Curitiba, Luiz dos Pinhais, 2016. Rafael Greca de Macedo
2016. Há 8 anos
FONTESDESTE LIVRO
página oposta) O autor posa com o Livrodo Tombo da Vila de Curitiba (1668-1694) onde estão as atas de elevaçãodo Pelourinho (1668) e da fundação daCâmara de Curitiba (1693). O preciosodocumento é conservado na reservatécnica da Casa da Memória de Curitiba,obra do então prefeito Rafael Greca deMacedo. Foto de Gehad Hajar, outono de2016. [Página 14 do pdf]
rante, em Curitiba. O poeta presenteou oexemplar autografado ao meu finado confrade da Academia Paranaense de Letras,Valério Hoerner Júnior, em 1968. Valériodeixou-o dedicado para nosso pesquisadorGehad Ismail Hajar. Do poema, os versos:Viver na escuridão ou morrer no abandono?...Batalhai, meus irmãos – “Esta Terra temdono”!O Paraná e o Brasil, pelo andar do carro daHistória, ainda não aprenderam isso.A região dos planaltos do atual Paraná, antesdos portugueses, era conhecida pelos indígenas comoCuritin, pela versão Tupi, ou Curi-Atibá, pela versãoKaingang, que significaria “corra, vamos lá”. Ou pelaversão Guarani, Coritiba, sendo ‘coré’ = ‘cateto, caça,comida’ e ‘tiba’ = ‘muito, abundância, fartura’, quando a região era conhecida como terra da fartura, daabundância, de muita caça, como referiram FranciscoFilipak e Valério Hoerner Júnior, ambos já falecidos,meus colegas na Academia Paranaense de Letras.
Ainda que pese a questão de os porcos domésticos terem aparecido no Brasil em 1512, a intromissão de europeus espalhou esses animais pelo território nacional, e certamente a analogia vernacular os fez chamar os porcos domésticos do mesmo nome dado aos porcos-do-mato, assegura Gehad Hajar, que jura ter lido nasAtas da Câmara Municipal que a Vila era tomada por porcos soltos que faziam mal às lavouras.
Mais tarde, surgiu uma corruptela das nomenclaturas anteriores do nome tupi-guarani Curitiba,em que Curi passou a significar pinhão. Daí, Curitibaseria ‘muito pinhão’, ‘pinhais’, ‘pinheirais’.Em 1995, na gestão municipal que marcou os300 Anos da Cidade de Curitiba, então prefeito, fizpublicar extensa pesquisa sobre Origens, Fundação eNome da Cidade, no Boletim nº 105 da Casa RomárioMartins, sede da diretoria de Patrimônio da FundaçãoCultural de Curitiba.Nesse trabalho, o professor Aryon Dall’IgnaRodrigues concluiu: Ainda que seja seguramente umnome tupi-guarani, é mais provavelmente um nome daLíngua Geral do Brasil que falavam no século XVII osmamelucos e não uma herança direta dos índios guaranis que teriam habitado a região.A leitura dos manuscritos originais, seja nos documentos reinóis, seja nos Provimentos do OuvidorPardinho, seja no Testamento de Baltazar Carrascodos Reis, seja nos Livros do Tombo da Igreja Matriz,seja nas Atas da Câmara Municipal de Curitiba, mostra diferentes nomes para chamar a povoação primitiva: Querytiba, Coryatiba, Corêtuba, Curiatuba – certamente referência ao rio do primitivo garimpo de ouro:Coriatyba, Curiatyba. Nas respostas das petições de Mateus Leme para os ditos “homens bons” do primitivo povoado, consta também a denominação Pinhaes.Nosso berço também foi chamado Cururutuba eCurutuva. Após a ereção do Pelourinho (1668), Vilade Nossa Senhora da Luz e Bom Jesus dos Pinhais eVila de Nossa Senhora da Luz de Corityba (1693).O “y” caiu na reforma ortográfica brasileira de1947. O nome Corityba sobreviveu até 1919, e agorapersiste no glorioso time de futebol do Alto da Glória.Até provocou recente polêmica minha com Jô Soares eMaitê Proença, pelos seus comentários jocosos e grosseiros com o sagrado nome da nossa terra (novembrode 2014) [Página 28]
