Dagoberto Mebius - A História de Sorocaba para crianças e alunos do Ensino Fundamental I
novembro de 2003. Há 21 anos
CARTILHA DE HISTÓRIA DE SOROCABA PARA CRIANÇASDurante as comemorações do aniversário de Sorocaba em 2000, um livreto impresso apenas em pretofoi distribuído para alunos do colégio Objetivo de Sorocaba e da Kumon/Sorocaba/Barão de Tatuí. Eram poucomais de seiscentos exemplares. A linguagem era muito simples e o conteúdo disposto em pequenos trechos outópicos. A idéia era despertar nos leitores a curiosidade pela história a partir desses “bocados”. Funcionou. Apartir daí foram tantas as solicitações de livretos que fizemos uma segunda impressão com mil exemplares. Duascoisas foram fundamentais para o sucesso do livreto: a linguagem e o formato. A linguagem simples foi dirigidaà criança já alfabetizada e o formato de cartilha, que diferente do livro tradicional e maçudo, era menos formal.Uma terceira impressão ainda foi realizada em 2000. Em 2001e 2002 as tiragens superaram a casa dosquatro mil exemplares com revisões e inserções de mais alguns assuntos interessantes.Mas foi em 2003 que resolvemos oficializar a cartilha. Agora editada com capa colorida e acrescida demais informações conservada a mesma elaboração de texto. Superou as expectativas e logo esgotou sua edição.Agora, esta edição digital com um título dirigido aos alunos do ensino fundamental I (os cinco primeirosanos do curricular), vem novamente suprir as necessidades de uma nova geração de crianças que se iniciam na“alfabetização” da história da cidade e da região. E como afirmamos em nossas palestras nas escolas, é umamaneira prazerosa de conhecer a história da cidade e dos seus arredores. Dessa forma o novo título que terá agora um direcionamento objetivo, mas também continua sendo umestudo básico para adultos que procuram conhecer a história da cidade, uma vez que o material disponível é raroe nem sempre está disponível.Por solicitação de alguns leitores acrescentamos a esta edição um pequeno vocabulário do texto.Espero que as crianças... e os adultos que ainda não conhecem a história de Sorocaba e da região sintama mesma emoção de fazerem parte da história desta Edição Especial Digitalizada, como já o fizeram outrostantos leitores comprovadamente satisfeitos. [Página 5 do pdf]
Apresentação da 1ª edição 2003Um marco na arte de escrever História para crianças“A História de Sorocaba para Crianças” é um caso incomum de obra que conquistou milhares de leitores, antes mesmo de receber formalmente o status de livro etornar-se disponível para o público através dos canais de distribuição.Educador dedicado e inventivo, Dagoberto Mebius foi confrontado, há alguns anos, com o desafio de estruturar um texto de apoio e iniciação à pesquisa, quehabilitasse crianças matriculadas nas séries iniciais do ensino fundamental de um colégio a realizar trabalhos, programados por seus professores, sobre as origens edesenvolvimento da cidade.Apoiado numa sólida bibliografia e no seu conhecimento da realidade local e regional, a cartilha por ele então elaborada revelou, desde logo, qualidades que acredenciavam a empreender vôos mais altos e longos.Em questão de dias, superou os limites de publicação interna. Docentes de muitas unidades do ensino fundamental, às voltas com a escassez de textos sobre amatéria direcionados para crianças, nela descobriram um precioso roteiro para o preparo de suas aulas.Esgotaram-se, assim, os exemplares da edição inicial. Os das reimpressões subseqüentes, somando mais de 4.000, foram também prontamente absorvidos porávidos leitores.As sucessivas reimpressões acabaram por reconduzir a obra ao público inicialmente visado pelo autor: as crianças. A excelente conjugação entre texto e ilustraçõesdeflagrou, nos jovens leitores, um interesse em percorrer as páginas da obra em nada menor que o demonstrado pelos seus professores.