colaboração. 2008. Tese (Doutorado emCiências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.; e Os indígenas do planaltoPaulista nas crônicas quinhentistas e seiscentistas. São Paulo: Humanitas. 2000.13 Como veremos no capítulo 2, estas são as referências constantes nos documentos administrativos sobre osindígenas que estavam assentados nos territórios circundados para além do Anhemby (Tietê), nas paragens dosertão. (Página 16)
Conceição dos Guarulhos e Nossa Senhora da Escada já eram mencionados pelas autoridadescoloniais e o fluxo de colonos em circulação na região era intenso 14.Pela complexidade do processo de ocupação colonial da região, a delimitaçãoregional não pode se restringir apenas à fazenda do padre João Alvares, onde se localizava oaldeamento, mas se estendeu pelo seu entorno, abarcando as propriedades particularesvizinhas, rio acima e rio abaixo, compreendidas nos termos das vilas de São Paulo e Mogi. Damesma forma, o recorte temporal inicialmente estabelecido, definido a partir das indicaçõesde ano de fundação do aldeamento (1560) e o ano de sua transferência por ocasião dofalecimento do padre João Alvares (1640), foi extrapolado pela análise das fontes que nosindicaram a presença de João Alvares na documentação, ainda vivo, até 1653.Partimos, inicialmente, das coleções das cartas jesuíticas publicadas, para avaliarduas questões específicas: a origem do aldeamento e as denúncias do envolvimento do padreJoão Alvares com a escravidão indígena. As cartas de sesmarias e datas de chão nospermitiram realizar o levantamento dos beneficiários de terras da região e a localizaçãoaproximada de suas propriedades, através da indicação dos rios e de outras propriedadesparticulares para a demarcação. Através dos testamentos e inventários destes beneficiários,avaliamos as atividades produtivas, o beneficiamento da terra e o emprego da mão de obraindígena escravizada. Pelos documentos administrativos produzidos pelas vilas de São Pauloe Mogi, mapeamos a atuação desses colonos na vida pública, assim como as referências aosconflitos entre os colonos, jesuítas e os grupos indígenas que permaneciam assentados nesteterritório. Para além disso, analisamos algumas fontes que não estavam arroladas no projetoinicial, como alguns testamentos e inventários da vila de Taubaté, correspondentes àbeneficiários de terras nas paragens de Mogi e Guarulhos, e o Livro de Tombo do MosteiroSão Bento de São Paulo, onde encontramos cartas de doação e compra e venda de terrasdestinadas à ordem, nas áreas limítrofes da sesmaria da capela de Nossa Senhora d´Ajuda.Parte considerável das fontes consultadas já estavam transcritas e publicadas, oque foi um fator de facilitação de acesso neste período de pandemia. Entretanto, temosconhecimento da existência de documentos do período colonial espalhados por diversosacervos, públicos e privados, com os quais não conseguimos estabelecer contato. Instituiçõesde guarda, públicas e privadas, como o Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP),Arquivo Histórico Municipal de São Paulo (AHMSP), Arquivo Histórico Municipal“Professor Isaac Grinberg” em Mogi das Cruzes, a Biblioteca do Patteo do Colégio em São14 Ver DIAS, M. M. História Colonial de Mogi das Cruzes: elites e formação da vila. 1º edição. Mogi dasCruzes, São Paulo: Oriom editora. 2010. (Página 17)
1.1. As histórias de ItaquaquecetubaO que nos conta a narrativa oficial 15 sobre a origem da cidade de Itaquaquecetubaremonta a meados de 1560, quando o padre jesuíta José de Anchieta, de passagem pela região,teria fundado o aldeamento de Nossa Senhora d´Ajuda, à margem direita do rio Tietê, para acatequese dos ditos índios guaianase que aqui habitavam. Segundo a tradição, estealdeamento faria parte dos doze núcleos de catequese fundados por Anchieta neste mesmoano, como São Miguel Arcanjo e Nossa Senhora dos Pinheiros 16. No início do século XVII,um tal padre João Álvares, morador de Mogi, recebera sesmaria na região, construindo umoratório em louvor à Nossa Senhora d´Ajuda que se transformaria na capela e,posteriormente, na igreja matriz da cidade. A data de construção da capela atribuída ao ano de1624 é considerada como o marco inicial da povoação da futura cidade 17.Esta versão da história adotada pelas instituições municipais expressa nitidamentea busca por um mito fundador, que corrobore a ancianidade da origem da cidade, o que écomum de se encontrar nas narrativas oficiais sobre a fundação de outros municípios namesma região do Alto Tietê, assim como na produção historiográfica sobre a história de SãoPaulo. 18Ao longo do século XX e início do XXI, a produção sobre a história da cidadeesteve restrita ao âmbito da história local, visto que os autores que escreveram sobre a históriade São Paulo dedicaram à Itaquaquecetuba linhas anedóticas, numa abordagem secundáriasobre o período colonial da cidade, como veremos no tópico seguinte.No decorrer da pesquisa, identificamos que não houve uma produção extensiva detrabalhos, por autores locais, sobre a história de Itaquaquecetuba no início do século XX,como se percebeu para outras cidades no mesmo período. Pela nossa análise, isto se deve aofato de o atual município de Itaquaquecetuba ter pertencido à jurisdição de Mogi das Cruzes,15 Histórico da cidade. Câmara Municipal de Itaquaquecetuba. Disponível em:. Acesso em: 06de Março 2020, 16h43.16 MONTEIRO, J. M. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhiada Letras. 1994. p. 43.17 Livro do Tombo Nossa Senhora d´Ajuda: 1916 até o ano corrente. [transcrição p. 02 - 04] In: FRADE,Gabriel [Org.]. Antigos aldeamentos jesuíticos: a Companhia de Jesus e os aldeamentos indígenas. São Paulo:edições Loyola. 2016. Anexo VI, p. 230-231.18 DIAS, Op. cit., p. 25-47. (Página 19)
Este último teria alcançado o apogeu de sua prosperidade com a desorganização doaldeamento de Itaquaquecetuba, quando por ordem régia os indígenas teriam sido transferidosde lá para o aldeamento de São Miguel.
Para a autora, amparada na obra de Machado de Oliveira (MACHADO DE OLIVEIRA, J. J. "Notícia raciocinada sobre as aldeias de índios da província de São Paulo", RIHGB,8, 1846), o fator explicativo para o desaparecimento do aldeamento de Itaquaquecetuba seria a epidemia de varíola de 1563 que teria dizimado não só os indígenas desta região como também de outros núcleos de aldeamentos indígenas de São Paulo. Segundo Marcílio, este aldeamento fundado em 1564 com uma concentração de indígenas Guaianase , teria desaparecido ao longo do século XVII,ressurgindo ao longo do século XVIII sob a jurisdição da vila de Sant´Anna de Mogi das Cruzes (MARCÍLIO, Op. cit. p. 42).
O que Marcílio não considerou em sua análise é que João Álvares, padre secular e sesmeiro na região, já figurava como morador de Mogi das Cruzes e atuava no cumprimento de funções eclesiásticas entre as vilas de Mogi e São Paulo desde o início do século XVII, quando acompanhou a expedição de Nicolau Barreto na condição de capelão de bandeira (FRANCO, F. de A. C. Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil. Séculos XVI, XVII e XVIII. São Paulo: Comissão do IV Centenário. 1954. p. 359.).
