' *“Europeus e Indígenas - Relações interculturais no Guairá nos séculos XVI e XVII”. Mestrado de Nádia Moreira Chagas, Universidade Estadual de Maringá. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA - MESTRADO - 01/01/2010 de ( registros) Wildcard SSL Certificates
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“Europeus e Indígenas - Relações interculturais no Guairá nos séculos XVI e XVII”. Mestrado de Nádia Moreira Chagas, Universidade Estadual de Maringá. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA - MESTRADO
2010. Há 14 anos
seja de historiadores jesuítas, de conquistadores, ou de cronistas espanhóis. De grandeextensão geográfica, a região compreendia a parte ocidental do rio Paraná, com uma parte debosques, montanhas e também uma parte plana de campos.Os rios traçam os limites físicos da região enquanto uma unidade organizada, masonde elementos iguais e diferentes interagem, sendo necessário saber identificá-los2. Degrande importância na época da conquista européia, o Guairá localizava-se entre o rio Paranáao oeste, o Paranapanema ao norte e o Iguaçu ao sul, com seus principais afluentes,desenhando seu território e completando seus limites internos., Do rio Paranapanema tem-se orio Tibagi e o rio Pirapó; do rio Paraná, o rio Piquiri e o rio Ivaí com seu tributário, o rioCorumbataí. Portanto, uma região ricamente banhada e irrigada por diversos rios, quepossibilitava a existência da vida em todos os seus aspectos.

Desde a demarcação de Tordesilhas para o oeste, em direção ao Pacífico, a Espanhareivindica ser dona dessas terras que incluíam o que hoje corresponde aos estados do Paraná eSanta Catarina. Em 1516, foram os espanhóis, da expedição de Solís, os que chegaram aliprimeiro,

João Dias Solis penetrou na emboucadura do Rio da Prata
1 de fevereiro de 1516, terça-feira (Há 508 anos)
 Fontes (7)

e também foram os espanhóis, da expedição de Aleixo Garcia em 1524, os primeiros a atravessá-las.

Armada de João Dias de Solis teria sido "desmantelada"
1524, terça-feira (Há 500 anos)
 Fontes (6)

O adelantado Álvar Nuñez Cabeza de Vaca, entre 1541 e 1542, tomou posse da região que se estendia desde o Oceano Atlântico até o Rio Paraná, e acima do rio Iguaçu.

A partir desse momento, essa3região foi incorporada às terras dominadas pelaEspanha, e governada desde Assunção, capital da Província do Rio da Prata, sendo chamadaProvíncia del Guairá, uma referência a um cacique Guarani de uma tribo que vivia perto dasquedas d’água que tinham o mesmo nome: Guayrá4.

Nos escritos da viagem de Don Álvar Nuñez Cabeza de Vaca 5 quando chegou à América em 1541, há um relato minucioso sobre as condições do Guairá, que ele atravessou em direção à Assunção. Por ora, enfatiza-se apenas a descrição da parte física da região que mostra a sua extensão, com o objetivo de ajudar a compreender os futuros os encontros entre europeus e indígenas. [Páginas 27 e 28]

Ao chegar à ilha de Santa Catarina, vindo de Cananéia, o governador Cabeza de Vacatomou algumas providências para sua entrada nos territórios, enviando em maio de 1541,Felipe de Cáceres6, para ir pelo Rio da Prata até Buenos Aires verificar as condições dos seusmoradores.

Vaca
maio de 1541, quinta-feira (Há 483 anos)
 Fontes (1)

Impedido de navegar em virtude do tempo desfavorável, Felipe voltou até ondeestava Cabeza de Vaca, em Santa Catarina. Nota-se que o governador procurou inicialmenteinvestigar as possibilidades de empreender sua viagem, mesmo que para isso tenha sidoobrigado a permanecer por vários meses em Santa Catarina. Mas, decidida a viagem por terra,o governador enviou outro membro da expedição, Pedro Dorantes, para procurar um caminhoque pudesse ser trilhado e também para o reconhecimento da terra. Cabeza de Vaca já tinhaconhecimento de que muitos portugueses haviam sido mortos pelos indígenas daquela região,mesmo assim, Dorantes partiu acompanhado de companheiros espanhóis e de alguns índiosque seriam seus guias. Três meses depois, retornou dizendo que tinham passado por serras,montanhas e lugares despovoados, chegando a um lugar chamado Campo. A terra povoadaestava mais acima, no relato de Dorantes, ao largo do rio Itabucu “[...] que está en la punta dela islã, a diez y ocho o veinte léguas del puerto [...]”7.

Essa descrição feita nos Comentários denota a importância dos rios para a navegaçãoe comunicação entre as regiões. Consta que o Rio Itabucú8foi utilizado por uma parte daexpedição e, em 2 de novembro de 1541, o governador partiu com o restante dos homens,para uma jornada de 19 dias quando

9, até o lugar chamado Campo, onde Dorantes havia chegado em sua jornada de reconhecimento.

O governador partiu com o restante dos homens, para uma jornada de 19 dias
2 de novembro de 1541, domingo (Há 483 anos)
 Fontes (1)

Dali, Cabeza de Vaca continuou sua jornada e, em 29 de novembro, partindo da aldeia chamada Tocanguanzu por mais três dias, quando chegou ao Rio Tibagi, que ele descreve como “[...] Es un rio enladrillado de losas grandes, solado, puestas en tanta orden y concierto como si a mano se hobieran puesto [...]”, em que tiveram muito trabalho para atravessar, pois era escorregadio, com forte correnteza e, por isso,“[...] tomaron por remédio pasar asi dos unos a otros [...]”10.

Cabeza de Vaca parte da foz do Itapocú
29 de novembro de 1541, sábado (Há 483 anos)
 Fontes (11)

No início de dezembro11o RioTacuari foi encontrado. Até esse momento, tinham passado por campos e lugares com muitasárvores e rios, terras descritas como muito boa para a agricultura e criação de animais.Outro rio bastante caudaloso e largo, rodeado por um tipo característico de árvores, asAraucarias12, foi o próximo ponto marcante encontrado pelos viajantes da expedição, edescrito13como o que custou muito trabalho para atravessar, além de terem encontrado aindamontanhas e canaviais e, outros rios, alguns caudalosos, sem mencionar seus nomes,considerados também obstáculos para a travessia do território. Um dos rios, porém, entendese que era o que foi chamado de Iguatu, encontrado em 14 de janeiro, é descrito como muitolargo e situado “[...] de la banda del oeste en veinte y cinco grados [...]”14, local de pescaabundante e caça de vários tipos de animais selvagens, de aves raras, abelhas que produziammel, onde também havia um povoado Guarani. Não se encontrou referência a esse nome emoutra obra, o que impossibilitaria sua localização, mas se pode dizer que é o mesmo RioIguaçu, porque ele irá atravessá-lo novamente, bem mais adiante, em sua jornada.

Chegada ao rio Iguatu
14 de janeiro de 1542, quarta-feira (Há 482 anos)
 Fontes (1)

O Rio Piquiri aparece logo em seguida nos relatos, e foi depois desse rio, que Cabezade Vaca15alcançou novamente o Rio Iguaçu, porque ele diz:

[...] Este rio Iguazu es el primer rio que pasaron al principio de la jornadacuando salieron de la costa del Brasil [...]”, e que “[...] la espuma del água,como cae con tanta fuerza, sube en alto dos lanzas y más, por manera quefue necesario salir de las canoas y sacallas del água y llevarlas por tierrahasta pasar el salto [...].

Informações detalhadas sobre o Guairá também são encontradas nos escritos dohistoriador e conquistador Ruy Diaz de Guzmán, sobrinho-neto de Don Álvar Nuñes Cabezade Vaca, o primeiro espanhol que passou por ela e a denominou de Província de Vera. Para oautor, o território correspondia aos “[...] campos que corren y confinan com el Río de la Plata,que llaman de Guayra”.16 [Páginas 29 e 30]

O rio Iguaçu também foi descrito como um:

[...] Rio caudaloso del Guayra, formado por las águas que dimanan de lacordillera de San Vicente. Corre con una rapidez extraordinária, hastaencontrarse con el Paraná, en un punto donde fundaron los jesuítas lareducción de Santa María la Mayor. Forma vários saltos: uno entre otros acerca de tres léguas del punto de su confluência, con más de cien brazas deancho, y de 170 pies de elevación. Estas contínuas caídas, que mantienen enuna grande agitación a las águas, estorban también su navegación. Susmárgenes están cubiertas de bosques [...]. Iguasú en guarani, quiere decir‘rio grande’, con cuyo nombre se le suele designar en los mapas. Losportugueses lo llaman rio de Curitibá, que en su idioma quiere decir ‘rio demuchos pinales’: curú, pinal, y tiba, mucho17.

