Encontro de mundos: o imaginário colonial brasileiro refletido nos sermões do padre Antônio Vieira
2006. Há 18 anos
Sobre o direito dos jesuítas de defenderem os nativos brasileiros, inclusive militarmente, Vieira argumenta com Neemias 4.17, onde está dito que, durante a reconstrução da muralha de Jerusalém, os carregadores com uma das mãos faziam a obra e com a outra seguravam a arma, ou espada, para defenderem-se dos inimigos. Assim os jesuítas com uma mãe fariam o seu trabalho espiritual, com a outra defenderiam os nativos dos colonos: "Una manu faciebat opus, et altera tenebat gladium. (...) E quem tem por ofício a pregação e a conversão dos gentios, há de ter o livro em mão, e a espada na outra: o livro para os doutrinar, e a espada para os defender."
De acordo com o ensino do Evangelho, três coisas deveriam acontecer na região:
1 - Que aquelas terras fossem povoadas com gente de melhores costumes, e verdadeiramente cristã. Por isso no regimento dos governadores a primeira coisa que muito se lhes encarrega é que a vida e procedimento dos portugueses seja tal com o seu exemplo e imitação se convertam os gentios...
2 - Que as Congregações eclesiásticas daquele estado sejam compostas de tais sujeitos que saibam dizer a verdade e que a queiram dizer...
3 - Que todos os que forem necessários para a boa administração e cultura daquelas almas, se lhes devem não só conceder, mas aplicar efetivamente, sem os mesmos gentios, ou novamente cristãos (nem outrem por eles) o pedirem ou promoverem.
Com relação à lenda de que teria sido o apóstolo Tomé o pregador que trouxerá a fé aos nativos brasileiro antes da chegada dos portugueses.
Na época dos descobrimentos, circulava em Portugal, entre os que estavam engajados na empresa marítima, a famosa lenda de São Tomé, justificadora da presença portuguesa na América. Segundo a lenda, que se encontra em quase todos os cronistas do Brasil quinhentista, os missionários não fizeram outra coisa senão seguir as pegadas de São Tomé, apóstolo das Índias.
Na rota para as Índia, tanto orientais como ocidentais, ponto obrigatório era a famosa Ilha de São Tomé. E no Brasil e no Paraguai "descobriram-se" em rocas as pegadas do apóstolo acompanhado de um ajudante. Na linguagem nativa descobriu-se a palavra Zomé, logo entendida como corruptela de Tomé.
Nas crenças nativas detectou-se algum vestígio da "pregação" apostólica, evidentemente deteriorada pela falsa pregação dos feiticeiros. À lenda também estava associado o versículo 4 do Salmo 19: In omnem terram exivit sonus eorum et usque in fines orbis terrarum verba eorum, assim explicado por Tomás de Aquino:
Vieira diz: "Mas Tomé, que teve a maior culpa (de incredulidade), vá pregar aos gentios do Brasil, e pague a dureza de sua incredulidade com ensinar a gente mais bárbara e mais dura."
Porque esta é a diferença que há de umas nações a outras. Nas da Índia muitas são capazes de conservarem a fé sem assistência dos pregadores; mas nas do Brasil nenhuma há que tenha esta capacidade. Esta é uma das maiores dificuldades que tem aqui na conversão. Há de se estar sempre ensinando o que já está aprendido, e há de se estar sempre plantando o que já está nascido, sob pena de se perder o trabalho e mais o fruto.
Apesar de defender a liberdade dos nativos, Vieira reconhece que, sem o seu trabalho escravo ou servil, não haveria possibilidade de funcionamento da estrutura sócio-econômica montada pela metrópole na colônia. Esta posição é verificável no "Sermão da Primeira Dominga da Quaresma", pregado na cidade de São Luís do Maranhão, no ano de 1653:
"Este povo, esta república, este Estado, não se pode sustentar sem nativos." A solução que Vieira encontra é a de aprovar a escravização, mas com restrições, quais sejam: a voluntariedade do nativo em trabalhar para o colono; a escravização dos prisioneiros que iriam ser devorados nos rituais nativos e os tomados como prisioneiros em guerras justas: