Quadro histórico da província de S. Paulo até o anno de 1822, 1897. José Joaquim Machado d´Oliveira (1790-1867)
1867. Há 157 anos
A esta repartição também se anexou uma superintendência com jurisdição exclusiva e discricionária sobre as minas; e esse cargo foi primeiramente exercido por D. Francisco de Souza, o mesmo que ocupara o de governador geral do Brasil quer antes dessa nomeação, quer pela remoção de D. Diogo de Menezes para repartição do norte.
No segundo período do governo de Souza tomou ele por tarefa a de dirigir-se a Araçoiaba, que a muito o preocupava e o abstraia de negócios de maior monta; e para ali foi em 1610, sendo o seu primeiro cuidado animar o povoamento que espontaneamente se fazia em derredor do pelourinho que, sendo por ordem sua assentado no vale das Furnas, como já disse, fôra transplantado para a margem esquerda do rio Sorocaba, duas léguas ao oriente daquele vale, ao que resignou-se Souza, assim como ao nome que fora posto á povoação emprestado do rio, em substituição ao de São Filippe, como era de sua vontade, em comemoração ao do rei de Castella que o havia agraciado, e tão exageradamente, no dizer do governador Menezes [Página 70]
Antes da carta régia de 19 de agosto de 1799 nenhuma regularidade havia na exploração as minas de ferro que era pejado o morro de Araçoiaba no distrito de Sorocaba. Ás vezes trabalhava-se ali mais com a intuição de deparar-se com outro ou prata, que se dizia em aliagem com o ferro, do que na elaboração deste metal, mais útil e mais vantajoso do que outro qualquer, e cuja profusão ali era assaz reconhecida. [Página 186]
Não se dera andamento senão por intervalos ao fabrico do ferro, e nada se sabia das forjas levantadas por Afonso Sardinha em 1590. Tudo era empirismo e confusão, e os poucos operários que se davam á mineração trabalhavam sem método e pelo teor do próprio alvedrio, apenas com o auxílio de um forno biscainho, rusticamente feito em 1770 [Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), História Geral do Brasil, tomo 2, página 359].
As terras lavradias do morro estavam sob a posse de vários agricultores, que por conhecerem sua fertilidade ao tempo do povoamento de Sorocaba as amanhavam circundando o morro de pequenos estabelecimentos rurais; e o faziam fraudulentamente, porque esse morro fora em 1767 concedido por carta de sesmaria, passada pelo governador morgado de Matheus a Domingos Ferreira Pereira, com a condição de ficarem outra vez devolutas as suas terras, uma vez que se não estabelecesse a fábrica de ferro [Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), História Geral do Brasil, tomo 2, página 357]; e disto se depreende que é irrita e nula qualquer venda ou transação que se haja feito daquelas terras posteriormente ao estabelecimento da fábrica.
A efeito da carta régia acima citada, em maio de 1800 o governador de São Paulo, acompanhado do coronel Cândido Xavier de Almeida e Souza, e João Manso dirigiu-se a Araçoiaba para que em sua presença se procedesse á analise do mineral do morro, e, no caso de conhecer-se de boa qualidade, dispôrse que se levantasse a fábrica para a preparação do ferro, conjuntamente com a demarcação do terreno que se lhe devia anexar, e de cujas matas podia-se fazer o carvão que fosse de mister para o seu consumo; e deixando ali João Manso com o cargo de inspetor do estabelecimento para dirigi-lo em sua construção, regressou á capital dando conta ao governo da metrópole do procedimento que assim tivera.
Posto o estabelecimento em estado ode trabalhar, depois de reparado o antigo maquinismo e casas que ai havia, e feito, o que era mais urgente para dar-lhe movimento, em 1803 e com antecipada ordem do governo da metrópole instaurou-se nele a fabricação do ferro sob a direção de João Manso. [Páginas 187 e 188]
O que ali se fez para a preparação do ferro foi tão frágil, que em 1629 já se achava completamente abandonado por sua ruína, concorrendo para isso a transferência daquela povoação, que apenas tinha três anos de duração. Depois desse preliminares houveram outros, que convém expol-os para achegar na história da fábrica do Ipanema. [Página 210]
As primeiras peças de ferro vazadas na fábrica foram três cruzes, sendo a maior colocada no alto do morro que lhe fica mais próximo, e uma delas na estrada que dali vai ter a Sorocaba, ainda existindo em bom estado em 1845. O estabelecimento possuía desde a sua primitiva um perímetro de sete léguas de terras em seu circuito, quase todo coberto de mato, e que ao depois lhe foi dado por carta de sesmaria, a despeito do que houveram ali intrusos, que atraídos pela uberdade do solo lavradio, procuraram estabelecer-se disputando por muito tempo a sua posse, e para a sua desistência houve intervenção do poder judiciário, e para que por esse modo não fosse mais perturbado o estabelecimento, ordenou o governo em 13 de março de 1819, que se procedesse aos necessários exames e demarcações das matas que ainda se lhe deviam anexar, preterindo-se das que não servissem para alimentar a fábrica, e que, concluindo-se a escolha, se verificasse a compra. Assim se fez, e o terreno adquirido em 1811 limitou-se a pouco menos de três quartos de légua quadrada, o que não podia satisfazer ás necessidades do estabelecimento, ressentindo-se de dia em dia da louca devastação, cujos estragos cresciam na razão da contingência da sua estada ali.
Varnhagen deu sua demissão de diretor do estabelecimento, e retirou-se em 1822 á Europa com licença ilimitada, deixando não só a fábrica suficientemente montada e em efetivo andamento com um saldo de doze contos de réis, como gratas recordações dos que sabiam apreciar sua capacidade profissional e urbanidade. [Página 213]