Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, volume XXVII
1929. Há 95 anos
Em fevereiro de 1553, Thomé de Souza, governador geral, desembarca em São Vicente, examina as obras de defesa do porto, providencia sobre o método de administração e pesquisas de ouro e outros minerais, de cuja abundância tivera notícias. Esse governador, vindo a São Vicente, precede Mem de Sá nas providências sobre minerações. Chegou ao planalto em 1553, quando aldeia de João Ramalho estava em pleno florescimento.
Tinha esse alto representante do monarca lusitano, como o seu antecessor, o fim egoísta e o propósito de arrancar da novel colônia, toda riqueza que pudesse encaminhar para o reino de Portugal. E, desse ouro e dos valores lançados nas fauces vorazes dos potentados reinóis, nenhuma parcela desviaria para beneficiar o Brasil.
Assim aconteceu, como sabemos, enquanto o país se conservou sob o pesado guante dos conquistadores. Nas pegadas de Thomé de Souza, perlustra a nossa terra, em busca de ouro, o governador Mem de Sá. Logo que este reinol tomou posse do governo de São Vicente, tratou de ser orientar sobre o que havia, relativamente ás descobertas realizadas pelos seus antecessores.
Mem de Sá subiu ao planalto em Dezembro de 1560. Atravessou o povoado de Santo André, então em plena faina de demolição, que por sua ordem se realizava; chega até os espigões de Piratininga, onde os Padres Jesuítas havia erigido seu pouso, e erguido sua tosca capela, para a qual transferira, ele, Mem de Sá, os predicados outorgados á Vila de Santo André.
Desse ponto, colhe informações sobre o interior das terras, inteirando-se das providências tomadas por Martim Afonso e Thomé de Souza, quanto ao descobrimento de minas de ouro e de prata. O Jaraguá, pelo perfil original, despertou logo a sua atenção.
Tirando homens da escassa população de Piratininga, organiza um pequeno banco de aventureiros, tendo por chefe o minerador reinol, Luiz Martins, enviado pelo monarca, que o nomeara por alvará de 7 de setembro de 1559, fazendo-o internar-se pelo sertão.
Grandes riscos e inumerosos perigos correram os aventureiros de Mem de Sá, na sua incursão pelas selvas. Desanimado da improficuidade de tão extenues trabalhos, com alguns claros no seu bando, regressava Luiz Martins, quando o acaso lhe fez deparar com as minas do Jaraguá, de onde extraiu ouro e pedras preciosas verdes, cujas amostras apresentou a Mem de Sá.
A entrada de Luiz Martins, que chegara até próximo do salto, nos campos de Itú, tivera o inconveniente de assanhar os selvícolas contra a nascente povoação de São Paulo de Piratininga, já então reforçada com a população transferida de Santo André. A população quase inerme e de todo desprevenida, sofreu sucessivos e mortíferos ataques.
Afrontando a belicosidade do gentio, atreveram-se alguns denodados sertanistas, a se internarem pelas matas, afim de fazerem descobertas além do Jaraguá e aprisionaram selvícolas.
Entre ele está o sertanista Afonso Sardinha, que em 1580 empreendera uma batida na direção do poente e foi ao morro do Araçoyaba, onde descobriu, em vez de ouro que procurava, minérios de ferro e outros. Passando Sardinha, de regresso, pelo morro do Jaraguá, descobriu vestígios de ouro, próximo ao ribeirão Itay, de onde extraiu várias folhetas, que trouxe para o povoado. Eram as pistas constatadas pelo reinol Luiz Martins, e que ficara no olvido.
Houve depois nova interposição dos aborígenes, que continuavam guerreando a povoação, dificultando as expedições no sertão. Os guerreiros selvícolas fizeram, no sopé da serra do Jaraguá, o seu ponto de convergência. Acorriam eles das matas de Piratininga, Baruery e Parnahyba, ao chamado da inúbia belicosa. Vários anos mantiveram os selvícolas em desassossego a pacata e religiosa população piratiningana, com as suas sangrentas escaramuças diárias. [Páginas 68 e 69]
Os encontros e ataques mais ferozes, se verificaram em 19 de setembro de 1591, em represália e expedição de Afonso Sardinha, que chegara ao ribeirão do Itay, onde havia um ano, em uma expedição que realizara, descobrira minas de ouro, no local em que, dez anos antes, encontrara vestígios.
No ano seguinte, continuando os aborígenes na luta, em 2 de maio de 1592, a câmara de São Paulo nomeou o mesmo Afonso Sardinha, chefe de defesa da Vila e de suas nascentes aldeias, por ser ele o mais extremado inimigo que até então enfrentara os selvícolas.
Expulsos os atacantes das imediações do Jaraguá, entram novamente os bandos de pesquisadores sertão a dentro, em busca de ouro e prata. Os selvícolas que hostilizavam a vila, foram, por fim, repelidos.
Em uma das expedições anteriores, ás comandadas por Sardinha tiveram contra sí, uma forte expedição da qual fazia parte o Padre Anchieta, o sacerdote soldado. Foram eles, assim a ferro e fogo, forçados a recuar até alem de Ararytaguaba.
Desse modo, durante duas décadas, não permitiram os selvícolas, as expedições de reinóis no sertão. Foram nessas lides guerreiras, em que eram postos á provas a resistência, a sobriedade e a resignação dos sofrimentos, que os primeiros paulistanos e os primeiros paulistas, combatendo os selvícolas a todo o transe, ajudados pelos valentes e destemerosos mamelucos, tomaram gosto pelas lutas e aventuras.