ótimos caçadores e pescadores. Entre suas caças estão osporcos selvagens, veados, antas, faisões, perdizes e codornas. Entre suas plantações, além da mandioca, milho ebatata, figura também o amendoim. Também colhemmuitas frutas e mel.[...] Tendo deixado os índios do rio Piquiri muitocontentes, o Governador seguiu seu caminho, passandosempre por muitos povoados, onde vinham até velhase crianças com cestas de batata ou milho para lhe oferecer. Por toda parte por onde passavam, os índios cantavam e dançavam e sentiam maior prazer quando asvelhas se alegravam, pois são muito obedientes a estas, omesmo não se dando com relação aos velhos. Depois deandarem oito jornadas por terras despovoadas, chegaram novamente ao rio Iguaçu, agora à altura de vinte ecinco graus e meio e onde não havia povoado algum.Os nativos que encontraram por perto informaramque o rio Iguaçu entra no rio Paraná, que por sua vezentra no rio da Prata, e que nestes rios morreram muitosíndios e portugueses que Martin Afonso de Souza envioupara descobrirem aquelas terras. Foram mortos pelosíndios da margem do rio Paraná, quando atravessavamo rio em canoas. Assim, para prevenir-se de ataques, oGovernador decidiu seguir por dois caminhos.Iria ele com uma parte do pessoal em canoas, rioIguaçu abaixo, até encontrarem o rio Paraná. O restante do pessoal e os cavalos iriam por terra e se colocariamà margem do rio, para proteger a passagem das canoas.Assim foi feito. O Governador comprou algumas canoasdos índios e embarcou com oitenta homens rio Iguaçuabaixo, seguindo o restante por terra, devendo todos sejuntarem no rio Paraná. Mas, ao irem rio Iguaçu abaixo,era tão forte a correnteza que as canoas corriam commuita fúria.Logo adiante do ponto onde haviam embarcadoo rio dá um salto por uns penhascos enormes e a águagolpeia a terra com tanta força que de muito longe seouve o ruído. De modo que foi necessário sair da água, tirar as canoas e conduzi-las por terra até passar poraqueles saltos. Assim, à força de braços, as conduzirampor mais de meia légua, passando grande trabalho. Vencido aquele obstáculo, voltaram a colocar na água e asconduziram por mais de meia légua, passando grandeperigo na embocadura do rio Paraná. Quis Deus que agente que ia por terra com os cavalos e os que iam porágua com as canoas chegassem todos ao mesmo tempo.
No limiar de 1600, sobrevém a exploração doque seria o território do Paraná, pelas entradas dosportugueses Aleixo Garcia, Manoel Soeiro, Jorge Correia, Jerônimo Leitão, Manoel Preto, Nicolau Barreto,Sebastião Preto, Pero Vaz de Barros, Lázaro da Costae Raposo Tavares. No objetivo das entradas no sertão, abusca de ouro e a preação de índios.
Dom Álvar Núñez Cabeza de Vaca (Jerez de la Frontera, 1492- Sevilla, 1560), descobridor das Cataratas do Iguaçu. Escreveuminucioso relato de seu percurso pelo interior do Brasil, entre afoz do rio Itapocu, até Assunção, no Paraguai. Imagem em bico depena por Marcelo Lopes. [Página 35]
(A imagem de) Terracota portuguesa de inspiraçãorenascentista, provavelmente trazidade Lisboa pelos primeiros povoadores.Essa imagem de Nossa Senhora da Luzdos Pinhais de Curitiba, padroeira daprimitiva Matriz, esteve no altar-mor, noato da fundação da Câmara Municipal deCuritiba, a 29 de março de 1693. Acervodo Museu Paranaense. [Página 41]
A VILA DE NOSSASENHORA DA LUZ DOSPINHAISEm 1652, após demandas e disputas com Gabriel de Larae outras autoridades do Reino, Eleodoro Ébano Pereirafoi afastado da administração das Minas de Paranaguá eCuritiba.Por provisão, em 24 de maio de 1652, Pedro de SouzaPereira substituiu Eleodoro Ébano Pereira na administraçãodas Minas. Este, em março de 1653, veio a Paranaguá, de onde tomando,o capitão Gabriel de Lara, o escrivão que lavrara o auto sobre o Ribeirodas Pedras e 30 trabalhadores foi ao sertão da chamada Mina da Pedrade Ouro, e reconhecendo o sítio viu que era o lugar à fralda de um cerro,cujas pontas estavam de leste oeste, regado por um ribeiro que vinha domesmo cerro [...] disse que Gabriel de Lara era que se intitulava descobridor da chamada mina.Então começou o povoamento dos campos de Curitiba. As terrasde Baltazar Carrasco dos Reis começavam onde acabavam as de MateusMartins Leme.