Para ajudar a compreender esses relatos, em Guzmán18encontra-se informação de queCabeza de Vaca chegou ao rio Paraná, a 30 léguas dos Saltos, que eram as Cataratas doIguaçu. Ele e seus companheiros teriam ouvido dos indígenas, que o Iguaçu chegava até o RioParaná que também entrava no Rio da Prata19, informação importante para as entradas queestavam fazendo em direção à Assunção.
>BR>Na descrição que Guzmán faz das Províncias do Rio da Prata, há informações tantosobre o descobrimento ou reconhecimento geográfico, quanto da sua povoação, relacionandoessas províncias, o que fazia parte delas e os rios que a banhavam, desaguando em um rioprincipal. Não é demais repetir a sua explicação de que Guairá era o nome de uma região quepertencia ao Paraguai. Faz-se necessário, porém, compreender que Guzmán, refere-se a todasas regiões que faziam parte das províncias do Rio da Prata, banhadas por muitos rios quechegavam ao Rio da Prata, o Paraná-Guasú para os Guarani, na época da conquista européia.Portanto, Guzmán vai para além dos territórios do Guairá, começando sua descrição desde o Uruguai e litoral do Rio Grande do Sul, descrevendo as regiões e portos20, até chegar ao RioUruguai, com seus importantes afluentes, e adiante dele, o Rio Negro e seus afluentes.

Nessa delimitação do Guairá, o Rio Paraná é considerado o principal, recebendo todosos rios que saem do lado do Brasil e se junta ao Rio Paraguay, e bom para navegação. OIguaçu, um caudaloso rio do Guairá que encontra o Rio Paraná, é lembrado como o local ondeos jesuitas fundaram a Redução de Santa Maria la Mayor, e também onde se formam grandessaltos, as Cataratas do Iguaçu, que impossibilitavam a sua navegação.

Guzmán21, descreveu as Cataratas do Iguaçu como “[...] la más maravillosa obra de lanaturaleza que hay [...]”, cujo barulho era ouvido a oito léguas dali. É necessário observar oautor está escrevendo em 1612, razão porque já está se referindo à existência da cidade dePuerto Real, a três léguas acima dos saltos, que é a mesma Ciudad Real, (ora ela é chamadapor um, ora pelo outro nome) fundada na foz do Rio Piquiri, sob o Trópico de Capricórnio.

“Historia argentina del descubrimiento, población y conquista de las ...
1612, domingo (Há 412 anos)

Nessa mesma rota, 12 léguas acima de Puerto Real ou Ciudad Real, ele destaca dois rios, àdireita o Rio Ubay22, e à esquerda o Muney. No Rio Ubay ou Huibaí, a 50 léguas, estava fundada a cidade de Villa Rica del Espírito Santo. Ainda na descrição de Guzmán, e continuando a subir o Rio Paraná, está seu grande afluente, o rio Paranapanema, um dos principais rios do Guairá. Seus afluentes são os Rios Tibajiba, e o Pirapó. O rio Ayembí ou Añemby (que é o Tietê) que, de São Vicente chega ao rio Paraná, também é citado aqui, e que por esse rio “[...] se comunican [...] los portugueses de la costa de los castellanos de esta província de Guayrá [...]”, em referência à sua importância para a comunicação entre as regiões.

Atibajiba ou Atiuajina como o autor citou, mas conforme diz GUZMÁN, op. cit., 1836-1969, no Índice Geográfico e Histórico, p. 309, lê-se que Tibaxiba ou Tibagy, era como os portugueses o chamavam, e em Guarani quer dizer Ali = amontonar ou hinchar; ba = fazer alguma coisa; hi = chocar; ou seja, rio cujas águas se incham e se entrechocam. Ver também p, 71, onde trata da importância do Rio Ayembí para os portugueses.

São relacionados ainda outros rios que entram pelo rio Paraná, como o seu afluenteParaná-Itabuiyí ou Itabuigí que, na interpretação do autor, estava ao lado do Brasil. Seu nomequer dizer “yibá = brazo; bú = salir; iguí = de él, esto es, rio de donde brota outro [...]”24. ORio Piquiri não está relacionado nesta obra, embora haja referência de que todos erambastantes povoados de indígenas. [Páginas 31 e 32]

Assim também o delineamento do Guairá é encontrado nos escritos do Padre Nicolasdel Techo25, segundo o qual “[...] El Guairá está situado en la parte del Paraguay que mira alBrasil y al Occidente del rio Paraná; por el Sur acaba en los campos que baña el Uruguay, ypor Norte en selvas y lagunas no bien conocidas; su extensión es considerable […]“, diferindoapenas na forma como simplificou os limites do território.

Bem recentemente a contribuição de Maack26ao escrever sobre os aspectos físicos doParaná, definiu a localização do Guairá como a que “[...] estendeu-se por toda a regiãoreclamada pelos espanhóis, entre os rios Paranapanema (rio Paraguario) e Uruguai [...]” ecomo sendo os limites territoriais do atual Paraná, o mesmo onde estava o que se chamouGuairá. Ele diz que fica

[...] na região sul - brasileira entre as latitudes de 22º 20’30’’ na cachoeiraSaran Grande no rio Paranapanema e 26º 42’ 59’’ nas nascentes do rioJangada, numa extensão superior a 468 km em direção norte-sul e entre aslongitudes a oeste de Greenwich de 48º 02’24’’ no rio Ararapira e 54º 37’38’’ na Foz do Iguaçu ultrapassando 674 km leste-oeste [...]

com limite ao norte com o rio Paranapanema; a leste, o Oceano Atlântico, na definição atualdo território, pois na época da conquista atingia o limite da linha do Tratado de Tordesilhas;ao sul, o Estado de Santa Catarina (também com relação ao período atual) e a oeste, o rioParaná. Refere ainda que, o Estado também está dividido atualmente em cinco regiões, quaissejam: o litoral, a serra do Mar, o primeiro planalto ou planalto de Curitiba, o segundoplanalto ou planalto de Ponta Grossa e o terceiro planalto ou planalto de Guarapuava27.

6MAACK, R. Geografia Física do Paraná. Curitiba. Banco de Desenvolvim...
1968, segunda-feira (Há 56 anos)
 Fontes (1)

Na obra de Cardozo28também há detalhamento da posição do Guairá como seestendendo desde o Rio Paraná até o Atlântico “[...] entre 22º 30’ y 25º y 30’ de latitud y los49º 30’ y 50º 30’ de longitude oeste de Greenwich [...], ao norte limitando-se com o rioParanapanema29, ao [...] este las serranias de Guarayrú, ou de Caiyú, ao sul, o rio Iguaçu30; e [Página 33]

ao oeste, o rio Paraná [...]”. Ele também observou que, geograficamente, existiam duasregiões no Guairá, separadas pelas montanhas conhecidas então como Ybytyrembetá. Umaplana, alta, ao oriente do rio Paraná, estendendo-se até o mar; e uma parte montanhosa. Aregião montanhosa, diz ele, apresentava-se quase toda coberta por florestas quase impossíveisde penetrar e com “[...] serranias inmensas de cuyas faldas nacen múltiplas corrientes de águaque [...]”31que, ao chegar ao rio Paraná, se convertiam em rios com muita água. E dessasmesmas montanhas, de Ybytyrembetá, saiam outros afluentes do rio Paraná, mais ao sul, o rioIguaçu, com arrecifes e saltos, lembrando também a sua difícil navegação.