Ainda que este padre não tenha solicitado as terras na localização de sua morada,é possível supor que o núcleo de Itaquaquecetuba permanecesse ocupado por um contingenterazoável de indígenas para justificar a construção de uma capela em 1624. Mesmo porque, nasegunda metade do século XVII, temos notícias das atividades de padre Belchior de Pontes na“Capella da Aldêa de Taqucacocetyba ” onde realizou casamentos, confissões e mediouconflitos entre os moradores e principais da região. 56A terceira e última hipótese atribui a fundação do aldeamento ao padre secularJoão Álvares. Pedro Abib Neto, professor e advogado da cidade de Mogi das Cruzes,distinguindo o termo Capella como um instituto do direito positivo português, que“incorporava doação de terras ao patrimônio privado do capelão ou capelanatário (...) oneradode encargo pio ou religioso 57”, afirmou a existência de uma Aldeia d´el Rey e uma Capella naregião de Itaquaquecetuba.53 MACHADO DE OLIVEIRA, J. J. "Notícia raciocinada sobre as aldeias de índios da província de São Paulo",RIHGB,8, 184654 MARCÍLIO, Op. cit. p. 42.55 FRANCO, F. de A. C. Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil. Séculos XVI, XVII e XVIII. SãoPaulo: Comissão do IV Centenário. 1954. p. 359.56 FONSECA, M. da. Vida do Venerável Belchior de Pontes da Companhia de Jesus da Província do Brasil. 2.ed. São Paulo: Melhoramentos. Capítulo XXIII: “Varios successos na Aldêa de Taquacôcetyba”.57 NETO, A. “Capella ou Capellanato e Aldeia d´el Rey” in: BOYGI. Cadernos da Divisão do Arquivo Históricoe Pedagógico Municipal. Nº 01, ano I. Secretaria Municipal de Educação e Cultura – Prefeitura Municipal deMogi das Cruzes: 1988. p. 03. (Página 27)
de sua majestade. Ainda que obtivessem alguns privilégios em relação aos índios apresadosou aos escravizados vindos de África, estavam igualmente suscetíveis à submissão dotrabalho compulsório e às violências características do regime da escravidão.Mas um movimento diferente ocorreu com a promulgação da Carta de Lei aos 10 de setembro de 1611. Na contramão dos regimentos anteriores, esta lei determinou que poderiam ser nomeados como capitães das aldeias homens na condição de padres seculares,casados, de boa vida e costumes, podendo ocupar o dito cargo por um período de três anos, mas não só. A Companhia de Jesus perdeu seu privilégio de administração da assistênciaespiritual nas aldeias, sendo requerido por esta lei que cada aldeia tivesse igreja, com um curaou vigário, de preferência clérigo português, que soubesse a língua nativa. E só em faltadestes os padres da companhia poderiam assumir a administração das aldeias. Isto indica quea mudança de intermediários no controle da mão de obra indígena respondia a uma conjunturaespecífica onde, para a manutenção do projeto colonial, a coroa deliberou em favor dosinteresses dos colonos em detrimento do ideal primordial da salvação das almas do gentio daterra.As considerações sobre esta lei são importantes para esta pesquisa pelo fato deeste período registrar uma intensificação das solicitações de terras no caminho de São Paulopara Mogi, que passa pela região de Itaqua; a construção de novas igrejas nos aldeamentoslocalizados em São Miguel, Itaqua e Guarulhos e a fundação do aldeamento de NossaSenhora da Escada, em Guararema; pela ocorrência do processo de deslocamento dosindígenas entre Itaquaquecetuba e São Miguel e a mobilização desses contingentes aldeadosem São Paulo para a defesa dos domínios coloniais. Neste contexto se destaca também aatuação de João Alvares, que não só atuou cumprindo suas funções eclesiásticas, mas tambémfoi beneficiário de terras na região onde, em 1624, construiria a capela e manteria seus índiosadministrados.A breve análise da política indigenista apresentada nos permite desconstruirimagens e representações conformadas por repetição através de versões historiográficasapropriadas, reiteradas e consolidadas pelos manuais didáticos, que ainda persistem comoprincipal referência para o estudo da história do Brasil. A primeira delas é a afirmação equivocada sobre a substituição da mão de obra dos escravizados indígenas pelos escravizados africanos na América Portuguesa. Assim como afirmam João Pacheco de [Página 48]
vezes favorável aos suplicantes.Nas cartas de sesmarias analisadas para esta pesquisa, observamos concessões quevariaram da meia légua à seis léguas de terra, algumas cartas pagas pelos suplicantes e outrasnão. Mas a maioria das concessões eram de meia a uma légua de terras. Os referenciais para ademarcação se afirmavam, essencialmente, nas toponímias indígenas, nas demarcações deoutras propriedades particulares, em elementos da geografia local, ou mesmo numa referênciadireta aos locais de ocupação indígena na região. A falta de precisão dos referenciaisindicados dificulta o trabalho de identificação dos territórios abarcados neste processo deexpansão da ocupação colonial. Como bem pontuou Glezer:O domínio do espaço estava totalmente ligado à visão, à vivência, à experiência dosmoradores. As distâncias eram vagas, os referenciais eram acidentes geográficos,pessoas naturais, corporações militares e religiosas. Um mundo restrito e conhecido,comum a todos os habitantes que não precisavam cercar seus bens.130Mas há um elemento comum nessas cartas. Observamos que a maior parte dassolicitações citam em suas demarcações o rio como referência principal, complementada poruma referência secundária, que pode ser a menção à uma vegetação característica daquelelocal ou à propriedade de um outro morador. Mesmo os suplicantes que apresentavamexclusivamente referência à um outro morador da região, indicavam uma propriedade cujasconfrontações seguiam o caminho de um ribeiro ou um rio. Por esta razão, tomamos os rioscomo principal referência para a identificação dos caminhos e propriedades particularescitadas nas cartas. Ao menos a identificação dos rios nos fornece uma informação aproximada da localização dessas propriedades na vastidão dos sertões.
A partir da análise de 67 cartas de sesmarias - que correspondem à concessão de terras na região do entorno da fazenda do padre João Álvares -, foi possível elaborar uma tabela que espelha a ocorrência das toponímias por carta, o que nos permite observar alguns dados importantes.
A toponímia mais citada nas cartas foi Mogi Mirim 132, utilizada para referir-se à vila de Mogi, às paragens da região de Mogi ou ao povoado. O que significa que nas 28 cartas onde a toponímia foi citada temos pessoas que moravam em Mogi, solicitando terras nesta mesma região ou em outras paragens, ou mesmo solicitações de terras no povoado nascente ou nos termos da vila já estabelecida. A segunda toponímia mais citada nas cartas foi o rio Anhemby ou Anhambi , a partir do século XVIII conhecido como rio Tietê, utilizado como principal referência para a demarcação das terras solicitadas pelos colonos.
As demais toponímias aparecem em menor recorrência, o que pode nos indicar um movimento de dispersão das propriedades pela região. Mas é importante nos atentarmos ao fato de que temos 16 rios ou ribeiros mencionados nas cartas, para além do Anhemby , que norteiam esse processo de ocupação territorial. Alguns deles, no caso os rios Guaió, Jaguari, Juqueri e Cabuçu , são afluentes ou tributários do rio Tietê (Anhemby) que neste contexto se projetou como veículo de comunicação central por entre esses territórios, articulando os espaços do litoral, do planalto e do sertão, e permitindo a circulação dos grupos indígenas e dos colonos.
