Revista do Arquivo Municipal, CLXXX. Edição comemorativa do 25o. aniversário da morte de Mário de Andrade, 1970
1970. Há 54 anos
5)6)Em 28 de fevereiro de 1723 Bento Gomes de Oliveira
"Rodrigo Cesar de Meneses do Conselho de S. Magestade que Deus Guarde, Governador e Cap. General da Capitania de São Paulo, FAÇO saber aos que esta minha carta de data de sesmaria virem que tendo respeito ao que por sua parte me enviou a diser Bento Gomes de Oliveira morador nesta cidade e possuidor de um que ouve por titulo de compra que dela fisera a Stanislao... na paragem chamada Piratininga termo desta cidade que partia com terras e sitio do Capitão Manoel de Carvalho pela banda de cima e pela parte de baixo com Manoel Alvares Rodrigues, e mastigo ao mesmo sitio do suplente estava um pedaço de campo entre ele dito e esta cidade, digo esta mesma cidade, que não tem direito senhorio algum outra pessoa a qual queria o suplente se The concedesse por carta de data de sesmaria em razão de ser realengo pegado de valo que divide o sitio de Gregorio de Castro Esteves na sua agoada cortando do mesmo valo que divide ao suplente e ao dito Gregorio de Castro, tudo aquele que der o rumo verdadeiro da agulha pedindo me lhe fisesse merce de conceder em nome de Sua Magestade por carta de data de sesmaria o dito campo com as confrontações mencionadas que terá de circuito mil braças mandando passar sua carta de data de sesmaria na forma do estilo e atendendo as razões que alegou e ao que respondeo o Procurador da Coroa e Fasenda Real a quem se deu vista e ser de utilidade dela cultivarem se as terras nesta Capitania Hei por bem de conceder em nome de Sua Magestade que Deus guarde por carta de data de sesmaria ao dito Bento Gomes de Oliveira na paragem chamada PIRATININGA ( 0 grifo é nosso ) , termo desta cidade o campo de que faz menção que terá de circuito mil braças com as confrontações e rumos que acima de- clara"... ( Revista do Arquivo Municipal vol. XV ano de 1935 ) .
Em 11 de maio de 1726 - Gregório de Castro Esteves___ Pg. 34
"dis que tem um sitio na paragem chamada PIRATININGA (o grifo é nosso ) , em sua testada se acha uma restinga de mato carasguento que poderá ter de fundo 25 braças ..."
... "quer fabricar um sitio para suas lavouras e que junto a vila no rocio dela esta uma paragem feita capoeira que foi sitio de mais de quarenta anos do padre Salvador de Lima com principios de valos e quer fabricar na mesma paragem que começa a lagoa desta vila Anhangabahu partindo com o caminho de carro estrada que vae para os Pinheiros, servindo a parte da vila de valor de demarcação do mesmo rio Anhangabahu que entesta com os valos velhos e a mesma estrada e agoada vila e da parte do norte até topar com o CAMINHO que vae a PIRATININGA servindolhe de marcação a parte que fica junto aos quintais e saida do beco do Rev. Padre Antonio Lopes Cardoso e o Capitão Pedro Jacome Vieira e lavadouro e agoada desta vila e da parte da ponte até o primeiro aforador, enchendo 300 braças em quadra ... ”
A relação acima é a indicada pelos aforamentos e concessões, extraída do livro de datas de terras e seus respectivos registros, e que após o ano de 1750 nada mais encontramos com referência específica a PIRATININGA. Os citados sôbre os números 1 e 2 estão perfeitamente identificados, dispensando qualquer atenção, senão ao fato de que as suas terras estavam margeando o CAMINHO DE PIRATININGA.-
Os nomes referidos na petição de Francisco Nunes de Siqueira, e relacionados sob o número 3, nomes de seus tios José Alves e Paulo Fernandes nomes êstes do qual não conseguimos nenhuma informação. Já o de Madalena da Luz encontramos, datado de 5 de maio de 1726, um pedido e respectivo registro de uma data de terras "no rocio desta cidade na mesma forma que ela possue ... a qual fica na paragem chamada Tamanduatehy caminho do mar e parte com ( ilegível ) , ... e com a fonte chamada Goja de outra banda com as terras de Luis Fernandes, digo Ferreira da Costa, da mesma maneira nos valos antigos que tem ela possua e faça”.
