Senhor de homens, de terras e de animais. A trajetória política e econômica de João da Silva Machado (Província de São Paulo, 1800-1853) - 01/01/2014 de ( registros)
Senhor de homens, de terras e de animais. A trajetória política e econômica de João da Silva Machado (Província de São Paulo, 1800-1853)
2014. Há 10 anos
Nesse tipo de mercado, onde a economia não era governada por leismercantilistas, os grupos de poder se articulava através da política para conseguir obterprivilégios que lhe garantissem a apropriação de segmentos da riqueza. O que podemosperceber ao longo da tese, são conflitos em torno do acesso à espaços de poder, como apresidência da província e deputação provincial e geral, já que ali seria obtido umaumento de prestígio e de possibilidade de acumulação de riquezas.19Através de cargos como presidência da província e na Assembleia provincial,podia-se também constituir-se uma rede clientelar, através da nomeação de pessoas paracargos de administração civil e militar. João da Silva Machado, por exemplo, antes dese tornar deputado provincial, foi destacado para conserto de estradas, indicado porpessoas como Rafael Tobias de Aguiar, o que pode pressupor uma rede de apoio.Portanto, indivíduos de uma “elite” não podem ser considerados somente entreaqueles que possuem riqueza material, mas que também possuem controle sobre postosde comando. Isto se torna evidente em sociedades como a brasileira do século XIX, nasquais a economia se encontrava em larga escala mediada pela política.Outro elemento que o estudo da trajetória de Machado levanta é a questão dehomogeneidade ideológica. Este é um tema comum quando se utiliza o conceito deelite, mas que algumas vezes serve como um limitador para o método. Nem sempreexiste uma coesão tão forte entre membros de uma elite, podendo haver rupturas dentrodo grupo. Mesmo que dentro do grupo paulista houvesse uma coalizão em torno deideias como “autonomia provincial” e “liberalismo”, ocorreu uma cisão na maneiracomo eram expressos os anseios da elite.Machado, mesmo sendo um político liberal e possuindo relações econômicas,políticas e familiares com líderes liberais, ficou do lado do governo central na repressãoaos revoltosos liberais da província de São Paulo. Isto inclusive foi algo que ahistoriografia da Revolta de 1842 relegou para as margens de suas interpretações pornão compreender o papel de Machado na Revolta. Veremos no capítulo 3 como se deuesta “mudança” de lado. De fato, examinando as relações que Machado estabeleceu aolongo dos anos, a trama histórica se torna mais complexa, colocando maior peso em suaopção pelo lado da “legalidade”, sendo que ele possuía relações de parentesco muitopróximas com revoltosos como Vergueiro, Paula Souza e Tobias de Aguiar. Portanto, [Página 19]
cena política paulista de então. É a política da década de 1820 que iremos analisar nestecapítulo, evidenciando os indivíduos e suas lutas pela obtenção do poder; longe deapresentar um quadro coeso no qual grupos opositores se antagonizavam na arenapolítica, irei analisar, tanto quanto possível, atuações individuais e formas depensamento políticos ainda em formação, especificamente do grupo em torno deVergueiro, Feijó, Paula Souza, e os estreantes Tobias de Aguiar e Silva Machado.Assim, os capítulos 1 e 2 pretendem definir quem compunha a elite paulista daprimeira metade do século XIX. Esta era uma elite que possuía característicasespecíficas, que a diferenciavam de outros grupos de diferentes províncias. Nestesentido, o estudo empreendido aqui pressupõe que não se pode analisar o políticodeslocado do econômico, na medida em que a especificidade de São Paulo no séculoXIX residia exatamente em que a elite política era antes de tudo uma elite econômica.Isto se dava porque os membros dessa elite adquiriram proeminência econômica aomesmo tempo em que galgavam posições políticas. Assim sendo, posso nomear umgrupo específico, formado por, entre outros, Rafael Tobias de Aguiar, Nicolau deCampos Vergueiro, Diogo Feijó, Francisco de Paula Souza e Melo e João da SilvaMachado, de o “grupo paulista”, pois pertenciam à elite econômica provincial eacumular cargos de prestígio político na região e para além dela.O Capítulo 3 analisa a “Revolta Liberal de 1842”. O ano de 1842 se iniciou comdebates acalorados devido a reformas centralizadoras levadas a cabo pelosConservadores, maioria na Câmara dos Deputados no Rio de Janeiro. O objetivo eraretomar a autonomia provincial perdida pelas leis centralizadoras como a Lei deInterpretação do Ato Adicional, a Reforma do Código do Processo e o restabelecimentodo Conselho de Estado. Mesmo não tendo caráter separatista, a revolta de Sorocabaatingiu a Coroa. Ao Sul, a estratégia para conter a fuga dos revoltosos e uma possívelunião com os líderes farroupilhas foi escolher alguém que conhecia a regiãoprofundamente, João da Silva Machado, que mesmo sendo liberal e tendo conexõescom alguns rebeldes, se mostrou uma peça chave para cooptar a elite de Curitiba na lutacontra os rebeldes liberais paulistas e manter pacífica a fronteira da província de SãoPaulo.A análise da trajetória de Machado neste capítulo nos leva a questõessignificativas: como era ser um liberal em meio à revoltas liberais? E além disso, comoum indivíduo que possuía ligações políticas, econômicas e até familiares com Liberaisrevoltosos, pode ficar ao lado da “legalidade” e ajudar a suprimir essas revoltas? [Página 22]