Iniciaram eles então as suas primeiras correrias nas matas, primeiramente a pouco distância da povoação, como que ensaiando-se para se aventurarem a longínquas excursões, que pouco depois foram levadas até as praias dos mares ocidentais e ao extremo norte da América do Sul.
Nesse lapso de tempo, em que as guerrilhas se encarniçaram, foi o Jaraguá e suas minas de ouro, prata e pedras preciosas, esquecidas dos gananciosos dominadores. Não ficaram também tradição das minas de ouro e pedras, entrevistas pelo band de Luiz Martins, havia vinte anos, porque Mem de Sá, cioso do rico achado se retirara sem comunicar a pessoa alguma, o tesouro desvendado pelos seus homens. [Página 70]
Estava reservada a Afonso Sardinha, a glória da descoberta dessas minas, pois que, em 1590, ele e seu filho Pedro Sardinha, encontraram o veio de ouro do ribeirão Itay, embora acossados pelos selvícolas que os acompanhavam desde Araçoyaba onde foram providenciar sobre mineração de ferro.
Corria o ano de 1597, cheio de dificuldades financeiras para a península ibérica e de aperturas para a brilhante e fútil côrte de Felippe III, rei de Castella, quando as descobertas de minas de ouro se amiudavam, na Capitania de São Paulo. Só a uma esperança se apegavam os cortesãos e o próprio monarca espanhol: eram as famosas minas de ouro assinaladas no Jaraguá e no Araçoyaba e a lendária de prata, que Robério Dias dissera, ao próprio rei, ter descoberto na Bahia.
Nomeando a D. Francisco de Souza para o governo do Brasil, incumbira-lhe o monarca de averiguar e descobrir o roteiro da mina de Robério e de impulsionar a exploração do ouro do Jaraguá e do Araçoyaba, prometendo a D. Francisco o marquesado que Robério Dias exigira, para entregar o roteiro.
Não tardou o governador em dar início a tarefa que lhe havia sido imposta e que lhe sorria, por estar no seu propósito, vindo ao Brasil, providenciar bandos para o descobrimento de ouro.
Achando-se D. Francisco de Sousa no Rio de Janeiro, dirigiu-se para o planalto de Piratininga em fins de 1598. Foi a Araçoyaba acompanhado por Antonio Raposo Tavares, onde examinou as minas de pedras, e, em seguida fundou uma povoação no vale das furnas, a que deu o nome de São Felippe, em homenagem ao monarca que o nomeara. Ali fez levantar pelourinho, simbolizando o predicamento de Vila.
Essa povoação foi pouco depois transferida para a margem esquerda do Rio Sorocaba, onde está edificada a cidade desse nome. Datam dai as metodizadas e sucessivas pesquisas, em busca dos filões do precioso metal. Em 1600 começaram então a ser exploradas as descobertas de minas, que iam sendo feitas nas imediações do morro do Jaraguá. [Páginas 71 e 72]
Ficaram de todos os ciclos das descobertas, interessante documentos, alguns verídicos, como este que vai transcrito, encontrado entre os papéis despachados pelo capitão general, Martim Lopes Lobo de Saldanha, apenso a um requerimento solucionado em 21 de janeiro de 1782. Dizia:
ARANZEL OU ROTEL DE HAVER OURO E PEDRAS PRECIOSAS NOS CAMPOS ENTRE O SUL E O LESTE
Entrando nos ditos campos entre o Sul e o Leste rumo direito passaram dois ribeirões, e o depois passaram duas Serras; darão em um Ribeirão em cima meio descalvado, ou com bastante pedras. Em dois Córregos que emanam da Serra e fazem Barra no dito Ribeirão tem ouro com abundância. Subindo a Serra dobrando para trás tem outro ribeirão mais pequeno, como uma Cachoeira: pelo barranco acima da Cachoeira tiraram o ouro em pedaços. Irão para adiante, pendendo para o sul alguma coisa; subindo e descendo algumas Serras, não mui alcantiladas, darão com um vargedo grande que atola tem quatro ou cinco palmos de Lodo, abaixo tem um bom cascalho, e tem grandiosa pinta. Irão adiante e darão com uma Lagoa Grande na veira desta Lagoa fez-se um socavão, tirou-se ouro em pedaços, e muitas pedras que não soubemos conhece-las de várias cores e pareciam serem preciosas todas. Isto de Sorocaba picando o mato, serão oito ou dez dias. Por estar para morrer e já não ter esperanças de vida, faço este aranzel deixando para os viventes; muitos anos não quis declarar estes haveres; e quem achar com este meu Roteiro Os haveres ditos, peço me mande dizer quarenta missas outras quarenta pelas mais necessitadas almas.
V - de São Paulo, 1 de setembro de 1781. Antonio Mendes é o que andou por estas partes. [Páginas 87 e 88]
Sorocaba dos tempos idos - Ao findar-se o século XVI, lá pelos anos de 1598, inaugurava o paulista Afonso Sardinha, com sucesso, os trabalhos de mineração nas montanhas do Araçoyaba, visitado pouco depois pelo governador geral D. Francisco de Sousa, o ambicioso preposto de Sua Majestade El Rey D. Phelippe III de Castella e II de Portugal.
E para que não deixasse de ser satisfeita a cobiça do valido do magnata castelhano, dava-lhe Sardinha um dos dois fornos catalães com que explorara as riquezas avaramente guardadas no seio da terra.
De nada, entretanto, valera a avidez do senhor D. Francisco para o progredimento dos trabalhos, e, já em 1629, estava extinta a exploração das minas, cujos preciosos minérios eram guardados, segundo a crendice nativa, por fabulosos duendes que povoavam a "lagoa dourada", assente no cume do Araçoyaba. [Página 99]
Revista do Instituto Histórico e Geographico de São Paulo