“A História de Sorocaba para Crianças”, que afinal chega às livrarias, numa edição cuja qualidade gráfica e editorial faz justiça ao conteúdo, é, portanto, obratestada, aprovada e aplaudida pelos docentes especializados em discernir o conhecimento que, pela sua valia, deve ser transmitido aos pequenos estudantes -, e pelas criançasque, melhor que ninguém, sabem reconhecer um livro interessante em meio às publicações rotineiras e enfadonhas.Com ela, o trabalho de Dagoberto Mebius, pesquisador de reconhecida competência no trabalho de campo e no garimpo bibliográfico, atinge um novo patamar.Não é simples produzir um texto de História em que o empenho de informar não brigue com a tentativa de envolver o leitor. Descobrir o ponto de equilíbrio entre a densidadedo conteúdo e a clareza e capacidade de surpreender é empreitada que reclama, do autor, muito esforço. Este deve, ainda, buscar nas ilustrações um recurso que dilate opotencial informativo da obra e reavive o interesse de quem navega ao longo de suas páginas.Tais dificuldades se dilatam quando o público-alvo é constituído por crianças. Nesse caos, o escritor precisa fazer a realidade conhecida por elas a via de acesso aopassado que, deste modo, se torna inteligível e sedutor.“A História de Sorocaba para Crianças” associa, às suas características de obra modelar para a faixa etária a que se destina, a de paradigma a ser considerado pelosque se propõem a adquirir competência na arte e técnica de produzir livros de História aptos a conquistar o exigente público infantil.Essa dupla condição permite antever o êxito editorial em que, de certo, se transformará. Geraldo Bonadio Sócio efetivo fundador da Academia Sorocabana de Letras e da Associação Brasileira de Pesquisadores de História e Genealogia. [Página 6 do pdf]
Um rio com muitos peixesDurante milhões de anos o rio Sorocaba vem dandoforma ao imenso vale que começa lá na Serra de SãoFrancisco e vai terminar quando o rio alcança e desembocano rio Tietê.O rio Sorocaba antigamente serpenteava pelasmatas e terras da cidade. E a cada curva formava terrenosencharcados com enormes brejos, onde grande quantidadede aves aquáticas juntavam-se para se alimentar. Toda amargem do rio Sorocaba era coberta de árvores e uma ricafauna tinha ali seu habitat. Nesse rio os pacus, pintados,jaús, curimbatás, cascudos, caras, mandis e outros peixeseram encontrados com muita facilidade.Muitos animais como onças, pacas, porcos-domato, catetos, queixadas, macacos, quatis, antas,tamanduás, cobras, jabutis e até jacarés existiam nestaregião.Os pássaros e aves destas paragens eram os:nhambus, papagaios, araras, bicos-de-lacre, sabiás,mutuns, macucos, joões-de-barro, papas-capim, tizilrros,jaçanãs e outras tantas espécies.As árvores e plantas silvestres eram os: ipês,perobinhas, cambarás, paus-de-angu ou amargoso, pausviola, mutambas-do-campo, cabriúvas, caviúnas,ingazeiros, umbaúbas e outras mais. Frutas como ascabeças-de-negro, arixicuns, pitangas-do-campo,gabirobas, goiabinhas, araçás, bananas-do-brejo erammuito comuns nos campos que cercavam a imensidão dasterras. [Página 8 do pdf]
O local era perfeito para longas temporadas de caça, pesca e para o plantio de alguma roça de mandioca. Assim foi fácilpara os primitivos habitantes os índios, se fixarem nas partes mais altas dessas terras. Nesses locais, além da fartura de animais,aves, peixes e frutas, havia também a segurança contra um possível ataque de outras tribos e o horizonte que se descortinava dolocal era muito bonito. A ocupação humana por estes lados começou por volta de 3000 anos atrás. Os primitivos habitantesgrupos de 30 a 40 indivíduos, faziam desta região sua passagem com direção ao sul do continente americano e retornavamalgumas vezes pelo mesmo caminho denominados de “peabiru” (termo Tupi ou Guarani quer dizer: caminho, trilha oupassagem) existiam várias trilhas como essas pelos sertões brasileiros, incluindo os da região de Sorocaba.Há uma lenda sobre a fantástica “Estrada do Sol”, que partindo da região de Cuzco no Peru, atravessava o chaco paraguaioe o pantanal mato-grossense, passava ainda pelo morro Araçoiaba e teria como chegada a famosa “Calçada de Pedra” em SãoVicente, São Paulo. Essa “estrada” das histórias lendárias dos nossos índios, ligaria o Oceano Pacífico ao Oceano Atlântico. Ahistória dizia ainda que essa estrada possuía em intervalos regulares, “pirâmides” como marcos ou estágios de paradas. Oprincipal deles seria uma suposta “pirâmide” existente no morro Araçoiaba, onde inclusive inscrições ruprestes teriam sidoencontradas. É uma história bonita que poucas pessoas conhecem. Mas pouco provável ter existido tal “estrada”.