Prólogo24No dia 24 de junho de 1782, dia de São João, foi batizado na matriz de São Joséde Taquari, João da Silva Machado, com sete dias de idade. Era filho de Manoel daSilva Jorge e de dona Antonia Maria Bittencourt; ele, natural da Ilha do Faial e ela, doRio Pardo, no Rio Grande de São Pedro. Taquari, no Rio Grande, era uma regiãoentrecruzada por rotas de gado e isso facilitou com que João logo se envolvesse naatividade de criação e condução de animais até a famosa feira anual em Sorocaba, SãoPaulo. Por volta dos 18 anos de idade, fez sua primeira viagem até tal feira. Ampliandosua inserção no negócio de animais, se casou com Ana Ubaldina do Paraíso Guimarãesna década em 1810, filha de um prestigiado negociante de animais dos Campos deCuritiba, Manoel Gonçalves Guimarães.Na década de 1820, com um pouco mais de experiência, fez sociedade comAntonio da Silva Prado, o Barão de Iguape, para a compra de muares no sul. Semdescuidar dos negócios, Machado também começou a atuar em cargos públicos. Em1821, como eleitor para a escolha dos deputados a serem enviados às Cortes de Lisboa.Ainda no mesmo ano, se tornou vereador na Vila do Príncipe, nos arredores de Curitiba.Foi eleito conselheiro no Conselho Geral da presidência de São Paulo na legislatura de1830-1833. Neste seu primeiro cargo na capital da província, Machado atuou no sentidode mudar o registro de passagem de animais de Curitiba para o Rio Negro, vila quehavia fundado em 1828.Na década de 1830, Machado teceu uma rede de relações na província de SãoPaulo, começando pelo casamento de sua filha Balbina Alexandrina da Silva com LuizPereira de Campos Vergueiro, filho de Nicolau Pereira dos Campos Vergueiro. Essecasamento permitiu que Machado adentrasse em uma complexa rede familiar em SãoPaulo, composta por Vergueiro, Francisco de Paula Souza e Mello, José da CostaCarvalho e Rafael Tobias de Aguiar.Com a criação da Assembleia Legislativa provincial, em meados da década de1830, São Paulo passou a ter maior autonomia para criação, administração e fiscalização [Páginas 26]
dos Santos Pacheco, que entre os anos de 1839 e 1840, viajou a Montevidéu paraadquirir animais.112 José Joaquim de Lacerda, atuando muitas vezes como sócio dosorocabano Rafael Tobias de Aguiar, ia “anualmente ao Uruguai buscar tropas pararevender Brasil afora”.113Outra região importante nas conexões entre os dois lados da América foiColônia.114 Esta região era uma das mais férteis do Uruguai e com um solo abundanteem pastos naturais, fazendo parte do pampa que engloba a região de Buenos Aires e RioGrande. A Colônia de Sacramento, no centro do território de Colônia, foi fundada porportugueses em 1680, vindo a causar muitos desentendimentos devido à sua localizaçãoque, de acordo com o Tratado de Tordesilhas, ficava em território espanhol. SegundoMaximiliano Menz,a fundação da Colônia de Sacramento deu início a uma corrida pelas posiçõesno extremo-Sul atlântico: além da própria Nova Colônia, Portugal fundouLaguna (1684) e Rio Grande (1737); já a Espanha abençoou a expansãojesuítica com os Sete Povos ao leste do Rio Uruguai (1682-1707) eestabeleceu Montevidéu (1734) na embocadura do Rio da Prata.115O estabelecimento desta colônia foi estratégico, pois ali abundava gado bravio.Para ampliar o comércio do Sul foi feito um caminho que unia os campos do RioGrande à zona mineradora. Em 1727 Cristóvão Pereira de Abreu e Francisco de SouzaFaria abriram o caminho que passou a ser muito importante na exportação de gado empé: partindo da Colônia, as tropas invernavam nos campos ao redor do presídio de RioGrande, passando pelo litoral para Laguna e daí, pelo caminho do Araranguá, paravamem Lages. Lages e São Joaquim, hoje em território catarinense, possuíam pastosadmiráveis para os animais. Os campos de Curitiba, vila fundada em 1614, tambémofereciam área muito boa para a invernada. Dali seguiam sem grandes pausas até SãoPaulo. Em 1733, Cristóvão Pereira realizou melhorias na estrada e levou a primeiratropa do Sul a São Paulo.116 Na época em que João da Silva Machado iniciou su [Página 49]
