A Baía de Todos os Santos e os seus recôncavos constituem um imenso anfiteatro, onde natureza, historia e cultura se plasmam para formar um belo cenário para as atividades do Turismo naútico e ecoturismo.
Esse grandioso cenário é composto por uma vastidão de águas calmas, de onde emergem 56 ilhas, dentre as quais, Itaparica, a maior delas, Maré, Frades, Madre de Deus, Cajaíba, Matarandiba, Bimbarras e as terras dos treze municípios que orlam a baía. São praias, matas trilhas, rios, cachoeira, corredeiras, manguezais, reservas ecológicas, ruínas de engenhos de açúcar, antigas igrejas e velhos conventos, testemunhos da opulência da riqueza dos canaviais que brotavam das terras do massapé.
Dominando a paisagem, ergue-se, voltada para poente, a cidade de Salvador Baia de Todos os Santos, que durante mais de dois séculos foi capital do Brasil e a mais importante cidade das Américas. Cidade de arte, com seus excessos barrocos, arquitetura colonial de Salvador iria se refletir nas vilas e cidades que nasceram dos engenhos do Recôncavo Baiano, nas quais pode-se reconhecer o ideário urbanístico de Portugal renascentista.
Ao lado dessas fortes marcas da colonização, uma singular miscigenação entre as culturas européia, africana e indígena possibilitou o surgimento de um rico folclore, de uma inigualável culinária e manifestações artísticas que combinam, na medida certa, as influencias das três raças.
Para assegurar a proteção de suas ilhas, ordenando as atividades socioeconômicas na região, e preservando locais de grande significado ecológico, foi criada, em junho de 1999, a Área de Proteção Ambiental Baía de Todos os Santos.
ASPECTOS HISTÓRICOS E CULTURAIS
Uma lenda dos índios registrada pelos cronistas dos primórdios do povoamento do Brasil narrava que, no começo do mundo, uma grande ave de plumas muito brancas partiu de muito longe e, voando noites e dias sem parar, alcançou o litoral de uma terra imensa onde, exausta da longa jornada, caiu morta. Suas longas e alvas asas, abertas no solo, transformaram-se em praias brancas. No lugar onde o coração bateu na terra abriu-se uma grande e profunda depressão que as águas do mar invadiram, e suas margens foram fecundadas pelo sangue da ave lendária.
Assim acreditavam os senhores primitivos da terra – os Tupinambás – que teria nascido kirimuré, a vasta baía de águas meigas e os seus Recôncavos, que o branco europeu depois denominaria de Baía de Todos os Santos.
Por menos que os registros nos informem, o primeiro europeu a penetrar nessas águas abrigadas parece ter sido o navegador português Gaspar de Lemos, comandante da nau de mantimentos da esquadra de Pedro Álvares Cabral, incumbido de levar a carta de Pero Vaz de Caminha com a feliz notícia do descobrimento ao rei de Portugal, D. Manuel, O Venturoso.
Essa nau mensageira, que partiu de Porto Seguro a dois de maio de 1500, com destino a Lisboa, provavelmente ancorou na Baía de Todos os Santos no dia cinco de maio. Todavia, a descoberta oficial é creditada ao cosmógrafo florentino Américo Vespúcio, que em primeiro de novembro de 1501 entrou na ampla barra dessa baía, em uma das seis naus da expedição exploratória de Gaspar de Lemos, o mesmo piloto da nau mensageira.
Era costume naquela época dar-se o nome dos lugares em que se aportava conforme o santo do dia do calendário, e assim se chamou de Baía de Todos os Santos, o grande golfo “capaz de abrigar, sem confusão, todas as esquadras do mundo”, como a descreveu, séculos depois, um viajante estrangeiro em visita à Bahia.
A expedição de Gaspar de Lemos aqui se demorou por uns cinco dias. Em uma ponta rochosa da barra que separa a baía de águas seguras do mar aberto, foi fincada uma coluna de pedra - um padrão - que os portugueses costumavam colocar em lugares por eles descobertos, como marco de posse e domínio da terra.