Os primitivos habitantes
É provável que os primitivos habitantes, tenham se utilizado desses caminhos ou trilhas ou ainda costeando as áreas limítrofes do Atlântico. Alguns grupos possivelmente tenham subido pelas encostas das serras ou vindo pelos caminhos das terras mais altas como, por exemplo, os caminhos que deram origem a estrada, como a Rodovia Raposo Tavares, que até meados do século 20 (1949 a 1953) tinha a maior parte do seu trajeto de São Paulo a divisa do Paraná praticamente de terra batida e seguia também um antigo traçado que posteriormente foi demarcado pelos tropeiros. Esses traçados ou trajetos eram baseados em um “peabiru” bastante primitivo.
Talvez tenham ficado um bom tempo por aqui, até se deslocarem para o sul onde se encontram com outros grupos humanos que tenham descido o continente pelos lados do Pacífico, formando assim grande parte das tribos primitivas do sul do continente americano. [Página 9 do pdf]
Não se sabe quase nada a respeito desses homens primitivos. Podemos apenas fazer suposições de como seriam. A partir demais ou menos 1000 anos atrás eles começam a se organizar em pequenas nações tribais e a formar famílias indígenas conhecidascomo: Uetakas, Guaianis, Quíchuas, Tupis e Guaranis neste lado leste do continente sul americano.Esses grupos crescem em número e vão se dividir novamente formando então, nações diferentes. Algumas naçõesdominaram uma vasta área do nosso país. Formaram grupos de língua diferentes e foram os primeiros “homens brasileiros”. Enesta região, durante muitos e muitos anos, encontravam-se os Tupiniquins, Tupis, Guaranis e Carijós.Os mais significativos para a história de Sorocaba e região, são os Tupiniquins e os Carijós. Os Tupiniquins eram mansos emuito indolentes, isto é, não gostavam de muito trabalho. Os Carijós, mais agressivos, eram inimigos mortais dos Tupiniquins.Ambos deixaram poucos sinais de sua passagem.Restam poucos fragmentos dos locais onde construíram suas aldeias.Eram tão atrasados que suas ferramentas eram de pedra na época dodescobrimento. Suas flechas feitas de um caniço retirado da taboa e os arcos debutirama ou ari uma palmeira hoje extinta nesta região. A corda era de fibra de“gravatá”. Utilizavam uma argila denominada “taguá”, para fazerem vasilhas,gamelas, cuias e vasos mortuários. Essa argila retirada do leito dos riachos daregião possuía minerais ferrosos na sua composição, o que dava umaconsistência porosa e quebradiça aos objetos de cerâmica que faziam. Essaspeças eram simples e cozidas em fogueiras, não possuíam nenhum desenho ouforma especial e raro é encontrar um objeto pintado ou com cores.Não tinham nenhum tipo de vestuário, andavam nus. As mulherescuidavam das roças, das construções, de fazer cerâmica e objetos de utilidadedoméstica.As crianças não brincavam como as crianças de hoje. Elas tinhamobrigações junto às mulheres e apenas possuíam figuras de animais em argilaou algum animalzinho de estimação, como um pequeno macaco ou sagüi paralhe fazer companhia, até que pudessem acompanhar os homens na caça e napesca, e em seguida nas guerras contra outras tribos. Aos homens competiam àfeitura de adornos pessoais, as pinturas cerimoniais e as guerras.Essas tribos tinham no máximo 200 pessoas. Quase todas com graus deparentesco entre si. Não haviam estranhos ao grupo familiar. [Página 10 do pdf]
Os TupiniquinsHoje, quem mora nas áreas do Jardim SãoCarlos, Altos do Campolim, Esplanada, JardimSandra, nem desconfia que esteja morandojustamente onde as grandes aldeias Tupiniquinsexistiram. Grande parte dessas áreas hoje estátotalmente diferente do que era. Muitas peçasindígenas como “igaçabas” (urnas funerárias),potes de pintura, alguns machados de pedraforam encontrados nesses bairros durante aconstrução de casas. E bem próximo onde hojeestá o Shopping Esplanada havia um dos maioresaldeamentos. Eram tupiniquins. As evidências dechoças, fogueiras, ferramentas e sepultamentossão muito comuns nesse local. Lamentavelmentea ocupação imobiliária está destruindo esseslocais, assim como já acabou com outros tantosna nossa cidade.Muitos objetos e utensílios, a cultura elíngua dessas tribos primitivas estão perdidospara sempre, as modificações nessas áreaspróximas vem desfigurando totalmente os locaise não há cuidado de se preservar. Assim, vãosendo apagados os vestígios e registros dessespovos indígenas da nossa cultura.Os primeiros homens brancos ou europeuchegaram aqui por volta de 1589, destruindotribos indígenas e se instalando nas áreaspróximas ao morro Araçoiaba. [Página 11 do pdf]
Os primeiros homens brancos a chegarem nesta região foram Affonso Sardinha, o pai e seu filho Affonso Sardinha, o mameluco. Assim como eles outros aventureiros vieram e se foram. Alguns anônimos, outros figuras importantes como o governador geral do Brasil - Dom Francisco de Souza por volta de 1610. Muitas cidades de hoje surgiram pelas andanças desses homens pelos sertões. Enfrentavam perigos desconhecidos, fome, doenças eataques de índios. Muitos morriam e eram sepultados a beira dos caminhos. O próprio Affonso Sardinha, omameluco morreria alguns anos mais tarde numa dessas aventuras da época colonial.
