XXIV Simpósio Nacional de História. Rede de negócios no registro de Curitiba na passagem do século XVIII para o XIX. Maria Lucília Viveiros Araújo - 01/01/2007 de ( registros)
XXIV Simpósio Nacional de História. Rede de negócios no registro de Curitiba na passagem do século XVIII para o XIX. Maria Lucília Viveiros Araújo
2007. Há 17 anos
Guaratinguetá Manuel da Silva Reis arremataram o contrato dos meios direitos dos animaiscriados nas fazendas do Rio Grande de São Pedro até Serra Acima e os direitos completos dosanimais criados nas fazendas de Serra, Vacaria e Lajes até o Registro de Curitiba por 18contos de réis pelo triênio de 1796-98. No triênio seguinte, os sócios pagaram 36:720 contosde réis e, de 1801 a 1805, 50:401 contos de réis.Nossa comunicação tem por objetivo analisar as contas desses últimos contratosdo Registro de Curitiba e refletir sobre as oportunidades de negócios e acumulação dos comerciantes paulistas sob o regime monopolista do Antigo Regime.
O comércio intra-regional e os registros da capitania de São Paulo
A partir da exploração do ouro nas minas e das necessidades de transporte demercadorias para essa região, cresceu muito a demanda por mulas nas áreas de mineração. Foi criado então um caminho terrestre permanente do Sul para São Paulo. A Estrada Real ligou Viamão (Rio Grande do Sul), Curitiba (Paraná) e Sorocaba (São Paulo) às Minas nos anos 1730.
O coronel de milícias Cristóvão Pereira de Abreu teria auxiliado o traçado do caminho, recebendo assim mercê dos meios direitos do registro de Curitiba por 12 anos, concedida para Thomé Joaquim da Costa Corte Real, conselheiro do Conselho Ultramarino e secretário de Estado dos Negócios da Marinha na segunda metade do Setecentos (HAMEISTER, 2002). A seguir, foram instalados o Registro da Patrulha ou Viamão, hoje cidade de Santo Antônio da Patrulha; o Registro de Curitiba, provavelmente às margens do rio Iguaçu; por último, o Registro de Santa Vitória, às margens do Rio Pelotas.
Segundo Carlos Eduardo Suprinyak (2006), o capitão-general da capitania de SãoPaulo, Antônio da Silva Caldeira Pimentel (1727-1732) organizou o sistema de contagem de animais e arrecadação de impostos cujos condutores não pagavam os pagavam os direitos em Curitiba, eles recebiam uma guia, abonada por um fiador, para ser liquidada em Sorocaba.
Esses tributos foram transferidos para terceiros em meados do século XVIII. ACoroa recebia um valor estipulado ao final de cada ano do contrato, ficando o arrematador naobrigação de contar e cobrar os impostos dos condutores de animais. Até a organização doEstado brasileiro, diversos grupos de negociantes disputaram os direitos da cobrança dosimpostos na passagem de animais de Curitiba e Sorocaba (COSTA, 1985). A partir de 1819,Antônio da Silva Prado arrematou o Registro de Sorocaba e tentou controlar o preço dosanimais na praça do Rio de Janeiro (PETRONE, 1976). [Página 2]
Os historiadores têm estudado essa documentação visando a identificar o númerode animais comercializados, seus valores e os lucros auferidos, em outras palavras, parareconstituir a dinâmica do comércio de carnes e do transporte.Na dissertação de mestrado, Suprinyak (Op. cit.) pesquisou o registro de RioNegro e a barreira de Itapetininga no período Imperial, de 1830 a 1869. Em artigo, emconjunto com Renato Marcondes (2006), esse autor retoma a questão do comércio de animais,utilizando as Lista geral dos meyos direitos pertencentes aos senhores contratadores, ocapitão Francisco Cardozo de Menezes e Souza e Sebastião d’Alvarenga Braga, das tropasque passarão neste rezisto de Coritiba, de 1765 a 1767, e a série do registro de Sorocaba de1779 a 1782. Essas séries são comparadas com os dados da pesquisa de Martha Hameister doregistro de Curitiba do triênio 1769-71 (Op cit). Viviane Tessitore (1995) identificou o valordesse imposto estacionado até 1870 em 2$800 para muar, 2$000 cavalos e $480 vacum.Resumindo, esses estudos identificaram o valor do imposto, o percentual de animais emcirculação, os principais negociantes de tropas e seus fiadores.Nossa comunicação retoma o registro de Curitiba na passagem do século XVIIIpara o XIX com intuito de identificar a rede de trocas instalada na localidade e as possibilidades de lucros desses empreendimentos. Para isso, utilizamos a prestação de contas das sociedades anexadas aos inventários dos contratadores.