“El Guairá. Historia de la antiga província (1554-1676)”. Ramón I. Ca...
1938, sábado (Há 86 anos)
 Fontes (1)

De acordo ainda com as descrições desse mesmo autor, perto da desembocadura do rioIguaçu, considerado um importante tributário do rio Paraná, os primeiros conquistadoresdenominaram a um porto de Peña Pobre32, em virtude de terem acreditado que o penhascolocalizado na região fosse composto do metal tão procurado (o ouro) porque resplandecia umbrilho muito forte, mas que não encontraram nada por ali. A trinta léguas desse porto, estava oSalto del Guairá, conhecido como as mais maravilhosas quedas d’água que os conquistadoresjá tinham visto, e mais duas léguas acima, o rio Piquyry33e, doze léguas para o norte, o rioHuybaí (Ivaí).

Este mesmo rio Ivaí nasce no coração da Província do Guairá, e seguindo seucurso, a setenta léguas de sua foz, está o Salto de Arayny (o autor não dá explicaçãoetmológica), e tem como tributários o Yñeë-y, cujo nome está relacionado aos peixes quetêm34, e o Carimbatay. Para completar as informações sobre a bacia hidrográfica do Guairá, orio Paranapanema, é descrito como outro grande e extenso afluente do rio Paraná, que nascenas imediações do rio Piratin-ní, região banhada também pelos rios Pirapó, Itangu-á, eTibaxiba ou B>Atibajiba 35, seus tributários. [Página 34]

do Rio Paraná, para fugir das investidas dos mamelucos, em momento posterior85. Segundo oautor, os Chovas eram indígenas do Guairá, com a mesma língua dos Pates e “[...] aunquehasta ahora no han visto españoles [...]”86, viviam nas margens do Rio Iguaçu e em toda suaextensão, provavelmente bastante retirados, o que pode explicar o fato de nunca teremencontrado os espanhóis. É interessante notar que o autor ainda diz que “[...] Por serguaraníes, y por estar más en contacto con los mamalucos, deben haber sido las primerasvíctimas de sus incursiones [...]”.

Muitas outras nações indígenas ainda, de costumes e línguas diferentes, viviam nasmargens dos rios Paraguay e Paraná. Seguindo a rota do Rio Paraná que Guzmán87 optou para fazer sua descrição, na região da cidade de Puerto Real, e também ao largo do Rio Ubay ou Huibai (Ivaí), habitavam mais de 200 mil Guarani, que se espalhavam por outros rios,montanhas, nos campos de pinhais e até a cidade de São Paulo, no Brasil. A região do rioParanapanema e de seus afluentes o Tibajiba (já classificado anteriormente) e o Pirapóestavam bastante povoadas também, e foi na foz do Pirapó que se fundou a Redução de NossaSenhora de Loreto, por exemplo,

“[...] una de las trece que componían las províncias de Tayaoba [...]” 88.

Hernando de Trejo, um dos conquistadores espanhóis que vieram por volta de 1552 na expedição de Diego de Sanabria, citado por Guzmán, ao partir de Santa Catarina para Assunção, encontrou diversas populações indígenas, entre eles, um grupo cujo cacique chamava-se Gapua 89, considerados Guarani, que viviam nas margens do Rio Iguaçu. Trejo encontrou, ainda, os Aguarás que não existem mais, portanto pouco conhecidos, mas considerados Guarani 90. Ainda nos escritos de Guzmán91, são relacionados os Peabeyú, “[...]indios comarcanos del Guayrá [...]", cujo significado da palavra em Guarani é pé = camino;abi = antiguo; y yú = ir, volver”, vivendo principalmente na Província de Tayaoba. Portanto,uma numerosa população indígena, predominando os Guarani, são relacionados por esseautor, além de outras etnias habitando nas regiões adjacentes ao Guairá. [Página 48]

semillas y frutas, ofrendas de los peregrinos, con los que alimentaba elguardián o ‘sacerdote’130.Os indígenas acreditavam que aquele defunto deveria reencarnar, mas tudo indica quea adoração era para que tivessem boas colheitas. Nessa história, os padres os fizeram queimaros ossos, de maneira que procuravam fazer crer aos indígenas, os “erros” dessas crençassegundo a doutrina católica. Ou seja, as crenças e adorações dos Guarani eram claramentequestionadas pelos missionários.O abapayé era considerado “[...] discípulo del diablo [...]” pelo padre Montoya131, epor também ser chamado de médico no povoado, tinha sua atuação questionada por empregarmal os remédios que indicava. Essa questão, porém, é posta de outra maneira pelo Dr.Bertoni132ao dizer que os Guarani conheciam e empregavam muito bem as plantasmedicinais, inclusive que, a ciência européia utilizava e conservava a classificação das plantasfeita por eles, e que, assim como em qualquer cultura e época, os charlatães existiam entre osGuarani na figura desses curandeiros. Não se conclui aqui que fossem ou não charlatães,apenas constata-se a existência dessas crenças entre os Guarani, mesmo com a presença docristianismo.1.2.4 Principais líderes indígenas do Guairá

Por ocasião da conquista européia, viviam no Guairá diversas tribos cujos caciquestambém deram nome para a região onde se estabeleceram. Entre esses, citam-se aqui, algunsdos relacionados por Cardozo 133, e também as informações de Guzmán 134. Cardozo lembra onome do Cacique Arapysandú 135 que teria sido um dos caciques do Guairá que foram atéAssunção pedir socorro ao governador Irala contra seus inimigos, os Tupi.

Um dos mais famosos parece ser o Cacique chamado Guayra 136, que habitava a região ao norte das cataratas que levaram seu nome. Também Guzmán 137 se refere a esse território, como sendo pouco conhecido, e com relação ao cacique Guayra diz que não se encontram maiores referências do que essas, apenas que o governador Domingo Martinez de Irala, ao fazer uma incursão pelo Guairá em 1552, “[...] pasó a aquella parte a um pueblo de un cacique llamado Guayra, de quien fue hospedado [...]”.

O Cacique Canindeyú138, também é relacionado como habitante da mesma região dossaltos do rio Iguaçu, onde havia sido fundada, em 1554, a cidade de Ontiveros, por GarciaRodrigues de Vergara. Era amigo dos espanhóis e seu nome derivava de Cani = aturdir; ndu =ruído; yu = venir, que quer dizer: “Viene un ruído que aturde”139.Na região da Redução de Nossa Senhora de Loreto (rio Paranapanema), viviaMaracaná, outro cacique amigo dos missionários. Segundo Cardozo140, sua importância foi considerável, porque havia até mesmo um porto, no rio Paraná, com o seu nome.

No mesmo rio Paranapanema na região da Redução de Santo Ignácio, liderava o Cacique Taubycy que, conforme Cardoso 141 significa: Aaub = demônio; hycy-i = hilera, ou seja, “hinajé del demônio”. O mesmo autor diz que, apesar das maldades e ações violentas desse cacique contra os jesuítas, ele os teria livrado da morte em muitas ocasiões.

Também nas imediações de Santo Ignacio, vivia Atyguayé142, região da doutrina doPadre José Cataldino, que não concordava nem queria aceitar as regras estabelecidas pelosmissionários com relação ao casamento plural “[...], pois era partidário de mantener lapoligamia [...], e, Arará, outro cacique da região de Santo Ignácio, amigo dos missionários.O Cacique Güiraberá, ou Guyraverá143, também citado como feiticeiro, que liderava aregião de Tayaoba ou Tayaoty, na nascente do rio Yñeeí, afluente do rio Huybay (Ivaí), localonde se fundou a Redução de Arcángeles, converteu-se à doutrina católica e se tornou amigodos jesuítas, recebendo o nome de Nicolás. Furlong144lembra que o Padre Montoya referiu-sea esse cacique dizendo que[...] Corrió la fama de mi venida por toda la tierra, y llegó a oídos del grandehechicero Guiraverá. Enfurecióse contra mi, amenazando que esta vez habíade matarme y comerme. Hizo general llamamiento de los caciques de lacomarca que, como lo veneraban por hombre divino, le obedecieron con todapuntualidad. [Páginas 58 e 59]

