Povoadores de Santo Amaro/SP no século XVI e XVII: A grande família de Martim Rodrigues Tenório e Susana Rodrigues. Por Inez Garbuio Peralta - 01/01/2022 de ( registros)
Povoadores de Santo Amaro/SP no século XVI e XVII: A grande família de Martim Rodrigues Tenório e Susana Rodrigues. Por Inez Garbuio Peralta
2022. Há 2 anos
Introdução
Santo Amaro - Ibirapuera, Jurubatiba e Pinheiros estavam próximos à rota dos primeiros europeus que se dirigiam para Piratiningadesde o século XVI. Em caso de viagem fluvial, esses primeiros povoadores e religiosos seguiam pelos rios Grande e Pinheiros,acercando-se, portanto, da povoação de Ibirapuera - Santo Amaro. Três séculos depois, em 1841, a Câmara municipal de Santo Amaro confirma que “pelo distrito deste município passa uma estrada ramo da de Santos, vindo de Cutia por esta Vila a sair na Freguesia de São Bernardo” [FUNDO ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO - FCGP/FALP 033. CF 41,104.1- Relatório para o Presidente da Província, apresentado na sessão da Câmara Municipal de Santo Amaro em 04/12/1841].
.Vários portugueses se estabeleceram na Vila de São Paulo, naregião de Santo Amaro, contudo pesquisar e nomear todos, que noséculo XVI e XVII, se instalaram nessa região é tarefa praticamenteimpossível.Primeiros povoadoresAlém de muitos portugueses, como Pero Dias4, casado comTerebê, outras nacionalidades se instalaram no Termo da Vila de SãoPaulo, entre elas espanhóis, como Martim Rodrigues Tenório. As fontesdeixadas por Martim Rodrigues, bem como o seu Inventário, nos possibilitam uma visão histórica de Santo Amaro, como parte de SãoPaulo, no século XVI e XVII, dada a riqueza de informações.Desconhecemos a data precisa de sua chegada na região de SantoAmaro. Martim casou-se, na segunda metade do século XVI, com aviúva Susana Rodrigues.O casal Suzana Rodrigues e Martim Rodrigues Tenório tiveramquatro filhas: Maria Tenória, Ana de Veiga, Elvira Rodrigues e SusanaRodrigues. Foram filhos “bastardos” de Martim Rodrigues, JoanaRodrigues, Diogo e Pedro Tenório. Martim Rodrigues afirmou, em seutestamento, ter alforriado, de “comunidade” (isto é, de acordo) com suamulher, dois filhos que nasceram no sertão.5Suzana Rodrigues, desposara, em primeiras núpcias DamiãoSimões, do qual teve um filho com o mesmo nome do pai.
No inventário do primeiro marido de Susana, Damião Simões – Sapateiro, feito em 14 de março de 1578, na vila de São Paulo, na casa de Balthazar Rodrigues – declarante e juiz Ordinário da Vila, informou o juiz que a viúva andava prenhe e que o defunto lhe havia dito que deixava a “terça”6 para sua mulher. Balthazar Rodrigues, irmão de Suzana Rodrigues era, portanto, tio de Damião Simões filho.7 [Páginas 2 e 3 do pdf]
O irmão de Susana pertencia à categoria de “homens bons” dasociedade/República da Vila de São Paulo. Esteve sempre presente em“ajuntamentos” realizados pela Câmara para resolver problemas locais,além de ocupar os cargos de Juiz, Procurador do Conselho da Câmara,“Amotacél”8, vereador e “Mamposteiro”9, na segunda metade do séculoXVI.Damião Simões (o pai) deixou para a viúva e filho uma casa,escravos, bacias de estanho, o ofício de sapateiro com tinteiro e todosos seus aparelhos, canos de botas, foice e outros bens conforme seuInventário. Muitos dos bens deixados pelo finado e avaliados,legalmente, foram arrematados em pregão por diversos compradores,entre eles Afonso Sardinha.10
O inventário prolongou-se por alguns anos. Em 30 de julho de 1589 Balthazar Rodrigues, com o órfão, apresentou-se diante do JuizOrdinário e dos Órfãos da Vila, Diogo Fernandes, juntamente comMartim Rodrigues Tenório que requeria a guarda do menino. O Juizentregou o garoto à Martim por tempo de dois anos.Dois anos depois, em 30 de setembro de 1591, foi chamadoGonçalo Fernandes – o velho, sogro e fiador de Balthazar Rodrigues que havia saído da Vila, perante o juiz, para acertar parte do pagamentoque deveria repassar para o padrasto. Martim Rodrigues Tenório jurouservir de curador aplicando tudo em proveito do órfão e declarou queseu enteado estava aprendendo o ofício de barbeiro com AntônioRodrigues em São Vicente. Damião filho estaria então com cerca de 13anos.