A sociedade dos meios direitos da Casa Doada de Curitiba
O Dr. Francisco José de Sampaio Peixoto arrematou o contrato de Curitiba nos triênios de 1799-1805, em sociedade com o sogro, o brigadeiro José Vaz de Carvalho e o tenente-coronel Paulino Ayres de Aguirra (ARAÚJO, 2006).
Paulino Ayres Aguirra foi negociante de tropas, arrematador de contratos, fazendeiro e criador em Sorocaba. Era casado com Maria de Nazareth em segundas núpcias, faleceu em 1798, seu um monte-mor foi avaliado em 29 contos de réis. Ele participou da fase de arrematação do contrato, mas coube a Sampaio Peixoto executá-lo e prestar contas ao espólio. Aguirra havia participado antes da sociedade da cobrança dos dízimos de Curitiba com o mestre-de-campo Manoel de Oliveira Cardoso e Francisco Pinto Ferraz 1. O tenente-coronel Francisco José de Sampaio Peixoto (1751-1811), português, formado em direito, fora casado em Portugal, entre 1770 e 1804, com Ana Pereira de Souza. [Página 3]
Pai e filho foram negociantes e juízes em São Paulo. Após a viuvez, casou-se com Jacinta Cândida de Macedo e Carvalho2, mais nova que ele trinta e seis anos. O casal morava na Rua Direita, num sobrado de três lanços, avaliado em 2:400 contos de réis, e tinha ainda um sítio na Lapa. Os bens de raiz representavam 16% e os créditos de seus dois inventários 68%3.
O brigadeiro José Vaz de Carvalho (1746-1823) era português, casado com Escolástica Joaquina de Macedo, negociante de bestas do sul, morador na Rua Direita. Seu nome aparece em várias histórias da cidade como negociante e arrematador de contratos bem sucedido, contudo estava falido. Seus bens foram avaliados em aproximadamente 9 mil contos de réis, com dívidas de 24 contos de réis.
Seu maior credor era o senador Vergueiro, com 14:570 contos de réis, e sua filha Jacinta, com uma dívida de 8:603 contos de réis, correspondente às contas do contrato de Curitiba, que o pai não havia acertado. Os bens pessoais e os metais preciosos somavam 13,5% dos bens; a propriedade mais cara era o sítio de Cotia, local de invernada dos animais que vinham de Curitiba. Parece que o negociante acumulou muitas dívidas perdidas e foi protelando a prestação de contas com os sócios, até tornar-se insolvente. [Página 4]
Centraremos nossa atenção no anexo do inventário do tenente-coronel SampaioPeixoto “Francisco Jose de SamPayo Peixoto”. A viúva apresenta ao Juiz dos órfãos o “Extratcto do ajustamento da conta dos Meios direitos de Curitiba rematados em Sociedade por 7 anos que findarão em Dezembro de 1805, e Passsagem do Rio Negro”.
Essas contas foram divididas em dois triênios. De 1799 a 1801, haviam arrecadado 60:676$500, acrescido de 5:855$030 dos direitos de Cima da Serra do triênio, mais 1:578$320 do distrito de “Lagens”, totalizando 68:109$850.