também da região de Ybytyrembetá; Uruboli o Urubumotin, cacique das montanhas deYbytyrembetá. Esses eram apenas alguns dos caciques do Guairá.Na análise dos documentos da Coleção de Angelis149, verifica-se que muitos foram oslíderes indígenas do Guairá, que entraram em contato, permanente ou temporariamente comos conquistadores espanhóis e com os missionários jesuítas. Entre esses documentos, um150traz o nome de um cacique chamado Melchior, e onde o capitão Guzmán relata que, porocasião do translado da cidade de Vila Rica do Espírito Santo para o rio Ivaí, em 1595, foifeito repartimento de terras entre os povoadores, mas que[...] aviendo hallado en el dicho rrio asentado a Melchior cacique del rriocolman casado con Maria hija de boypitan yndio principal y natural deldicho rrio al qual dicho Melchior abiendo rrespecto a que siempre avia sidoleal amigo y benemérito y proprietário asi de su parte como de su muger deldicho asiento e tierras don de le Halle poblado con casas y rroçerias medialégua poco mas o menos del rrio ... no permiti que al dicho Melchior le fuesequitada las dichas tierras de su asiento [...] .Esse conquistador confirmou, portanto, a posse de terras a Melchior, cacique dessa região, euma figura importante na história do local.Em outro documento, encontra-se uma lista longa de vários caciques e índios que sãoencomendados151em Vila Rica, e entre eles estão Anton Yraray, do rio Ubai; Tapayru de umlugar chamado Quayracay; Ybirayaral, chamado de Alonso, e vários outros.Com respeito às reduções do Guairá nos anos 1626-1627, uma carta ânua152do padreDurán (documento já citado quando se fez menção ao cacique Arapizandu), faz referência aojá citado Cacique Guayrá, que deu nome ao lugar. Esse padre diz que, durante sua viagempelas Reduções no Guairá, na busca por uma passagem pelo rio Paraná, foi descoberto umcaminho que ladeava o Salto do Guairá, e que ele foi auxiliado por um cacique chamadoCañarimari, que costumava matar os padres. [Página 61]

especificamente no que se refere às relações interculturais estabelecidas nos territórios doGuairá e no tempo delimitado para o estudo.Nesse sentido, importa saber que a América que se conhece hoje foi aos poucos sendoexplorada pelos europeus. Inicialmente era o território que Colombo encontrou, e depois ocontinente passou a ser domínio além da Espanha, de Portugal e Inglaterra, França e Holandacom algumas possessões também. A história da América não começou com a chegada dosnavegantes europeus, nem foram eles que lhe deram vida, mas, outro rumo foi dado a ela apartir desse momento.As principais características físicas do Guairá, relacionadas no capítulo anterior,sugerem a importância de também se compreender como se distribuíram os principais gruposindígenas nessa região. Isso é possível a partir dos estudos de antropólogos, arqueólogos elinguistas, que buscaram, e estão em constante estudo sobre a origem e organização dessaspopulações. A chegada dos exploradores a esse território no século XVI esteve diretamenteligada às populações indígenas e seus resultados, registrados por cronistas, exploradores emissionários jesuítas, formam uma extensa gama de fontes que permitem analisar essesencontros, no período da conquista.

Havia para os europeus, em especial os espanhóis, desde sua chegada à América,interesse em chegar à região do Peru, onde acreditavam existir muitas riquezas minerais –ouro, prata. As vias terrestres ainda desconhecidas, talvez causassem espanto a esses homensque buscavam um caminho do litoral Atlântico em direção ao Poente. O trânsito pelo interiorda região sul da América e todo o processo de colonização a partir do século XVI, estavaligado ainda àquela divergência entre Portugal e Espanha, desde a expansão marítima, cujoresultado foi a assinatura do Tratado de Tordesilhas (1494), estabelecendo os limites e asterras descobertas e a descobrir entre as duas nações.

Tratado de Tordesilhas
7 de junho de 1494, quinta-feira (Há 530 anos)
 Fontes (16)

Muitas viagens espanholas foram realizadas pelo litoral do continente americano emdireção ao sul. Em 1519, Fernando de Magalhães, um português a serviço da Espanha,descobriu o estreito que recebeu o seu nome. Sebastián Caboto, um espanhol4, empreendeu,em 1526, outra viagem para a mesma região e, pelo Rio da Prata chegou ao Rio Paraná,navegou pelo Rio Paraguay, fundando um forte sobre esse rio (Forte Sancti Spiritu), naconfluência do Rio Paraguay com o Rio Bermejo. Essas viagens e fundação de fortes ecidades sinalizam que os europeus estavam entrando em território habitado desde tempos [Página 64]

impedir que o fizessem. Outro dos navios da expedição seguiu para São Vicente (Brasil), voltando, depois de dois anos, por terra, em direção a Assunção, levando o primeiro rebanho de gado vacum. A jornada pode ter sido realizada pelo interior do Guairá, embora o autor não faça referências aos locais de passagem da expedição.

Mas, ainda outro dos seus navios, capitaneado por Hernando de Trejo, foi para SantaCatarina. Lá, Trejo fundou a colônia de São Francisco, que teve breve duração, no local ondedeságua o rio desse nome, e algum tempo depois, partiu para Assunção. De acordo comGuzmán 40, ele fez o mesmo caminho de Cabeza de Vaca, pelo Guairá:

“[...] sale por el rioItabucú; pierde mucha gente; es bien recibido por los índios; llega al rio Iguazú; pasa al deTibajiba; se dirige al Huibay; entra la tierra de los aguarás y llega a la Asunción [...]".

Guzmán 41 conta detalhadamente essa história, dizendo que, em 1552 a expedição trouxeSanabria para assumir o posto de adelantado do Rio da Prata, chegou ao sul, na Lagoa dosPatos, e após terem todos os navios salvos Hernando de Trejo ficou como capitão em lugar deJuan de Salazar Espinosa, mas muitos se recusaram a aceitar a situação, partindo para oBrasil. Em 1553, ele fundou o povoado de São Francisco, no porto do rio São Francisco,localizada a 25º, ou mais ou menos 30 léguas de Cananea que, de acordo com os limitesterritoriais da época, pertencia a Portugal. Nesse ínterim

“[...] Hernando de Trejo [...] se casó con doña María de Sanabria, hija del adelantado; de cuyo matrimonio hubieron y procrearon al reverendísimo señor don Fray Fernando de Trejo, obispo de Tucumán, que nació en aquella província [...]”.

Em virtude das muitas dificuldades, em 1554 resolveram despovoar a região epartir para Assunção. Assim

[...] Salieron, pues, su camino la mitad de la gente con las mujeres por el rioItabucú arriba, y la outra mitad por tierra, hasta la falda de la sierra; [...] Yasí caminaron por el mismo camino de Cabeza de Vaca; hasta que un dia, delos que iban por tierra con el capitán Saavedra (Cristóbal de Saavedra),sucedió que una compañía de soldados se dividió de los otros para buscaralgunas yerbas y palmitos [...] y alejándose más de lo que debían [...] fueronhallados todos muertos de hambre [...].


42O historiador Guzmán43deixa mais claro o trajeto que essa expedição fez para chegara Assunção, evidenciando que passaram pelo Guairá, já que ele diz que fizeram o trajeto deCabeza de Vaca. Segundo ele, 32 soldados, quando saíram para procurar alimentos, acabaramse afastando muito do restante da expedição e não conseguiram voltar, entendendo-se que [Página 76]

De acordo com os registros, Riquelme ia por todo o território, pacificando, de acordo com o interessedos espanhóis, a muitos deles, embora os que estavam mais para o interior insistissem na guerra. Oresultado registrado por Guzmán foi que, muitos dos indígenas foram mortos e outros presos.Assim, Melgarejo voltou para Assunção em 156356, ficando em seu lugar, no governoda Província do Guairá, o capitão Alonso Riquelme de Guzmán, onde viveu em paz até 1569.Foi por essa ocasião que, na Ciudad Real, começou uma rebelião entre os espanhóis, e RuiDíaz Melgarejo voltou ao Guairá, agora para socorrer a Riquelme. Aqui se vê que, as disputaseram acirradas entre os próprios conquistadores.Em 1570, ocorreu outro conflito, agora entre Riquelme, que voltou para assumir ogoverno de Guairá, e Melgarejo que governava essa província. Constata-se assim, tanto ocapitão Melgarejo quanto o capitão Riquelme, fizeram várias viagens, inclusivepermanecendo por algum tempo na Província do Guairá, o que caracteriza o domínio sobreesses territórios pelos espanhóis.