O homem branco
Quando Pedro Álvares Cabral tomou posse das terras brasileiras em 1500, Portugal ainda não sabia o que havia por aqui. Tinham apenas uma vaga idéia do tamanho da posse que lhes cabia por ordem do tratado de Tordesilhas.
Em 1589, Afonso Sardinha, um português aventureiro, rico e vereador em São Paulo era dono de uma mina de “faiscar” ouro perto do morro do Jaraguá, veio juntamente com seu filho mameluco (filho de branco com índia), conhecido como “o mameluco do Afonso Sardinha” (mais tarde é que ele assume verdadeiramente o nome do pai).
Ambos vieram procurar riquezas nestas terras, porque alguns índios-escravos diziam: “além do Voturuna, depois do Araçaryguama, bem perto do rio que vem do Vuturaty, que passa pelo Itavuvu e chega ao Biraçoiava, há uma imensa “lagoa de ouro” guardada por “nhangá” e aquele que a ela chegar ficará muito rico.” [Página 12 do pdf]
A fantástica história de um morroNa verdade, o surgimento da maior parte das cidades da região foi sem dúvida em razão da vinda dos Afonsos Sardinhas aprocura de ouro no morro Araçoiaba. A partir daí é que outros brancos vieram e tudo começou a mudar por aqui.
A lenda da “lagoa dourada” é muito bonita, vale a pena descrevê-la: “Ao findar o dia, o sol se punha por detrás daquelemorro coberto por imensa floresta de ipês, perobinhas, manacás, umbaúbas, cipós, butiramas, loureiros, paus-d´alhos,jacuruviras, e outras maravilhas seculares da nossa flora”. E enquanto o dia se fundia com a noite, os animais e aves diurnas faziamenormes alaridos em busca de seus ninhos para se abrigarem do breu que chegava... E os animais e as aves da noite desse instanteem diante começavam a se agitarem em busca da caça para se alimentarem . Era a natureza de cada um cumprindo o seu papel deacordo com as normas da criação. O lusco-fusco se acentuava cada vez mais e o sol se pondo sobre o topo do morro na visão dogentio, era engolido pelas águas límpidas da lagoa que havia sobre o cabeço Vermelho do morro ali o sol se demorava um poucomais e refletia nas águas calmas um dourado fulgurante, intenso e magnífico era a “Morada da mãe do ouro”, a lagoa quemagicamente possuía os tesouros tão bem guardados por seres misteriosos e fantásticos como curupiras, juruparis, sacis-pererêseboitatás sob as ordens de Anhangá todos eles, entes malfeitores, espíritos que viviam ocultos nas sombras da floresta. Foi essalenda, do enorme tesouro em ouro do Cabeço Vermelho no morro Araçoiaba, que trouxe os Sardinhas e seus companheiros poraqui.
Os próprios civilizados posteriormente passaram a acreditar quefantasmas realmente guardavam ostesouros do Araçoiaba, movidos poruma fantasia maravilhosa de tesouros,duendes, sons sobrenaturais, luzesdouradas, que são engolidas pelas águasde um lugar encantado.
