O PROGRAMA IMAGÉTICO DA PAIXÃO DE CRISTO DAS ORDENS TERCEIRAS DO CARMO: contraponto entre história, iconografia, materiais e técnicas de esculturas devocionais dos séculos XVII – XIX no Brasil - 01/01/2019 de ( registros)
O PROGRAMA IMAGÉTICO DA PAIXÃO DE CRISTO DAS ORDENS TERCEIRAS DO CARMO: contraponto entre história, iconografia, materiais e técnicas de esculturas devocionais dos séculos XVII – XIX no Brasil
2019. Há 5 anos
1.3. As “Igrejas Irmãs” das Ordens Terceiras do Carmo de São Paulo (1594), Mogi dasCruzes (1698), Santos (1752) e a “Igreja Filha Única” de Itu (1716)No século XVI e inícios do século XVII, a região da Capitania de São Vicente erainexpressiva para o Império Português, sua economia era sustentada pela captura de índiosassociada à posse de terras para cultivo. Nessa época, comparada às Capitanias do Rio deJaneiro e de Minas Gerais, a de São Paulo não possuía um mercado para as atividades artísticas.No ano de 1765, com a criação do governo da Capitania com sede em São Paulo, foi quando sedesdobrou e impulsionou o desenvolvimento da vida urbana205.Com isso, começaram a aparecer muitas construções civis na Capitania de São Vicentee também obras de reedificação de igrejas, possibilitando contratos de artífices. As OT eirmandades foram as grandes responsáveis pela maioria desses contratos, para a edificação eornamentação de seus templos206. Assim, juntamente com os frades conventuais, criaram umarede de edifícios nos principais núcleos urbanos daquela Capitania. Dentre as localidades quea compõe, destacamos a Vila de São Paulo, de Mogi das Cruzes e Itu no sertão da Colônia, e aVila de Santos no litoral.
No ano de 1580, frades carmelitas sob a orientação do Padre Domingos Freire acompanhavam a expedição de Frutuoso Barbosa, a qual tinha como finalidade fundar uma Colônia na Paraíba. Diz a carta de apresentação: “é obrigação nossa e de todos os religiosos que professam nosso modo de vida, servir a Deus e à sua Mãe SSma. dedicando-se à salvação das almas e incremento da religião cristã” [MARQUES, Elizabeth Gonçalves. História e Arte Sacra do Conjunto Carmelita de Santos – SP. 2007. 215 f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Instituto de Artes da Universidade Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), 2007, p. 31.].
Chegaram a Santos no mês de abril. Na Vila, os carmelitas foram recebidos por Brás Cubas, protetor da ordem. Os carmelitas recém-chegados eram compostos por quatro religiosos: Frei Domingos Freire, Frei Alberto de Santa Maria, Frei Bernardo Pimentel e Frei Antônio de São Paulo Pinheiro 208.
205 ARAÚJO, Maria Lucília Viveiros. Teto da Igreja do Carmo de Itu original ou apenas diferente? In: Revista deHistória. FFLCH – USP, n. 136, 1º semestre de 1997, p. 74.206 TIRAPELLI, Percival; SALOMÃO, Myriam. Pintura Colonial Paulista. In: TIRAPELLI, Percival (org.). ArteSacra Colonial: barroco memória viva. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Editora UNESP,2005, p. 98. 208 MONTEIRO, Raul, 1978, p. 6.
A ordem carmelita no Império Português foi dividida em duas províncias carmelitanas: a do Norte e a Fluminense. Os conventos da Capitania de São Vicente pertenciam à província Fluminense, a qual era composta pelos seguintes conventos: o da Lapa no Rio de Janeiro, de Santos, São Paulo, Mogi das Cruzes, Itu e o de Angra dos Reis [NARDY FILHO, Francisco. Notas históricas do Convento do Carmo de Itu (Estado de São Paulo 1719 – 1919). Itu: Ottoni Editora, 2006 (A Cidade de Itu; 6), p. 14 – 15.].
Os frades se estabeleceram na capela de Nossa Senhora das Graças em 1562, a qual foidoada aos religiosos no ano de 1589. Brás Cubas doou terras para a fundação de um conventona vila de Santos e nas terras da Vila do Sertão. Em 1589 os carmelitas fundaram a igreja e oconvento do Carmo de Santos210. Em 1590, os carmelitas chegam a São Paulo, instalando-se nabaixada do Tamanduateí; o convento da cidade foi fundado em 1594, por Frei Antônio de SãoPaulo, também em terras doadas por Brás Cubas. Na região de Mogi, os frades Frei João daCruz e Frei Manoel Pereira, fundaram o convento em 1629, a pedido da Câmara e do Vigário.Na Vila de Itu, o templo carmelita foi fundado em 1719, por Frei João Batista de Jesus, por ordem de Dom João V Rei de Portugal, pedido feito pelas Câmaras de Itu e Sorocaba [211 MARQUES, Elizabeth, 2007, p. 129.].