Rafael Tobias de Aguiar possuíam propriedades na região. Tobias de Aguiar possuía umafazenda de criar ali com mais de 2000 animais.174Os campos na área de Itapeva estendiam-se desde Lapa, possuindo importantesinvernadas e eram a última parte de campos antes do registro de Sorocaba. É provável queMachado não possuísse nenhuma propriedade na região por volta da década de 1820, já que,em 1828, ele invernou 200 bestas na fazenda do vigário de Itapeva.175 Mas, possivelmente,percebendo o lucro maior que teria se tivesse uma propriedade de invernada naquela vila,tratou de adquirir terras na localidade. Ainda não consegui definir a data da compra de suafazenda em Itapeva/Faxina, mas sei que, na década de 1840 ela teve um papel fundamental,não só como invernada, mas também nos projetos indigenistas de Machado.176 [Página 65]
Paulo, com indicação de Lourenço de Sá Ribas, para a manutenção da Estrada da Mata. NesteConselho ainda contava com o apoio de Manuel Rodrigues Jordão, outro procurador deMachado no mesmo processo até aqui referido.Não foi, parece-nos, o casamento com a filha de Guimarães no início da década de1810 que destacou Machado no cenário econômico das regiões meridionais, mas o certo éque, no final desta mesma década, ele já contava com uma rede bem estabelecida de contatos,o que reforça a ideia de que, quando Antonio da Silva Prado entrou em contato procurandoestabelecer uma sociedade em 1820215, os dois já possuíam relações próximas e Machado játinha uma importância significativa no mundo do negócio de animais.Muitos desses indivíduos estavam ligados ao negócio de animais, como os membrosda parentela Sá Ribas e, principalmente, a família à qual Machado passou a pertencer. Estesindivíduos acabaram atuando como parceiros no negócio, facilitadores do crédito, auxiliandode diversas maneiras nas negociações em um mercado regido por relações pessoais. Preços,disponibilidade, parceiros e compradores podiam estar sujeitos a este tipo de relações quedeterminavam a possibilidade de maiores ou menores lucros. Esta rede foi fundamental paraele fosse indicado como um dos 18 eleitores para escolher os deputados que iriam às Cortesde Lisboa, em 1821. Contando com nomes como Nicolau Pereira de Campos Vergueiro,Rafael Tobias de Aguiar, Diogo Antonio Feijó e os irmãos Andrada, José Bonifácio e MartimFrancisco, entre outros, a lista dos eleitores sinalizava a elite política e econômica de toda aregião da província paulista, demonstrando que João da Silva Machado já fazia parte de umgrupo que atuava intensamente nos destinos econômicos e políticos da província de SãoPaulo.216c) A ampliação da Estrada da MataA produção de muares centrada em todo o Rio Grande do Sul não dependeu somentede fatores naturais, como as pradarias e a presença de gado desde muito tempo, mas também [Página 76]
e precisam passar um inverno na Curitiba. Recomendou-se por isto ao governadorOyenhausen, o principiar esta obra (...).222Foi assim que, em 9 setembro de 1820, D. João VI baixou uma carta régia ordenandoao governador da capitania de São Paulo, o capitão general Carlos Augusto Oyenhausen, quemandasse construir o caminho. Esse capitão designou João da Silva Machado em 1º deoutubro deste mesmo ano. Porém, como este já estava incumbido do descobrimento de minasde ouro nas montanhas de Itaió, o rei julgou que deveria ser escolhida outra pessoa.Oyenhausen insistiu e Machado enviou um plano detalhado da feitura da estrada,demonstrando seu conhecimento do caminho e das necessidades para efetivação do projeto.Assim, Machado apontou que seriam necessários 6 anos para a efetivação do projeto e emtorno de 60 trabalhadores do corpo de Ordenanças da vila do Príncipe, de Castro e Curitiba,além de soldados e oficiais das milícias de Curitiba para exercer a defesa contra indígenas.Também propôs o valor que cada condutor deveria contribuir para a construção da estrada:100 reis por animal.223
Porém, foi somente a partir da formação do Conselho da Presidência da província deSão Paulo, em 1824, que a questão deste caminho entrou novamente na pauta das discussões,sendo efetivamente construído.224 Composto de seis membros, que eram eleitos da mesmaforma que os deputados, o Conselho se reunia durante dois meses, podendo ser prorrogado,para deliberar sobre assuntos concernentes à administração provincial. A função dosConselheiros era auxiliar a ação executiva do Presidente de província.225 Atuavam buscandomelhorar a infraestrutura da província, estabelecendo Câmaras e consentindo na abertura deestradas, por exemplo, além de decidir acerca de pedidos das diversas Câmaras espalhadaspelo território de São Paulo226. As questões sobre abertura e manutenção de estradasacabavam formando a principal pauta de discussões do Conselho. Com relação à Estrada daMata, já em segunda seção, no dia 27 de outubro de 1824, Rafael Tobias de Aguiar propôsseu conserto, prevendo a instalação de uma freguesia no meio do caminho entre o Rio Grande do Sul e São Paulo, salientando ainda, que a ampliação do caminho já havia sido previsto emCarta Régia em 1820.227 Tobias de Aguiar estava bem ciente das condições do caminho efalava com conhecimento de causa, pois vinha de uma família de negociantes de gado, sendoele próprio atuante nesta atividade.