2.1.6 No tempo do governador Domingo Martinez de Irala

Alguns indígenas do Guairá foram a Assunção pedir socorro contra os Tupis, seus inimigos, que estavam roubando e matando a muitos Guarani, coisa que era feita com a ajuda dos portugueses do Brasil. Esses fatos 57 estavam acontecendo por volta de 1552, quando o governador Irala resolveu ir pessoalmente à Província do Guairá, por terra, passando por muitos povoados e, sempre com um bom relacionamento com os indígenas. Ao chegar ao Rio Paraná, perto “[...] a un puerto que baja sobre aquel gran salto [...]”, consta que Irala foi recebido pelo cacique Guayrá, que convocou os índios da região para ir com ele até os Tupis, onde travaram batalha, perto do Salto do Ayembí 58.

Irala teria chegado no salto do Avanhandava às margens do rio Anhembi
1552, terça-feira (Há 472 anos)
 Fontes (6)

Na volta, ele passou pelo Rio Piquiri, encontrando os indígenas daquela região. A conversação que teve com esses grupos mostra que nem sempre era possível confiar que não haveria guerra. Segundo Guzmán, nesse encontro os espanhóis procuraram saber dos índios qual a possibilidade de navegarem pelo rio sem problemas. De um deles, um mestiço que se chamava Hernando Díaz, que também eraum lengua 59 receberam informação de que não teriam problemas para a passagem, mas [Página 81]

De acordo com o mapa acima, as Reduções Jesuíticas localizavam-se nos vales dosrios Paranapanema, Tibagi, Ivaí, Piquiri, Iguaçú, e das cidades espanholas, no território doGuairá, que, entre os séculos XVI e início do XVII fazia parte dos domínios da Espanha naAmérica.3.2.1 Preocupação das autoridades para a formação das Reduções

Intensificaram-se a partir da primeira década do século XVII, os esforços para a formação das Reduções que necessitou também da intervenção das autoridades, como se pode ver em documento de 26 de novembro de 1609, em que o Capitão Don Antonio de Añasco, tenente de governador nas Províncias do Paraguai e do Rio da Prata, disse que

Por el presente mando al capª Pero garçia y outra qualquer Justiçia de guayra, que en ningª manera precisa asta que outra cosa se ordene y mande, no salgan ni enbien a hacer malocas Jornadas ni entrada ningª a la Provª del yparanapane y Atibaxiba, ni outro ningun rio que cayga en el paranapane, porquanto de presente se pretende reduçir a los naturales della por médio del Padre Joseph Cataldino y el P. Simon Maseta de la compañia de Jesus a quien les esta cometida la dha reduçion, antes para Ella les acudiran y haran acudir con todo el favor y auyda que fuere neccessº por ser cosa tan del serviçio de dios N. Señor y de su magestad y bien de la tierra, ni menos consientan que ningun soldado ni viçino entre a inquietar los yndios com achaque [...]42.

Embora o documento tenha muitas informações a serem discutidas, assinala-se, apenas a preocupação do governante com relação ao trabalho que os padres Cataldino e Masseta realizariam entre os indígenas do Guairá. Isso seria importante para a coroa espanhola, no sentido de que essas populações estariam “acomodadas” nas povoações fundadas pelos jesuítas, contribuindo para a entrada dos espanhóis na região, o que explica tanto zelo e preocupação para que os padres tivessem todo o necessário para organizar as reduções. Não há vestígios de preocupação, portanto, em que as populações indígenas pudessem ter sidovistas e compreendidas em suas diferenças 43.

A leitura do mesmo demonstra ainda que, osespanhóis costumavam maloquear as aldeias indígenas para forçá-los ao trabalho em suasfazendas e minas, e que tais ações ficariam proibidas nas regiões onde os jesuítas aplicariamseus métodos de ensino e redução das populações.3.2.2 A evangelização no GuairáA cruz, que simbolizava o poder da evangelização cristã, foi a arma usada pelos padresque vieram inicialmente para colaborar com os espanhóis em seus diversos conflitos com osindígenas. Em relação a isso, Capdeville44lembra que o padre Montoya expressou seussentimentos sobre esse trabalho, dizendo[...] se verá claramente [nas histórias e documentos] que sin ayuda deespañol alguno, se entraron por las tierras de los gentiles, llevando por armasuna cruz en las manos que juntamente sirve de báculo. Y si, después dehaber experimentado agravios de los gentiles, poça fé en su palabra derecibir pacificamente a los predicadores del Evangelio, llevan Indios amigosque los defienden, quién dudará que esto no sea muy lícito? Siabsolutamente dicen que los Religiosos hacen la guerra a los Indios, paraforçar-los a recibir nuestra santa fé, es intolerable ignorância o sobradamalícia juzgar que aquellos Religiosos ignoran el modo que Cristo N.S. dejóa sus Apóstoles de predicar e introducir su Evangelio [...]. [Páginas 116 e 117]

Como Superior, cabia ao padre José Cataldino, a visita frequente aos povoados, paravistoriar se a religião estava sendo aplicada e observar a relação dos padres tanto com asautoridades da Igreja quanto com os governantes civis e também com relação ao governo dosindígenas, segundo explica Capdeville143, o que lhe permitiu obter as informações constantesno documento, mas também permite ao leitor compreender o relacionamento dos padres,indígenas e conquistadores.Os testemunhos dos habitantes da província do Guairá, presentes no documento,mostram que o padre Cataldino pretendia informar às autoridades que as ordens estavamsendo cumpridas, e também que os povoados já estavam sofrendo as investidas dosbandeirantes paulistas.É interessante observar de quem foram os testemunhos prestados em favor dos padres,o que pode significar a necessidade que os próprios espanhóis, moradores da região do Guairátinham com respeito a essa questão, provavelmente pelo interesse em manter com osindígenas bons relacionamentos para que deles pudessem obter o serviço pessoal. Entre elesestava o do próprio Hernando Arias de Saavedra, que em 1609, então governador do Paraguai,havia pedido ao provincial da Companhia de Jesus, Diogo de Tôrres, que enviasse padres paraa Província do Guairá para conhecer o território e seus habitantes para fazer o trabalho deevangelização entre os índios, logo após a criação da Província do Paraguai e Tucumán,independente do Peru, o que resultou na fundação nas margens dos Rios Paranapanema eTibagí, das povoações de índios que reduzidos foram ensinados na doutrina católica, etambém foram protegidos das invasões dos portugueses. E como registrou Cardozo144[...] comenzó para la propaganda religiosa del Guairá, la segunda y fructuosaetapa. Con la intervención activa del Gran gobernador criollo HernandoArias de Saavedra, se reanudó la evangelización de la Província guaireña acargo de los PP. José Cataldino y Simón Maceta, quienes salieron de laAsunción com destino a aquella Província el 8 de diciembra de 1609.Portanto, ele está confirmando sua atuação na formação das reduções, para onde foramenviados dois padres, e mais tarde outros, Antonio Ruyz e Martim Xavier. SegundoHernandarias, bem informado pelos vizinhos daquelas províncias, os padres ensinavam eprocuravam aprender a língua dos indígenas e os haviam reduzido em grande número nos riosParanapanema e Tibajiva (Tibagi). Confirma, ainda, os muitos trabalhos, pobreza,dificuldades da terra, além das investidas dos portugueses, vindos do Brasil. [Página 149]

chegar às primeiras décadas do século XVII, os testemunhos de viajantes e conquistadoresespanhóis, que passaram pela Província do Guairá, e depois analisados por historiadoresespanhóis, portugueses e brasileiros, informam que essa era uma região habitada por muitosindígenas. Rui Díaz de Guzmán147, por exemplo, diz que no Guairá, na região de Vila Rica doEspírito Santo “[...] en cuya jurisdición y comarca hay más de 200 mil indios guaraníes,poblados así por ríos y montañas, como en los campos y piñales, que corren hasta San Pablo,población del Brasil [...], transparecendo, nessas palavras, preocupação com a geografia daregião, e com a existência de muitos indígenas, principalmente os Guarani, grupo maisnumeroso do Guairá, e com a possibilidade de conflitos com essas populações, fazendo-senecessário uma intervenção menos belicosa, que seria depois realizada pelos jesuítas.Já com as Reduções há muito organizadas, entre os anos de 1626 e 1627, em CartaÂnua148já referida anteriormente, o Padre Nicolau Mastrillo Durán relembra, nessedocumento, alguns dados sobre a localização da Província do Guairá entre outras questões.Mas o mais importante refere-se a visitas às reduções e seu encontro com os indígenas dasmesmas. Descreve a situação dos indígenas que viviam em Loreto e a abundância dealimentos que tinham inclusive mencionando as vacas trazidas pelo padre Montoya. Em SantoInácio, foi recebido pelos índios, mencionando que os ouviu cantar e dançar. Interessante suaobservação, dizendo que ficou surpreso em ver pessoas que antes haviam sido tão guerreiras e“[...] amiga de carne umana [...]”149, agora aparentemente tão humildes, significando queforam sujeitados, então, aos ensinamentos dos padres. Menciona a situação daqueles quetrabalhavam para os espanhóis de Ciudad Real e em Maracayu, na colheita da erva-mate,sofrendo muitos abusos, ou seja, trabalhando muito e não recebendo por isso.