Martim preocupou-se em resolver a questão da herança de Damião. Em 27 de dezembro de 1601, afirmou que Damião já era um homem para se casar ou se emancipar e poder reger sua fazenda, isto é, suas posses. Assim requeria as peças (índios) que pertenciam ao seu enteado para entregar-lhe quando ele as reivindicasse. Essa decisão teve a concordância de Damião. No ano seguinte, em 11 de maio de 1602, Martim entregou as peças para Damião, antes de partir, em bandeira, para o sertão.
O órfão havia permanecido sob a tutela de seu tio, irmão deSusana, pois não era comum o padrasto ficar com os enteados.Normalmente, quando uma mulher enviuvava, seus filhos menoresficavam com um tutor indicado pelo Juiz de Órfãos. A Coroaportuguesa era contra a permanência de menores com padrastos.
Damião Simões Filho, com cerca de 24 anos, declarou que tinhacarta de emancipação e que recebera sua herança das mãos de seupadrasto e se dava por satisfeito. Em seu testamento feito em 12 de novembro de 1632, ele se declara solteiro, filho de Damião Simões e de Susana Rodrigues. O Inventário foi feito no mês seguinte, por ocasiãode sua morte.11Damião Simões Filho é considerado por Bartyra Sette e ReginaJunqueira como o primeiro médico de Santo Amaro. Contudo nãoencontramos evidência dessa afirmação. Ainda conhecemos pouco atrajetória desse único filho de Susana Rodrigues. Ela teria outrosdescendentes, com seu segundo esposo, todas mulheres.12Martim e Susana13 foram protagonistas atuantes nos sítios efazendas que possuíam em Santo Amaro, como muitos outrossertanistas conhecidos e que fizeram parte dessa família.Atividades políticas e econômicas do sertanista Martim RodriguesTenório.
Martim Rodrigues, ou Rõiz como aparece escrito nas Atas da Câmara da Vila de São Paulo, foi Procurador do Conselho no ano de 1594; em 6 de fevereiro, dia em que foi aberta a pauta e eleição vinda do mar, isto é, de Santos, Martim prestou juramento e assinou a ata. Já na sessão seguinte, no dia 12 desse mês, o Procurador fez vários requerimentos aos oficiais da Câmara sobre as Posturas da Casa, sobre a limpeza da Vila, de quantos em quantos dias se havia de fazer as Câmaras e ainda que se solicitasse ao capitão Afonso Sardinha que mandasse vigiar o caminho do campo por causa dos gentios. Todas as suas propostas foram aprovadas e encaminhadas para serem cumpridas.14 [Páginas 4, 5 e 6 do pdf]
Em praticamente todas as sessões ou Ajuntamentos, isto é, reuniões com a presença de pessoas da Vila, Martim Rodrigues esteve presente, e com participação marcante em defesa da Vila de São Paulo. O Procurador esteve ausente em apenas 4 sessões durante seu período no ano de 1594.
Em fins de 1602, Martim partia na grande jornada de Nicolau Barreto, contudo já deixava duas filhas casadas.15 Essa entrada, realizada sob a influência do sétimo governador geral do Brasil, D. Francisco de Sousa rumou em direção ao oeste, caminho do Peru.
Durante sua estada no sertão Martim fez um testamento, datado de 1603; voltou em 1604 para a Vila, permanecendo nela até 1608. Nesse período Martim não deixou de ter atuação política, participando de ajuntamentos, convocados pela Câmara, ou como vereador.
Sabemos que no decorrer do século XVI e primórdios do XVII aVila de São Paulo, frequentemente, tinha parte de sua populaçãodeslocada para o sertão em busca de mão de obra indígena. Nessasincursões iam vereadores, procuradores, juízes, padres e outras pessoas.Assim, a Vila quase se despovoava. No ano de 1608 Martim Rodrigues assumiu o cargo de vereador, pois só havia um edil na Câmara. Nasessão de 26 de abril, dois juízes ordinários e o escrivão eram os únicosoficiais presentes na Câmara,
“... o juiz deu juramento dos santosevangelhos à Martim Rõiz, aqui morador para que servisse e acabasseeste presente ano de vereador olhando pelo bem comum e pelo que aseu cargo se deve o que prometeu fazer porquanto saiu por mais votos,na eleição que sobre isso se fez...”