Na sua petição de 12 de julho de 1669, o Capitão Francisco Nunes de Siqueira informa que Madalena da Luz tinha pegado ao seu sítio de Piratininga um pedaço de terra que largou. Não esclarece qual a forma que "largou", se abandonou as terras ou cedeu ao vizinho por título de compra, empréstimo ou outra qualquer maneira. O que se verifica com a conexão dêstes dois informes é que Madalena da Luz saiu das terras de Piratininga pedindo outras na paragem de Tamanduateí, junto ao caminho do mar, para onde se transferiu.
As informações contidas na data de Gonçalo Mendes Peres, e relacionadas como número 4, são preciosas, pois indicam com precisão que dois eram os caminhos que margeavam a sua propriedade. Uma divisa do terreno pelo CAMINHO de Nossa Senhora da Luz, e a outra divisa pelo CAMINHO de PIRATININGA. Os caminhos ou são paralelos ou se cruzam. Esta informação geográfica encontramos exatamente na data de Francisco Lemos, de 6 de abril de 1630, quando pediu terras para lavrar
"que do rocio do Concelho desta vila aonde está a faser sua fasenda a saber indo desta vila para N.S. do Guaré pelo mesmo caminho da encrusilhada do de Piratininga até entestar com o ribeiro pelo caminho de Piratininga até a encrusilhada do de Tabacoara e dahy em adiante vae e com o proprio quintal do dito Acenso Ribeiro visto estar devoluto". ( Cartas de datas de terras Pref. Munic. vol. III 1937).
Este Francisco Corrêa Lemos dizia em sua petição que era morador no Espírito Santo e que "ora estante nesta vila com sua casa de morada". Verifica-se pois que a sua fazenda, ou melhor, as terras estavam entre a vila e N.S. da Luz do Guaré, portanto antes do rio Tietê. E que antes dêste rio, cruzava, distorcia ou corria paralelo ao caminho de N. S. do Guaré um outro caminho que ia a PIRATININGA. Então dois eram os caminhos: um ia a N.S. do Guaré e o outro ia a PIRATININGA.
Na seguinte, de número 5, data de Bento Gomes de Oliveira, concedida em 1723, encontramos como antigo proprietário de sua área em Piratininga um certo Estanislao, cujo nome o documento não informa, pois êle, o documento, está nesse trecho comido pelas traças.
Diz êle ainda que pela parte de cima de sua fazenda em Piratininga estava a propriedade do Capitão Manuel de Carvalho e pela parte de baixo a de Manuel Alves Rodrigues, e, ainda, quetambém era lindeiro às terras pretendidas um certo senhor denome Gregório de Castro Esteves. Dêstes nomes encontramos nolivro de datas o registro da carta de aforamento de Gregório deCastro Esteves, em que diz, na sua petição, que tem um sítio naparagem chamada PIRATININGA e que sua testada se achajunto a uma restinga de mato carasguento que devia ter de fundovinte e cinco braças, pedindo às autoridades ordem para anexá-la àsua propriedade. O seu requerimento, aliás, é até bem resumido.e reduzido de qualquer outro detalhe ou informação por ondepudéssemos tentar localizar a área de Piratininga, e onde estavasituado o seu sítio.