Alguns dias mais tarde, no dia 10 de novembro, novamente se expôs a manutenção daEstrada, apontando a grande necessidade,por ser esta obra a mais importante, não só para esta província, mas também paratodas as províncias deste Império, para onde se exportam bestas muares, sem asquaes não se pode fazer a importação, e exportação dos gêneros do comércio para asmesmas províncias, e igualmente a mais vantajosa para os interesses da FazendaNacional por ser a principal fonte das rendas dela (...).Dada a importância do comércio de muares e a importância da estrada para talcomércio, o parecer do dia finalizava comentando que se devia prosseguir com a criação deuma contribuição para tal obra, devendo a câmara da vila do Príncipe, de Curitiba e de Castrolembrar tudo quanto lhe parecer conveniente, para a abertura da Estrada, eestabelecimento da Povoação, e nomear um homem de conhecida probidade,inteligência, e conhecimento do País para inspecionar a obra (...).228O Conselho, então, parecia desconhecer que João da Silva Machado já havia sidoindicado para conduzir a obra, ao apresentar o seu plano para os Conselheiros, em fevereirode 1826.229 Dois anos depois, entretanto, Machado voltou a ser mencionado no discurso que obispo D. Manoel proferiu no dia 4 de setembro de 1828, considerando “digno de louvor ohaver determinado a abertura da Estrada da Mata (...)” e congratulava opatriotismo do sargento mor João da Silva Machado pelo zelo, acerto e prontidãocom que há desempenhado a confiança que nele se pusera, vista que a dita Estradaestá tocando o seu fim, e desta arte não terão de estremecer os mais intrépidosNegociantes na passagem de suas tropas, deixando, como outrora, de naufragarnaquelle trânsito a fortuna de honestas famílias: o dito sargento mor tem sidoincansável, e sobretudo é notável, que não se lhe mandasse por em prática o projeto [Páginas 79 e 80]
Brasileira para o muito nobre e digníssimo cargo de Conselheiro desta província,condecorações estas bem merecidas pelos seus grandes serviços e que só devem serconferidos a Cidadãos beneméritos e prestativos à sua Pátria, pois não foi depequena monta aquele que V. S. prestou a Nação na abertura da nova Estrada daMata do Sertão. [...] eis os frutos e vantagens que oferecem ao publico obras tãoúteis, cujos autores devem exceder no clarim da fama a animosidade de Vasco daGama, ao valor dos Castros, Albuquerques e Ribeiros, ao terror dos Almeidas –Cabraes – Saldanhas e Correas, e toda a mais genealogia de guerreiros famosos quehorrorizarão ao mundo com seus heroicos feitos destruidores da humanidade, e setodos estes heróis têm sido tão celebrados nas historias, com quanto maior razão nãodeverá ser aquele que promove e faz obras em beneficio da mesma humanidade ?certamente, no meu fraco entender seus nomes devem ser mais elevados acima detodos aqueles heróis e gravados em marmóreo busto hum eterno padrão. O Brasilquerendo imitar a industriosa Europa, ora se esmera nas aberturas e reparações desuas Estradas tão necessárias, em um solo de tão desmesurada extensão, tais como asde Coritiba e Arraial, tão necessárias e úteis a esta comarca. Agora na qualidade deconselheiro, esperamos que V. S. também ha de promover muitas prosperidadesdesde já premeditadas em seus vastos conhecimentos, fazendo lembrar á V. S.ªosque são relativamente úteis a necessários a esta Freguesia.236Além da feitura da Estrada da Mata, citada pelo memorialista na correspondênciaacima, outras construções de estradas foram acompanhadas por Machado, como a que ligavao planalto de Curitiba ao litoral, às vilas de Morretes e Antonina, em 1828.237 Estesempreendimentos lhe conferiram imenso prestígio político, já que ele estava sendoencarregado da direção das obras por indivíduos como Rafael Tobias de Aguiar, ManoelRodrigues Jordão e Lourenço Pinto de Sá Ribas, figuras de destaque na política provincial. Amanutenção da Estrada da Mata foi de suma importância na trajetória tanto política quantoeconômica de Machado, pois demonstrou seu conhecimento do funcionamento do negócio deanimais. A feitura da Estrada da Mata e a criação de uma vila, Rio Negro, no meio destecaminho, foram realizações de grande monta, a primeira, como já mencionei, resultando namudança do importante registro de animais de Curitiba para a nova vila. Não posso assegurarque tenha havido participação de Machado na mudança do registro, mas de fato, isso trouxevantagens para ele, que tinha propriedades na região. [Página 82]
do conjunto (60$000). A mula “vaquiana” também se destacou pelo alto valoratribuído (40$000).268A besta de carga chegava a valer 25$000 e se comparado com os valores de Petrone,apontam uma valorização de até mais de 50% na venda final em Sorocaba.O Quadro 2 apresentado a seguir é interessante para mesurar os valores dos diferentestipos de animais em uma área intermediária do caminho das tropas, onde Machado possuíaresidência, já percebendo o aumento em relação à Viamão.