Ainda que alguns autores clássicos da historiografia paulista, como Alfredo Ellis Júnior e Sergio Buarque de Holanda, em suas análises discordassem da preferência dos sertanistas pelos caminhos fluviais aos caminhos terrestres 133, a análise das cartas de sesmarias nos permite entrever que os rios não só serviram como referenciais de localização para a demarcação da propriedade como também as terras em torno dos rios eram as mais almejadas pelos colonos. Nas palavras de Vilardaga:
O rio Anhembi e seus afluentes garantiriam alimento, água e formas de circulação. Tanto a jusante quanto a montante, o rio serviu aos processos de expansão do núcleo paulista, alargando sua área de influência e conformando uma espacialidadecolonial, na qual ele atuou como eixo estruturante.
Ademais, o rio permitiu relações, pacíficas e conflituosas, com as áreas espanholas da América, interiores, sobrepondo relações coloniais às relações entre tupis e guaranis. Dessa forma, seguindo o fluxo do rio, que corre a oeste desde a Serra do Mar, o espaço colonial se estruturou num continuum que articulava o litoral, o planalto e o sertão.
O segundo mecanismo de distribuição de terras neste período foram as cartas dedatas de chão ou de Terras, concedidas pelas Câmaras Municipais, instância de poder local,que poderia ceder as terras de forma gratuita ou mediante cobrança de foro anual. A análisedas cartas de datas de chão concedidas pelas vilas de Mogi e de São Paulo nos permitiramlocalizar e acompanhar o processo de circulação de alguns colonos que foram beneficiadoscom sesmarias na região do entorno de Nossa Senhora d’Ajuda.A estrutura das cartas de chão é muito parecida à das sesmarias, mas nestes [Páginas 57 e 58]
documentos são mais comuns as referências aos moradores locais que às toponímias. Naspetições, os suplicantes apresentavam a justificativa para a solicitação, assim como nassesmarias, mas na maior parte dos casos pedem terras nos chãos da vila para a construção demoradias que, como veremos adiante, são mantidas mesmo por colonos que possuem seussítios pelas bandas dos sertões. A Câmara Municipal, detentora de um termo sobre o qualdetinha jurisdição legal, jurídica, militar econômica e administrativa 135, avaliava as petições eapresentava despacho que, em parte dos casos, não correspondia aos anseios dos suplicantesno que concerne às medições e a localização das terras concedidas. Isso poderia refletir oprocesso de esgotamento das terras pertencentes ao termo da vila.
A prática de se conceder terras nos limites da vila, ainda que estes limites nãoestivessem bem delimitados, foi recorrente no século XVII. Segundo a carta de doação daCapitania de Martim Afonso de Souza, se fariam as vilas com um espaço de seis léguas determo. A confusão entre as terras correspondentes ao termo e ao rossio, assim como ospróprios limites de demarcação do termo de cada vila, gera uma certa dificuldade de definição sobre a jurisdição à qual pertencia um determinado território. Este é o caso de Taquaquecetiba, que se situava num ponto de passagem do caminho que levava da vila de São Paulo à vila de Mogi. Como analisaremos no capítulo seguinte, as cartas de sesmaria do padre João Álvares demonstram o quanto a definição da moradia nos termos de uma vila ou de outra era maleável neste período. Mesmo porque, a depender da extensão territorial e de suas demarcações, as sesmarias poderiam ter ou não as suas confrontações por entre os limites dos termos das vilas.
A ocupação da região de rio acima, onde se localizava a região de Taquaquicetiba ,foi inicialmente composta por diversos grupos indígenas, como os Tupis, Guaianases eGuarulhos 136, mais expressivamente identificados pelas fontes quinhentistas. A partir dasegunda metade do século XVI, receberia a presença permanente dos missionários jesuítasespecialmente por ocasião da transferência dos moradores de Santo André da Borda doCampo para a recém-criada vila de São Paulo de Piratininga, o que ocasionou umdeslocamento dos grupos localizados em Piratininga na direção do chamado sertão.Retomamos aqui a informação prestada por Anchieta, em carta datada de 1561 137, quandoafirma ter sido designado pelo padre Manuel de Nóbrega para visitar seus antigos discípulos que haviam subido sertão adentro, motivados pelos conflitos com os colonos recém-chegadosna vila de São Paulo.A presença dos missionários nesta região se consolidou com a concessão desesmaria aos índios de Piratinim , aos 12 de outubro de 1580, pelo capitão Jerônimo Leitão,considerada nesta análise como o marco inicial da ocupação colonial na região da banda decima do Anhemby . Esta fonte possui dois aspectos fundamentais do processo colonial: emprimeiro plano, o processo de redimensionamento das populações indígenas, restringindo suapresença e seu espaço de circulação a uma parcela de terras insignificantes quandocomparadas à amplidão do território originalmente ocupado. Em segundo plano, a agênciaindígena que subverteu os discursos, as práticas e os mecanismos da ordem colonial em favorda garantia de meios de sobrevivência individual e coletivos. Na petição encaminhada pelosentão chamados índios de Piratinim ao capitão-mor de São Vicente, reescrita no documentopelo próprio capitão, temos a seguinte informação:
[...] em como a mim enviaram a dizer os indios de Piratinim da aldeia dos Pinheirose da aldeia de Ururai por sua petição que os indios dos Pinheiros até agora lavravamnas terras dos padres por serem indios christãos e as ditas terras se vão acabandoelles descendo esperam por outros do sertão e haviam mister quantidade de terraspara se poderem sustentar e se a não tiverem por já ser dada aos portuguezes quelhes não sentem lavrar nellas elles supplicantes serem naturais das ditas terras quenasceram por não saberem as não pediram mais cedo e se agora as não deremser-lhes-á forçado irem viver tão longe que não possam ser doutrinados o que nãoserá serviço de Deus nem de el-rei nosso senhor nem proveito dos portuguezes osquaes se defendem com os ditos indios …………………. suas fazendas [...].138
Por este excerto é possível observar elementos indicativos do conflito entre osindígenas aldeados e os colonos pela posse de terras. Em sua estratégia argumentativa, osindígenas se utilizaram de um dos pilares do projeto colonial, o cristianismo e a conversão dosnativos, para garantir a concessão das ditas terras, se auto identificando como indioschristãos , numa espécie de reafirmação de sua aliança com o projeto colonial português. Aomesmo tempo, apresentaram os aspectos prejudiciais da falta de acesso à terra para apermanência dos índios cristãos nos aldeamentos, que os afastaria para longe, o que não seriade bom proveito para os colonos que dependiam da aliança com os grupos indígenas locaispara a defesa do território ocupado.Ao apresentarem a localização e demarcação das terras de interesse, os índios dePiratinim citam como referência alguns nomes de colonos que, a este tempo, já eram138 Traslado da carta de data de sesmaria das terras dos indios In: Cartas de datas de terras [Vol. 01]. SãoPaulo: Departamento de Cultura, 1937. p. 21-24.60 [Páginas 59 e 60]
beneficiários de terras próximas às ditas aldeias:
[...] pelo que me pediram que antes que as ditas terras se acabassem de dar houvesserespeito serem elles naturaes da mesma terra e lhes desse de sesmarias seis leguas deterras em quadra onde chamam Carapucuiba ao longo do rio de uma parte e da outra começando onde acabarem as dadas de Domingos Luiz e Antonio Preto e para os da aldeia de Ururay outras seis leguas em quadra começando donde se acabam as terras que se deram a João Ramalho e Antonio Macedo que dizem que eram até onde chamam Jaguapore...ba e por serem muitos e cada vez mais pediam tanta terra no que receberiam mercê [...]. 139
Neste caso, João Ramalho e Antonio Macedo seriam alguns dos colonos que jáocupavam a região próxima ao que seria o aldeamento real de São Miguel Arcanjo e que,decerto, não permitiam que os indígenas cristãos ali estabelecidos lavrassem em suas terraspara fazer seus mantimentos e prover o sustento da aldeia. As seis léguas de terras foramconcedidas aos índios de Ururay . No despacho do capitão se lê como uma das razões paralhes conceder a mercê:[...] e outro sim a maior parte delles serem christãos e terem suas igrejas estaremsempre prestes para ajudarem a defender a terra e a sustental-a o que fizeram assimem meu tempo como dos capitães passados pela informação que disso tenho eser-lhe necessario terras e façam seus mantimentos para sua sustentação e vistocomo cada dia vem mais gentio para as ditas aldeias o que tudo é proveito e bem darepublica [...]140.A afirmação do capitão mor foi concisa: o direito de ocupação da terra estavaresguardado aos índios cristãos, que se propunham a auxiliar no sustento e na defesa doprojeto de colonização português. Restritos às seis léguas demarcadas ao longo do rio Ururay,os índios de Piratinim foram alvos do processo de espoliação das terras das aldeias indígenaspelos colonos. E já no início do século XVII é possível observar a constância de solicitaçõesde sesmarias avançando diretamente sobre as terras de ocupação indígena, processo esteprotagonizado não só pelos colonos, mas também pelas ordens religiosas.
