O aldeamento jesuítico do MBoy: administração temporal (séc. XVII-XVIII)
2018. Há 6 anos
ligados à política, turismo e cultura. Assim, nasceu uma série de livros cujas publicaçõesforam patrocinadas pela prefeitura do recém-emancipado município.2A pesquisa de Moacyr Jordão, apesar de não seguir padrões acadêmicos aodemonstrar-se parcial e nitidamente comprometido com a criação de uma memória e cultura,que a valoriza excessivamente em detrimento de uma história mais factível, foi reeditadavárias vezes e, ainda na atualidade, é referência e ponto de partida para qualquer indivíduoque se interesse pela história da cidade ou do monumento Igreja de Nossa Senhora doRosário.Apesar do valor que a obra de Jordão possui, pelo esforço e dados ali reunidos, paraque avancemos no debate, observações se fazem necessárias visando à superação de questõesque ainda persistem e influenciam a atual historiografia.3 Assim sendo, nossa principal críticaao trabalho do autor, deve-se ao fato de ele defender que o aldeamento de Mboy teria suaorigem no desdobramento de um empreendimento jesuítico anterior, o de Maniçoba, açãomissionária criada pelo padre Manuel da Nóbrega, em 1553, a 35 léguas de Piratininga (SãoPaulo). Deste modo, para o autor, a fundação de Mboy era compreendida como umacontinuidade de Maniçoba, ocorrendo quase que simultaneamente à fundação do Colégio deSão Paulo de Piratininga em 1554. [O aldeamento jesuítico do MBoy: administração temporal (séc. XVII-XVIII), 2018. Angélica Brito da Silva. Página 28]
Com o fracasso do aldeamento, os índios teriam sido trazidos para mais próximo deSão Paulo e, sem evidências documentais, o autor afirma que eles foram colocados em umlocal chamado Bohi, um dos inúmeros modos de grafar o que seria a então região de Mboy.4No entanto tal inferência não possui, até o momento, nenhum esteio documental que afundamente. De acordo com Sérgio Buarque,“Não é certamente das mais antigas essa aldeia, que só vimos mencionadasem documentos do século XVII. Na preciosa coleção dos Inventários eTestamentos, publicada pelo Arquivo do Estado de São Paulo, achamos pelaprimeira vez referência aos “campos de Boy” em um documento de 1615.”5Durante o século XVI, os jesuítas realmente criaram diversos núcleos ao redor dePiratininga, na tentativa de fixar os indígenas das primeiras missões, cujas aldeias tinhamcaráter flutuante. Tais concentrações, naquele momento, eram muito incipientes e osmissionários em pouquíssimo número. Estamos falando de um contexto históricoextremamente instável: os jesuítas haviam acabado de chegar a São Vicente (1553) e, no anoseguinte, estavam no processo de implantação de um colégio, no planalto de Piratininga, queserviria de base para a missão.4 A região de Mboy compreende o perímetro por onde corre o rio Mboy-mirim, que percorre os atuaismunicípios de Embu das Artes, Itapecerica da Serra e São Paulo. Durante a pesquisa, o registro mais antigo quelocalizamos, em que o topônimo Mboy aparece, é o inventário de Martin Rodrigues Tenório, sogro do fundidorde ferro Cornélio Arzão, que possuía datas de terra na região antes de 1612. Cf. 1612. Inventário de MartinRodrigues. In: Inventários e testamentos. Publicação Official do Archivo do Estado de São Paulo. São Paulo:Typographia Piratininga, 1920, Vol.2, p.3-76. É importante destacar que, passando a região de Santo Amaro eItapecerica da Serra, existe a cidade de Embu-Guaçu (Mboy-Guaçu), dessa forma, eventualmente, Mboy poderiadesignar uma área bem maior, compreendendo os dois rios existentes na região: Mboy-Guaçu e Mboy-Mirim.5 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capelas Antigas de São Paulo. Revista do SPHAN. Rio de Janeiro, 1941, nº5, p. 113. [Página 29]Nesse primeiro momento, de acordo com Serafim Leite, os inacianos criam algunsnúcleos, muitos deles de existência efêmera, como a aldeia de Maniçoba, que duroupouquíssimo tempo, a aldeia