Todo o documento trata da conversão dos indígenas e a devoção dos mesmos aosmissionários. Isso é marcante quando o Padre Durán passa pela redução de São FranciscoXavier, onde recebeu um cacique que fora convertido, embora ele tivesse desejo de comê-lo.Outros casos de antropofagia são lembrados, relatos dos índios sobre a passagem do ApóstoloSão Tomé150e das profecias deixadas por ele, como de amar uns aos outros (não deveriamfazer guerra com outras nações).

Nas outras reduções, outros casos de antropofagia são lembrados (Redução de Sete Arcêngelos), assim como os problemas entre os Tayobas e os espanhóis. Os relatos procuram demonstrar que os padres tiveram contato com grupos hostis, ou, como se poderia compreender, que reagiram de maneira a resistir aos padres, nos quais o sucesso da conversão se deveu à perseverança com que se dedicaram a esse trabalho, e a enfrentarem essas populações e que, mesmo entre esses grupos, muitos se renderam à evangelização, sendo considerados depois humildes e submissos. Essas palavras denotam uma intenção, talvez, em minimizar o caráter dos indígenas, e a capacidade que pudessem ter paramanter o domínio sobre seu território, e seu modo de vida, ainda que com a presença daspopulações européias, porque se renderam aos ensinos de outras crenças, outra cultura, outramaneira de viver.

Para mais dados sobre a situação das Reduções do Guairá, o Padre Montoya, em CartaÂnua151, já citada anteriormente, revela dados importantes sobre as povoações e seushabitantes, vivendo com os jesuítas, e também em relação aos contatos com os espanhóis.Além do número de indígenas reduzidos e os que comungavam nas reduções, como ele serefere aos que frequentavam as povoações, vai citando cada situação presente nas Reduções.Segundo Montoya, em Santo Inácio, os indígenas cantavam, tocavam e compunham emviolões, o que demonstra ter ocorrido no Guairá, a educação musical ministrada pelos padres,como se viu anteriormente. Em São Xavier, seu relato denota preocupação com o hábito daantropofagia, considerado por ele um vício, mas refere-se também à preocupação em livrar osindígenas das encomiendas dos espanhóis. Relata muitos problemas relacionados à fome e àsinvasões dos portugueses, às superstições dos índios, mas, apesar de tudo, os padresconseguiram progressos materiais, citando a criação de gado, e também em relação àeducação musical, que fazia muito bem para eles. Essa é mais uma confirmação de que noGuairá os indígenas receberam, além do ensino do evangelho, a educação regular e das artes.No mesmo documento, o padre Montoya continua a descrição da situação das outrasReduções e do relacionamento dos padres e indígenas, que seguia o mesmo ritmo em todas. [Páginas 151 e 152]

CAPÍTULO 4OS BANDEIRANTES NO GUAIRÁ - O ENCONTRO DE ÍNDIOS E PORTUGUESESNo se puede precisar la fecha exacta en quecomenzaron las actividades de los bandeirantes en elBrasil1.Em todos os anos de sua existência como província da coroa espanhola, o Guairá foiterritório de muitas disputas, e mesmo guerras entre àqueles que, de um modo ou de outro,interessavam essas terras e sua gente. Inicialmente, em função das diferentes etnias habitantesnessas regiões, houve guerras entre elas. Depois vieram os europeus, como os espanhóis, como objetivo de tomar as terras e de fazer uso de mão-de-obra indígena como serviço obrigatórioe, quase ao mesmo tempo, ou pouco depois, os portugueses vindos do Brasil, expandiram suaatuação também para esses territórios, empreendendo a força contra tudo e contra todos.A partir da segunda metade do século XVI até a terceira década do XVII, os espanhóisse estabeleram no Guairá fundando cidades no seu interior, importantes para proporcionar obem-estar dos conquistadores e suas famílias, para manter a região controlada pela coroaespanhola e servir como ponto de parada para as expedições que se faziam pela região ou notrânsito até o litoral atlântico. Os jesuítas haviam organizado as reduções para onde muitosdos indígenas se estabeleceram e receberam, além dos ensinamentos cristãos, outros, que osmissionários passaram a lhes aplicar. Centenas de outros grupos indígenas ainda estavam pelointerior do Guairá, vivendo a seu modo e em disputa contra espanhóis ou jesuítas, ou mesmoentre eles.

Por outro lado, os portugueses do Brasil, não deixaram, desde o século XVI, deavançar para o sertão, além do tratado de limites com relação aos domínios da Espanha,estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas. Os objetivos desses portugueses de São Paulo dePiratininga eram muitos, mas o que se vai observar nesta pesquisa diz respeito à preação doindígena no Guairá para levar cativo para São Paulo e servir como escravo nos trabalhos emsuas fazendas.

Os escritos que se vão analisar referem-se a historiadores da época da conquista e aoutros que escreveram utilizando estas primeiras fontes em suas análises. São as mesmas [Página 154]

Note-se que à época do documento, Hernandarias estava em seu terceiro governo noParaguai43, como ele mesmo informa e que foi a seu pedido que os padres tinham sidoenviados ao Guairá, dando início aos trabalhos missionários e às reduções, em 1609. Segundoele, eram difíceis os trabalhos e que “[...] sin emvargo de las vejaciones que rreciben de losPortugueses del Brasil que entran por S. Pablo en ella yndios (sic) engañados a las minas ypara que conste de ello dicho [...]”, confirmando o fato dos índios serem levados para SãoPaulo, desde, portanto, o início do século XVII44.Alguns documentos dos padres jesuítas45permitem relacionar os acontecimentos,apesar de algumas divergências de informações. O padre Techo46, por exemplo, diz que ospaulistas iniciaram suas investidas contra os indígenas (Tupinaqueí) “[...] que vivian en ambasorillas del Añembi, río que nace en un monte elevado y cubierto de nieves; en su cursoatraviesa el Guairá y desemboca en el Paraná [...]”, o que pode explicar como eles iriam entrarnessa região em momento posterior. Segundo o autor47, essas primeiras guerras dos paulistascontinuaram até o final de 1580, quando partiram para outras regiões não se incomodandocom a proibição da escravidão indígena, eLo más extraño es que antes de comenzar tales incursiones, que duraban tresy cuatro años, a las ordenes de un jefe que elegían, recibían los sacramentosy llevaban consigo a veces sacerdotes [...] es que aquellos forajidos llamarona tales razías y latrocínios excursiones apostólicas; porque según decían,sacaban los bárbaros de las tinieblas del paganismo y les enseñaban elEvangelio.Os próprios mamelucos48consideravam suas atividades como justas, porque segundoeles, tirariam os indígenas de seu estado “bárbaro” para o cristão.Em Ânua ao Provincial Nicolau Durán, datada de 1628, o padre Montoya faz umretrato desses portugueses, ao falar da situação da Redução de San Francisco Xavier, queestava sofrendo vários reveses, nesse ano, como a fome, provavelmente em razão da peste(varíola) que havia assolado a região no ano anterior, e a invasão dos “[...] Piratas Portugueses[...]”, que pareciam “[...] bestias fieras que hombres racionales [...]”, que entravam de forma [Página 165]