É saboroso o texto da carta em que Baltazar Carrasco dos Reis pedeque lhe concedam uma sesmaria de meia légua de testada e um léguade sertão, junto ao rio do Marigüy ou Barigui, nas terras devolutas ondeestava sua roça, já que não tinha terras para lavrar e agasalhar seu gado,tanto vacum como cavalar, nem chãos para edificar sua casa de morada.A carta de Sesmaria foi concedida pelo capitão-mor governador doRio de Janeiro – Salvador Correa de Sá e Benevides – em 29 de junho de1661, entendendo que havia alguns anos Carrasco dos Reis residia comsua família na paragem chamada Barigui, nos campos do novo povo deNossa Senhora da Luz dos Pinhais, onde tinha sua fazenda.Vale aqui memória desse capitão Baltazar Carrasco dos Reis. Nascidoem São Paulo de Piratininga, em 1617, era filho de Miguel Garcia Carrasco e de Margarida Fernandes.O pai, fidalgo de origem espanhola, em 1641, quis ver AmadorBueno da Ribeira como “Rei do Brasil”, porém ele não aceitou. Entãoassinou a aclamação d’El Rey D. João IV. Se tal fato tivesse sido concretizado, a Independência do Brasil do Reino Português teria sido antecipadaem quase dois séculos.Baltazar era casado com dona Izabel Antunes. Seu testamento, guardado no Arquivo Público do Paraná, revela que, além da Sesmaria doBarigui, possuía outras grandes extensões de terra nos Campos Gerais deCuritiba, no litoral paranaense e na Villa de Sant’Anna de Parnahyba.Já a carta de Sesmaria de Mateus Leme foi obtida do capitão-morGabriel de Lara em 1º de setembro de 1668.Naquele ano, o mesmo senhor subiu a Serra para aqui erguer oPelourinho, conforme atestado em Ata: No dia 4 de novembro de 1668,nesta Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, estando o capitão-morGabriel de Lara fizeram os moradores [petição] perante ele dizendo todos a uma voz que estavam povoando estes campos deCuritiba e assim lhe requeriam mandasse levantarPelourinho. E visto o requerimento dos moradores serjusto, mandou levantar Pelourinho com todas as formalidades necessárias, em paragem e lugar decente napraça.Assinaram aquela histórica ata Gabriel de Laramais os cinco Martins Leme (o capitão povoador,Mateus Leme; seu filho Mateus Martins, dito o Moço;Antônio; Manuel; e João), além de Gaspar Carrascodos Reis, Luís de Góes, Inocêncio Fernandes, AndréFernandes dos Reis, Amaro Pereira, Francisco daGama Pais, Tomás de Castanheda, João da Gama,Manuel Cardoso, Domingos Rodrigues da Cunha,Domingos André e Ângelo Nunes Camacho.Seria dessa época a criação da paróquiade Nossa Senhora da Luz e Bom Jesus dosPinhais? O atual Arcebispo Emérito deCuritiba, meu padrinho de casamento, DomPedro Fedalto, em seu precioso livro A Arquidiocese de Curitiba na sua História (1956),intuiu que sim: “Devemos supor que a criação da Paróquia, se não é anterior à Vila,remonta a esta mesma época, 1668, sendo,porém, certo que, em 1747, Curitiba já eraparóquia, como se vê no Termo de Abertura do Primeiro Livro do Tombo da Matrizde Curitiba, pelo vigário Manoel DomingosLeitão”.Em 18 de março de 1681, Gabriel de Lara concedeu mais uma Sesmaria nos Campos de Curitiba,dessa vez a João Rodrigues Side, antes estabelecidoem Paranaguá. Na petição, Side alega ter na povoaçãode Nossa Senhora da Luz dos Pinhais a sua gente comfamílias havia perto de dois anos, com gado de todasorte, e porquanto não tinha terras para lavrar e agasalhar sua família e lhe era necessário possuí-la comclareza e com