O quadro acima confirma que o burro hechor era muito valorizado no Sul, no séculoXIX chegando a custar o valor de 15 cavalos mansos.269 Esse animal era destinado para acoabitação com a égua para procriação, gerando a mula.A trajetória de Rafael Tobias de Aguiar também serve de evidência quanto àlucratividade do comércio de animais, além de exemplificar o funcionamento interno destemercado. Ele emprestava dinheiro para negociantes, como Luiz Vergueiro, o genro-sócio deMachado. Da mesma forma que este, compartilhava sua ativa vida política com a inserçãoneste ramo econômico privilegiado do Sul. Tobias de Aguiar descendia de uma família ligada ao mercado de muares, colaborando ele mesmo para o aumento de seu cabedal. Seu pai,Antonio Francisco de Aguiar, fez fortuna através da arrematação de vários impostos, como osdireitos do novo imposto de Sorocaba.270 Depois do seu falecimento, em 1818, Tobias deAguiar deu continuidade à cobrança de impostos além de operar no mercado de animais emsuas várias etapas. Comprava, ou melhor, mandava comprar tropas no Rio Grande do Sul,emprestava dinheiro para compra de animais271, e os criava em suas fazendas espalhadas pelaprovíncia de São Paulo.
Em seu inventário aberto em 1859, são citadas grandes propriedades de Tobias deAguiar voltadas para a criação de animais, situadas em Faxina e em Itapetininga, no Caminhodo Sul.272 O número de animais, entre gado vacum, cavalar, lanígero e muar, é de 6352. Umacifra bastante grande para os padrões da época, até se comparada com regiões de criação noRio Grande. Se considerarmos que a média ali era de 995 cabeças de gado vacum porpropriedade, para o período de 1765-1825273, é significativo que Tobias de Aguiar em seuinventário possuísse 2986 cabeças somente deste tipo de gado, apontando para largacapacidade criatória de suas fazendas. Sempre considerando o baixo valor atribuído paraanimais nos inventários, a média dos muares ficou avaliada em 22$000 neste documento.Outro indivíduo que enriqueceu muito com este negócio foi David dos SantosPacheco, residente dos Campos Gerais. Maria Cecilia Westphalen teve a felicidade deencontrar rica documentação detalhando os negócios daquele que veio a ser o Barão dosCampos Gerais. Segundo seu balanço contábil de 1861, cinqüenta bestas mansas foramavaliadas por 80$000 a cabeça. Alguns anos mais tarde, em 1878, um novo balanço apontaque 30 mulas mansas foram avaliadas a 30$000.274 Que fatores podem ser creditados ao altovalor estipulado no primeiro balanço? Difícil ter uma resposta definitiva, mas, se no final dadécada de 1820, o muar valia 60$000, e a tendência era de aumento, assim facilmentePacheco poderia ter vendido seus animais com aquela cotação de 1861. E para o ano de 1878,a explicação da redução dos números reside na ampliação da estrada de ferro São PauloRailway, ligando o interior de São Paulo ao porto de Santos, diminuindo a importância das [Páginas 89 e 90]
O valor dos impostos era repassado aos compradores em Sorocaba, aumentando opreço dos animais que saiam do Sul. Além disso, acerca da Contribuição para Guarapuava,percebe-se a taxação maior sobre a criação nos Campos de Curitiba, sendo os moradoresdessa região os mais interessados na expansão para o oeste, que viria a ter suas áreasdestinadas à pecuária. Somente aqueles que criavam animais na região dos Campos deCuritiba pagariam a taxa da contribuição para Guarapuava, esta não recaindo sobre a criaçãoem outras paragens do Sul.O pagamento destas taxas era feito por emissão de guias lançadas nos registros de RioNegro e Sorocaba, que deviam ser pagas em até 12 meses. As guias vinham com o nome doproprietário das tropas e de um fiador e podiam ser saldadas no registro de Sorocaba. Quemvinha do Sul, pagava apenas os impostos referentes ao Rio Negro e a contribuição paraGuarapuava, enquanto estas existiam. Aqueles que partiam do atual estado do Paranápagavam o imposto de Sorocaba e a contribuição. As cópias das guias eram feitas nosregistros e eram essenciais para demonstrar a quantidade e o tipo dos animais passados, alémde se poder mesurar quem negociava. Durante o período colonial, esses impostos eramarrematados a