No segundo triênio, de 1802 a 1805, a arrecadação aumentou consideravelmente, passou para 104:401$180, os direitos de Cima da Serra de Vacaria foi de 8:894$460, do Distrito de “Lagens” foi 2:370$320, somando 115:665$960. A receita dos impostos alcançara 183:775 contos de réis, quantia equivalente à passagem de 92.000 ou 15.332 cavalos ao ano. Petrone encontrou nas contas do registro de Sorocaba de 1820, do barão de Iguape, circulando 26.539 animais e tendendo a subir.Hameister identificou a passagem de 9.770 animais no registro de Curitiba em 1769, e de10.915, em 1771.Haja vista que o valor do imposto fora congelado, houve um crescimento de69,8% na passagem de animais entre o primeiro e o segundo triênio. O “registo” de Curitibatinha o maior afluxo deles e tendia a crescer em torno de 72%, enquanto as passagens deCima da Serra de Vacaria e do distrito de “Lagens” expandiu aproximadamente 50%.O documento informa ainda sobre a loja de fazendas e gêneros que a sociedademantinha no registro para a “assistências das tropas, e vendas a vista” adquiridas por53:531$771 e vendidas, no tempo da existência do contrato, por 72:303$608, promovendo umlucro de 35%. Essa loja, da época de Oliveira Cardoso (HAMEISTER, Op. cit.), possibilitavadiversificar os negócios com os criadores e condutores de animais do sul. Possivelmente todosos registros tivessem esses estabelecimentos, entretanto, foram omitidos na documentação.Devia ser um local privilegiado para a venda de fazendas secas e de molhados. Muitoscriadores vendiam os animais nessas passagens, estavam, portanto, com dinheiro e disposiçãopara adquirir mercadorias e retornar. Não localizamos nas vilas paulistas da época nenhumaloja com esse valor em mercadorias. A loja do brigadeiro Luís Antônio, no porto de Santos,tinha estoque avaliado em 14:000 contos de réis4.Seguem as despesas da sociedade. No primeiro triênio, foram pagos na Junta daReal Fazenda 36:720$000 e no segundo, 50:401$440 (37%), quer dizer, a arrecadaçãocrescera proporcionalmente mais que o valor do pagamento dos direitos. Entre os descontosinerentes ao contrato, constam duas guias de 251 cavalos da Real Fazenda que deveriam pagar251$000 mil réis, considerando essa informação, o imposto sobre os eqüinos era mil réis, logopoderia ter passado o dobro de animais pelo registro. O contratante apresentava essas guias ao [Página 5]
Os antigos historiadores referiam-se aos rendimentos fantásticos do comérciotradicional paulista, hoje, ele não seria considerado um grande negócio. Eramempreendimentos ousados e arriscados, em locais distantes, com população esparsa, retornoduvidoso, a longo prazo, muitos podiam render cerca de 50%, mas muito perdia-se também.Esses fatores podem explicar o interesse dos comerciantes paulistas pelas propriedadesagrícolas.
Em seguida, localizamos as contas das tropas adquiridas por Vaz de Carvalho eSampaio Peixoto em sociedade. Essa documentação oferece dados interessantes sobre osnegócios de animais entre as barreiras de Curitiba e Sorocaba. A primeira tropa foi compradodo capitão Narciso José Pacheco. Eram 560 bestas por 15$000 cada, e 13 cavalos, por 8$000cada um, totalizando 8:537$600. De Curitiba à invernada em Cotia, eles gastaram mais310$205 (178$080 novos impostos de Sorocaba, capataz 38$684, dois camaradas e despesasmenores), totalizando 8:847$805. Lucraram 1:035$795, 11,7%. Outra tropa comprada docoronel Manoel G. Guimarães proporcionou 17,7% de lucro. Foram 254 bestas compradas a12$000 cada uma, eles pagaram 81$280 pelos novos impostos de Sorocaba e venderam osanimais por 3:810$000.
Os compradores dessas tropas provinham de diferentes localidades, Goiás, MinasGerais, Lorena, Sabará, arraial de São Simão. No custo dos animais era incluído o valor dacompra, sacos de sal, invernada, coxo e curral, novos impostos, camaradas para o transporte,mas não são apontados gastos com caixeiro, escravos ou seguros.Maria Thereza S. Petrone (Op. Cit.) estimou que o barão de Iguape teve lucrosentre 19 e 64% com as mulas, com o capital aplicado entre 12 e 18 meses. Os exemplos denegócios de tropas acima apresentados indicam que os lucros com as tropas, no início doOitocentos, não eram exagerados, e por isso o barão de Iguape passou a negociar bestascontrolando toda a oferta desse produto. Após a Independência, o preço das bestas teriaaumentado 400% (ARAÚJO, Op. Cit.).Notamos importante diferença entre as estratégias de Sampaio Peixoto e de SilvaPrado. Sampaio Peixoto havia montado um sistema comercial da tradição comercial paulista.Seus lucros provinham da diferença entre a parte devida à Real Fazenda e a cobrança dodireito dos animais que passavam por Curitiba. A sociedade aproveitava então a posiçãoestratégica e vendia outros produtos (fazendas secas e gêneros), adquiria também animais paraserem revendidos em Sorocaba, aceitava receber em espécie (principalmente escravos) pararevenda ou fornecia crédito. Eles comercializavam de tudo, em alguns ganhavam mais, emoutros menos. Na revenda dos animais, seu percentual de ganho dependia de conseguir um [Página 7]