na Câmara, a mando do capitão e Ouvidor Gaspar Conqueiro. O eleito deveria servir durante o ano de 1608.16
O novo vereador participou das sessões realizadas em 17 de maio, 14 e 28 de junho e 02/7/1608. Na sessão de 19 de julho, os oficiais afirmam que não haviam feito sessão em 10/07 porque Martim “era ido a vila de Santos, 12 léguas desta Vila e levou chave da caixa e coisas que importavam”. Nesse dia, 19/7, Martim esteve presente na sessão.17
Após 19 de julho, Martim Rodrigues não participou mais das sessões desse ano. Em agosto não se fez Câmara porque Martim Rodrigues “ser fora”. Em viagens constantes a Cubatão e Santos ele comprava e vendia vinho (em peroleiras) sal, tecidos etc. [Páginas 7 e 8 do pdf]
Novamente a Câmara ficava desfalcada e só com um vereador. Aalternativa foi fazer um novo edil. Enquanto não se elegia um novovereador a Câmara não realizava sessões. Os oficiais mandaram oescrivão fazer um termo justificando que não houvera sessões durantealguns dias, como manda o Rei devido Martim Rodrigues “ser ausentee não se poder fazer vereador mais rápido e que nesse dia se fez”. Eraa despedida de Martim da vida pública da Vila de São Paulo. Mas oinquieto homem não se acomodou. Partiu para o sertão, embora aCâmara, em 16 de agosto de 1608, aprovara uma proposta doProcurador para que se lançasse um Pregão18 proibindo os moradoresda Vila irem ao sertão. A atração das riquezas, contudo, era maior queas proibições e o cargo de vereador, abandonado por Martim.
Em 1608 Martim foi eleito vereador e ainda comandou a entradaque desceu o Anhembi, conforme informa Taunay19 para combater osBilreiros, ou Caiapós20 segundo Carvalho Franco21. Deve ter falecidoem 1612, ano que foi feito seu Inventário.22Um dado que caracteriza a atividade de Martim Rodrigues é apresença da mão de obra indígena. Esse elemento foi uma constante emSanto Amaro, no século XVII e XVIII. Foram os Tememinós, Tamoios, Tupiniquins, Guaianás e outros povos, os responsáveis pelaprodução agrícola local.O casal possuía cerca de 18 escravos “negros da terra” (peças)entre homens, mulheres e crianças, uma dos quais de nome Pedro.Contudo Martim, em seus papéis, diz que gastou no mato:a primeira vez 34 dias 3 negros que são perto dos 102 maisoutras vez tudo 46 dias a três negros cada dia que são pertode 138 e juntando-se as todas 240 peças que tenho gasto emesta demanda até hoje seis de junho de 1607 anos são portodos 240 serviços os que hei gastado um buscar essa genteencantada23Essa informação nos permite afirmar que Martim Rodriguescomercializava negros da terra, isto é mão de obra indígena. Atividade,aliás, exercida por outros membros da família de Martim como genros,netos e ainda por muitos habitantes da região.Além dos escravos indígenas citados no Inventário, havia tambémmão de obra “forra”, os chamados gentios da terra.A presença de negros africanos – Tapanhunos – era praticamentedesconhecida em Santo Amaro nos séculos XVI e XVII, embora onegro já tivesse sido introduzido na Capitania por Martim Afonso deSousa. Praticamente, o escravo negro só entrou em São Paulo nosprimórdios do século XVIII, vindos de Angola, autorizado por D. JoãoV, em 1709.24 [Páginas 9 e 10 do pdf]
No século XIX, constatamos uma presença significativa de negrosafricanos, em Santo Amaro.25
Legalmente a escravidão indígena era proibida, desde 1609, pela Lei de 30 de julho< desse ano. Contudo, a escravização era permitida caso os indígenas se voltassem contra os colonizadores, conforme legislação de 1570. Abria-se, portanto, uma brecha para escravidão indígena. Assim, encontramos, nos Inventários e Testamentos de Santo Amaro: peças com avaliação e mão de obra “forra”. Esses indígenas “livres” eram muitas vezes, transferidos para filhos e netos. Em 1757 foi, legalmente, proibida a escravização de indígenas.
O Testamento e o Inventário de Martim Rodrigues TenórioEntre 1603 e 1608 Martim fizera um Testamento e o guardara emsua casa, em Ibirapuera (Santo Amaro). Contudo o documento ficouocultado por vários anos e só foi revelado no decorrer do processo doInventário.Aparentemente nem Clemente Alvares, genro de Martim e com oqual realizava várias transações, sabia da existência do testamento. [Página 11 do pdf]
Clemente Alvares, juntamente com Cristóvão de Aguiar, também saiuem bandeira em 1610.26O Inventário e Testamento de Martim Tenório revelam asatividades agrícolas, produtos cultivados, mão de obra utilizada e possede terra. Apresentam também os tipos de tecidos usados, utensíliosdomésticos, composição familiar, papel da mulher na sociedade ruralpaulista do século XVI e práticas religiosas como crenças e devoções.Citam ainda a literatura consumida por esse espanhol.
O Inventário de Martim com cerca de 20 folhas e o testamento com seis, nos revelam suas posses bem como suas atividades econômicas e religiosas. O primeiro feito, “aonde chamam Ebirapuera em 18 de junho de 1612” e concluído em 1618/19.27 é um compêndio de informações.