Após a concessão de terras aos índios de Piratinim , observamos as primeirassolicitações de sesmarias na região de Boigi mirim . O primeiro beneficiário foi Gaspar Vaz, consolidado pela historiografia local e regional como o povoador da futura vila de Sant´Anna de Mogi das Cruzes. Nascido na capitania do Espírito Santo, já era morador da vila de São Paulo há alguns anos quando recebeu sua concessão de terras. Sua carta de sesmaria está em maior parte ilegível. Mas no campo da justificativa na petição do suplicante, foi possível identificar que Gaspar Vaz já se declarava morador em Boigi em setembro de 1608. Da mesma forma, não foi possível identificar os referenciais de demarcação das terras porestarem ilegíveis. A única parte que se lê faz referência a uma expressão comum nestesdocumentos “rio arriba”, provavelmente uma referência ao Anhemby.
Neste tempo, Gaspar Vaz já havia ingressado na vida pública, exercendo o cargode juiz ordinário na Câmara de São Paulo em 1600 143, sendo capitão da vila de Mogi de datadesconhecida até 1625, quando solicitou dispensa do cargo 144. E no ano de 1624, já comomorador de Mogi há 16 anos, foi nomeado Tesoureiro das Bulas da Santa Cruzada 145. Comobem pontuou Madalena Marques, este cargo era reservado aos "principais da terra”, devendoser dado à um homem “abonado”. 146 Também possuía chãos na vila de São Paulo, compradosde João Soares, com escritura lavrada aos 14 de junho de 1594. Na escritura consta ainformação de que Gaspar Vaz era morador junto à igreja matriz e que os chãos que adquiriraeram vizinhos das propriedades de Domingos Luiz, o carvoeiro. 147
Casado com Francisca Cardoso, teve onze filhos deste matrimônio. No inventáriode sua esposa, datado de 1611, Gaspar Vaz declarou casas de taipa de pilão e de palhaaguarirana na vila de São Paulo, junto à um rol de índios forros e pessoas escravizadas queincluía uma crioula do gentio da Guiné, sem nome, avaliada em 25$000 réis. Esta informaçãonos indica uma tendência daquele período. Os colonos que possuíam roças ou sítios pelasbandas do sertão, continuavam mantendo suas casas na vila de São Paulo. As avaliações dosbens que o casal possuía em seu sítio de Mogi, para além dos escravizados, incluíam algumascriações, como éguas, porcos e gado, e a produção de telha e de algodão 148. A questão é queGaspar Vaz provavelmente não fora o primeiro colono a se estabelecer na região de Mogi.Nas atas da Câmara de São Paulo há registros de alguns episódios que merecem nossaatenção.
As primeiras notícias que temos sobre a região de Mogi pelas atas da câmara referem-se a um período de conflitos entre os colonos e os indígenas que perduraram por alguns anos da década de 1590. Em sessão de 03 de outubro de 1593, os oficiais da câmara se reuniram para deliberar sobre a possibilidade de se enviar uma entrada, liderada pelo capitão Jorge Correa, em resgate “[...] de nossos irmãos os brãcos [...]” (Atas da Câmara da Cidade de São Paulo, Op. cit., Vol. 01, p. 470-472) que estavam no sertão, impossibilitados de fazer o caminho de volta à vila.
Os oficiais decidiram, em maioria, que não era um bom momento para se fazer a jornada, pois faltava sal para conservar as carnes e não era bom tempo por causa das águas. Ainda que tivessem notícia do “[...] gentio de boigi q i q se quer ir p.ª o rio grande fugindo [...]” 150 nem mesmo os padres vigários se dispuseram a deixar suas funções para se encaminhar ao sertão, acompanhando a comitiva do capitão.
Mesmo que os oficiais afirmassem que “[...] os inimigos nos não davão trabalho nem opressão nem nos estamos oprimidos (...) " (Atas da Câmara da Cidade de São Paulo, Op. cit., Vol. 01, p. 470-472) e que, por esta razão, poderia se adiar a entrada do capitão até a Páscoa, é notório na argumentação dos oficiais o receio pela situação de instabilidade frente à um possível ataque dos grupos nativos de Boigi à vila. Aos 5 de dezembro do mesmo ano de 1593, informavam os oficiais da vila sobre o recebimento de duas cartas, uma da vila de Itanhaém e outra da vila de Santos, "(...) em quais consta os ditos oficiais assentarem com o povo de cada uma das vilas que não houvesse guerra dando por razão que os nativos não nos davam opressão (...)" (Atas da Câmara da Cidade de São Paulo, Op. cit., Vol. 01, p. 476-477)
Entretanto, nesta mesma ocasião, os oficiais requisitaram a presença de Belchior Carneiro, morador da vila de São Paulo, Gregorio Ramalho, filho de Vitorio Ramalho, Manoell, índio cristão de São Miguel e irmão de Fernão de Sousa, para relatarem os seguintes acontecimentos:
“[...] aserqua do gentio do bongy que hos avia salteado e desbaratado na viagen que trazião desta entrada de antº de masedo e de dominguos luiz grou en cuja cõpanhia elles todos vinhão p.ª esta cap.ta [...].
Segundo o relato dos sertanistas, afirmaram ser verdade que “[...] o gentio de mongi pelo rio abaixo de anhambi junto de outro rio de jaguari esperarão a toda a gent que vinha brãca e indios xpãos nossos amiguos e topinães da cõpanhia de antº de masedo e de dominguos luis grou e mais irmãos [...]”. [Páginas 62 e 63]
foi o rio Anhemby ou Anhambi , a partir do século XVIII conhecido como rio Tietê, utilizadocomo principal referência para a demarcação das terras solicitadas pelos colonos.