Junto ao morro Araçoiaba aindaexistem “cemitérios” e evidências dealdeiamentos indígenas, apesar desucessivas ocupações e degradaçõespelas quais passaram esse “verdadeiroparque arqueológico na região. [Página 13 do pdf]
O arraial que deu origem a cidade de Sorocaba
Os Afonsos Sardinhas, homens fortes e aventureiros, não se importaram com os índios que moravam próximo ao morro do Araçoiaba. Muitos foram aprisionados e outros tantos dizimados. Não havia ouro nem tesouro, tudo era lenda. Os índios na sua infinita pureza criavam histórias para dar mais encanto ao paraíso que ali existia.
Os nossos índios não tinham muita engenhosidade ou habilidade industrial, mas possuíam rico e lindo acervo de lendas e entes mágicos que eram os guardiões das suas florestas, dos rios e dos seres que nelas habitavam.
No lugar do ouro apenas pedras duras de um mineral conhecido como pedra-de-ferro a magnetita. Mas a viagem não foi perdida, junto ao ribeirão do Ferro, construíram dois forninhos e com as pedras-de-ferro fizerem alguns instrumentos rústicos para lavrarem as terras em volta.
Assim nascia em 1599 o arraial de Nossa Senhora do Itapevussu por ordem do Governador do Brasil Dom Francisco de Souza, que veio pessoalmente visitar a empresa dos Sardinhas. Mas essa vila pouco durou. Em 1610, os poucos habitantes já haviam abandonado o local da vila e saíram a procura de melhores terras para cultivos das suas roças.
Alguns descem o ribeirão do Ferro em direção ao rio Sorocaba e se instalam no local chamado Itavuvu. Apesar da Vila do Itapevussu ter sido abandonada, ainda assim ela servia de referência para a passagem dos preadores de índios e desbravadores de sertões. Um desses personagens vai marcar definitivamente a história da região. Baltasar Fernandes, era o seu nome.
Filho de Manuel Fernandes Ramos e Suzana Dias, era bisneto por parte de mãe do famoso João Ramalho e da índia Bartira. Baltasar Fernandes, nasceu em São Paulo, onde hoje está situado o bairro do Ibirapuera, em 1580. Fez várias entradas nos sertões em busca de índios. Mão de obra escrava de alto valor naqueles tempos. Em 1636, com pouco mais de 56 anos, voltava de uma das grandes campanhas contra as Reduções do Tape, no Guairá, juntamente com sua gente e cerca de 400 peças índias e fazem parada no Itavuvu, onde é recepcionado por um pequeno grupo de moradores. Por estar abandonado o pelourinho no alto do Araçoiaba, o mesmo é trazido e instalado no Itavuvu e em homenagem ao rei Felipe II aquele aglomerado de choupanas recebe o nome de Vila de São Felipe. Seria o embrião da futura Sorocaba.
Baltasar Fernandes era um homem de muita fibra, foi um bandeirante audaz. Destemido caçador de índios. Chegara até asterras do Paraguai onde se casou com Maria Zunega, com quem teve uma filha. Após ficar viúvo, casou-se com Isabel de Proençacom teve 9 filhas e 3 filhos. [Página 14 do pdf]
Com a morte da mãe herda parte das terras do “Apotribu” e retorna ao arraial de São Felipe. Em 1654 está com sua famílianovamente na região. Seu desejo era fazer do arraial uma vila, como seus irmãos André, que fundara Santana do Parnaíba eDomingos, fundador de Itu. Mas o local oferecia poucas chances de agricultura. Os meandros do rio Sorocaba, ficavamconstantemente alagados com as cheias nos períodos de chuvas. Provocando estragos nas pequenas lavouras e impedindo oprogresso do arraial.Abandonando o arraial de São Felipe, os moradores, liderados por Baltasar Fernandes, sobem em direção a cabeceira dorio Sorocaba. Mas se instalam um pouco abaixo em ambos os lados do rio, onde hoje se localiza parte do Jardim Sandra, da avenidaPereira Inácio - que liga Sorocaba a Votorantim e toda a região que margeia o rio até o Jardim Iguatemi. A casa situava-seexatamente onde hoje está uma clínica médica e parte de um condomínio residencial.