O primeiro item do inventário, é: filhos.A viúva de Martim, Susana, por ocasião do Inventário, depois dejurar sob os Santos Evangelhos, disse que tinha uma filha de 15 para 16anos de idade por nome Susana.Na verdade, o casal tinha uma filha solteira, as outras três já eramcasadas, mas Susana Rodrigues – a moça foi a mais conhecida em SantoAmaro. As demais, embora de grande significado no desenvolvimento econômico e populacional da região de Santo Amaro, são poucoconhecidas.Esse casal, com as quatro filhas nascidas no Brasil, se estabeleceue contribuiu para o desenvolvimento populacional e econômico deSanto Amaro, naqueles anos, um bairro da Vila de São Paulo.Inúmeros outros bens foram relacionados no Inventário.Apresentamos alguns deles: trajes femininos e masculinos de váriostecidos usados na época; sapatos e botas; ferramentas, foices, enxadas,martelo, machados; gado bovino 51 cabeças; 2 cavalos, 26 porcos, 8leitões etc.Martim possuía 4 livros, sendo 3 devocionários: “O retábulo davida de Cristo”, “Instrução de confessores” e “Mistérios da paixão” eum de literatura profana, Crônica do Grão Capitão; Possuía tambémuma roça com carazal e uma roça com algodoal. Escrituras de váriasterras; uma casa arrematada em lanço (leilão), o sítio com casas ondeviviam etc.28O patrimônio, avaliado em 180$780 (cento e oitenta mil,setecentos e oitenta réis) foi todo entregue à viúva Susana Rodriguespelo juiz, por julgá-la capaz de “governar sua casa e casar sua filha porser já de idade para isso, e haver casado outras duas em ausência de seumarido e ela ... prometeu curar de sua filha e casá-la o melhor quepuder...” [Páginas 12 e 13 do pdf]
A viúva também prometeu cuidar do patrimônio da filha órfã efazê-lo crescer como se fosse seu.O juiz e os avaliadores que se deslocaram para Ibirapuera (SantoAmaro) por dois dias para fazerem o inventário tiveram seu trabalhopago por Susana mãe: o juiz recebeu 700 réis; os avaliadores ambos,1.100 réis, e o escrivão 800 réis.Em 1613 o vigário João Pimentel reivindicou e recebeu, cincoanos depois, em 1618, 6.000 réis; a Igreja, através do escrivãoeclesiástico, ainda em 1613, reivindicou mais 9.000 réis.O inventário não parou por aí; teve outros lances interessantes,graças à “descoberta” do testamento de Martim Rodrigues Tenório em1618.No ano seguinte, em 1619, Cornélio de Arzão, genro de Martim,mandou fazer diligências, para cobrar de Susana e de Clemente Alves,o testamento de Martim Rodrigues, pois ele fora feito há cerca de 16anos e só apareceu nesse ano de 1618.Susana confessou que o testamento, estivera todo o tempo em umacaixa, em sua casa, e que ela, buscando outros papéis, o encontrara.Afirmou ainda Susana que não tinha conhecimento do testamento e quesó nesse ano de 1618 o encontrara.Diz a viúva que Martim Rodrigues, “... depois de o fazer no sertãona jornada (entrada) de Nicolau Barreto, veio a esta vila à sua casa e ometeu em uma caixa com outros papéis...” A grande expedição de [Página 14 do pdf]
Nicolau Barreto partiu para o sertão em fins de 1602 e dois anos depois, em 1604, regressava a São Paulo. Segundo Alfredo Ellis, mencionado por Taunay, Barreto teria atingido o oeste paranaense, no Piqueri. O testamento fora redigido aos 12 dias do mês de março de 1603 no sertão e rio do Paracatu.Era comum nessa época, os testamentos começarem com o pedidode salvação da alma. O arrependimento era necessário para se chegarao céu.Diz Martim Rodrigues: “Primeiramente encomendo minha almaa Deus Nosso Senhor que a remiu com seu preciosíssimo sangue emorte e paixão e à Virgem Nossa Senhora sua bendita Madre rogo sejaminha advogada e intercessora para que alcance de seu bento Filhoperdão de meus pecados e me dê a glória bem aventurança amem.”Na sequência, Martim Rodrigues afirma que era casado comSusana Rodrigues e tinha dela quatro filhas: “Maria Tenória, Anna daVeiga, Elvira Rodrigues e Susana, legítimas as quais são minhasherdeiras.”Declara ainda Martim Rodrigues, que tinha mais uma filhabastarda, casada com José Brante, que se chamava Joana Rodrigues eque já lhe tinha dado juntamente com sua esposa “cópia da fazenda”com escritura. Informa também que tinha dois meninos bastardos que “os houve no sertão, um de nome Diogo que, de acordo com sua esposa,já o tinha ‘forro’ libertado.”Martim Rodrigues indica Clemente Alvares, como um de seustestamenteiros.Para assegurar sua salvação deixa encomendado missas e oraçõese ainda oferta de dinheiro a grupos religiosos.Após