As demais toponímias aparecem em menor recorrência, o que pode nos indicarum movimento de dispersão das propriedades pela região. Mas é importante nos atentarmosao fato de que temos 16 rios ou ribeiros mencionados nas cartas, para além do Anhemby , quenorteiam esse processo de ocupação territorial. Alguns deles, no caso os rios Guaió, Jaguari,Juqueri e Cabuçu , são afluentes ou tributários do rio Tietê (Anhemby) que neste contexto seprojetou como veículo de comunicação central por entre esses territórios, articulando osespaços do litoral, do planalto e do sertão, e permitindo a circulação dos grupos indígenas edos colonos.
Ainda que alguns autores clássicos da historiografia paulista, como Alfredo EllisJúnior e Sergio Buarque de Holanda, em suas análises discordassem da preferência dossertanistas pelos caminhos fluviais aos caminhos terrestres 133, a análise das cartas desesmarias nos permite entrever que os rios não só serviram como referenciais de localizaçãopara a demarcação da propriedade como também as terras em torno dos rios eram as maisalmejadas pelos colonos. Nas palavras de Vilardaga:O rio Anhembi e seus afluentes garantiriam alimento, água e formas de circulação.Tanto a jusante quanto a montante, o rio serviu aos processos de expansão do núcleopaulista, alargando sua área de influência e conformando uma espacialidadecolonial, na qual ele atuou como eixo estruturante. Ademais, o rio permitiu relações,pacíficas e conflituosas, com as áreas espanholas da América, interiores, sobrepondorelações coloniais às relações entre tupis e guaranis. Dessa forma, seguindo o fluxodo rio, que corre a oeste desde a Serra do Mar, o espaço colonial se estruturou numcontinuum que articulava o litoral, o planalto e o sertão.134O segundo mecanismo de distribuição de terras neste período foram as cartas dedatas de chão ou de Terras, concedidas pelas Câmaras Municipais, instância de poder local,que poderia ceder as terras de forma gratuita ou mediante cobrança de foro anual. A análisedas cartas de datas de chão concedidas pelas vilas de Mogi e de São Paulo nos permitiramlocalizar e acompanhar o processo de circulação de alguns colonos que foram beneficiadoscom sesmarias na região do entorno de Nossa Senhora d´Ajuda.A estrutura das cartas de chão é muito parecida à das sesmarias, mas nestes133 Ver: Ellis Jr., Alfredo. O Bandeirismo paulista e o recuo do meridiano. São Paulo: Companhia EditoraNacional, 1938.; e Holanda, S. B. Monções e Capítulos de expansão paulista. São Paulo: Companhia das Letras,2014.134 VILARDAGA, J. “No fluxo do Anhembi-tietê: o rio e a colonização da capitania de São Vicente nos séculosXVI e XVII” In: Nuevo Mundo Mundos Nuevos [En ligne], Débats, mis en ligne le 15 décembre 2020, consultéle 22 décembre 2020. Disponível em: . (página 58)
expedição. O desfecho do episódio se deu, aparentemente, com uma ameaça dos indígenasaos colonos “[...] apreguoarão guera cõtra nos dizendo q´ avião de fazer caminhos novos pªviren a dar en nos e fazeren quoãto dano pudesen [...]” 155. O que suscitou uma recomendaçãosevera dos sertanistas para que se fizesse guerra aos índios antes que eles se movessem. Eisto, diziam, eles afirmavam com segurança por serem homens que conviviam com o gentio econheciam “suas vontades e mas intensões”.
Um elemento importante deste documento é a menção à localização onde fora armada a emboscada. A região do rio Jaguari, que desagua no leito do rio Tietê , seria alvo dos colonos em suas solicitações de sesmarias a partir do ano de 1638, indicando um processo de esvaziamento da ocupação indígena na região. A menção a esse rio aparece em três cartas, especificamente, como uma referência para a demarcação de terras que estão no sertão da banda dos Guarulhos.
O que pode nos indicar que um dos grupos que estavam em conflitocom os colonos neste período eram justamente os Guarulhos assentados no entorno deste rio. A partir da recomendação dos sertanistas, o procurador do conselho, FranciscoMartins, elaborou na mesma data um requerimento endereçado aos oficiais da câmara paraque estes solicitassem ao capitão Jorge Correa que se fizesse a guerra do mongi . Com aconcordância dos oficiais e de moradores presentes, foi solicitado o apoio do capitão para adita guerra, sob o protesto dos oficiais que afirmavam para o caso de o capitão não seapresentar favorável, que este se responsabilizaria pelas consequências e quaisquer danos quepudessem recair aos moradores da vila 156.Eis que dois anos após o ocorrido, aos 05 de fevereiro de 1595, temos um registrode um ajuntamento para deliberar sobre um mandado do provedor Pedro Cubas no qual:
(...) mandada apregoar nesta vila que todos os moradores e estantes desta dita vila fossem ou mandassem levar todas as pessoas nativos e nativas e escravizados desta guerra de bougi e de outras guerras e expedições ao juízo da provedoria e alfandega para se fazerem exames e diligências importantes e ordinárias (...)
É notória a iniciativa da administração colonial em tentar submeter ao poder dacoroa o controle sobre os contingentes de indígenas escravizados, ao menos em termos deburocracia. A resposta dos oficiais e demais moradores da vila de São Paulo presentes na reunião, entre eles Gaspar Vaz, foi unânime:
(...) este negócio era árduo e de muita importância e que dava muita importunação e opressão ao povo em ir ao mar a gente da terra e além disso estávamos em uso e costume as pessoas da guerra e entradas não iem ao registro salvo as peças que se traziam do resgate e outras nenhumas não e que se o provedor mostrar pelo seu regimento que sua majestade manda ir a alfandega e a registro as peças de guerra e entradas que vinham se responderia a isso e por hora tinham embargos ao dito mandado e provisão e se não podia cumprir até não mandar o regimento para ser publicado e porquanto esta guerra foi data licitamente com parecer do prelado e homens do regimento da república pela opressão que os contra nos davam continuamente (...)
O posicionamento dos oficiais não só desafiava a autoridade do provedor como também demonstrava a autonomia de ação da Câmara Municipal em decidir quando e quaisordens seriam obedecidas pelos moradores. Demonstra, por outro lado, que era costume dos colonos que se beneficiavam da escravidão indígena não registrarem os indígenas apresados em guerras e entradas ao sertão. Pelas informações apresentadas nestas atas é possível inferir que os grupos indígenas apontados como o gentio de boigi já eram alvos do apresamento e da consequente escravização desde, pelo menos, a última década do século XVI. Informação esta que nos é confirmada por um requerimento apresentado aos oficiais da câmara aos 13 de junho de 1601, pelo provedor do concelho Dominguos Afonso, em nome do povo. Neste requerimento consta a seguinte solicitação:
(...) requereo o provedor do conselho Domingos Afonso em nome do povo dizendo que o povo todo reclamava e se queimava que foram p.tas posturas das antigas como de antes por causa de irem a aldeia de nativos que esta em mugi em destrito homens conhecidos que se vão a colher por terem dela sabedoria e que era bem que se fizesse lembrança ao Sr. Governador-Geral para que ele desse licença para se irem buscar e trazer a esta vila de paz ou de guerra pelo muito prejuízo e dano que a terra recebe (...)