Por muitos anos o local ficou conhecido como Ponta do Padrão. Entre 1583 e 1587 ergueu-se, no lugar onde estava fincado o monolito com o brasão de Portugal, o forte de Santo Antônio da Barra cujo farol até hoje alerta as embarcações sobre a presença dos rochedos e parcéis na entrada da baía. O local passou a ser chamado Farol da Barra, denominação que se mantém.Dobrada a Ponta do Padrão depara-se com a Baía de Todos os Santos em toda a sua vastidão. Um imenso anfiteatro que tem um contorno de aproximadamente 200 quilômetros, recortado por enseadas, angras, lagamares e uma pequena baía, a de Aratu. A abertura, a grande boca voltada para o sul, entre a Ponta do Padrão e a Ponta do Garcez, tem cerca de 18 milhas marítimas (33km). Sua extensão em linha reta é de 50km, da abertura até a cidade de São Francisco do Conde; e de 35km, direção oeste – leste, de Paripe até a foz do rio Paraguaçu. Dentro da baía encontram-se 56 ilhas de diversos tamanhos: Madre de Deus, dos Frades, Maré, do Medo, Grande, Cajaíba, Bimbarras, das Vacas, Maria Guarda, das Fontes, Bom Jesus dos Passos, Pati e na porção sudoeste, a maior delas, Itaparica, com uma área de 246km. A meio percurso do contorno oeste da baía, desemboca o rio Paraguaçu, nome indígena que significa rio grande. Cerca de 36km ao sul da foz do Paraguaçu, deságua o rio Jaguaripe (ou yaguar-y-be, “rio da onça”), no local conhecido como Barra Falsa da Baía de Todos os Santos. No início dos tempos coloniais, a baía e os seus Recôncavos eram povoados pelos índios Tupinambás que, não fazia muito tempo, haviam expulsado para os sertões os Tapuias, primitivos senhores da terra. Na Bahia, os Tupinambás dominavam ao longo da costa, da foz do rio São Francisco até além do rio Jaguaripe, onde começava o território dos Tupiniquins.A vastidão das águas da Baía de Todos os Santos oferecia às embarcações um ancoradouro seguro, obtendo a preferência dos navegantes no extenso litoral brasileiro. Corsários franceses desde 1504 visitaram as costas desguarnecidas da Bahia. Atraía-os, preferencialmente, o rendoso comércio clandestino do pau-brasil, cuja tinta vermelha era consumida em larga escala pelas indústrias de tecidos da região de flandres. Esse tráfico atingiu tamanha proporção que houve época em que prevaleceu sobre o comércio dos portugueses, os senhores da colônia. Os franceses souberam fazer alianças com os Tupinambás, facilitando o escambo. É lúcida a interpretação de Eduardo Bueno em seu livro Capitães do Brasil: a saga dos primeiros colonizadores: “os Tupinambás não precisaram de muito tempo para perceber que os portugueses eram diferentes dos franceses. Ao contrário dos mair franceses que vinham à Bahia apenas para recolher o pau-brasil – trocando suas mercadorias como amigos e, como amigos, se retirando sem despertar suspeitas – os portugueses haviam chegado para ficar e, além de se apossarem da terra, estavam dispostos a escravizar os nativos”. Ou seja, os franceses não inspiravam desconfiança aos Tupinambás, ao contrário dos portugueses, que eram senhores em perspectiva.Durante muitos anos a Baía de Todos os Santos não teve um único estabelecimento de Portugal, prevalecendo o comércio com os franceses, amigos dos índios que habitavam suas margens e ilhas.Em 1526, uma esquadra portuguesa comandada por Cristóvam Jacques foi enviada ao Brasil para varrer os corsários franceses do litoral. Quando essa esquadra guarda-costa entrou na Baía de Todos os Santos encontrou três navios franceses que carregavam pau-brasil no rio Paraguaçu, à entrada do lagamar de Iguape, no local que até hoje tem o nome de ilha dos Franceses. O combate demorou por um dia inteiro. Os franceses foram derrotados, tendo sido aprisionados trezentos tripulantes.O comércio clandestino do pau-brasil encontrou na Bahia uma espécie de agente mercantil dos franceses: o português Diogo Álvares Correia, que entrou para a história com o lendário nome