mandar que se rezasse 18 e mais 26 missas pela sua almanas mais diversas igrejas, ordena que se tirem de “sua terça” quarentacruzados para serem distribuídos em sete confrarias religiosas de SãoPaulo, de Itanhaém e à Santa Casa. Deixa também dois mil réis aospadres da Companhia de Jesus. Manda ainda pagar a todo aquele quecobrar, apresentando um recibo contendo sua assinatura.Confiante em sua esposa, Martim Rodrigues, deixa por curadorae tutora de suas filhas, sua viúva “enquanto se não casar e casando-sedeixo por curador delas meu genro Clemente Alvares...bem como deleconfio.”30Essa observação prende-se a legislação vigente que “não permitiaque a mãe, depois de contrair novas núpcias, permanecesse comotutora dos filhos.”31 [Páginas 15 e 16 do pdf]
Umas chinelas de porco e outras de veado... $200réis.Na verdade, a família não ficou com muitos trajes de uso pessoal,em comparação com o rol de itens relacionados no Inventário de MariaTenória, casada com Clemente Alvares. A riqueza deixada por elasupera muito a deixada por Martim não só em quantidade, mas tambémem qualidade e sofisticação das vestes.38O Livro de assento de Martim Rodrigues TenórioAlém do Testamento e do Inventário, outro documentofundamental para conhecermos um pouco mais as atividades agrícolase as relações socioeconômicas locais, é sem dúvida, o Livro de Assentode Martim Rodrigues.39O Livro de Assento de Martim, apenso ao Inventário dele revelaum homem letrado. O autor escreveu parte em português e parte emespanhol, em forma de diário; nele encontramos as contas de materiaiscomprados e vendidos, empréstimos, seus devedores e credores, roupase sapatos femininos encomendados para as mulheres da casa comsapateiros e alfaiates. Martim informa quando tomou batismo naConfraria de Na. Sa. do Carmo e ofertas monetárias que fez. Registra venda de escravos. O livro abrange os anos de 1601 a 1608. Enfim,trata-se de uma preciosidade histórica.É nesse livro, que vimos citado, pela primeira vez o nome SantoAmaro, da Capitania de São Vicente. Consta nele a informação abaixo,datada de abril de 1605:“dei a Baltazar Gonçalves, mordomo de Santo Amarode Birapuera dez arretéis de cera para a confraria porconta de Gaspar Candia dois reales e por conta deGonçalves de Caña dois vintens e o mais por minhaconta”40Diz ainda Martim que deve a Confraria de Santo Amaro duasmissas e seis arretéis41 de cera.O santo era Amaro, mas o bairro ainda era Birapuera ou Ibirapuerae as terras pertenciam a Martim Rodrigues Tenório e sua esposa SusanaRodrigues, mãe de Susana a moça que depois casou-se com João Paes.Como vemos, essa informação data dos primórdios do séculoXVII e pertence ao espanhol proprietário de terras em Santo Amaro,Martim Rodrigues, casado com Susana Rodrigues. ProvavelmenteMartim e Susana teriam sido os doadores da imagem de Santo Amaro,e não João Paes e sua esposa Susana.A viúva Susana continuou trabalhando, com seus ajudantesindígenas, lavrando as terras e cuidando do patrimônio de sua filha menor. Aparentemente não se casou novamente. Não localizamos seuinventário e nem testamento.
A herdeira da fazenda de Martim Tenório teve papel destacado navida de Santo Amaro. Foi ela que pagou ao vigário de São Paulo, JoãoPimentel, pelos serviços prestados conforme declaração dele, a seguirapresentada:
“Recebi de Suzanna Rodrigues como testamenteiro deseu marido Martim Rodrigues defunto que me pagou... sete mil e quatrocentos réis para trinta e quatromissas e um ofício de nove lições... e por verdadepassei este por mim assignado hoje o primeiro de setembro de 1619 anos. – O Vigário João Pimentel.”42
As filhas de Martim e genros: representantes das atividadescaracterísticas de Santo Amaro, no século XVII.
A prole de Martim Rodrigues Tenório cresceu e se multiplicou, graças aos “bons” casamentos organizados pelo casal e principalmente pela matriarca Susana Rodrigues, nascida provavelmente em 1560 e falecida entre 1624 e 1631. Em 21 de fevereiro de 1631 Susana já havia falecido.43 [Páginas 19, 20 e 21 do pdf]
Susana Rodrigues, a órfã, citada no Inventário de 1612 foi,juntamente com suas irmãs e cunhados, povoadores de Santo Amaro, eseus inúmeros descendentes chegaram até nossos dias.Como vimos pelas citações encontradas nos principaisdocumentos consultados, Susana, a moça, nasceu em 1596/7, no Brasil.Em 1619 Susana ainda estava solteira pois, por ocasião do Inventáriode seu pai, que se prolongou além de 1619, a viúva Susana, sua mãe arepresentou.