Vê-se pois que êste documento, relacionado sob o número 6,em nada nos esclarece. Quanto ao de número 7, em nome de LuizRodrigues Vilares, é êle também muito precioso, pois informa quea testada da terra desejada margeava pela parte sul a estradade Pinheiros a hoje Quirino de Andrade e Consolação, dado queas terras também margeavam o rio Anhangabaú. A testada decima, pelo Norte, até topar com o caminho de Piratininga. Concedida que foi com 300 braças de terra em quadra, ela deviaestar contida entre as hoje Ruas Consolação, Ipiranga, São João,e atingia a antiga Rua Alegre a agora Brigadeiro Tobias, quedevia ser o caminho de Piratininga, ou possivelmente a Rua JoséPaulino, antigo Caminho do Ó. [Página 232]
Nos assentamentos lavrados nos livros de Registro Geral nada encontramos com referência específica ou qualquer outra indicação de vizinhança geográfica , física ou social, que se relacionassecom a paragem chamada Piratininga, a não ser quando na data de 2 de outubro de 1769 aparece o requerimento, pedido de registro do título de propriedade do capitão Francisco Nunes de Siqueira, dando-nos as mesmas confrontações, já conhecidas pelo documento encontrado no livro de datas de terras.
Das inúmeras curiosidades anotadas, acontecidas no decurso pesquisado, encontramos, com a data de 25 de março de 1680 , uma carta do Ouvidor Geral da Repartição do Sul, Dr. André da Costa Moreira, ordenando que Francisco Nunes de Siqueira se afastasse sete ou oito léguas, visto o mal estar que causava a sua presença na vila, dado que podia interferir no resultado das eleições marcadas para o dia 21 de abril, de renovação do quadro de vereadores. Foi assim banido, por uns dias, a uma distância de 50 quilômetros, para não exercer a sua influência, ou não perturbar o processamento das eleições. ( Rev. Geral, vol. 3, pg. 244).
Uma das coisas estranháveis nesta série de documentos alinhados é o fato de que quando a comuna determinava o consêrto e a conservação dos diferentes caminhos da vila, não encontrarmos nenhum mandato específico ao caminho de Piratininga ou, pelo menos, que êle se relacionasse. Este caminho, muitas vezes citado como divisa, nos títulos de propriedade de terras concedidas, não é encontrado nas relações das obras e serviços, a não ser nas atas do ano de 1589 e 1625, relação essa que elaboramos para maior entendimento do problema. Relações levantadas das atas e seus registros e outros documentos que historiam as atividades do plenário da vila de São Paulo.
Encontramos caminhos especificamente denominados: Pinheiros, Santo Amaro, Caguassu, São Miguel, Nossa Senhora da Luz, Juqueri e Embuaçava, no bando publicado a 5 de março de 1661, quando indicava os responsáveis pela feitura e conservação dêstes caminhos, além de relacionar as respetivas multas a que estavam sujeitos os faltosos.
Com exceção das pontes sobre os rios Anhangabaú e Tamanduateí dentro do rocio, encontramos, além dêsse contôrno, especificando uma direção, a direção Norte, um mandato de 4 de fevereiro de 1741 , ordenando que o cidadão Manuel João consertasse a ponte sôbre o Rio Tietê, no caminho de Nossa Senhora do Ó, e outro mandato endereçado a Francisco André, incumbido do consêrto da ponte de "Senhora Sant´Ana". [Página 233]
Vejamos êste particular: Nossa Senhora do ó devia ser depois do rio , pois para seu acesso havia uma ponte. Santana também era depois do rio Tietê, porquanto também foi ordenado o conserto da ponte que existia sóbre êle. Então antes do rio Tietê, saindo da cidade, ou do caminho do Guaré, existiam dois caminhos, que iam a diferentes direções. Um à esquerda, a N. S. do Ó; e o outro, em direção Norte,a caminho de Santana. Por que não conservou a denominação tradicional de Ponte do Guaré ou de N. S. da Luz? Por que os nossos antepassados não se serviam de um único caminho, ou melhor, de uma única ponte, atravessando o rio ? Devia Santana já estar sobressaindo-se ou destacando-se como aglomerado físico, ao ponto de absorver as denominações antigas? É exatamente o que notamos na planta da cidade, levantada no ano de 1810, quando Afonso de Taunay informa que o caminho de Nossa Senhora do Ó é à esquerda à hoje Rua Mauá e José Paulino (A. Taunay O Velho S. Paulo - pg. 21 , Ed. Melhoramentos).