de Caramuru. Náufrago de um navio possivelmente francês que, em 1509 ou 1511, se chocou contra os recifes e rochedos na orla oceânica distante uma légua ao Norte da barra da baía, no lugar hoje conhecido como praia da Mariquita, nome que é uma corruptela da palavra tupi mairaquiquiig ou “naufrágio dos franceses”. O fato de ter surgido do mar por entre as pedras fez com que os Tupinambás o chamassem de Caray-muru, que na língua do gentio quer dizer um peixe de corpo alongado como a enguia que vivia entre as pedras. Alguns autores preferem que o nome tenha vindo de, “o homem branco molhado, ou afogado”. Não passa de lenda, todavia, a versão de que o náufrago saindo do mar tenha dado um tiro com o arcabuz que recolhera de bordo abatendo uma ave, deixando os índios perplexos a ponto de o chamarem de “filho do fogo” ou “filho do trovão”.Caramuru viveu 47 anos entre os Tupinambás, tendo casado e deixado prole numerosa com a famosa índia Paraguaçu, filha do poderoso cacique Taparica, senhor dos canibais da ilha de Itaparica. Casaram-se na França, provavelmente em 1525, onde a índia foi batizada e recebeu o nome de Catharina, em homenagem à rainha Catharina de Médicis.Conta a lenda que na partida de Caramuru para seu casamento além-mar, uma mulher indígena jogou-se nas águas da baía e nadou seguindo a nau francesa, que conduzia seu ingrato amado, até encontrar a morte. Ficou seu nome lendário: Moema, mbo-em na língua dos Tupinambás, “a desfalecida”, a “exausta”. Na Baía de Todos os Santos é difícil separar a história, baseada em documentos, da estória, expressão fantasiada dos fatos.Foi grande a influência de Caramuru nos primórdios do povoamento. Não deixa de ser curioso que pilotos franceses, contrabandistas de pau-brasil, denominavam de Pointe du Caramourou o local à entrada da baía conhecido pelos portugueses como Ponta do Padrão. Em fins de 1535, o fidalgo Francisco Pereira Coutinho chegou à Bahia para povoar a capitania que lhe fora outorgada pelo rei D. João III, através da carta de doação assinada em Évora em cinco de abril de 1534. A Capitania da Bahia tinha cinqüenta léguas (300km) de testada, contadas da foz do rio São Francisco à ponta da Baía de Todos os Santos, incluindo o Recôncavo desta, abrangendo as ilhas que fossem encontradas, e para o sertão e terra firme, até o limite de Castela, o Meridiano de Tordesilhas.O capitão-donatário estabeleceu-se nas imediações do sítio em que vivia Caramuru, com sua esposa índia, seus filhos mamelucos e seus genros. No local, hoje conhecido como Porto da Barra, Pereira Coutinho construiu uma povoação a beira-mar para ser sede oficial da Capitania, a Vila Velha ou Povoação do Pereira. Cerca de um ano depois, o donatário manda lavrar uma carta de doação concedendo uma sesmaria a Caramuru, confirmando, assim, as terras por ele ocupadas com a sua gente.Não demoraria para os Tupinambás perceberem que essa nova leva invasora de colonos, que vieram com o donatário, ia gradativamente se apoderando de suas terras, suas matas e de seus rios. Além disso, oprimiam o gentio à condição de escravo, inclusive vendendo-os para outras capitanias. Essa opressão não poderia encontrar outro desfecho: os Tupinambás levantaram-se em massa contra o branco invasor.O estopim dessa revolta deveu-se à morte do filho de um dos caciques indígenas, atribuída a um parente do próprio donatário.