Dessa maneira, foi a partir da instalação das ordens primeiras que se fundamentaram asOT na Capitania de São Vicente, tal qual aconteceu na Capitania da Bahia de Todos os Santose na do Rio de Janeiro. Os templos dos terceiros surgiram quase que simultâneos aos conventos,formando grandes conjuntos arquitetônicos, dos quais muitos permanecem até hoje. Éinteressante notar que nessa região não houve o recuo espacial entre o templo conventual e oleigo – o primeiro mais a frente e o outro mais afastado atrás –, a maioria dos conjuntos eramformados por igrejas irmãs, compartilhando a mesma fachada e dividindo o mesmo espaço. Nãohá uma hierarquização entre o templo conventual e o laico.Nesse sentido, objetivou-se pensar qual o papel que as imagens da Paixão de Cristodesempenham naquelas localidades: Qual seria a justificativa dessa ser a única região quepossui em todos os templos dos terceiros carmelitas a série completa das ditas esculturas semnenhum outro tipo de devoção secundária? Iniciou-se a presente análise por ordem cronológicada fundação de cada OTC, através do mesmo estudo comparativo aplicado anteriormente. Emrelação à questão devocional das imagens, isso foi analisado no terceiro capítulo da tese.No ano de 1590, os carmelitas se instalaram nos limites da Vila e São Paulo, obtendo alicença para a construção dos edifícios do convento e da igreja do Carmo. A inauguração foiem 1594, a região foi nomeada de Largo do Carmo212. O convento e a igreja do Carmo dosfrades carmelitas permaneceram ao lado da igreja da OTC até 1928, quando foram210 MONTEIRO, Raul, 1978, p. 7; NARDY FILHO, Francisco, op. cit., p. 14.212 Hoje essa área constitui o início da Avenida Rangel Pestana tendo como ponto de partida a Praça ClovisBevilacqua. [O programa imagético da paixão de Cristo das Ordens Terceiras do Carmo: contraponto entre história, iconografia, materiais técnicas de esculturas devocionais dos séculos XVII - XIX no Brasil, 2019. Lia Sipaúba Proença Brusadin. Páginas 67 e 68]
estavam servindo de enchimento, semicoladas a uma velha capa de couro do Livro do Foral daVila de Mogi das Cruzes de 1748. Esse livro se encontrava no Arquivo Histórico e Municipalda cidade de Mogi das Cruzes638.
Assim, esses documentos raros não tinham datação. Segundo os autores, pelo tipo depapel e caligrafia, era certo ser uma documentação antiga. A partir das pesquisas feitas eminventários e testamentos do século XVIII, buscou-se o nome do autor. O Padre Francisco doPrado Xavier, que morreu em 1800, o nome do outro autor que consta na documentação, AngeloXavier, morto em 1769, era irmão de Francisco, e, por fim, o nome do usuário, o PadreThimóteo Leme, que faleceu em 1778. O Padre Francisco foi Mestre de capela do convento doCarmo e Thimóteo foi Mestre de Capela na Vila de Sorocaba, que fica próxima a Mogi639.
Para uma datação mais precisa, os pesquisadores se fundamentaram nos elementosgráficos e comerciais dos documentos – marcas d’água – e na atuação dos irmãos em Mogi e ade Thimóteo em Sorocaba. As marcas d’água, provenientes da Capitania de São Vicente, foramusadas em papéis somente nas décadas de 1720 e 1730. O Padre Faustino foi nomeado Mestrede Capela em 1729. Dessa maneira, vinculando esses dados com a análise musicológica, adatação provável da documentação encontrada é de 1730 a 1735640.Portanto, pode-se concluir que, a partir dessa constatação, a celebração da procissão doTriunfo de Mogi começou por volta de 1730 e a sua extinção deve ter ocorrido em início doséculo XIX, pois o último Estatuto que trata dessa festa é o de 1915.À vista disso, enquanto devoção voltada às imagens da Paixão de Cristo, eram feitos osExercícios Espirituais da Ordem, todos os Domingos do Advento e da Quaresma, nas Sextasfeiras de Passos e Santa. Entretanto, no Artigo 54, dos Estatutos de 1897, trata que além dessasfesta e santos exercícios, as quais exigem maiores solenidade e recursos da OT, os terceirosfaziam outros atos, que eram prescritos no seu calendário, que para sua realização foi elaboradauma tabela demonstrando os dias e os orçamentos desses atos:1º de Janeiro – Missa e Rasoura 3$0006 do mesmo – Missa 3$0002 de Fevereiro – Missa e Rasoura 3$000Quarta-feira de Cinzas – Via Sacra e Cinza 3$0001º Domingo da Quaresma – Missa e Via Sacra 4$000Sexta-feira de Passos 4$000Procissão dos Passos 6$0002º Domingo – Missa e Via Sacra 4$000638 TRINDADE, Jaelson Bitran; DUPRAT, Regis. O achado de Mogi. In: Revista do Patrimônio Histórico eArtístico Nacional. No. 20, 1984, p. 13 – 14.639 TRINDADE, Jaelson; DUPRAT, Regis, op. cit., p. 15.640 TRINDADE, Jaelson; DUPRAT, Regis, op. cit., p. 17 e 25. [Página 189]