Tal deve ser, pois, na mesma data, a Câmara da cidade baixou catorze mandatos, ordenando o consêrto do caminho do mar. Éstes catorze mandatos tinham os enderêços de catorze bairros existentes e todos êles situados nos pontos extremos da cidade, tais como: Santana, Conceição, São Miguel, Cotia, Caaguassu, Penha, Borda do Campo, Santo Amaro, M´Boy, Pinheiros, Ubuaçava, Nossa Senhora do Ó, Juqueri, São João de Atibaia e, finalmente, Nazaré. Não vamos entrar em considerações para esclarecer as posições físicas, no mapa geográfico, de cada um dêsses aglomerados, que no entanto confirmamos ser em número de catorze. Devemos nos ater ao nosso roteiro, para colimar ao plano específico da localização da paragem ou bairro de Piratininga.
Para rematar as informações fornecidas pelo livro de Registro Geral, podemos esclarecer que os livros de atas dos trabalhos da Câmara, também no decurso de tempo vasculhado 1650 a 1750 —, nenhuma delas refere- se ao Caminho de Piratininga e também a nenhum outro caminho, quando os vereadores ordenavam a sua conservação e o seu consêrto não só do seu leito como das pontes encontradas em seu trajeto.
Na interpretação dos textos, muitas dúvidas nos aterraram, dadas as diversas denominações que batisava o escrivão o mesmo caminho, a mesma ponte. Vejamos êste mandato da feitura do caminho de São João de Atibaia, cuja data é de 8 de agosto de 1744: foi ordenada a conservação do caminho, partindo daquele bairro até a ponte do Guaré, e outro mandato indicando o percurso, partindo do mesmo bairro de São João de Atibaia até Nossa Senhora da Luz. Por que na primeira ordem não mencionava N. S. da Luz, em vez de Guaré? Elas foram baixadas na mesma [Página 234]
Bento Gomes de Oliveira morreu em 1729, no sertão de Mato Grosso, atacado pelos índios Parecis, quando voltava para São Paulo de uma expedição aurífera. Morreu pois seis anos após ter recebido as terras vizinhas ao seu sítio de Piratininga. Era casado com Dona Escolástica Veloso, que faleceu no ano de 1753, trinta e seis anos depois de recebida a sesmaria e vinte e quatro anos depois de seu marido.
Este testamento, que examinamos nas prateleiras do Arquivodo Estado, pois ainda conserva-se inédito, é uma peça que muito indicará das condições sociais da população na época, seus usos e costumes.
Esta senhora faleceu a 20 de outubro de 1753, deixando viúvo em segundas núpcias o cidadão Thomé Rebelo Pinto, feito seu inventariante. O processo do inventário não traz o seu testamento original, porém um translado, onde ela manifesta os seus últimos desejos, nada indicando quanto aos bens que possuía, dado que indicara apenas os desejos religiosos.
Os avaliadores que funcionaram no processo, indicam como patrimônio móvel inúmeros objetos de uso pessoal e decorativos, em metal de lei, tal como ouro, prata, cobre, estanho, roupas, móveis de madeira, imagens sacras, escravos em número de trinta e três, sendo que, como imóvel, foram avaliados apenas dois: uma casa de residência, ou seja de morada, como diziam os avaliadores, "sita na rua direita desta cidade", que pela descrição quase chega à esquina com a Rua de São Bento, casa avaliada em trezentos e setenta mil réis, e o outro imóvel um sítio no têrmo desta cidade de São Paulo, no bairro da Fazenda Santana, para a parte de lá do rio chamado Tietê, que contém casa de três lances, com os seus corredores, alpendres, plantas cercados e outros, tendo sido avaliado em seiscentos mil réis. Todo o patrimônio inventariado montou em 12:133$204.
