Uma das mais valiosas relíquias da história e das artes de Sorocaba, o texto do espetáculo “Na feira de Sorocaba”, encenado pela primeira vez em 1862 no Teatro São Rafael pela trupe do dramaturgo Francisco Luiz d´Abreu Medeiros, acaba de ser reeditado em livro homônimo que será lançado nesta sexta (7), às 20h, no Sorocaba Clube (rua São Bento, 113, Centro).A publicação foi idealizada e organizada pelo jornalista, pesquisador e historiador Geraldo Bonadio e levou mais de três décadas para ser concluída. Em 204 páginas, a obra reúne o fac-símile de um raríssimo exemplar original, que pertence ao acervo do Museu Histórico Sorocabano; uma transcrição, na ortografia atual, feita Porphirio Rogich Vieira, baseada em um original mais íntegro da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro; e ainda textos complementares, como a biografia do dramaturgo sorocabano. O livro também inclui o texto “Comércio de Sorocaba no tempo da feira”, de D´Abreu Medeiros, datado de 1864.Definido como uma comédia musical em dois atos, “Na feira de Sorocaba” estreou no dia 27 de janeiro de 1862 no palco do Teatro São Rafael, atual sede da Fundec, prédio histórico situado na rua Brigadeiro Tobias, que circundava a efervescente movimentação da feira de muares, com centenas mulas xucras que aguardavam o momento de passar pelo registro junto à ponte do rio Sorocaba.Segundo Bonadio, além da verve cômica, a peça documenta em detalhes a feira de muares e revela, inclusive, curiosidades pouco mencionadas em pesquisas ligadas ao ciclo do tropeirismo. Para se ter ideia, o personagem central da trama é um agiota, que emprestava dinheiro aos compradores das tropas para o pagamento dos impostos à Coroa, em uma época em que não havia bancos pelo interior do País. “O registro aceitava o pagamento dos impostos com uma letra de câmbio [uma espécie de nota promissória], desde que avalizada por um deles. Ao chegar à feira, no ano seguinte, o comprador de tropas resgatava a letra, entregava-a ao avalista e recomeçava a história”, detalha Bonadio.Além das práticas comerciais e até dos arranjos logísticos, de como as tropas eram divididas por trechos -- do Rio Grande do Sul até Sorocaba --, o texto de d´Abreu Medeiros também documenta os modos de vestir e de falar dos diferentes grupos de pessoas que participavam da Feira, o que faz dele uma preciosa matéria-prima de estudos linguísticos e antropológicos. “O texto em si, é fantástico. É uma reportagem do dia a dia e fornece muita informação importante para a gente entender o tropeirismo”, comenta. Quem sabe, então, com base no resgate desse texto histórico, o espetáculo não seja remontado nos palcos? “Isso seria muito interessante. Numa tentativa de provocação, eu estou mandando [o livro] para o Paulo Betti”, considera Bonadio.O livro, publicado pela Associação Fraternidade Acaciana de Sorocaba e com apoio cultural de um grupo de empresários locais, teve tiragem limitada de 300 exemplares -- e uma parte será encaminhada gratuitamente a instituições de pesquisa histórica e socioeconômica do Brasil e do exterior. Os demais exemplares estarão à venda, hoje, por R$ 40.
O volume é enriquecido com fotos inéditas, de arquivos particulares, ilustrações a bico de pena de Magalhães Corrêa e crayons de Mario Matos. Na capa, a reprodução da tela “O tropeiro”, de Ettore Marangoni. A digitalização e preparação do fac-símile foram realizadas por Gisele Tomé. A edição comemorativa celebra os 200 anos de nascimento de Francisco Luiz d´Abreu Medeiros e 90 anos do jornalista, cronista e fotógrafo Rogich Vieira.
Célebre e pioneiro dramaturgo que dá nome a uma rua da cidade que liga a avenida São Paulo à João Ferreira da Silva no bairro Além Ponte, d’Abreu Medeiros nasceu em 14 de setembro de 1818 e faleceu em 1890, em data desconhecida. Além da comédia musical “Na feira de Sorocaba”, d’Abreu Medeiros escreveu a peça dramática “O distribuidor de gazetas”, ambos publicados editora Laemmert. (Felipe Shikama)