Maria Tenória a mais velha, casou-se com Clemente Alvares (Alves) em 1600 e faleceu em 1620. Seu Inventário foi feito em 22 de dezembro de 1620, na vila de São Paulo, em Santa Ana da Parnaiba, onde pousa Clemente Alvares onde chamam “tapitiga”. Pelo inventário de Maria Tenória podemos verificar o grande patrimônio que o casal possuía e certamente uma boa parte dele pertencia ao dote da primogênita do casal Martim e Susana Rodrigues. A relação dos bens avaliados no Inventário de Maria Tenória ocupa mais de 15 páginas. O casal possuía sítios com casas, várias roças de algodão, várias plantações de banana, milho, uva, amendoim, feijão, mandioca, cará e até trigo; gado bovino, cavalos, porcos; forja de ferreiro e inúmeras ferramentas. Entre louça branca havia sete pratos, uma porcelana da Índia e, ainda duas galhetas com sua salva e saleiro no valor de 700 réis. Havia também dois tachos de cobre usados que pesariam vinte e quatro arráteis no valor de 4.$800 réis. Da relação dos 23 trajes masculinos e femininos avaliados, destacamos pelo seu alto valor os seguintes: [Página 22 do pdf]
O inventário de Maria Tenória, revela que ela possuía casas, sítio,sesmarias e várias outras terras na região de Santo Amaro.Transcrevemos a seguir alguns bens arrolados.Itens relacionados e respectivos valores:“Sítio em Bohi (M’Boi) com uma casa de palha com (plantação) demilharada e de mandioca em mil e seis sentos rés. __ 1$600 ...... quasa e sítio de Ibirapuera – foi avaliado hu sitio com hua quasa desobrado de dous lansos de telha o coal sitio e charcos ... (avaliado) ...quarenta e oito mil rés. __ 48$000... Dívida q o dito declarou ... diguo veuvo.... compra de terra q comprou Antão Pires em birapoera ...Outra escritura de compra de terras a Belchior da Beigua e seu irmãoem embohi a coal escritura é feita pelo tavalião Antonio Rodrigues.... outra escritura de compra de terras em birapoera q lhe vendeu Miguel... Outra escritura de venda de hu quintal q lhe vendeo MartimRodrigues em birapoera ...Termo de Cartas de datas de terras nesta vila e seus termos... Outra carta de data de terras de Sesmarias no lemite de ibirapoera...Outra carta de data de terras de sesmarias de bohi rio arriba hua léguade terra ...46Por ocasião do Inventário de Martim Rodrigues, Clemente tinhaem seu poder cartas de datas das terras, uma certidão, e um maço depapéis amarrados, tudo pertencente ao seu sogro. No decorrer doInventário, ele foi intimado por Cornélio de Arzão para botar todo ogado e mais criações que tinha nas terras que foram de Martim paraentrarem na partilha e cada um saber o que lhe pertencia47.Maria Tenória ao morrer deixou os filhos:João Tenório, Martinho, Amaro Alves Tenório, Ana (Rodrigues), Bento, Antonio, Quelemente e Maria deidade de oito para nove meses.48O marido de Maria Tenória, foi um homem de destaque na históriade Santo Amaro.
Clemente Alvares, nascido em Santos, casou-se pela vez segunda com Maria Tenória em 1600. Foi mineiro prático e ferreiro. Em 2 de novembro de 1596 foi nomeado almotacel (cargo mensal), e em 7 de janeiro de 1600, devido a desistência de Gaspar Cubas, os oficiais da Câmara, ordenaram que ele servisse também durante o mês de janeiro. No ano de 1606 Clemente Alvares, esteve presente na Câmara e deixou sua assinatura no livro de Ata.
Em 1610 Clemente Alvares e Custódio de Aguiar saíram aprocura dos biobebas do oeste desobedecendo ordens da Câmara, porisso Clemente foi notificado, e por pretender levar a tenda de ferreiropara o meio dos índios dando oportunidades a eles de aprenderem oofício, o que prejudicaria os interesses dos colonos.49 Não foi só embusca de índios, mas também em busca de minas de ouro, prata e outrosmetais que conseguiu descobrir. Em 1624, na sessão/ajuntamento daCâmara de São Paulo realizada no dia 13 de abril, Clementecompareceu, e assinou a ata. No ajuntamento de 21 de novembro de1624 cujo assunto foi o envio de pólvora para fora da Vila, Clementefez coro com os que discordaram desse ato. [Páginas 24 e 25 do pdf]
Assim como os outros dois genros de Martim, Cornélio de Arzãoe João Pais, Clemente, além de participar de entradas no sertão, poisconsta que ele gastou 14 anos em procura de minas, foi um homematuante na vida pública da Vila de São Paulo. Faleceu em 1641. Consta em seu inventário que o viúvo, casado três vezes, teve 11filhos.50
Ana da Veiga, a segunda filha de Susana, casou-se com Teodósio Fonseca e recebeu o dote do pai, antes da saída da bandeira em 1602. Ana, falecida em 1612, deixou o filho Diogo, que foi levado pelo pai para o Rio de Janeiro.