particulares e eram considerados um grande negócio.Fortunas sorocabanas, como a da família de Rafael Tobias de Aguiar, foramconstituídas através dos lucros da arrematação de impostos.276 Antonio da Silva Prado, alémde atuar no ramo de compra e venda de animais, era grande arrematante de impostos,atividade que o ajudou a aumentar seu quinhão. Segundo a correspondência analisada porPetrone, Silva Prado objetivava adquirir o direito de todos os impostos relacionados comanimais.277 Após três anos de arrecadação do “Novo Imposto” em Sorocaba (1820, 1821 e1822), ele teve um lucro de 49,3% sobre o valor investido. Além do lucro, esse contratopunha em suas mãos dinheiro líquido para ser investido em outras operações, como a comprade animais.278De olho no filão, a partir de 1826, o governo provincial passa a centralizar em suasmãos o recebimento destes impostos. Cassia Maria Baddini diz que esses impostos eramparcela significativa da arrecadação provincial, constituindo o registro do Rio Negro asegunda maior receita da província na primeira metade do século XIX.279 Pela importânciaeconômica deste registro, pode-se compreender porque a província de São Paulo se opunha [Página 92]
epizootia atingiram o gado por essa época.329 Mas, de fato, esses eventos só afetaram a ofertade animais na década seguinte, já que, no início da Revolução Farroupilha, a conjuntura atéque foi favorável, com o temor dos criadores do Sul por uma retração do mercado e suaconsequente ampliação do envio de animais para venda.330 Mesmo assim, os preços por essaépoca já eram astronômicos e Machado deve ter lucrado enormemente com a venda,preparando sua aposentadoria do negócio.
Segundo dados apresentados no Gráfico 2 anteriormente, a partir de 1841 a atividadede Machado referente ao negócio de animais foi atenuada, pois voltou sua atenção para outros objetivos. Atuando como deputado provincial por São Paulo desde 1835, aparentemente foi a partir da 3ª legislatura (1841-1843)331 que os ânimos provinciais começam a se acirrar na política e Machado começou a se destacar. Em 1841, foi destacado como Comandante superior da guarda nacional332 e no ano seguinte, por ocasião da Revolta de Sorocaba, foi investido da função de “Comandante superior interino das legiões da guarda nacional ao Sul da província” para defender a fronteira da província de São Paulo “no caso inesperado de uma invasão que tentassem os rebeldes do Rio Grande do Sul” [APESP. Ofícios diversos. Faxina, anos 1839-1850, caixa 218, ordem 1013, 23 de março de 1842]. Nesta Revolta, Machado desempenhou papel fundamental na arregimentação das várias regiões da província para que ficassem ao lado da Coroa na luta contra os rebeldes.
Negociante de animais, político e militar, Machado era extremamente ativo eincansável. Mas ainda podemos somar mais um campo de sua atuação: as viagens para o oestedo país na busca de contato com indígenas e fundação de aldeamentos, além de demarcaçãode terras para si, ações que tiveram início no ano de 1840. Mesmo não estando presente emtodas as viagens, cuidava de sua organização e investimento. Em conjunto com os interessespúblicos do governo central e seus próprios, as viagens objetivavam interligar o Mato Grosso,que possuía enorme potencial de criação de animais e servia como bastião de defesa, com oSudeste334. Assim, vemos Machado centrando sua atenção nas atividades políticas e nosempreendimentos de exploração do oeste a partir de 1841. [Página 107]
Cavalos serviam à defesa e eram destinados à montaria. Machado em 5 de dezembro de 1842 enviou para a Corte no Rio de Janeiro 110 cavalos e 4 bestas de carga, tendo a orelha direita marcada como símbolo do remetente.341 Muito mais do que uma operação mercantil, este pode ter se configurado um ato político de agradecimento pelo título recém-recebido de Barão de Antonina. O fato de aparecer em um documento oficial, direcionado para o presidente da província, sugere que não se tratou de uma venda pura e simples. Os animais foram destinados ao ministro da Guerra e se seriam utilizados militarmente. Portanto, tratou se de uma transação que estava além do mercado, no campo das relações clientelares mesmo.