No final do ano de 1970,ainda era possível ver parteda casa de BaltazarFernandes, quase em frenteao Parque da Biquinha.Logo em seguida ela foitotalmente demolida e nadamais restou no lugar.Nem ao menos uma placaindicando o lugar da primeiracasa de Sorocaba. De estilobandeirantista do século XVI,resisitiu por mais de 300anos ao tempo e ao homem. [Página 15 do pdf]
Um novo arraial começa a nascer no vale do rio SorocabaEstamos no ano de 1654, uma enorme casa de fazenda em estilo bandeirantista, construída de taipa domina a suave colinasobre o vale do rio Sorocaba, (onde hoje está à entrada do Jardim Sandra). Era a casa grande da fazenda de Baltasar Fernandes e desua mulher, Isabel de Proença e seus filhos e filhas.Outras famílias de brancos e mamelucos e muitos índios-escravos moravam nas choupanas e cabanas ao redor.Junto à casa sede da fazenda existia uma pequena capela de Santa Cruz como era de costume.Baltasar Fernandes mandou então construir uma outra capela maior no lugar mais alto e protegido de seu arraial. Instalauma imagem que recebe o nome de Nossa Senhora da Ponte. Com o apoio de seu irmão André, consegue a vinda de padres oumonges de São Bento para rezar missas, ensinar letras e ladainhas aos filhos dos que aqui moravam, dando-lhes em troca terras,gado e escravos. Era o começo do Mosteiro de São Bento.O arraial estava quase nascendo.Logo vieram se juntar aos pioneiros: Braz Esteves Leme, que foi ter uma grande fazenda pelos lados do Itinga e CampoLargo; Jacinto Moreira Cabral cuja fazenda situava-se perto do atual bairro da Terra Vermelha seu irmão Pascoal Moreira Cabraltinha fazenda nos altos da serra de São Francisco. De São Paulo veio o rico comerciante Cláudio Furquim e de Parnaíba, FranciscoSanchez, ambos castelhanos.O Arraial estava pronto para nascer, só faltava o pelourinho para lhe dar autoridade.Baltasar Fernandes solicita ao governador-geral da Capitânia Salvador Corrêa de Sá e Benevides, que o pelourinho doarraial de São Felipe fosse instalado na nova localidade, afirmando em documentos que na nova paragem já haviam maismoradores e pessoas com dotes e muita fé. Obtida a permissão o pelourinho é transferido para as imediações da capela e da antigacasa da Câmara. A data do despacho favorável seria 3 de março de 1661. Baltasar Fernandes morre aos 80 anos de idade, no dia 21de abril de 1667. Como seus irmãos André e Domingos, Baltasar fundara também um arraial. A “Villa de Sorocaba”. [Página 16 do pdf]
Nasce a Vila de SorocabaUm celebre quadro do saudoso Ettore Marangoni mostra em detalhes, índios sob as ordens de Baltasar Fernandes erguendoum tronco tosco. Era o pelourinho do abandonado arraial de São Felipe e que agora, marcava definitivamente o nome de Sorocaba.Mas levariam longos sete anos para que o pequeno arraial recebesse sua certidão de nascimento com o nome de Vila de Sorocaba.Baltasar Fernandes conseguira finalmente fundar uma cidade.
A capela foi construída noponto mais alto do arraial,mesmo estando distante dacasa grande de BaltazarFernandes. O pelourinho foicolocado logo abaixo a direitada capela, entre a trilha daBoa Vista de Cima (hoje RuaNogueira Martins) e ondecomeçava a primitiva rua deSão Bento. A primeira rua deSorocaba, pois por elachegava-se até a passagemque atravessava o RioSorocaba e dali seguia - para aesquerda: caminho do MatoDentro, Caguassú e “Villa deYtu”, ou ainda pela direita: ocaminho da “Villa de SãoPaulo”.Nos primeiros anos do arraial,os sepultamentos dos menosfavorecidos era feito do ladoesquerdo da capela - ondehoje está a praça Carlos deCampos. Isso durou por maisde 150 anos. [Página 17 do pdf]
O índio não pode mais ser escravoPor volta de 1750 é proibida a escravidão do índio no Brasil.Baltasar Fernandes chegou a possuir quatrocentos escravos-índiosentre crianças e adultos, homens e mulheres, que ele dispunha e usava daforma que bem lhe provesse e cuja alimentação era a mais rala possível:farinha de mandioca, caça e pesca e frutas do que sobrava das despensas dacasa grande.Em conseqüência da proibição da escravidão indígena, negrosafricanos são trazidos para substituir os índios. Como a maior parte dos índiosque viviam por aqui já estavam habituados àquela situação servil, muitosacabaram morrendo de fome ou inanição. Outros se internaram novamentenas matas e