Este sítio, no têrmo da cidade de São Paulo, bairro da Fazenda da Senhora Santana, é o que Bento Gomes de Oliveira diziaque possuía e comprara de Estanislao, quando, em 1723, pediuas terras vizinhas que de lá desciam para as margens do rio, com ocircuito de mil braças, na expressão da época, na carta concessória. Os avaliadores no processo de inventário não mencionam oseu tamanho e tão pouco indicam as suas divisas, procedendocomo os seus colegas do passado : sumários nas informações. Éevidente que êste é o mesmo sítio que Bento Gomes de Oliveiracomprara a Estanislao, na paragem chamada Piratininga, conforme informa na sua carta peditória, ao Governador da Província, pois já demonstramos a sua posição através de seus vizinhos,descritos também na mesma peça legal. Tanto o sítio compradocomo a área concedida, pertenceram à antiga Fazenda de Santana,de propriedade dos padres jesuítas, e que até o ano de 1930, nomapa do município levantado pela Prefeitura e conhecido comomapa da "SARA", está perfeitamente caracterizada como a Fazenda do Seminário. A fazenda possuía Convento e Igreja. Estaigreja tinha por padroeira Nossa Senhora Santana. Daí o nomedo bairro e fazenda. Com o confisco das propriedades dos jesuítas, determinado após a sua expulsão do Brasil, pelo Marquês dePombal, terras estas anexadas às propriedades da Corôa Portuguêsa, veio no setecentismo a ser um núcleo colonial, e elas acabaram sendo distribuídas em sesmarias. [Páginas 254 e 255]
Bloem introduziu, pois, no interior de São Paulo, entre os primeiros, senão o primeiro, as carroças, os carros de 4 rodas e carretões para arrastar todos e efetivamente usados na fábrica, e outros carros grande (carroções, depois chamados caminhões) destinados a ir de Ipanema a Santos.
É um motivo de glória para o seu nome. O inventário enumera as madeiras. As ferramentas dos pedreiros: picões, enxadas, martelos, brocas, colheres, prumos, marrões, agulhas de broquear com o seu limpador, picaretas, a canoa, o barco de fundo de prato.O caixote com sementes de alfafa, e aqui deixamos essa nota para a agricultura, uma renovação de métodos antigos. As ferramentas da roça são os ternos de machado, foice e enxada, oito dentes de arado. Isto é bom lembrar. Em 1842!
Curiosidades: fechaduras inglesas de ferro, suecas, de pau, 40 correntes de galés com pegas. Dois modelos de sinos. (De fato, Bloem fundiu sinos para Sorocaba). Duas rodas de fiar, 23 cabos de ferro de engomar. Fechaduras de segredo feitas na fábrica. [Revista do Arquivo Municipal, CLXXX. Edição comemorativa do 25o. aniversário da morte de Mário de Andrade, 1970. Página 282 do pdf]
Mesmo assim os tumultos prosseguiam. Aparece em 1781 um homem "rebuçado" que, em companhia de escravizados fugidos, praticava desordens. Enquanto isto, no interior os quilombos continuavam dando trabalho. Em 1778 dizia-se que qualquer pessoa podia destruir de assalto um quilombo no termo de Parnaíba, prendendo os ditos aquilombados com um mulato chamado Antônio Pinto. O mulato homiziado no quilombo era "criminoso de delitos graves".