Além disso, havia muitos criadores de animais nas proximidades da cidade de SãoPaulo que compravam animais do Sul para reprodução em suas fazendas. O cruzamento daséguas e burros, para geração da mula, podia ter ocorrido em algumas destas propriedades. [Página 109]
Neste capítulo pudemos perceber que o negócio de animais estava entre as maislucrativas atividades econômicas do século XIX, permitindo a formação de enormes fortunas.Como vimos através da trajetória de Silva Machado, os indivíduos envolvidos em tal negócioconstituíam extensas redes de relações pessoais que lhes permitia ampliar a possibilidade delucro. Machado foi o maior negociante de animais da primeira metade do século XIX edesenvolveu certas estratégias, como a formação de sociedades objetivando quase ummonopólio da compra de animais e também a negociação em períodos com complicações deguerra. A trajetória de Machado nos permitiu perceber o funcionamento do mercado internode animais, desde a compra, invernada e venda final na feira de Sorocaba, uma vez que eleestava envolvido em todas as etapas do negócio.
Na década de 1840, data de seu maior e final empreendimento no ramo da compra evenda de animais, Machado, já na casa dos 60 anos, era um negociante bem sucedido. Em1842 ele aparece em uma lista dos cinco maiores capitalistas da província de São Paulo, sendo cotado para ocupar o cargo de direção de um Banco Provincial que seria criado na cidade, ao lado de Rafael Tobias de Aguiar, José Manoel de França, José Joaquim dos Santos Silva, e seu velho sócio, Antonio da Silva Prado342. Mais tarde, na década de 1857, ainda apareceu na cidade de São Paulo como “capitalista”343, sendo alguém que possuía grandes cabedais e dinheiro disponível pra negociações e empréstimos.344
Seu cabedal, que na hora da sua morte, em 1875, representava um quinhão de mais de354 contos de réis, foi acumulado principalmente através da compra e venda de animais. Aolado de Antonio da Silva Prado, seu sócio, João da Silva Machado foi um dos que maisenriqueceu com este negócio na primeira metade do século XIX. Com certeza isso ofavoreceu politicamente, colocando-o no centro nervoso da política imperial. Seus parceirospolíticos e a evolução político-administrativa, e sua influência na formação do Estado Naçãobrasileiro, serão analisados nos próximos capítulos. [Página 110]
Capítulo 2. O fortalecimento do grupo de João da Silva Machado. O projeto paulista e aformação do Estado Nacional (1821-1841)No início da década de 1820, João da Silva Machado estava firmando suas relaçõescomerciais e expandindo seu negócio de animais. Foi um período chave para sua inserção emum grupo politicamente alicerçado na capital da província de São Paulo. Neste momento, suasociedade com Antonio da Silva Prado e suas relações familiares o colocaram em contato coma elite política provincial. Era um momento definidor dos rumos políticos e um grupo de SãoPaulo começou a ter um papel de destaque no processo de formação do Estado do Brasil. ParaMachado, se colocar ao lado do grupo que estava liderando São Paulo politicamente, oajudaria a obter posições importantes na política paulatinamente. Portanto, olharemos para astramas em torno dos jogos de poder nas décadas de 1820 e 1830; longe de apresentar umquadro coeso onde grupos opositores se antagonizavam na arena política, irei analisar, tantoquanto possível, atuações individuais e formas de pensamento políticos ainda em formação,especificamente do grupo em torno de Vergueiro, Feijó, Paula Souza, e os estreantes Tobiasde Aguiar e Silva Machado. Farei isso sem abandonar a análise conjugada do contextopolítico e econômico em que esses indivíduos estavam inseridos.O ano de 1821 foi marcado por agitado movimento político, com eleição de deputadospara as Cortes de Lisboa. No processo de escolha dos indivíduos que comporiam a bancadapaulista, os eleitores tinham papel essencial, na medida em que votavam e podiam servotados. Eles foram apontados dentre as elites espalhadas pela província de São Paulo, sendoMachado designado pela 5ª comarca, a mais meridional da região. Mesmo não sendo eleitopara as Cortes, sua participação como eleitor revela a importância que ele possuía entre aselites políticas. Além de possuir relações políticas, Machado se ligava a alguns deputados pormeio de relações comerciais e pessoais. Portanto, a análise das ações políticas do grupo emque ele estava envolvido e de sua trajetória política nas décadas de 1820 a 1830, mostra comoas atividades desempenhadas por ele e por seus pares estavam atreladas a um discurso políticomais ou menos coeso em torno da autonomia provincial e de uma noção de liberalismo.2.1 O papel de São Paulo na emancipação do Brasil.A década de 1820 é um período conturbado politicamente, já que pairava a dúvidacom relação ao Reino Unido do Brasil. Somente no ano de 1821, em São Paulo, houvediversos desdobramentos políticos: a formação de um governo provisório, revoltas armadas [Página 111]