passaram a roubar e matar os viajantes. Mateiros contratados pelosvereadores ou simplesmente bandidos passam a fazer uma implacável caçadaa qualquer índio. Era o fim dos indígenas. Os verdadeiros donos das terrasbrasileiras. Essa situação ocorreu em todo território brasileiro.Não há índios na região de Sorocaba praticamente desde essa época,ou seja, há mais de 200 anos.Os escravos negros em Sorocaba foram poucos, não existiam grandesplantações para serem cuidadas nestas paragens, dessa forma não havianecessidade do trabalho escravo. E os dois engenhos de cana construídos lápelos lados das divisas com Itu não deram muito certo. Mas mesmo assimalguns sorocabanos possuíram escravos. Usavam-nos para lhes dar banho elevá-los passear em cadeirinhas. Muitas negrinhas foram compradas porfamílias ricas para servirem de brinquedos para seus filhos.A Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema foi quem maisutilizou a mão de obra escrava na sua construção. E muitos homensimportantes da vila chegaram a realizar troca de escravos doentes por escravossadios enviados pelo império na construção da Fábrica de Ferro. Porem pouco antes da Lei Áurea, Sorocaba já não tinha mais escravos.Pelas características da sociedade sorocabanana época colonial e depois nos seus diversosciclos de desenvolvimento, em Sorocaba a mãode obra de escravos quase não existiu. Exceçãofeita na construção da Real Fábrica de Ferro,onde foram trazidos de fora quase uma centenade escravos.Os tempos começam a mudar a fisionomia da Vila de [Página 23 do pdf]
Os tempos começam a mudar a fisionomia da Vila de Sorocaba A vila ainda era pequena. Lá do alto da Boa Vista quando se olhava Sorocaba ao final do dia, a impressão era de estarolhando um presépio, tão bonita com suas casinhas alinhadas na subida da rua do Mosteiro e ao redor do largo da Matriz. As casasao anoitecer tinham seus candeeiros acessos e as luzes bruxuleantes dos bicos de óleo davam uma aspecto todo singelo à vila. Ocalor do dia era compensado por finais de tarde amenos e noites claras mais frias. As pessoas possuíam um tom de peleavermelhado em virtude da poeira e da lida com os afazeres da terra ou das pequenas roças que rodeavam os baixios do riacho doCouros (atual Supiriri).Com exceção dos domingos ou dias santificados, não havia barulho ou algazarras. O silêncio eraquebrado por um ou outro acontecimento extraordinário como o do tropel de animais ou algum desordeiro que exagerou naaguardente.Toda essa aparência bucólica será quebrada com um fato inesperado: o Tropeirismo.
Por volta de 1720,Sorocaba era mais oumenos assim:1 - Casa de BaltazarFernandes;2 - Mosteiro e cemitério;3 - Aldeiamento indígenanas terras dos padres;4 - Matríz e largo;5 - Casa da Câmara eCadeia, “casinhas” decomércio e algumascasas de moradia;6 - “passagem” do rioSorocaba;7 - Rio Sorocaba; e8 - “Caminhos” para a“villa de Ytu” e “villa” deSão Paulo. [Página 24 do pdf]
Sorocaba é mais importante que São Paulo
Em 1733, o povo vila de Sorocaba vê passar pelas suas ruas poeirentas e estacionar próximo a velha ponte de madeira do rio, um bando de homens tropeando uma infinidade de animais com grande alvoroço. Correrias, um misto de espanto e medo se apossou das pessoas.
Uma coisa como nunca se vira antes. Tantos homens e animais juntos. Foi à passagem da primeira tropa de muares com destino as Minas Gerais. Seu patrão é Cristóvão Pereira de Abreu, que trazendo esses animais do sul do país, inaugura inconscientemente um dos mais ricos e duradouro ciclo econômico de Sorocaba, o tropeirismo.
Foi a partir desse fato que a Vila cresceu, ficou rica e famosa. Por quase duzentos anos o movimento de dinheiro e a fartura que corriam durante as feiras de muares, fez de Sorocaba uma mistura de pólo capital de fortunas e cultura. Para cá vieram grandes companhias de teatro lírico, passaram grandes personagens da nossa História, floresceram o comércio e pequenas indústrias, até uma siderúrgica foi criada pelo regente D. João, tamanha era a importância estratégica e econômica da Vila de Sorocaba.
Sorocaba passou a cobrar impostos sobre os muares. O que tornou a vila um dos melhores negócios para o governo da época. Grandes fortunas sorocabanas tiveram inicio com o arrendamento das cobranças dos impostos de “barreiras” como eram chamados.