[...]”87. Essa era a maneira utilizada pelos bandeirantes para manter presos os indígenas, masvelhos e crianças doentes eram deixados pelo caminho para morrer, testemunham os padres.Ao chegar a Salvador, de acordo com as informações de Techo88, o governador doBrasil expediu mandado para libertar os indígenas, e para castigar os bandeirantes, mas pareceter sido em vão, pois segundo as autoridades brasileiras, só se conseguiria tal resultado com ouso da força. O autor diz que um nobre português procurou ajudar, mas o padre Massetaresolveu voltar ao Guairá, em virtude das notícias de que novas invasões aconteceriam que defato ocorreram como se viu anteriormente. As atitudes dos padres não eram vistas com bonsolhos, porque estavam tentando livrar os indígenas da escravidão e, por isso, as informaçõesdeixadas por eles revelam ainda que, em São Paulo, a sua situação chegou a ser perigosa. Ojuiz que se encarregou de resolver a causa contra os bandeirantes teria também sido ameaçadode morte, quando então, os padres voltaram com apenas poucos indígenas. Sobre esses fatos,os padres fizeram e enviaram um memorial ao rei da Espanha relatando os ataques contra asMissões desde 1589 (portanto 40 anos antes), quando os portugueses faziam malocas paraprender e levar para vender como escravos os indígenas do Guairá. Disseram também que ainvasão, da qual estavam reclamando naquele momento, teria sido a mais violenta até então, eque os portugueses teriam saído em agosto de 1628 de São Paulo “[...] armados conescopetas, espadas, rodelas, machetes, balas y otras armas, en compañia de unos dos mildoscientos indios [...]” para caçar índios89, e em Cortesão90, o relato dos Padres Mancilla eMasseta está detalhadamente registrado, e fica claro que essa era a expedição de AntonioRaposo Tavares, que vinha composta de 900 portugueses armados e mais de 2000 índios.Como disse Gandia91, na expedição bandeirante a que se referia o Padre Masseta, iampessoas importantes de São Paulo, como dois juízes (Sebastián Fernandez Camacho eFrancisco de Payva), dois vereadores (Maurício de Castilho e Diego Barbosa) e o procuradordo Conselho entre outras figuras influentes da sociedade, e sua organização teria sidopresenciada pelo governador do Paraguay (Céspedes Xeria), que vinha de Madrid em direçãoa Assunção. Hemming92explica que essa bandeira era composta de 69 brancos (entre essesestavam as pessoas eminentes citadas anteriormente por Gandia, inclusive Antonio RaposoTavares, que se tornaria chefe da bandeira), novecentos mamelucos e mais de 2000 índios,confirmando o interrelacionamento cultural entre portugueses e indígenas. A expedição se[Página 175]

para a Audiência de Charcas e ao Rei da Espanha em 23 de junho de 1631. Impressionado,Hernandarias disse em carta ao rei que os portugueses haviam destruído as reduções e matadoíndios de maneira cruel, levando cativos a muitos. Reconheceu que tudo teria sido feito porculpa de Céspedes Xeria, com o objetivo de lucrar no comércio de escravos com osportugueses. Além disso, solicitou ao rei que encontrasse um meio de impedir a destruiçãoque os portugueses faziam sobre a Província do Guairá. Nesse processo percebeu-se que asautoridades espanholas tiveram dificuldades para resolver tais problemas, tanto pela distânciacom a metrópole, como pelo pequeno número de forças para resistir aos avanços dosportugueses122.Outro grande problema também resultante das incursões dos portugueses ao Guairá foio despovoamento de Vila Rica e Ciudad Real, facilitando a permanência dos mesmos nasregiões além da linha de Tordesilhas. Gandia123expressa bem essa questão dizendo que

[...] La penetración portuguesa había originado más de un siglo antes laexpedición de don Pedro de Mendoza y en los años que nos ocupan – entorno al 1639 – ya había logrado su principal objeto: borrar la línea deTordesilhas que en el Nuevo Mundo debía dividir las posesiones españolas yportuguesas, deshacer las misiones jesuíticas del Guairá – limite material yespiritual que se oponía a sus avances, - corromper a las autoridadesespañolas encargadas de impedir sus excursiones – como por ejemplo almismo gobernador don Luis de Céspedes – y preocupar grandemente alConsejo de Indias y al rey de España que veían conquistar sus territórios deAmérica sin guerras y sin luchas, por obscuros cazadores de esclavos –llamados bandeirantes y, más tarde mamelucos – que iban extendiendo cadavez más al Oeste los domínios de Portugal.

Cabe refletir sobre essa questão. Com essas palavras o autor revela a forma como asfronteiras físicas e culturais foram modificadas, materializadas nas incursões bandeirantes,além das ações corruptas do governador Xeria. Não se pode negar que, para Portugal, a açãodos bandeirantes foi benéfica, no sentido de que seu território foi estendido, para além dalinha do Tratado de Tordesilhas. Portanto, que o Brasil, ou os portugueses devem isso aosbandeirantes, isso é certo. [Página 183]

4.7.2 Mancilla e Masseta relatam em Salvador sobre os estragos causados por RaposoTavaresOs padres Mancilla e Masseta fizeram um grande relato sobre os ataques de RaposoTavares às Reduções do Guairá134nos anos de 1628 e 1629, dirigido ao Rei e ao Provincial.Não se pretende aqui fazer todas as inferências que o documento permite, mas apenasconfirmar mais algumas informações já citadas sobre a viagem desses padres ao Brasil. Nessedocumento, eles informam que os paulistas vinham fazendo investidas contra os indígenas há40 anos, levando-os cativos, para trabalhar como escravos em São Paulo, e que nesses anos de1628 e 1629, elas teriam se tornaram mais fortes. Segundo eles, os portugueses nãorespeitavam as leis reais estabelecidas e continuamente faziam “malocas” para cativar e levarà força, os indígenas.

Os padres Mancilla e Masseta informam que essa bandeira, saída de São Paulo emagosto de 1628, viera bastante armada, composta de 900 portugueses acompanhados de 2200índios que em período anterior tinham sido cativados por eles. Iam, também com a expedição,pessoas importantes da vila de São Paulo, que eram

[...] dos jueces [...] Sevastian Fernandez Camacho y Francisco de Payva, dosvreadores Mauricio del castillo y Diego Barbosa el Procrador del ConsejoChristoval mendez, el hijo, yerno, y Hermano del mismo oydor de la VillaAmador Buenos; y de la Villa de S. Ana de Paranahyba que esta siete léguasde S. Pablo el Capitan Andres Fernandez, y el juez Pedro Alvares, su yerno[...]135,

confirmando fato citado anteriormente em relação à bandeira e às pessoas influentes de SãoPaulo que dela participaram. A divisão da expedição em quatro companhias é explicadacomo:[...] levantaron sus capitanes y otros oficiales de guerra con vanderas, comosi fueran levantados y amutinados contra su Real Corona, las vanderas quellevavan no tenian las armas del Rey, sino otras señales diferentes, el que fuedeclarado por Capitan mayor de la Compañia fue Antonio Raposo tavares[...]136, [Página 188]

ser condenados à morte, e os índios, libertados. No mesmo documento, mandou libertartambém os indígenas que estavam cativos no Espírito Santo.É interessante observar que a provisão mandava que os capitães-mores, tenentes dosDonatários das Capitanias de São Paulo e de São Vicente não se intrometessem no mandado enem tentassem impedir a execução das ordens, mostrando assim que as autoridades brasileirasouviram os reclames dos padres e procuraram remediar a situação, embora o que já estavaconsumado não teria mais como ser desfeito, como por exemplo, as mortes que tinhamocorrido em virtude da violência dos bandeirantes. Aparentemente, é possível observar umapreocupação das autoridades com respeito aos atos dos bandeirantes no Guairá, apesar dosdocumentos consultados terem deixado transparecer o envolvimento de pessoas influentesnesses acontecimentos. O fato é que, para portugueses ou espanhóis, os indígenas teriam deser segregados ou pacificados, de forma a se poder fazer uso de sua força de trabalho e para aconquista das terras por eles habitadas.4.8 Os anos de 16304.8.1 Continuam os avanços portugueses

A situação em que se encontravam as Reduções de Los Angeles, Jesus Maria eConceição dos Gualachos nos anos de 1629 e 1630, é descrita em documento sem autoria,datado do ano de 1630. Mas, em Nota de Cortesão140é possível perceber pelo contexto dacarta que teria sido redigida pelo padre Montoya, e também em comparação com o que elerelatara em outra carta de 1627, sobre os acontecimentos da redução de Los Angeles141esobre a conversão e batismo do cacique Tayaoba realizado por ele.

