seus filhos e netos a perder a notícia da linguagem própria, e formaramoutra, de que nenhuma outra nação era entendida, feia, gurutal, arrancadado peito”.“Gente agigantada, robusta, forçosa, não consentem cabelo senão na cabeça, todo o mais arrancam. Usam de arcos imensamente grandes; sendo de resto destríssimos flecheiros, grandes corredores, sem casas,nem aldeias, nem roças; dormem na terra, sustentam-se de frutos e caça;comem cru e andam tosquiados com navalhas de cana. Acometem à traição e nunca a descoberto, andam aos poucos, sem lealdade de uns paraoutros, nem mesmo de pais para filhos” (loc. cit., nº 93).Estes aimorés começaram, pois, “por esse tempo a descer de suasserras, e guiados das correntes dos rios, vinham após elas sair ao mar, assaltando e matando tudo, deixando desbaratadas as aldeias e fazendas deIlhéus e Porto Seguro” (loc. cit., nº 94).Acode Mem de Sá, aconselhado por Nóbrega, e chegando aosIlhéus, sobe à noite a serra e dá neles de improviso, quando dormiam, ecom suas tropas “os degolam, ferem, pondo por terra todo o vivente, homens, mulheres e meninos” (loc. cit., nº 95).Como eram valentes, voltam a si e armam ciladas quando osportugueses buscavam as praias. Mem de Sá previne-as com contraciladas.Tomados pelas costas, não sabendo nadar, e só tendo livre o mar, forampostos na última derrota. É Mem de Sá por isso recebido nos Ilhéus comoem triunfo.Não desmaiam ainda assim os aimorés e procuram as praias paradesforçarem-se; mas batidos de novo, cedem por fim e pedem pazes.Torna-se o governador à Bahia, deixando destruídas trezentasaldeias do gentio rebelde, refugindo outros a mais de sessenta léguas pelasbrenhas adentro (loc. cit., nº 97).Com a entrada do novo ano de 1561 cuidou o padre Luís daGrã da conversão dos índios, que andavam erradios pelas guerras, e nointento de os chamar e ajuntá-los em grandes povoações, mandou a elesseus obreiros, indo a isso dois a dois, escolhidos dentre os mais eloquenteslínguas do Brasil. Correspondeu a colheita ao trabalho.A primeira povoação que daí resultou foi a da ilha de Itaparica,a três léguas da cidade, com a invocação de Santa Cruz, fundada em junho desse ano com o gentio do rio Paraguaçu. Tinha a assistência de um padree de um irmão (o padre Antônio Peres e o irmão Manuel de Andrade).
No mesmo mês foi também fundada a segunda, doze léguas aonorte da cidade, em sítio fértil chamado Tatuapara, sob a invocação deJesus. Assistiam nela o padre Antônio Rodrigues e o irmão Paulo Rodrigues. Chegaram em poucos dias a quatrocentos os meninos que aprendiamdoutrina.
Foi a terceira a de S. Pedro, a vinte e duas léguas ao norte da cidade e mais populosa que as outras duas. Concorreram para ela as aldeias de Caboíg, naquele tempo numerosas, e outras mais pequenas.
A quarta, mais dez léguas adiante, era no sítio Anhebig, e sob a invocação de Santo André. Estavam porém de guerra com o gentio do rio Itapicuru, o que era impedimento para a sua conversão. Vai-se a eles em missão o padre Luís da Grã e consegue pazes entre estes e os da aldeia de Anhebig.
Em novembro voltou-se o provincial para o sul e funda a quintapovoação na paragem chamada Macamamu, dezesseis léguas da cidade,terra fértil, abundante de rios, composta de muitos mil arcos. Pôs-lhe pornome Nossa Senhora da Assunção. No mesmo mês estabelece a sexta, emum sítio pouco distante, junto a Tinharé, e chamado Taporagoá ou S. Miguel. Como era de costume, ficaram em cada uma delas dois religiosos daOrdem.Contando com as cinco mais antigas, faziam onze ao todo. Visitou-as a todas o padre Luís da Grã nesse ano, a pé descalço e recebido comfesta por todos querendo os índios levá-lo em redes. Batizou infinitos ecasou a muitos. Na aldeia do Bom Jesus saíram com embustes. Um índio,que nunca se soube quem foi, começou a pregar-lhes de noite, que o padreos queria batizados para os cativar. Fogem por isso espavoridos; mas ospadres acodem e os pacificam.No dia seguinte, estando todos à espera do batismo, ouve-se umgrito, que a aldeia estava em fogo, e daí todos abalam. Verificado, porém,que nada havia, voltam envergonhados. [Páginas 113 e 114]