então coronel da Guarda Nacional João da Silva Machado. Para Monte Alegre,Machado possuía “grande influência sobre o povo daquela comarca”, sendo o únicocapaz de “levantar com rapidez forças da cavalaria”.734Na verdade, Machado já havia sido anteriormente investido de confiança porMonte Alegre em um cargo militar de grande importância: Comandante superiorinterino das Legiões da Guarda Nacional do Sul da província. Essa nomeação ocorreuem 15 de março, com o objetivo da “defesa da Fronteira no caso inesperado de umainvasão que tentassem os rebeldes do Rio Grande do Sul”, o qual Machado cumpriu apartir de sua fazenda em Faxina, nas proximidades de Sorocaba.735 Portanto, ele jáestava ciente da estrutura militar das regiões meridionais da província. Mesmo antes, em1838, Machado havia ajudado a proteger o avanço dos farroupilhas, como vimos.Caxias, então, escreveu para Machado fechar o cerco no Sul, para conter a fugados rebeldes sorocabanos e evitar uma possível ligação com os revoltosos do RioGrande. Machado respondeu prontamente, em 13 de junho, cumprindo as ordens, comum post scriptum curioso: “o meu compadre manda”.736 Não imagino que havia umarelação de parentesco, estabelecida através de batismo, mas sim que talvez se tratasse deuma amizade. Mas o certo é que Caxias confiava neste liberal para defender o Sul. Emmeio à tempos instáveis na província, essa confiança não era leviana.O fato é que Machado partiu, por ordem de Caxias, para o Sul e a região deCuritiba (a 5ª comarca) respondeu favoravelmente ao governo. Para evitar que achegada de um novo comandante gerasse insatisfações (já que ele estava substituindooutro chefe militar) Machado enviou uma carta antes de partir para alguns de seusamigos em Curitiba e isto bastou para que eles “instassem com o principal legalistadesse lugar.”737Marinho apontou que, entre os dias 13 e 14 de junho (pouco antes da viagem deMachado ao Sul da província), chegou a notícia a Rafael Tobias de Aguiar de queCuritiba havia aderido ao lado legalista e estava ocupada por forças legalistas vindas deSanta Catarina, com o intuito de cercar os rebeldes. Segundo Marinho, as providênciasdo governo geral para sufocar “o movimento de 10 de junho, já estavam adiantadas [Página 235]
comprometimento do governo central na separação da comarca de Curitiba e de que, seo projeto não passasse, haveria “descontentamentos e perigo de que as ideiasdesorganizadoras de Piratinim [achassem] eco e apoio na comarca de Curitiba”. Navisão do deputado, o único motivo pertinente para se dividir uma província seria odomínio de certas famílias e ele parecia prever queesta divisão dará mais preponderância a alguém de Curitiba! Estabelecendose uma administração, criando-se uma assembleia provincial, temo que tudose sujeite aos ditames dessas influências curitibanas.856E continua esboçando os traços da trama urdida no Sul da provínciaOra, quando trago à discussão estas coisas, não o faço sem fundamento.Lembro-me que, quando se tratou da revolução de São Paulo, os quesimpatizavam por este lado diziam: lá está fulano da Curitiba que, no tempode fulano em São Paulo, reuniu 2 mil homens; este homem pondo-se à frenteda sublevação, tudo irá bem. Se isto é verdade, permita-se-me esta pergunta:quer-se dar mais preponderância ainda a esse homem? Estou ansioso porouvir o Sr. Ministro da Marinha; ele me convencerá, porque me dizem que alembrança desta província da Curitiba foi uma transação do ministério de 23de março com essa influência local, que, como Breno, pôs sua espada naconcha de uma balança, dizendo que ou a Curitiba seria província, ou elese havia de decidir pelos rebeldes.857O deputado, mesmo sem citar nome, referia-se a João da Silva Machado,sabidamente o responsável por apaziguar os ânimos da elite de Curitiba e levar osanseios da elite curitibana aos ouvidos das autoridades da província de São Paulo. Defato, como vimos, em carta particular ao então presidente da província, Monte Alegre,Machado dizia que “lhes assegurava a separação da comarca, elevando-se a província,[assim] ficaram satisfeitos e desamotinaram-se.”858 Para Silva Ferraz, Machado seriacapaz de demandar a separação da comarca e com isso, teria domínio sobre a novaprovíncia. Para o deputado, tal demanda não poderia ser aceita. Se o que os curitibanospleiteavam era justo, isto deveria ser provado por meios institucionais, através dedocumentação oficial. [Página 267]