Pouco sabemos de Ana da Veiga e de seu esposo Teodósio. O dote de Ana, recebido por Teodósio era composto de:
... seis peças, três escravos e três serviços forros; um dos casais forros tinha dois meninos, um macho e uma fêmea; uma dúzia de vacas parideiras e um touro; uma poldra de dois anos que foi de Clemente Alvares; a terça parte de tudo que for de roça; a terça parte de porcos e criações de roça; um pedaço das terras que Martim possuía para que pudesse roçar onde Teodósio quisesse; casas onde Martim vivia na roça ou poderia lhe fazer outras; um lanço de casas de taipa de pilão que possuía na vila, ou 10 mil réis, dentro de um ano para construir casas na vila se ele não gostasse das casas oferecidas; um pedaço de chão que Martim possuía na banda de Santo Antonio para que Teodósio pudesse fazer casas para viver na vila; a metade do estanho que o sogro possuía; meia dúzia de toalhas e guardanapos para mesa e a mesma quantidade de toalha de agua para mãos; uma mesa de engonços; ... (algo) de vasquinha e gibão e seu manto para asfestas da vila.
Theodósio da Fonseca afirmou que foi “pago de todo o acima declarado que Martim Rodrigues me prometeu com sua filha em casamento e por ser verdade me assinei aqui hoje, 7 de março de 1602”.
Elvira Rodrigues, a terceira filha, casou-se com Cornélio Arzão, chegado na Vila de São Paulo em 1609, depois da saída de Martim em sua bandeira de 1608. Em 1612 já estavam casados.52
Cornélio de Arzão foi o genro de Martim Rodrigues que teve papel de maior destaque, não só em suas terras de Santo Amaro,bem como em Santos. Além das terras e sítios junto à Embu, dabanda de além rio Jurubatuba; possuía casas em Santos avaliadasem 70$000 réis e várias ferramentas para prensar metal. Eraainda proprietário de metade do Engenho de Ferro de SantoAmaro. Todo seu cabedal, contudo, foi tomado pela Inquisição.Por ocasião de seu casamento com Elvira, conforme declaraçãode viúva, Cornélio de Arzão recebera: um grande dote compostopor: escravos índios (negros); roupas de cama e mesa comocolchão, lençóis de pano de algodão, cobertor, travesseiro, almofada, toalhas de mesa de pano de algodão, guardanapos,toalhas para as mãos, cadeiras de estado; uma roça de um ano eum algodoal. E mais, Susana mãe lhe prometera 24 cabeças degado vacum, a metade da criação de porcos que tivesse. E aindalhe dera um cavalo preto manso e uma poldra russa brava.O vestido que a Elvira levou fora dado por seu pai MartimRodrigues.Como podemos ver era um bom começo. Pena que a Inquisiçãotomaria tudo dele.53Pelo Inventário de Martim, Cornélio de Arzão deveria ficar como Pedro, filho bastardo que o defunto deixava, para ensinar-lhe oofício de carpinteiro.Em 1624 Cornélio Arzão passou também a ser curador de seusobrinho, Diogo, filho de Teodósio Fonseca e de Ana Veiga.54Nesse ano Cornélio pede à Justiça para notificar ClementeÁlvares para entregar os títulos de datas de terras que estavamlançadas no Inventário de Martim Tenório para saber a quemdeveriam pertencer.55Susana Rodrigues - a moça, a quarta filha de Martim, ainda era solteirapor ocasião do testamento, em 1603, bem como do Inventário do pai(1612 até 1619). [Páginas 26, 27 e 28 do pdf]
Outros filhos de Martim Tenório: Pedro, Diogo e Joana Rodrigues(filha de Martim com uma índia).O bisneto de Joana, Miguel Peres da Silva aproximou-senovamente da família casando-se com Inês Monteiro, descendentedistante de Belchior de Borba e Ana Rodrigues de Arzão, filha de ElviraRodrigues e Cornélio de Arzão.56Martim não deixou os filhos ilegítimos desprotegidos. Como,legalmente não tivessem direito à herança do pai, este procurou garantira sobrevivência dos três. Joana já casada com José Brante recebera partedos bens de seu pai, por ocasião de seu casamento, com oconsentimento da esposa de Martim.Com relação ao filho bastardo, segundo o Inventário:“...moço Pedro que o defunto deixa por seu filho ficaentregue à Cornélio de Arzão para o ensinar o ofício decarpinteiro de que tinha princípio e o dito Cornélio deArzão se obriga a dá-lo ensinado de seu ofício dentrode quatro anos perfeitos e acabados para que no cabodo dito tempo o dito moço possa ganhar sua vida porseu ofício de maneira que possa trabalhar e ganhar suavida sem empacho de nada...” [Página 29 do pdf]
O filho Diogo, conforme declara Martim em seu testamento, ele“...de comunidade com sua mulher Susana Rodrigues” o haviamalforriado.57Susana deveria ficar ainda como curadora dos filhos bastardos ese ela não quisesse aceitar, Clemente Alvares deveria sê-lo. DizMartim “...e o que for os doutrinará e como forem de idade osmandarão ensinar a ler e escrever e depois Clemente Alvares osensine seu ofício ou de sua mão os porá e mandará ensinar a algunsoutros ofícios que lhe parecer bem.”58Cornélio de Arzão, construtor da Igreja Matriz de São Paulo evítima da inquisição.