Em 1782 Sorocaba preocupa as autoridades que ordenam a prisão de vários escravizados fugidos daquela vila. Em em 1785 insistem no mesmo assunto. [Revista do Arquivo Municipal, CLXXX. Edição comemorativa do 25o. aniversário da morte de Mário de Andrade, 1970. Página 374 do pdf]
Daí não ser incomum que duas pessoas, em situações contrastantes, conflitantes, invoquem provérbios perfeitamente adequados à respectiva posição. A mulher que, em tarde de sábado, subindo a um trem da Sorocabana, no bairro das Anhumas, animava o marido a mover-se rápido a fim de ser o primeiro com os queijos no mercado da cidade, terminava por dizer: "Boi lerdo só bebe água suja". [Página 386 do pdf]
Facilitando tal transplantação convergente, naturalmente os mitos nativos aqui encontrados pelo negro e pelo europeu em seus primeiros contatos com a terra: o curupira e o caapora já vistos. Mito que não é estranho ao folclore paulista também. Haja visto as notícias que dele nos deu Cornélio Pires em seu livro Quem Conta um Conto (1920), onde o curupira aparece como um nativo pequeno, com os pés ao contrário, isto é, o calcanhar para a frente. Um morro nas proximidades de Sorocaba, é apontado pelo escritor paulista com nome e lendas que se prendem a este mito, fixado igualmente por Amadeu Amaral (Dialeto Caipira (1920)). [Revista do Arquivo Municipal, CLXXX. Edição comemorativa do 25o. aniversário da morte de Mário de Andrade, 1970. Página 542 do pdf]
Seiscentista era a casa de Pedro Vaz de Barros, em muros de pedra. Um dos motivos era a defesa contra os nativos. Não se conservaram estas casas. Do mesmo modo não se sabe de casas de taipa de mão ou de pau-a-pique seiscentistas.
Houve-as, principalmente menores, mas até mesmo grandes, em terras menos própria para taipa e junto à abundante madeira da floresta. No inventário de Isabel de Proença, com testamento em novembro de 1654, consta que a casa do fundador de Sorocaba, Balthazar Fernandes, era de pau-a-pique. E muito grande.
Luiz Saya conseguiu estudar doze casas seiscentistas em São Paulo e arredores, juntando-lhes algumas mais recentes, devido aos caracteres arquitetônicos. São ou eram de taipa de pilão. [Revista do Arquivo Municipal, CLXXX. Edição comemorativa do 25o. aniversário da morte de Mário de Andrade, 1970. Página 50]
Pertence a esta época a casa de taipa do bandeirante Baltazar Fernandes, a qual chegou até nossos dias e foi construída no lugar da primeira. A entrada ficava na parede lateral, que podemos dizer fachada mais comprida. A frente menor era alta, mas mostrava somente janelas. Naturalmente o porão não tinha esse nome. Janelas sem vidro, fechos de trancas de madeira e taramelas. Dois puxados, sendo um a cozinha, o pátio todo fechado por um alto muro: era o pátio interno. [Página 51, 563 do pdf]
Saya lembra von Martius que ainda no começo do século XIX achou, em Taubaté, uma cozinha bem separada no rancho da criadagem. De suas casas de Sorocaba, setecentistas, uma a já citada de Balthazar, construída sobre o alicerce de outra mais antiga, tinha o lanço da cozinha, outra (que ainda está de pé) não o tem.
Nas doze casas de Luiz Saya, só duas tem o lanço separado. Em conclusão: nas casas seiscentistas e até os meados do século XVIII, quando de potentados bandeirantes da caça ao nativo, preferia-se cozinha dentro das quatro águas, mas não se desprezava a solução do lanço separado. E dois lanços, pois o lado fronteiro era a despensa ou depósito. Este, em Sorocaba e, certamente, em Parnaíba e São Paulo, chamava-se armazém, e exigia pé direito mais alto. Já temos ouvido também o nome de sobrado. Podia ser de janelas e mesmo escuro, iluminado lateralmente pelo varandão em telha vã. [Página 52]
Em um inventário de 1805, em Sorocaba, lê-se referência a mais de um casacão. Acho que descia até o meio da perna. O inventariado era um padre. Do casacão só resta a parlenda infantil muito antiga: "Tem razão, tem razão. Tem razão do casacão". [Página 568 do pdf]
No século 16 ainda se encontra a palavra tejupar com o mesmo sentido. Um rancho é um tejupar nativo um pouco melhorado. Anchieta pousou mais de uma vez na Serra do Mar num tejupar. Lembrança moderna dos ranchos dos escravizados nativos é o topônimo paulista Rancharia, na Alta Sorocabana, onde os selvagens chegaram até os primeiros anos deste século.