A partir de então, é possível verificar pelas atas da câmara de São Paulo osimpactos dos deslocamentos dos colonos para o sertão. Aos 23 de novembro de 1603, oprovedor Luis Dalmada ordenava que não houvesse capitão nas aldeias e que se cumprisse alei de sua majestade, notificando a todos a proibição de se levarem os índios desta vila àregião dos Patos ou as outras partes sem o consentimento do governador geral 160. Aos 16 dejunho de 1607, o procurador do conselho Fernão Dias requereu aos oficiais da câmara que sefizesse pedido à sua majestade de não consentir a saída de gente forra da vila pois ele tinhanotícia de que muitos colonos tinham pretensão de ir ao sertão da capitania, mesmo naiminência do “[...] periguo de virem enemigos jentios carijos ou outro qualquer 161.
O trânsito dos moradores da vila de São Paulo rumo aos sertões da capitania era [Páginas 64 e 65]
ordens religiosas, que nesta região estabeleceram suas fazendas, igrejas e aldeamentosindígenas. E, por fim, os colonos europeus, interessados em terras férteis e recursos naturaispara suas roças e criações, assim como pelo fácil acesso à mão de obra indígena aldeada.Por esta breve exposição é possível constatar o grau de complexidade do processode ocupação territorial dessa região na fase inicial da colonização. No breve espaço paraapresentação dos resultados de pesquisa nesta monografia, é inviável esmiuçar caso a caso osmoradores e suas especificidades. Por isto, optamos por selecionar alguns casos, à título deexemplo, sobre os quais exploraremos alguns aspectos fundamentais do processo de ocupaçãocolonial da região: a importância das relações de parentesco e compadrio para oestabelecimento dos moradores no território, o perfil dos beneficiários de terras e suasfamílias e o avanço dos colonos sobre as terras indígenas.Um dos beneficiários de terras na região foi Domingos de Góes, morador na vilade São Paulo, que recebeu sua primeira carta de concessão de sesmaria aos 07 de janeiro de1610. Mesmo ano em que receberam sesmarias Antonio Fernandes, padre João Alvares,Belchior da Costa, em nome de suas filhas, todos estes no Anhemby , rio acima; e AntonioCamacho, que solicitou terras no Coabussú. Domingos de Góes solicitava uns capões queestavam devolutos, com três tiros de comprido e um tiro de largo de terras, na barra de umribeiro chamado Guaiaó, terras que serviriam para roçar e lavrar 167. Não identificamos naspartes legíveis nenhuma menção a outros moradores na região. As terras lhes foramconcedidas pelo capitão-mor Gaspar Conqueiro, em despacho favorável ao pedido, livres detributos ou pagamentos de pensão.Um ano depois, em 1611, o mesmo Domingos de Góes receberia mais duasconcessões. Na petição da primeira carta, cuja data de traslado consta aos 21 de junho de1611, o suplicante alegou ser morador dessas partes há mais de 30 anos, sendo casado há 12anos, com filhos, e trabalhou em defesa de sua majestade. Solicitava novamente ao capitãoGaspar Conqueiro terras para fazer seus mantimentos, numa localização próxima àsdemarcações de sua primeira sesmaria:[...] lhe faça mercê dar-lhe um capão de matto virgem que terá quatro ou cinco tirosde frecha de comprido e dois tiros de largo pouco mais ou menos o qual está antesde chegar ao ribeiro Imbiaciqua no meio de um alagadiço ao longo do caminho quedesta villa de São Paulo vae para Boigi Mirim [...]. 168 [Página 68]
No período entre 1611 e 1637 identificamos a concessão de apenas sete cartas desesmarias na região, duas delas conferidas à um mesmo peticionário, neste caso o padre JoãoAlvares, que já possuía a fazenda de Taquaquicetiba . Isto se explicaria pelo fato de que, apósreceber o foral de vila e ver consolidada a estrutura burocrática e administrativa no povoadode Mogi, seus moradores estariam mais interessados em solicitar chãos na nova vila ao invésde procederem com as requisições de sesmarias. No período de 1611 a 1633, ao menos 30pessoas foram beneficiadas com a concessão de chãos na vila de Mogi 166, sem contar as cartasdesaparecidas ao longo dos séculos.A partir de 1638, as concessões de sesmarias registram novamente petições doscolonos, alguns declarados moradores em Mogi, solicitando terras nos termos da vila de Mogie também na antiga área ocupada pelos indígenas Guarulhos . Identificamos o número de 37cartas concedidas entre 1638 e 1641. Sendo a maior parte concedida a dois ou maissuplicantes por carta, tendo como principais referenciais para a demarcação os rios Anhemby,Parateí, Jaguari, Atibaia, Cabuçu, Baquirivú , e menções específicas às propriedadesparticulares de colonos já assentados na região, como as minas de Geraldo Correa. É comumnestas cartas a referência aos caminhos, taperas dos índios Guarulhos ou mesmo a referênciadireta ao aldeamento de Nossa Senhora da Conceição para a demarcação de suas terras.É possível categorizar estes beneficiários de terras em três grupos. O primeirodeles seria o dos ocupantes formais, que receberam Carta de sesmaria ou chãos na vila deMogi. O segundo grupo é formado pelos ocupantes informais, que teriam roças, sítios ou quemoraram nessa região sem registro de sesmaria, Data de chão ou mesmo carta de compra evenda. Ao todo conseguimos identificar pelas fontes 34 pessoas que moravam ou tinham cartade compra de terras, sítios ou roças na região de Mogi e Guarulhos . Os casos são muitovariados. O terceiro grupo, mais específico, é composto por colonos que requisitaram suasterras diretamente nas cabeceiras dos aldeamentos indígenas. Para além destes, existem oscasos de exceção à regra. Se a maioria dos colonos requisitava uma sesmaria e recebia umaúnica concessão ao longo de sua vida, alguns outros chegaram a receber 3 ou 4 cartas, com asdemarcações de terras na mesma região. São os casos de Domingos de Góes e padre JoãoAlvares, à título de exemplo, que serão analisados mais adiante.Os agentes desse processo de ocupação colonial, identificados na nossa análise,são, em primeiro lugar, os grupos indígenas, tanto os que já ocupavam o território antes dachegada dos colonos europeus quanto os que migraram para esta região. Em seguida, as166 Livro de cartas de datas de chão (1622-1626). Arquivo Histórico Municipal “Professor Isaac Grinberg”(Mogi das Cruzes). Manuscrito.67 [[]]
3.1. Taquaquecetiba nas fontes coloniais: propriedade particular oualdeamento indígena?
O desafio inicial para a construção dessa análise se deu pela necessidade imperativa de delimitarmos, dentro da complexidade de compreensão e definição das fronteiras coloniais, o que seria o território referenciado pela toponímia Taquaquecetiba (Identificamos que nas cartas de sesmarias esta toponímia aparece com as seguintes variações: Taquiquessetiba, Taquaquecetiba, Ytacurubitiva) neste período.
Na análise das cartas jesuíticas, principalmente as escritas pelo padre José de Anchieta, ao qual fora atribuída a fundação primeira do aldeamento de Nossa Senhora d´Ajuda, não encontramos nenhuma menção direta à uma aldeia ou localização com esta referência toponímica. Igualmente as atas da câmara das vilas de São Paulo e de Sant´Anna de Mogi das Cruzes não nos trazem nenhuma menção à aldeia, seja pela toponímia ou pela referência ao orago de Nossa Senhora d´Ajuda.