É verdade que Caramuru ajudava aos recém-chegados com o fornecimento de mantimentos e facilitando as relações com os índios, porém ele não era aliado de todos os Tupinambás. Nem poderia ser. Eram muito numerosas as aldeias de índios espalhadas pela orla e pelo Recôncavo adentro, divididas em diversas tribos, cada qual com seu chefe, guardando suas matas e seus locais de pescaria. E era bastante comum que eles guerreavam entre si, fazendo prisioneiros que assavam e comiam em grandes festas, ou vendiam como escravos para os forasteiros.Os Tupinambás se uniram e, com cerca de seis mil guerreiros - rostos tingidos com o preto do jenipapo, em faixas alternadas com o vermelho vivo do urucum, que lhes emprestava um aspecto aterrador - queimaram cercas, destruíram engenhos, mataram vários portugueses e sitiaram os sobreviventes na Povoação do Pereira. “Foram cinco ou seis anos, passados em grandes apertos”, relatou em 1580, o senhor de engenho e historiador Gabriel Soares de Souza, “sofrendo grandes fomes, doenças e mil infortúnios e o gentio Tupinambá matando gente a cada dia”.Não bastasse essa guerra, o donatário ainda enfrentava a traição de alguns degredados e colonos que, devido à rivalidades internas na capitania, se aliaram aos índios, incitando-os aos combates. Quanto a Caramuru, tudo indica que não tenha tomado posição contra os índios que sitiaram a sede da Capitania. Todavia parece ter sido ele que conduziu o velho donatário em fuga para a Capitania de Ilhéus. Com isso, os Tupinambás devastaram a vila.Enquanto a Capitania da Bahia ficava à deriva, os franceses, amigos dos índios, tramavam instalar-se nela, estimulados pela ambição de tornar o Brasil uma possessão francesa. Esta ameaça de uma possível dominação francesa motivou a volta de Francisco Pereira Coutinho aos seus domínios. Foi o próprio Caramuru que convenceu o donatário a deixar Porto Seguro, onde estava refugiado, e voltar para a Bahia com a promessa de paz oferecida aos índios. Em 1547, na viagem de regresso, a nau que trazia Pereira Coutinho, chocou-se contra os traiçoeiros recifes das Pinaúnas, na ponta sul da ilha de Itaparica. Este trágico episódio foi descrito por Eduardo Bueno: “O donatário e a maior parte dos seus acompanhantes se salvaram, mas foram presos pelos Tupinambás. Ao perceberem que entre os prisioneiros, estava o próprio Pereira, os Tupinambás decidiram matá-lo. Quem brandiu o tacape foi um Tupinambá de cinco anos de idade, irmão de um nativo que o próprio Pereira mandara matar. No ritual do sacrifício, o menino foi ajudado por uma guerreiro adulto a desfechar o golpe que acabou com a vida de Francisco Pereira Coutinho. A seguir, a tribo devorou o corpo do donatário, em um ruidoso banquete antropofágico.Dos nove anos da administração de Pereira Coutinho quase nada restou. Os engenhos que haviam sido implantados no Recôncavo foram queimados pelos Tupinambás. A Vila Velha do Pereira, o que restou dela, voltou à condição inicial de “simples ninho de mamelucos”.A morte trágica do velho e arruinado Francisco Pereira Coutinho precipitou a completa reformulação do regime administrativo do Brasil, há muito em estudos em Lisboa. De forma geral, todo o sistema de capitanias hereditárias fracassara.Em 29 de março de 1549, uma sexta-feira, antes do sol desaparecer por trás da ilha de Itaparica, as proas de três grandes naus, duas caravelas e um bergantim, adentraram nas águas quietas da Baía de Todos os Santos. Comandava a armada portuguesa, Tomé de Souza, “Capitão da povoação e terras da Bahia de Todos os Santos e Governador das terras do Brasil”, títulos que ostentava desde sua nomeação em sete de janeiro de 1549. Vinha fundar “uma fortaleza e povoação grande e forte”, a cidade do Salvador da Baía de Todos os Santos.Alguns meses antes da chegada do Governador, um emissário do rei foi portador de uma carta para Diogo Álvares Caramuru anunciando a vinda da armada e, sobretudo, que ele fizesse uma reserva de mantimentos para Tomé de Souza e sua comitiva. Com a morte do donatário, Caramuru se tornara o homem mais importante da Capitania e já havia obtido dos Tupinambás a promessa de cooperação com os “novos” colonizadores.Apesar das escaramuças com os índios não terem cessado, o Governador conseguiria, com a ajuda de Caramuru, começar a estabelecer a paz entre colonos e índios.Mais para dento da baía, para o norte, a pouco menos de meia légua da Vila do Pereira sob um dos céus mais azuis do mundo, o Governador