título. Pediu, portanto, que lhe desse emSesmaria os capões do Caminho de Uberaba (Yuverava) chamado Cajuru (Cahajuru).Vinte e cinco anos depois do Pelourinho (1668),em 24 de março de 1693 os moradores da povoaçãode Nossa Senhora da Luz e Bom Jesus dos Pinhais dizendo que era mui crescida – por passarem de 90 homens – e quanto mais crescia a gente, se iam fazendomaiores desaforos, andando todos com armas na mão,e de que em diante seria pior, por não haver Justiça nadita povoação, fizeram requerimento ao capitão Mateus Leme, pedindo que houvesse Justiça.Aos 29 de março de 1693, entre as paredes depau a pique da primitiva capela de Nossa Senhora daLuz dos Pinhais de Curitiba, a pedido dos própriosmoradores – então já com “90 homens e 40 fogões”– para melhor aplicação das justiças, paz, quietação ebem do povo a povoação de Curitiba foi elevada a Vila,pelo capitão povoador Mateus Martins Leme. A Atafala num clamor popular por Justiça: Todos responderam em voz alta que se criasse Justiça. E o capitãodisse que era justo que se nomeassem os oficiais quehaveriam de servir e que fizessem eleição. Foram nomeados os Juízes, Vereadores, Procurador do Conselho eEscrivão da Câmara.No primeiro e no segundo dias de maio daqueleano, houve a Medição do Quadro do Rossio da Vilacom o plantio de paus de uvarana, representando aposse dos habitantes curitibanos sobre a Vila de NossaSenhora da Luz dos Pinhais. Esse Rossio era o perímetro urbano, até onde chegava o calor da povoação,onde começava o orvalho. Em português, a formaarcaica de orvalho é rossio. O perímetro, segundo osanais da Câmara, foi definido usando-se corda de embira velha que media 25 braças craveiras medidas poruma vara afilada. No primeiro dia levou-se a mediçãopelo rumo de Nordeste por um agulhão [bússola], medindo-se 1500 braças, que fez a meia légua de terra emandaram fincar para padrão dois paus de uvaranasverdes para que nascessem e brotassem, e ao fincaremdois ditos paus botaram terra para o ar tomando posse, ficando confrontando este padrão para a parte deNoroeste com as nascenças do rio Juvevê e o Capão deBuya [Imbuia?] e para a parte de Sueste ficava confrontando com a casa e sítio de João Rodrigues Side.No dia seguinte estando todos ao pé do Pelourinhoda Vila, para dar princípio e botar outra linha paraa parte de Sudoeste, que era o travessão, botaram emediram a outra meia légua de terra pelo rumo queacima disseram, e mediram mil e quinhentas braças,chegando a medição às aguadas da primeira taperado defunto doutor Riz. da Cunha, chamada CanaraCoguera, onde fincaram no meio do campo, um pau deuvarana verde para que brotasse e nascesse o dito paupor padrão.Meu dileto amigo, o historiador curitibano JúlioEstrela Moreira, apaixonado pela Cidade, que morreuem 1975, mostrou-me certa feita a imensa e tricentenária árvore que viceja na atual praça Jacob do Bandolim, na colina entre o Bom Retiro e o Pilarzinho,apontando-a como um desses marcos do primitivoRocio da Vila de Curitiba. Outro estaria perto daigreja do Bom Jesus do Cabral, atrás do que conhecemos com Fábrica de Bolachas Lucinda – da famíliaGoetzner – nas nascentes do rio Juvevê, em terrenodepois densamente ocupado por edifícios residenciais,exatamente onde a rua Bom Jesus encontrava a AnitaGaribaldi.Antônio Martins Frutuoso – casado em Curitibacom Maria Mendes –, em 1º de setembro de 1685,obteve Sesmaria das terras do Bacacheri, que depoisvendeu para Mateus da Costa Rosa. Em testamento [Páginas 45 e 46]