Num primeiro momento esta ausência nos causou estranhamento, afinal se Taquaquecetiba se localizava no caminho entre as vilas de Mogi e São Paulo, como não há referências diretas à essa aldeia indígena nas fontes? A partir desta inquietação buscamos esclarecer, inicialmente, o uso da toponímia nos documentos em que aparece citada, neste caso, algumas cartas de sesmarias concedidas na primeira metade do século XVII, alguns testamentos e inventários do período, a certidão do padre Francisco de Moraes, datada de 1674, e as menções feitas em doações de terras para a ordem de São Bento, a partir de 1670.
Isto para, num segundo momento, problematizarmos a ausência de referências nos demais conjuntos documentais.
Identificamos a primeira menção à Taquaquicetiba na carta de sesmaria deCustodio de Paiva, datada de 1608. Custodio de Paiva, à época casado com Anna deCerqueira, declarou em sua petição que combateu em guerras, servindo suas armas e escravosao serviço de sua majestade, mas que nunca recebeu terras para fazer seus mantimentos.Sendo assim, solicitava ao capitão-mor Gaspar Conqueiro que lhe concedesse, em nome dosenhor donatário, o senhor Lopo de Sousa “[...] uma legua de terras para ambos quecomeçaria de um toj….. que está passando Taquiquessetiba correndo pelo caminho velho deJuquiri ficando-lhe a testada para a banda de Jeragua tudo em quadra [...]” 215. Aqui jáidentificamos uma primeira variação de escrita da toponímia, característica dos documentosproduzidos no período colonial. Mas o dado que nos interessa neste excerto é o fato deTaquiquessetiba ter sido utilizada como referência para a demarcação das terras, comolocalização próxima à um caminho específico no sentido do Juquiri, o que nos permite inferirque tal localidade estava situada em território de passagem já conhecido pelos colonos.
No testamento de Custódio de Paiva, datado de 08 de fevereiro de 1610, lemosque o documento fora redigido “[...] no termo da villa de São Paulo na fazenda e casas de Custodio de Paiva [...]” 216. Entretanto, não encontramos no testamento ou mesmo nasavaliações do inventário especificações sobre a localização dos sítios e roças avaliados, o queé uma característica comum na maioria desses documentos. Mas deduzimos que o tal sítio selocalizava nas demarcações de sua sesmaria pelo fato de existir apenas uma propriedadearrolada em seu inventário, justamente dois anos após a concessão de suas terras, sendoavaliada junto à uma roça de algodão, no valor de 15 mil réis 217.
No ano seguinte, em 1609, temos um outro registro de carta de sesmaria, onde pouco se lê dos nomes dos suplicantes: “[...] ………… Rodrigues ……….. Gaspar ………… [...]”, que alegavam que sempre estiveram dispostos, com suas armas e escravos, a defenderem a coroa, tendo participado em muitas guerras, onde receberam várias flechadas em seus corpos, sendo pessoas honradas 218. E por esta razão solicitavam ao capitão mor:
[...] lhes dê uma legua de terra para eles ambos lavrarem na banda dos campos de Ytacurubitiva no caminho que fez Gaspar Vaz que vae para Boigi mirim a saber partindo da barra dum rio que se chama Guayao por elle arriba até dar em outro rio que se chama ………… dahi dará volta a demarcação pelas faldas do outeiro da banda do sudoeste e correrá avante até dar no rio grande de Anhemby e por o rio grande abaixo até dar digo até tornar aonde começou a partir e assim mais meia ………………. com dois capões que estão defronte da dita dada a saber um capão que se chama de Ytacurubitiva e outro …….assupeva para fazerem suas casas e trazerem suas criações [...]219.
A referência aos campos ou capões de Ytacurubitiva surge apenas nesta carta. O que nos chama a atenção, para além da menção “ao caminho que fez Gaspar Vaz que vae para Boigi mirim”, é a indicação precisa da demarcação das terras de interesse seguindo o curso dos rios, o que nos permite algumas inferências sobre a localização de Ytacurubitiva.
O rio Guaió, mencionado em outras cartas de sesmaria, segue seu curso a jusantetendo em seu lado direito os territórios correspondentes aos atuais municípios de Ribeirão Pires e Suzano e, do lado esquerdo, os territórios correspondentes aos atuais municípios deFerraz de Vasconcelos e Poá. Este caminho é percorrido até sua foz, no rio Tietê, numa regiãocorrespondente hoje à uma área limítrofe com o município de Itaquaquecetuba. Segundo asindicações do próprio suplicante, as terras de interesse seguiam o curso do Guayao namargem de cima, no sentido do caminho de Gaspar Vaz até dar no rio grande de Anhemby ,rumando aos campos de Ytacurubitiva, apresentando a referência à um capão de mesmo nome. Num exercício de aproximação, é possível afirmar que, em termos de localização geográfica, esta toponímia se referia à um tipo de vegetação específica da região, ocupando uma significativa extensão do território, localizada no caminho entre São Paulo / Mogi. E, possivelmente, sua localização aproximada poderia compreender parte do território referenciado em outros documentos como sendo a região de Taquaquecetiba.
Logo no início de 1610, temos o registro da concessão de sesmaria que decerto demarcou as áreas limítrofes iniciais do que viria a se tornar o primeiro núcleo de assentamento colonial nas paragens de Taquaquecetiba. Aos 23 de março do referido ano, padre João Alvares teve sua primeira carta de sesmaria concedida. Este documento está com a maior parte das linhas ilegíveis e por este motivo não foi transcrito na íntegra. Mas na petição desta carta é possível ler que João Álvares se declarava “[...] clerigo natural da villa de São Paulo [...] era filho e neto de conquistador desta capitania e que elle assistia e morava no Boigi miri ……………………… [...]”. Pela indicação legível na seção de justificativa para a solicitação das terras, João Álvares afirmava querer “[...] fazer suas milharadas ………………………………………… [...]” e por este motivo requeria a meia légua de terras ao capitão Gaspar Conqueiro. Sobre a demarcação dessa meia légua de terra solicitada, temos a seguinte informação:
[...] ………………………………….. em quadra tanto de largo como ………….. no dito Boigi miri da outra banda ……………………… Anhambi indo para a Paraiba depois de passar ……………………… e começará a partir pelo caminho ……………. para o dito rio da Paraiba e fica esta ……………….re o rio Anhambi a qual terra pedia por estar devoluta e que em lh´a dar receberia mercê [...].
Por este excerto é possível observar que a demarcação das terras de João Álvares seguia o curso do rio Anhembi rumo ao rio Paraiba , pelo dito Boigi miri da outra banda, onde as terras eram devolutas, ou seja, numa área ainda desocupada por colonos. Como bem pontuou Raquel Glezer, o uso da expressão “terras devolutas”, mesmo neste período, não estava associada ao sentido de terras devolvidas, tratando-se de um indicativo de terras desocupadas ou desaproveitadas dentro da perspectiva do processo de ocupação colonial.
Por esta razão, a localização inicial da fazenda de João Álvares é uma incógnita. E quando menciono a localização inicial da fazenda, o faço pelo fato de que padre João Álvares recebeu ao menos três cartas de concessão de sesmaria ao longo de sua vida em São Paulo. E é por meio dessas outras cartas que podemos alcançar um esclarecimento sobre a demarcação das terras de Taquaquecetiba.