denominada Mairanhaia à qual há uma vaga referência, e asaldeias de Geribatiba e Ibirapuera que, provavelmente por serem mais próximas ao planaltode Piratininga, tiveram continuidade.6 Em referência à Maniçoba, Pasquale Petrone afirma:“[...] sua duração foi curta e já em 1554, em carta de São Vicente, de fins demarço, Anchieta referia-se à aldeia lembrando que ‘Soubemos tambémagora que os Índios quase todos caíram em grave doença e a maior partemorreu na Aldeia de Maniçoba, e expulsaram os Irmãos da Companhiaocupados em ensinar os infiéis a doutrina de Cristo’.”7Com estes excertos queremos reforçar que, mesmo que parte destes índios tenhamsobrevivido e (talvez) tenham sido trazidos ao planalto pelos jesuítas, nada garante que elestenham sido colocados na região de Mboy, e esse mesmo núcleo indígena tenha desenvolvidouma noção de identidade e formado uma comunidade coesa que se manteria agregada aolongo dos séculos XVI e XVII, período em que teria se iniciado de fato o processo deformação desse aldeamento.Ainda tentando comprovar sua linha de argumentação, Jordão cita outro documentoque comprovaria a antiguidade do aldeamento, mas cuja interpretação é desprovida dequalquer contextualização dos diversos processos históricos que ali estão implícitos e seriamnecessários para sua análise. Cita, por exemplo, a vereação da Câmara de 1611 na qual é6 LEITE, Antônio Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa: Livraria Portugalia; Rio deJaneiro: Civilização Brasileira, 1938, Tomo I, p. 301-302.7 PETRONE, Pasquale. Aldeamentos paulistas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995, p. 111. [Página 30]
mencionada a necessidade de se separar alguns grupos indígenas, em decorrência de um conflito ocorrido no período entre jesuítas e colonos. Diz ele que:
“[...] da Ata da Câmara da Vila de S. Paulo, do ajuntamento de 15 de agôsto de 1611, em que o povo dizia ‘que com o gentio Carijó estavam moradores índios dos nossos aqui naturais, os quais são da aldeia dos Reis Magos’, requerendo que ‘os apartasse cada um em sua aldeia e que os padres se entendessem sòmente com os carijós que eles desceram e não com os carijós que vieram antes dos padres irem ao sertão’, tivemos a certeza de que essaAldeia dos Reis Magos referida se tratava da própria Aldeia de M’Boy.
Em primeiro lugar, porque não havia Aldeia dos Reis Magos nas imediações de Piratininga; a única que se fundara com essa denominação localizava-se na Capitania do Espírito Santo. Em segundo, porque a designação da Aldeia de M’Boy por esse nome se prendia à semelhança da sua igreja com o templo religioso da referida Aldeia da Capitania vizinha, fato quepodemos hoje explicar, combinando a tradição oral corrente no Embu, com a existência de uma antiga ‘sinagoga’ nas imediações [...]. Eis, portanto, a ‘sinagoga’ que nada mais era senão a torre da antiga igreja do Embu que, por sua semelhança com a igreja da Aldeia dos Reis Magos do Espírito Santo, era aqui também designada pelo mesmo nome, como se viuna aludida Ata.”8
A afirmação de Jordão de que o aldeamento existia em 1611 com um “apelido” deReis Magos9, em decorrência da semelhança entre as igrejas dos dois aldeamentos, por si só éinviável. A inauguração e, consequentemente, conclusão da igreja dos Reis Magos situada no8 JORDÃO, Moacyr de Faria. O Embu na história de São Paulo. Publicação Patrocinada pela PrefeituraMunicipal de Embu. 2ª edição revista e aumentada, 1964, p. 28-29 e 55. Grifo nosso.9 De acordo com Serafim Leite, a aldeia dos Reis Magos já existiria em 1580, no entanto, somente no catálogode 1598 ela aparece como residência fixa. Cf. LEITE, Antônio Serafim. História da Companhia de Jesus noBrasil. Lisboa: Livraria Portugalia; Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1938, Tomo I, p. 243. [O aldeamento jesuítico do MBoy: administração temporal (séc. XVII-XVIII), 2018. Angélica Brito da Silva. Página 31]