Estrangeiros conheciam Sorocaba e não ligavam a mínima para a Vila de São Paulo. Grandes casarões e sobrados foram construídos pelos ricos comerciantes de muares e outros bens. Sorocaba construiu um belo teatro, chegou a ter 5 escolas de primeiras letras e um grande “Collegio”, era procurada pelos seus artigos de couro e ferragens produzidos nessa época. Enfim, Sorocaba era uma estrela de primeira grandeza no cenário brasileiro.
Os habitantes só tinham olhos e ouvidos para o tilintar dos “patacões ou doblones” dinheiro que corria solto das bodegas aos armazéns, das “quitandeiras” as casas de pousos. Durante um período até as pequenas lavouras desapareceram, tornando muito caro a rala alimentação da vila.
Muitas famílias colocavam os filhos mais fortes para “tropear”. Curioso é que poucos sorocabanos de origem foram “patrões” ou comerciantes de tropas. A maioria deles eram fazendeiros ou “haciendeiros” de São Pedro do Rio Grande.
Por volta de 1897 um surto de febre amarela interrompe de vez o ciclo tropeiro e tudo acaba como por encanto. Até hoje muitas pessoas pensam que Sorocaba nasceu do ciclo tropeiro. Isso é um erro, pois Sorocaba já existia, cresceu por ele e se firmou com a ferrovia até meados da década de 60 no século XX. [Página 25 do pdf]
O Colégio do Professor ToledoNo final de 1857, o professor Francisco de Paula Xavier de Toledo constrói na antiga Villa do Campo Largo de Sorocaba,o “Collegio do Lageado”. Esse colégio abrigou e ensinou perto de 500 alunos durante a sua existência, a maioria em regime deinternato. E o mais interessante é que havia um grande número de meninas como alunas desse internato, que ficava praticamenteno meio do mato, no chamado “sítio da Tapera”, num antigo caminho de tropas.Lecionaram nesse colégio Jules Martin, André Garraux, Julio Durski, Zeferino Santana entre outros. D. DelfinaMascarenhas Martins de Toledo dirigia o internato feminino.Foram alunos dessecolégio Arthur Gomes,Ubaldino do Amaral Fontoura,Américo Brasiliense, Rubino deOliveira, Maria AngélicaBaillot, João LourençoRodrigues.O “Collegio doLageado” foi um dos maioresestabelecimentos de ensino daProvíncia e conhecido em outrasprovíncias pela qualidade do seuensino. Infelizmente com amorte do Professor Toledo, oColégio deixou de existir e hojenada mais resta desse magníficoColégio que ali existiu até ofinal do século XIX..Se compararmos, o “Collégio doLageado” era maior que algumasescolas de hoje. [Página 26 do pdf]
A Real Fábrica de Ferro do IpanemaPor ordem do príncipe-regente D. João, foi criado o Real Estabelecimento Montanístico das Minas de Ferro de São Joãodo Ipanema, ou simplesmente a Fábrica de Ferro de Ipanema no sopé do morro Araçoiaba. E para dirigir os trabalhos deinstalação foi contratado Carlos Hedberg, um sueco que era matemático e não entendia muito de mineração ou de ferro.Conseguiu, no entanto Hedberg, construir a maior parte dos prédios que ainda estão lá para mostrar a grandiosidade doempreendimento.O ferro só foi fundido em 1818 pelo então diretor da Fábrica,o alemão-prussiano Frederico Varnhagen.Seu filho Francisco Adolfo de Varnhagen, o Visconde dePorto Seguro, nascido em Ipanema em 1816, é considerado o Pai daHistória do Brasil.Na Fábrica de Ferro, como era conhecida, o trabalho era tãodifícil e árduo que alguns operários eram presos caso tentassem fugirdas suas obrigações.Foi nessa Fábrica de Ferro que Rafael Tobias de Aguiar foibuscar dois canhões com os quais enfrentaria Duque de Caxiasdurante a Revolução Liberal de 1842. Mas eles não chegaram adisparar um só tiro.Logo depois desse acontecimento a Fábrica ficou esquecidade tal maneira que o mato chegou a cobrir a estrada que a ligava aSorocaba.Com a Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, resolveuo Império brasileiro reativar a fábrica para que nela fossemproduzidas as armas para essa malfadada guerra.Chegou-se a produzir algumas coisas, como pontas delanças, clavinotes e argolas. As armas mais sofisticadas eramfornecidas pela Inglaterra.Com a Proclamação da República em 1899, a Fábrica foidefinitivamente fechada. [Página 27 do pdf]