Quando fui Prefeito da Cidade (1993-1996),costumava dizer aos meus secretários, arquitetos, urbanistas, sanitaristas e engenheiros que só precisávamos agir dentro dosprovimentos do Ouvidor Pardinho, para termos uma Curitiba bem ordenada, com TudoLimpo, como a operação que costumávamosdeterminar para sanear os bairrosRuas só poderiam ser abertas largas, retas e contíguas. Casas só poderiam ser edificadas com alvará daCâmara. Deveriam ser cobertas com telhas de barro,sendo proibidas choças e coberturas de palha dentro doRocio da Vila. O 37º provimento instituiu a obrigaçãode alvará para novas construções: Nenhuma pessoa façacasas de novo na vila sem pedir licença à Câmara, sobpena de multa de seis mil réis. Tais novas construçõesdeveriam ser agregadas, continuando as ruas já principiadas, para que a Vila crescesse uniformemente e osseus habitantes tivessem vizinhos em caso de necessidade.O 40º provimento, que define a função social dapropriedade urbana, é atual em qualquer tempo. Terrenos baldios e casas abandonadas não deveriam persistirno quadro urbano, porque neles se fazem a Deus e a ElRey os mores desaforos. O 42º provimento regula o quefazer com terras devolutas: Não guardem os oficiais daCâmara as ditas datas de chãos antigos.Orfãos, inocentes, viúvas e incapazes não poderiam ser abandonados à sua própria falta de sorte. Oprovimento número 74 manda que se nomeie um escrivão de testamentos, o qual terá um caderno, para neleescrever as vontades das pessoas que estiveram doentesem cama, reduzindo tudo a termo juramentado empresença de testemunhas.Pardinho proveu também em defesa do meio ambiente. Era preciso sempre desenxovalhar o rio Belém edemais ribeiros, para manter Curitiba salubre e evitarbanhados defronte das casas e nos arredores da IgrejaMatriz. O corte de árvores só poderia ser feito em áreasdelimitadas, preservado o sombreamento das margensdos rios, para evitar sua erosão e a contaminação denascentes.O 66º provimento é mandamento ecológico, emdefesa da preservação da fauna: Proveo, sob pena demulta de 2 mil réis, que não apanhem ovos de perdizese de outras aves, nem ande à caça delas no tempo desua criação, que nesta terra é nos meses de setembro atédezembro. [...] Isto porque muitas pessoas, de propósito,andam no dito tempo à caça de ovos e criações das ditasaves, com que irão se extinguindo.Rafael Pires Pardinho definiu ainda obrigaçõesreligiosas, varredura de ruas, luminárias e desobrigasnos dias santificados, por ocasião das Festas de Natale Páscoa, de Nossa Senhora da Luz a 8 de setembro, edo dia do Anjo Custódio do Reino. Proveu que havendo Capitão-Mor ou Sargento-Mor nesta Vila, nas mesmasfestas, fizessem nelas três alardos gerais, auxiliadosnas salvas festivas de tiros – de canhões, alabardas,espingardas, arcabuzes – por todos que dispusessem demeios. Determinou que a ausência dos cidadãos nessascelebrações fosse punida com multa de uma pataca de320.Numa ilustração de 1828, posterior ao tempodo Ouvidor, mas elucidativa da religiosidadeda época colonial, o pintor Hercule Florencemostra cortejo da Bandeira do Divino Espírito Santo, no interior do Brasil, sob uma árvore de jenipavera. Florence nasceu em Niceem 1804 e morreu em Campinas, em 1879.Curiosamente, talvez já dotado de formação iluminista, ainda que tivesse mandado vir de fora a segundaimagem de terracota de Nossa Senhora da Luz, ornadacom coroas de prata de lei, entronizada na Matriz em8 de setembro de 1721, foi o mesmo Ouvidor Pardinho quem determinou que a povoação deixasse deser oficialmente chamada de Vila de Nossa Senhora daLuz e Bom Jesus dos Pinhais, passando a ser chamadasimplesmente de Vila de Corityba. Houve quem dissesse:Devolveu Nossa Senhora aos céus e deixou-nos entregues a nosso arbítrio e sorte.Pardinho determinou posturas no traçado e manutenção de caminhos locais, como o Caminho do Itupava,então ligação com Paranaguá, e do acesso à Feira deSorocaba. Instituiu pedágio, cobrado em trechos, loteados entre vereadores de