Conforme explicou o padre Montoya, em Los Angeles, onde estavam os padres PeroEspinosa e Nicolas Ygnacio havia nesses anos, 1700 indígenas, dos quais 500 eram cristãos.Essas reduções já tinham sofrido em anos recentes “[...] con la peste de las virguelas de qmurieron muchos [...]”142que pode ser entendido como sendo a varíola, e depois com osavanços dos portugueses. O texto informa que o medo não era tanto de perder a liberdade,mas de perder a vida “[...] por aver visto ellos con sus ojos los cuerpos muertos y hechos pedaços por manos de los Portugueses, y pasar por este rio muchos cuerpos muertos q losmismos portugueses avian echado al rio [...]”143, que o faziam porque esses estavam doentes enão os podiam levar. Ou seja, além da grave doença, o medo que sentiam dos portuguesesdiante da destruição praticada por eles pode ter sido a razão da mudança sentida nessaspopulações. Segundo o documento, por serem esses indígenas, gente guerreira “[...] comedorade carne humana [...]”, a partir desses acontecimentos se tornaram humildes, e passaram areceber bem os que antes eram considerados seus inimigos (os gualachos), isto é, “[...]hechose esto de ver en el trato y acogida q haçen estos yndios a los gualachos [...]”144.

Aqui também é possível fazer-se uma reflexão. Os dois grupos indígenas, Tayaoba e Gualacho,antes inimigos que se matavam e se cativavam, após terem sentido as investidas dosportugueses, conhecido a destruição que praticavam em suas invasões e também após teremsido convertidas pelos jesuítas ao evangelho católico, uniram-se para fazer frente aos ataquesdas invasões dos paulistas, o que significa uma estratégia adotada diante de uma conjunturadesfavorável a eles. Mesmo se não se imaginasse o trabalho missionário nessas regiões, podese compreender que havia esse relacionamento entre essas duas nações indígenas que viviamem guerra.

As referências possíveis de serem compreendidas no mesmo documento sobre osavanços dos portugueses dizem respeito à Redução de Jesus Maria que, embora toda a genteque estava reduzida pelo Padre Simão Masseta tivesse sido levada por eles, a situação teveuma modificação com a volta do antigo Pajé Guirabera (assim se lê nesse documento),convertido anteriormente por esse padre, que passara a colaborar com eles, recolhendo gente“[...] no en el lugar donde avia estado antes donde los Portugueses la avian destruído, sino enoutro mas commodo [...]”145, e com a notícia da destruição da Redução de São Paulo, foramtodos para Los Angeles para que pudessem ajudar uns aos outros. Depois eles voltaram para olugar da Redução porque estavam perto de onde havia erva-mate e por ser lugar consideradobom para viver.Na Redução de Concepción de los Gualachos estava o padre Francisco Diaz,substituído depois pelo padre Diego de Salazar. Nesse lugar os Gualachos falavam uma línguadiferente e difícil para quem não sabia o Guarani. O padre fez “[...] arte y vocabulário de ellay traduçieronse las oraciones y cathecismo [...]”146, o que também sugere ter sido o padreMontoya, mostrando também o relacionamento com os indígenas. Parece que os espanhóis se [Páginas 190 e 191]

procuraram formas de compreensão e de tradução6cultural, porque não se pretende considerarque haja povo isolado, embora os escritos procurem fazer crer o contrário. Considera-se quena conquista, europeus (espanhóis e portugueses), estiveram empenhados em estabelecer-senos territórios do Guairá e para isso utilizaram estratégias que, em relação às populaçõesindígenas, resultaram em constante luta para terem reconhecidas suas particularidades.Foi breve a presença de cidades espanholas e a das reduções jesuíticas no Guairá, emvirtude dos diversos confrontos e interesses entre espanhóis, portugueses e a resistência dosjesuítas e dos indígenas em relação a isso.Susnik7comenta que, inicialmente, as relações entre espanhóis e indígenas seconfiguraram como uma forma de amizade, já que aqueles desejavam entrar no território, mastambém teria sido conveniente aos Guarani, porque viram no espanhol um aliado contra seusinimigos de outras nações indígenas, como os Tupi. Logicamente, o que se pode perceber éque essas relações de amizade não se perpetuaram, logo transparecendo os reais interesses deambos, potencializado nas ações dos espanhóis e, depois, também dos portugueses contra osindígenas, no período considerado para o estudo do Guairá.No desenvolvimento desta pesquisa, inicialmente buscou-se conhecer o territóriochamado Guairá, no período que se estendeu do final do século XVI e início do século XVII,em que espanhóis exploraram a terra, construíram cidades e os jesuítas organizaram asreduções para evangelização das populações indígenas. Nos registros analisados, é unânime aidéia de que o território era bastante povoado por populações Guarani, principalmente, mascontava também com outras etnias. O estudo da geografia física dos territórios proporcionouuma maior compreensão da parte humana que ali habitava e, depois, como se deram osencontros culturais com os europeus.

Os limites geográficos do Guairá, entre os rios Paraná, Iguaçu, Paranapanema e seusafluentes, indo até a linha de Tordesilhas, denotam sua grande extensão, composto ainda porflorestas, bosques e regiões de campos, foi onde as populações indígenas se estabeleceram edominaram, até quando chegaram os europeus.

Os primeiros viajantes que atravessaram o Guairá, desde Solís, Cabeza de Vaca,Mendoça e muitos outros, entre eles jesuítas, relataram, à medida que faziam suas incursões,particularidades da geografia e das populações que iam encontrando. Os rios que compõem o [Página 200]

área de atuação. Muito contribuíram os próprios espanhóis, em virtude docomércio, e dealguns governadores como Irala que, segundo alguns estudos19, teriam mantido comércio deescravos com os portugueses e, em tempo posterior, Céspedes Xeria o fez de maneira maisintensa. Mas, percebendo o jogo de poder que havia nessas incursões, os espanhóis logoprocuraram conter o avanço dos portugueses, formando as cidades no Guairá, no sentido de semanterem na região.Em virtude dos confrontos com os portugueses que se confirmaram desde o séculoXVI, os padres buscaram o apoio das autoridades espanholas, objetivando manter as reduçõese as populações indígenas longe dos perigos que eles representavam. Vários documentosescritos pelos padres procuraram demonstrar o trabalho realizado por eles, com o intuito deobter a ajuda necessária. O padre Montoya, considerado na historiografia jesuítica como ogrande defensor da causa indígena no Guairá, relatou em diversas cartas a forma violentacomo os portugueses entravam no território, atacando as povoações indígenas e prendendo-ospara levar para São Paulo20.As diversas expedições dos portugueses destruíram em poucos anos o que os jesuítasfizeram no Guairá e, nesse contexto, os registros informam que os padres estiveram semprejunto aos indígenas, no sentido de tentar conter essas investidas. E mesmo com as medidastomadas pela coroa, enviando cédulas que ordenavam que se resolvessem os problemas, nãofoi possível conter esses avanços. O relacionamento dos padres com os indígenas esteveabalado, porque esses não acreditavam mais que pudessem ser protegidos contra osportugueses, já que as reduções eram os locais preferidos pelos inimigos, que agiam de formacruel, matando os que não se submetiam.Para os espanhóis, as invasões bandeirantes resultaram em graves prejuízos tambémem relação às cidades, que se despovoaram e, com isso, deixando para os portugueses livreacesso aos territórios. Assim, as fronteiras geográficas da coroa portuguesa estavam seestendendo para além da linha de Tordesilhas, em território que pertencia à coroa espanhola.No entanto, isso não ocorreu sem muita luta contra os espanhóis, sem as inúmeras tentativasdos jesuítas para evitar o caos que se implantava, e nem mesmo foi facilitada pelos indígenas,que lutaram enquanto puderam. Primeiro, quando chegaram os espanhóis, depois tentaramevitar a entrada dos jesuítas e, por fim, em guerras sangrentas, tentaram se livrar dos paulistas.Os resultados das relações interculturais no Guairá dos séculos XVI e XVII estão nocontexto dos interesses dos indígenas em manter seu modo de vida e o controle sobre o [Página 206]

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