Principalmente nas aldeias jesuíticas esta rancharia melhorou, com as paredes de pau-a-pique e até as telhas de barro. A cidade de São Roque tem origem seiscentista na rancharia de redor da casa de Pedro Vaz de Barros.
Rancho é ainda hoje qualquer grande galpão coberto de sapé para olaria, para guardar implementos agrícolas, etc. Galpão é puro castelhanismo que só entrou em São Paulo depois da fundação do Rio Grande do Sul e aqui se reserva para designar, nas cidades, as tendas de pequenas indústrias. [Página 572 do pdf]
As fazendas de criar (que ao mesmo tempo cuidam de pequena lavoura para o gasto) admitiram desde o começo subdivisões. O curral a princípio era o pequeno espaço fechado para cuidar do gado num campo reiuno ou de sesmaria. No século 17 o padre Guilherme Pompeu possuía currais em Itu e Sorocaba, mas as terras de pastagens onde largava o gado eram suas. [Página 575]
A geografia da farinha de milho não é somente física, mas humana, pois coincide com a região centro-sul devassada pelos paulistas e onde outrora foi o grande São Paulo. Os primeiros cronistas não a descrevem qual a conhecemos hoje. As primeiras referências conhecidas são de 1766, quando o Governador de São Paulo, Morgado de Mateus, fez comprá-las principalmente em Itú e Sorocaba para alimentação dos povoados do maldito Iguatemi, em sua viagem de meses pelos rios. [Revista do Arquivo Municipal, CLXXX. Edição comemorativa do 25o. aniversário da morte de Mário de Andrade, 1970. Página 578 de pdf]
O Ataque arrasador
O ano de 1590 seria depois frequentemente lembrado. Era o do assalto à vila. A ata do dia 13 de abril contém o apelo lancinante de socorro a todos os povoados. "Com muita brevidade porquanto o gentio estava já junto nas fronteiras e era certeza vir marchando com grande guerra sobre a vila". O socorro vem de "todas as vilas deste mar e a Itanhaém".
Afonso Sardinha aparece em todas as atas desse tempo. No dia 1 de julho de 1590 lá está: "se ajuntarão em Câmara oficiais dela, a saber: Afonso Sardinha, Sebastião Leme, vereadores e juiz Fernão Dias".
No ata de 7 julho que "vieram contra nós todas as aldeias do sertão", mataram a Luíz Grou com todos os seus companheiros, que seriam cinquenta homens, mataram muitos escravizados e escravizadas nativas, destruíram muitas fazendas tanto de braços como de nativos, queimaram igrejas e quebraram a imagem de Nossa Senhora do Rosário, de Pinheiros.
E vem a queixa amargurada: "Eles eram nossos vizinhas e amigos. Nossos compadres e se comunicavam conosco gozando nossos resgates e amizades, e isto de muitos anos a esta parte e sem lhe fazermos nenhum mal. Eles mataram brancos e se levantaram contra nós. E nos fizeram tanto mal. Se lhe não dessem o castigo que mereciam com presteza poderia resultar muito dano a esta capitania e estava em risco de se despovoar esta vila.
"Gente bárbara e usada na guerra e andaram aos saltos como nos tem ameaçado". E este trecho que revela não serem os bugres tão broncos e estavam sendo agitados por agentes do exterior:
"Nos tem ameaçado dizendo que, em nos acabando irão ao Rio de Janeiro e à mais partes da Capitania, digo, costa dizendo que haviam de dar o capitão e os padres aos ingleses e fazer com eles pazes e trato".
Assinam a ata, pela ordem: Belchior da Costa, Jerônimo Maciel, Sebastião, Afonso Sardinha e Fernão Dias. [Revista do Arquivo Municipal, CLXXX. Edição comemorativa do 25o. aniversário da morte de Mário de Andrade, 1970. Página 603 do pdf]
A ata seguinte trata da guerra, começando com Afonso Sardinha, sempre presente. Na paz e na guerra. Vai continuar a aparecer. Em 1592 é nomeado capitão da gente de guerra a ser iniciado contra os nativos.