plantou a cidade-fortaleza no alto de uma escarpa, voltada para o poente, dominando a Baía de Todos os Santos. Os índios cooperaram com os numerosos artificies que sob as ordens do Mestre Luis Dias, erguiam a cidade.Inicialmente, palhoças de taipa, depois vieram as casas de pedra e cal, e a cidade se ergueria com arrogância, a setenta metros de altura, olhando para a baía; e se tornaria uma cidade de arte, com seus excessos barrocos e seus cultos animistas, a metrópole da Baía de Todos os Santos e seus Recôncavos, a cidade da Bahia, sede do Governo colonial português por 214 anos.Oito anos após a fundação da cidade do Salvador, em 1557 a morte encerrou a atribulada vida de Diogo Álvares, Caramuru.Coube a Mem de Sá, terceiro Governador Geral do Brasil, pacificar os índios bravios com a ajuda dos missionários jesuítas. Quando se tornou necessário, o Governador não hesitou em invadir as terras das tribos sublevadas e destruir as aldeias que tentaram resistir. Mais de cento e trinta aldeias foram destruídas. Mem de Sá foi o grande fomentador da cultura da cana-de-açúcar na região. Chegou mesmo a construir um engenho real com sua roda d’água para receber as canas dos lavradores que não possuíam engenho próprio. Nas terras do massapê, argila profunda que cola nos sapatos, floresceram engenhos. A lavoura da cana e a fabricação do açúcar tornaram-se atividades típicas e básicas dos Recôncavos. Os canaviais e engenhos orlavam toda a baía, de Salvador à Barra do Jiquiriça e às terras do Jaguaripe, onde Gabriel Soares implantou seus engenhos; espalharam-se pelos tabuleiros de Santo Amaro e São Francisco do Conde, e subiram o caudaloso Paraguaçu.No último quartel do século XVI, já existia no Recôncavo um bom número de proprietários de vastas sesmarias e engenhos bem montados, com grande quantidade de escravos. Esses engenhos não eram simples fazendas, eram povoações. A partir delas foram nascendo as vilas e cidades do Recôncavo.Por muito tempo a comunicação entre essas cidades era feita exclusivamente pela Baía de Todos os Santos e rios que nela desembocam. Depois vieram as ferrovias e as rodovias que romperam o isolamento. Os engenhos transformaram-se em usinas de açúcar. O fumo ocupou as terras do conjunto Cachoeira - São Félix - Maragogipe. No século XX, as altas silhuetas dos poços de petróleo pontuavam os campos, onde antes o vento açoitava os canaviais. Surgiram as indústrias. Uma nova era de transformações. Os prosaicos saveiros e os vapores foram aos poucos dando lugar às escunas, veleiros e catamarãs. Os automóveis agora navegam as águas da baía no ventre de ferrie-boats. Porém permaneceram os testemunhos do passado na arquitetura austera de casarões coloniais com suas fachadas vestidas de azulejos portugueses, nas igrejas monumentais, no silêncio do claustro dos conventos, na roda d’água dos engenhos, nas alfaias de prata e na imaginária dos altares, nas naus e caravelas que dormem sob as águas, nos canhões dos velhos fortes que ainda espreitam os horizontes guardando a baía e na memória mestiça do povo da Bahia de Todos os Santos.A GRANDE VOCAÇÃO DA BAÍA DE TODOS OS SANTOSDelimitada em suas extremidades pelo Farol da Barra e a Ponta do Garcez, a Baía de Todos os Santos mistura beleza, história e cultura, visualizada no artesanato, culinária típica e arquitetura, que a transforma num grande cenário para as atividades do turismo náutico e do ecoturismo.Este cenário é composto por uma superfície de águas calmas de 1.052 Km2 de extensão, abriga ilhas, praias e recebe as águas doces de inúmeros rios e riachos, sendo os principais o Paraguaçu, o Jaguaripe e o Subaé, além de ter debruçada em uma das suas extremidades, a primeira capital do Brasil e a maior do Nordeste: Salvador da Bahia. Em seu entorno localiza-se os municípios de Itaparica, Vera Cruz, Jaguaripe, Nazaré, Salinas da Margarida, Maragogipe, São Félix, Cachoeira, Santo Amaro, Saubara, São