Aos 12 de agosto de 1635, padre João Alvares e Fernão Munhoz receberam cartade sesmaria, concedida pelo capitão Pero da Mota Leite. A maior parte da carta está ilegível.Temos apenas uma informação na seção de justificativa que nos indica que se pretendia“semear trigo e mais legumes” 224 nas terras solicitadas. Uma breve menção à um “rio abacho”e à villa de Santa Anna de Mogi mirim também aparecem na carta. Mas nenhuma informaçãoconcreta sobre a demarcação das terras nós pudemos obter deste documento. Se220 Traslado de uma carta de dada de terras de sesmaria do padre João Alvares clerigo no termo da villade São Paulo. In: Sesmaria, Vol. 01, Op. cit., p. 89-91.221 Idem.222 Idem.223 GLEZER, Op. cit.224 Treslado da carta de João Alvres he Fernão Munhóis em S. Paulo In: Sesmarias, Vol. 03, Op. cit., p. [Páginas 96 e 97]
considerarmos que a este tempo João Alvares estava assentado em sua fazenda deTaquaquicetiba - sem possuir chãos na vila de São Paulo e com chãos devolutos na vila deMogi 225-, e que Fernão Munhoz estava igualmente assentado em região próxima à aldeia deSão Miguel, é possível inferir que as terras solicitadas estivessem localizadas em regiãopróxima às suas propriedades. Mesmo porque, como sabemos pelo testamento e inventário deFernão Munhoz, este possuía meia légua de terras no Gaiao, das quais 500 braças foramcedidas ao seu genro André Lopes 226. Esta hipótese é em parte confirmada pelas informaçõesapresentadas na terceira carta de sesmaria de João Álvares.Menos de um mês após a concessão de sua segunda sesmaria, aos 02 de setembrode 1635, João Alvares recebeu uma terceira sesmaria. Desta vez observamos que JoãoAlvares não mais se declarava morador de Mogi , mas sim morador na vila de São Paulo, “[...]que elle tem hua fazenda em hua paraje que chamão taquaquecetiba he não tinha terras suas parapoder Roçar e fazer seus mantim.tos [...]” 227. Em sequência há uma frase ilegível com umamenção ao Convento de Nosa Sñora do Carmo da dita villa. Nesta carta, a demarcação dameia légua de terras solicitada confrontava os limites das terras do dito convento “[...] a saberde donde acaba a medição do dito Convento de Nosa Sñora do Carmo até hûa parajem quechamão ……………… Rio arriba de Anhemby que é pouquo mais ou menos de …………legoa [...]” 228. As informações sobre a localização das terras novamente é prejudicada pelostrechos ilegíveis do documento. Mas se tomarmos por referência as informações sobre aspropriedades desta ordem religiosa, podemos ter uma ideia aproximada da extensão das terrasda João Alvares.
Como vimos no capítulo anterior, neste período a ordem do carmo já tinha uma fazenda estabelecida na região do ribeiro Embiacica , ocupando sesmaria que havia sido de Lopo Dias. (Ata da Cerimônia de Elevação de Mogi a Vila [transcrição] In: GRINBERG, Isaac. História de Mogi das Cruzes. São Paulo: Editora Saraiva, 1961. p. 342-343)
Sabemos através da pesquisa de Madalena Marques que a ordem também recebeu concessões em Sabaúna (Mogi), terras próximas à Jacareí e três sesmarias perto de Santo Ângelo, do Rio Tietê, e no caminho de Bertioga. Todas essas concessões datam do ano de 1627 230.
Em 1633 a ordem recebeu outra carta de sesmaria, que agora lhe concedia osdireitos “[...] para fazer hû moinho no Ribr.o Cabusú [...]” 231 acirrando os conflitos com os225 Livro de cartas de datas de chão (1622-1626). Arquivo Histórico Municipal “Professor Isaac Grinberg”(Mogi das Cruzes). Manuscrito.226 Inventário e Testamento de Fernando Munhoz [1675]. [Localização: Arquivo do Estado [não publicado],maço 9-1673]. Publicação Arquivo Aguirra. p. 253.227 Registo da carta de dada de terras do P.e João Alvares. In: Sesmaria, Vol. 03, Op. cit., p. 85-87.228 Idem.229 Ata da Cerimônia de Elevação de Mogi a Vila [transcrição] In: GRINBERG, Isaac. História de Mogi dasCruzes. São Paulo: Editora Saraiva, 1961. p. 342-343.230 DIAS, M. Op. cit.231 Registo da Carta de data de hû ribr.o p.a hû moinho aos Religiosos de Nosa Sra. do Carmo da V.ª de [Página 98]
igreja. Ainda que fosse sobrinho por afinidade, sem ligações consanguíneas de parentesco,Alvaro Neto não era o único de sua família a demonstrar uma relação de proximidade com opadre.Como analisamos no tópico anterior, a primeira menção que encontramos à capelade Nossa Senhora d’Ajuda nas fontes coloniais surge no testamento de Sebastião Bicudo, umdos irmãos de Alvaro Neto Bicudo. No testamento, que fora escrito e assinado por JoãoAlvares, Sebastião Bicudo encomendava doze missas “[...] a saber sinco a nossa Sõra daConceição, tres a noSsa Sõra da ajuda, as quais dirá o p.e João Alvres, duas ao Anjo da minhaguarda, duas a São Miguel o anjo [...]” 274. Se observarmos os santos citados pelo defunto,cada um deles corresponde à um orago dos aldeamentos existentes na região: São MiguelArcanjo, Nossa Senhora d’Ajuda e Nossa Senhora da Conceição dos Guarulhos. Além disso,há neste testamento uma outra indicação de parentesco importante. Sebastião Bicudo declaroudívida à um primo seu por nome de Antonio de Siqueira Caldeira 275.Antonio de Siqueira Caldeira era filho de Manuel de Siqueira e Mecia Bicudo deMendonça. Fora casado com Ana de Góes, filha de Domingos de Góes, um dos beneficiáriosda fase inicial de concessão de sesmarias na região de Mogi. Seu pai falecera no ano de 1614na vila de São Paulo, com o testamento escrito e assinado pelo padre João Alvares, tendo estepadre também assinado o auto de inventário pela viúva Mecia, que na ocasião declarou nãosaber escrever. O padre João Alvares também fora designado para rezar as missasencomendadas pelo defunto, para o qual passou termo de quitação de recebimento da esmolaaos 15 de julho de 1615. Nesta época, João Alvares não exercia o cargo de vigário na vila deSão Paulo, mas sua presença é notada durante todo o processo de inventário, onde assinou emtodas as ocasiões necessárias em nome da dita viúva 276. Neste inventário, aparece ainda no rolde devedores de Manuel de Siqueira o nome de Matheus Neto, pai do padre Alvaro NetoBicudo. O que demonstra que entre as duas famílias poderia existir certa relação deproximidade já que Manuel de Siqueira era credor de Matheus Neto.A trajetória dos irmãos de Antonio de Siqueira Caldeira exemplifica osparâmetros de mobilidade dos colonos por este território. Manuel de Siqueira e FranciscoBicudo foram os primeiros da família a solicitar sesmarias na região de Mogi. Em sua petiçãoconstam as seguintes informações: [Página 111]