Nas atas de 1593 e 1594, está contida a grande reação. É então organizada a grande expedição que penetra profundamente no vale do Paraíba. Vai trazer guerra punitiva e preventiva. Tem como complemente a penetração profunda de Martim de Sá, que partiu do Rio de Janeiro, sobe por Parati, entra no vale do Paraíba entre Pindamonhangaba e São José dos Campos e encontra-se com a expedição paulista chefiada por João Pereira de Sousa, saída em outubro de 1596 com a missão explícita de ir fazer a guerra do Paraíba.
Os paulistas que acompanhavam João Pereira de Sousa Botafogo somavam mais de uma centena, além do corpo de nativos. Carvalho Franco registra: "Nesse ano Afonso Sardinha fez testamento por estar de caminho para uma guerra no denominado sertão da Parnaíba, diligência em que gastou quatro meses, de outubro de 1592 aos primeiros dias de fevereiro de 1593".
Nas atas da Câmara a sua assinatura apresenta-se inconfundível. Umas vezes como uma espécie de cruz de Lorena. Outras vezes com o seu nome completo e mais a original cruz.
Um criador de riquezas
Foi banqueiro sem cobrar juros. Financiava empreendimentos. Possuía casas de aluguel, em Santos e São Paulo. Em Santos, onde teve por inquilino o padre vigário Jorge Rodrigues, a 12 cruzados por ano. E o padre Simão de Lucena, que Deus tem, também morou nestas casas muito tempo e nunca pagou nada, só deu dez mil réis, declarou em seu testamento de 1592.
Em São Paulo, moradia à rua Direita, então ainda sem denominação. A referência é clara na petição que frei João de Carvalho prior do Convento de Nossa Senhora do Carmo de Santos, vindo a São Paulo, fez ao juiz Manuel Fernandes. E do qual consta: "desse juramento a pessoas antigas e sem suspeitas para declararem o caminho de Piratininga que vinha da vila velha de Santo André".
João Maciel e Pascoal Dias depuseram que o caminho vinha de Santo André pelo curral que foi de Aleixo Jorge, penetrava à ponte do Tabatinguera, seguia direito pela rua onde estava o mosteiro dos Padres da Companhia, passava pelas portas que foram de Afonso Sardinha, Rodrigo Álvares, e Martim Afonso (Tibiriça elucida monsenhor Silveira de Camargo) e ia sair no ribeiro (Tamamduateí) até o rio grande (Tietê).
Em 1585 figurava Sardinha no estado-maior da expedição contra os carijós, juntamente com Antônio de Proença, Sebastião Leme, Manuel Ribeiro, Salvador Pires, Afonso Dias e Jerônimo Leitão.
Depois da vinda de D. Francisco de Sousa, governador geral do Brasil entre 1591 e 1602, a vida recebera novos estímulos. "E o verdadeiro promotor do bandeirismo" - Escreve Taunay. Agora a vida corre em paz. "A vila durante a semana ficava deserta porque os moradores iam trabalhar nas suas fazendas. Os padres seculares viviam nas suas casas e alguns tinham a sua fazendinha.
"Os religiosos nos conventos ocupados em seus misteres e também com fazendas para a cultura de cereais e criação de gado. Era coisa comum esta modalidade de vida e por vêzes necessária à manutenção própria dos agregados".
Monta fornos de fundição. Araçoiaba, depois denominada Ipanema, para os lados de Sorocaba, resulta de sua experiência. Ali seria depois montada a grande metalúrgica do reinado D. João VI. E em Ibirapuera. Ainda existem seus restos em Santo Amaro. [Revista do Arquivo Municipal, CLXXX. Edição comemorativa do 25o. aniversário da morte de Mário de Andrade, 1970. Páginas 604 e 605 do pdf]