Francisco do Conde, Madre de Deus e Candeias, entre tantos outros que compõem o Recôncavo Baiano. Na Bahia a palavra Recôncavo ganhou nova dimensão, com inicial maiúscula, para identificar a região situada em torno desta baía.Para assegurar a proteção de suas ilhas, ordenando as atividades sócio-econômicas presentes na área e preservando locais de grande significado ecológico, foi criada a Área de Proteção Ambiental Baía de Todos os Santos através do Decreto Estadual no. 7.595, de 5 de junho de 1999. A APA possui uma superfície aproximada de 800km2, incluindo as águas e as ilhas da Baía que apresentam remanescentes de Mata Atlântica, manguezais e restingas, abrigando fauna e flora diversificadas.TURISMO NÁUTICONo passado, foi o maior porto marítimo do Hemisfério Sul e no presente é alvo de grandes investimentos públicos e privados que visam o incremento do turismo náutico e do ecoturismo.Uma grande marina privada já foi implantada na Baía de Todos os Santos, nas proximidades do Elevador Lacerda que hoje já abriga 300 vagas para embarcações de qualquer porte, com toda a infraestrutura moderna disponível. Por outro lado, o Centro Náutico da Bahia, uma iniciativa do Governo do Estado, além de abrigar embarcações, promove e coordena atividades náuticas no Estado.Regatas tradicionais como a de Saveiros João das Botas, a Aratu – Maragogipe até as oceânicas internacionais Rally les Iles du Soleil e Hong Kong Challenger, acontecem durante toda a temporada de verão e fora dela.A travessia Mar Grande - Salvador é a principal competição que acontece anualmente no interior da Baía, durante o verão. Além desta, existem outras provas dentro do Circuito Baiano de Águas Abertas: Salinas, Itaparica - Ponta de Areia, Itacaranha - Ribeira, São Tomé de Paripe - Porto da Barra.A captação de eventos náuticos para a Baía de Todos os Santos se fundamenta na sua trajetória histórica, que já viu aportar em suas águas abrigadas desde naus e caravelas, canoas dos habitantes nativos, saveiros – que ao longo do tempo tornaram-se a embarcação e meio de transporte mais característico da área - a modernos veleiros oceânicos, transatlânticos de luxo, até mesmo o iate da Rainha Elizabeth da Inglaterra.A maior e principal celebração que acontece anualmente em suas águas é a Procissão do Senhor Bom Jesus dos Navegantes, no dia primeiro de janeiro, quando a galeota Gratidão do Povo conduz a imagem do Bom Jesus em um longo percurso desde o Cais do Porto ao Porto da Barra e daí até a Igreja da Boa Viagem, acompanhada por centenas de embarcações.Outro aspecto singular da Baía de Todos os Santos é a conjugação da beleza dos cenários naturais e históricos, escondidos sob as suas águas. Estes cenários revelam surpresas para os adeptos do mergulho, que se deparam com a formação de recifes de corais e destroços de navios naufragados ao longo da sua colonização.É bom saber que em frente ao Porto da Barra, a uma profundidade de 12 metros e com uma visibilidade de 10 a 15 metros, estão belíssimos recifes de corais. Para mergulhadores experientes, os corais de fora ou “Parede” ficam no meio da Baía, entre Itaparica e Salvador. Os paredões, a uma milha de Salvador, estão entre 25 e 45 metros de profundidade e, na maré enchente, a visibilidade varia entre 15 e 20 metros. As formações de corais e recifes próximos às ilhas de Maré têm profundidade máxima de 11 metros e visibilidade de até 15 metros na horizontal.Em frente ao cais do porto, no quebra-mar Norte, há um ponto interessante para mergulhos noturnos com grande quantidade de vida marinha. Em frente à praia de Aratuba, em Itaparica, os recifes de corais Pontinha e Caramunhãs, a duas milhas da costa, oferecem rica paisagem submarina.Os fantasmas da história também se tornaram alvo de interesse de mergulhadores em busca de tesouros, pesquisa ou curiosidade.Entre batalhas, invasões e tempestades, foram diversas as embarcações que naufragaram