Curitiba e de Paranaguá, parasua correta conservação em tempo de chuvas, revestimento de matacões nas áreas escorregadias e alagadiçase criação de muros de contenção de encostas e arrimode aterros.O Ouvidor Pardinho foi além, definindo medidasde fomento econômico, para aliviar a pobreza do povo.Quando da sua visita, as duas freguesias de Curitiba,80 anos depois da fundação da Vila, tinham ao todo200 casas e 1400 pessoas de confissão. Tendo constatado a imensa penúria em que viviam as populações, oOuvidor Pardinho recomendou a El Rey que pudessem [Página 52]
Seriam tais prensas o maior símbolo darebeldia dos destemidos padres da Companhia de Jesus às normas dos Reinos dePortugal e Espanha? Para o abade ClóvisLugon, sim. O autor chamou a experiênciamissioneira de “República Comunista Cristã dos Guaranis” (1610-1678), num livro comesse título, publicado no Brasil pela editoraPaz e Terra em 1977, leitura da minha juventude de aluno do colégio Medianeira, emCuritiba.Tal epopeia foi tema de importante filme dodiretor Roland Joffé, estrelado por Robertde Niro, “The Mission” (1986), animado pelas paisagens das Cataratas do Iguaçu e dafloresta tropical brasileira, ao som da música emocionante do maestro italiano EnnioMorricone. Nele, pungente a cena do missionário a cativar, armado apenas de umviolino, um índio feroz, ambos imersos naumidade luxuriante da floresta tropical. Ofilme ganhou, na França, a Palma de Ourodo Festival de Cannes, e nos EUA, o Oscarde melhor fotografia.No ano 2000, Margarita e eu fomos presenteados pelo embaixador Renan Paes Barretoe sua mulher Lívia (Coelho) Paes Barretocom um precioso mapa litografado, resgatado num antiquário de Paris, referindo oatual território do sul do Brasil: Suite duBrésil pour servir à L’Histoire Générale desVoyages. Villages d’indiens et Missions Ruinées.Tiré de la Carte d’Amerique de M. Danville(Tome 13, in 8ª page).Essa História Geral das Viagens, em váriosvolumes, foi impressa em Paris por DidotLibraire, estabelecida à beira do rio Sena,no Quai des Augustins, com papel a la Bibled’Or. Os 20 Tomos começaram a ser publicados em 1746 (os 11 primeiros volumes);em 1754, o 12º; em 1756 os tomos 13 a 17;em 1763, os tomos 18 e 19; e finalmente, em1789, o 20º tomo.Na carta geográfica antiga, que conservamos emoldurada na nossa biblioteca, estãoassinalados no litoral: a Barra de Iguape(hoje Barra da Ararapira), e a vila de Cananeia; lugares chamados Camarin, Puparabu, Ibopupetuba, Bepetinga e Araracari;o rio Isubay; as três baías, que chamaramde rio Paranaguá, rio Guaratiba e rio São Francisco. No interior, do norte para o sul:as Minas de Paranapanema e o rio dessenome. O grande rio Paraná, com a IlhaGrande – chamada de Ilha de Paobancoa– e as Sete Quedas, chamadas de GrandeSalto. Logo abaixo, a Cidade Real de Guairáe a Vila Rica do Espírito Santo, à margemdo ali chamado rio Guibay. Adiante, o rioTibagi, com as reduções de Encarnação eSão Miguel. O rio Iguaçu, que nesse mapaaparece diminuído, menor do que é, seusafluentes Tibago e Tipuari, e os Saltos doIguaçu. E ainda os rios Paraguay e Uruguay.Há ainda registro das Reduções Guaranis,Missões Jesuíticas de São Tomaz, Santos Anjos (Arcanjos), São José, Santo Inácio Mini,Tambo e Santa Maria d’Iguazu. Esta últimaredução, suposto cenário histórico do filme“The Mission”, teria sido a maior delas, sededas Missões del Guayrá.Suas fundações, registradas neste e emoutros documentos, até hoje não foramdescobertas. Estaria dentro do territóriopreservado do atual Parque Nacional doIguaçu. Na época em que fui presenteadocom o precioso mapa, Ministro do Turismodo Brasil, sonhamos, Lívia e o embaixadorPaes Barreto, Margarita e eu, com a ideiade promover expedição para localizar esse [Página 103]