na Baía de Todos os Santos e os mais conhecidos e registrados historicamente são:A nau Nossa Senhora de Jesus, 1610 - atacada por holandeses da Companhia das Índias naufragou em frente ao forte de Santo Antônio da Barra, na entrada da Baía; sete navios portugueses, 1624 – foram incendiados e afundaram em frente à ladeira da atual avenida Contorno; dois navios flamengos e um lusitano, 1627 – foram para o fundo do mar na praia da Preguiça durante combate entre portugueses e holandeses pela posse da cidade de Salvador; duas naus holandesas e uma portuguesa, 1647 – naufragaram após outra batalha marítima próximo ao Forte de Monte Serrat, o navio Santa Escolástica, 1648 – afundou na saída da Baía; o galeão Nossa Senhora do Bom Sucesso, 1700 – afundou em frente à praia da Preguiça; galeão espanhol San Pedro, 1714 – afundou no mesmo local; galeão Nossa Senhora do Rosário, 1737 – afundou em Monte Serrat carregado de jóias, ouro, louças, âmbar e pimenta; os destroços do navio Bretanha, conhecido como “Navio de Dentro”, ficam próximos ao Farol da Barra protegido pelos corais, e é um ponto ideal para mergulhos de batismo.ECOTURISMOO verbo conjugar está sempre presente quando se fala na Baía de Todos os Santos: conjugar o mar e a terra o velho e o novo, as lendas e a história. Assim o olhar de “descoberta” dos ecoturistas se depara com as possibilidades de visitação de suas ilhas e da região do Recôncavo, onde são fortes as marcas da colonização portuguesa e da miscigenação entre as culturas européia, africana e indígena.As 56 ilhas que formam o arquipélogo da Baía de Todos os Santos têm características comuns, como praias de águas cristalinas, mar calmo, vegetação densa, predominando manguezais, coqueirais e bananais, além de vestígios da Mata Atlântica.Das ilhas existentes, as principais são: Itaparica - a maior ilha marítima do Brasil -, Madre de Deus, Maré, Frades, Medo, Bom Jesus dos Passos, Vacas, Capeta, Maria Guarda, Joana, Bimbarras, Santo Antônio, Cajaíba, Cal, São Gonçalo, Matarandiba, Saraíba, Mutá, Olho Amarelo, Caraíbas, Malacaia, Porcos, Carapitubas, Canas, Ponta Grossa, Fontes, Pati, Santos, Coqueiros, Itapipuca, Grande, Pequena, Madeira, Chegado, Topete, Guarapira, Monte Cristo, Coroa Branca e Uruabo.O Recôncavo baiano, rico em folclore, culinária e nas artes do seu povo moreno, mostra as marcas do seu passado nas cidades históricas e nos quase 400 antigos engenhos de açúcar que povoaram a região durante a colonização do Brasil.Guarda um passado de riquezas e atos heróicos do seu povo que, praticamente desarmado, lutou contra invasões estrangeiras e senhores de engenho se uniram em apoio a D. Pedro I, lutando bravamente contra os portugueses, pela independência do Brasil. Conhecer o Recôncavo Baiano é deslumbrar-se com o barroco da arquitetura do século XVIII, em cidades como Cachoeira, São Félix, Santo Amaro, Jaguaripe e Nazaré, que nasceram, se desenvolveram e experimentaram o luxo e a opulência no decorrer dos ciclos da cana-de-açúcar, do fumo e do gado. Com a abolição da escravidão no Brasil, a economia do Recôncavo entrou em decadência e os senhores de engenho, na falência. As famílias da casa-grande mudaram-se para a capital da província, deixando para trás vilas, cidades, belas construções coloniais e as terras do massapé. Um mundo de recordações que se desmoronou ao longo do tempo.É, também, deliciar-se com a culinária típica que combina, na medida certa, as influências das três raças em pratos regados a azeite de dendê e os mais variados doces, licores e aguardentes; é descobrir belezas naturais escondidas nos rios Paraguaçu e Jaguaripe em toda a área de influência dos seus estuários na Baía de Todos os Santos, no lagamar do Iguape, nas praias de Saubara. Religiosidade, misticismo e história são a marca registrada do Recôncavo todo ele emoldurado por extensos canaviais, ricos manguezais e o que ainda resta de floresta tropical.