Cornélio chegara à capitania de São Vicente, na companhia de Dom Fernando de Sousa, para edificar os engenhos das minas da Vila de São Paulo, com 200 cruzados anuais de salário.59
Acusado de práticas judaizantes, a partir de 1617/18 foi processado. Preso em 1620, foi levado para Portugal, ficando encarcerado em Setúbal. Posteriormente foi solto. Saiu da prisão, onde ficou preso, direto para o navio com destino ao Brasil. Seus bens foram sequestrados em 1628, em consequência de pena de excomunhão lançada pelos padres da Companhia de Jesus. Não foi provado que Cornélio fosse judeu. Lembramos que ele, procurado para a construção da igreja Matriz de São Paulo, parada há algum tempo, porque ninguém conseguia construi-la, aceitou a incumbência e realizou o trabalho.
Na sessão da Câmara da Vila de São Paulo de 24 de agosto de 1610, Cornélio, presente nessa sessão, acertou a construção da igreja, com os oficiais da Câmara
da maneira seguinte que ele dito Corneles de Azan queria fazera igreja matriz desta vila e se obrigava a isso dando-lhe todasas madeiras necessárias conforme a um rol que delas tem dadoe toda a mais madeira que pedir para a dita igreja e outrossimse lhe darão toda a pregadora e ferragem que se houver misterpara o corpo da igreja e capela e sacristia e que outrossim lhedarão quatro moços do gentio da terra para o servirem eajudarem enquanto a obra durar e gente que fosse necessáriapara levantar as madeiras e estando toda a obra acabada seravaliada por dois homens juramentados a saber que eleapresentará um e os oficiais da câmara se louvarão em outro eaquilo que avaliarem se lhe pagara a saber a terça parte emouro, e as duas partes em pano de algodão a oito vinténs a varae cera a três vinténs o arratel e em carnes e raxetas e gado cadacousa no valor a que valer a qual obra de dito mestre se obrigaa começa-la a trinta de agosto presente atrás declarado e nãolargar mão da dita obra até ser acabada...60Pelo acerto entre os oficiais da Câmara e Arzão, aquelesdeveriam dar todo o material necessário para a execução da obra edeveriam pagar conforme especificação feita pelo construtor. [Páginas 30 e 31 do pdf]
Cornélio de Arzão não recebeu todo o valor combinado. Perdeu até mesmo a sesmaria com uma “légua de terras em quadra”; que recebera no Cubatão.61 Conforme o Auto do Inventário da fazenda mandado fazer pela Inquisição no ano de 1628, o fato ocorreu da seguinte forma:
Em 2 de abril de 1628, no termo da vila de São Paulo, capitania de São Vicente, aonde chamam de Piratiaba e roça e fazenda de Cornélio de Arzão, onde veio o juiz ordinário da dita vila, Francisco de Paiva trazendo consigo Miguel Ribeiro, meirinho da Santa Inquisição, por ordem e mandado do senhor inquisidor Luiz Pires da Veiga, trazendo mais consigo a mim tabelião... e o tabelião Simão Borges Cerqueira, e sendo aqui, nesta dita fazenda à MEIA NOITE pouco mais ou menos chegando as portas da casa do dito Cornélio de Arzão logo o dito meirinho Miguel Ribeiro bateu à porta da dita casadizendo que da parte da Inquisição lhe abrissem a porta a qual foi aberta pela mulher do dito Cornélio de Arzão, Elvira Rodrigues e juntamente um irmão seu por nome Pero Rodrigues Tenório e sendo aberta a porta da dita casa logo, pelo meirinho Miguel Ribeiro, e o dito juiz Francisco de Paiva lhe foi mandado, da parte da Santa Inquisição entregasse as chaves da dita casa e de todas as caixas que tivesse e declarasse toda a fazenda que nela havia.
Passaram a noite toda, até a manhã seguinte na casa relacionando e inventariando os bens. Pela manhã foi chamado Balthazar Gonçalves Malio e seu genro Miguel Garcia Carrasco, vizinhos de Cornélio para que, debaixo de juramento, bem e verdadeiramente avaliassem toda a fazenda que lhes fosse mostrada para se botar no Inventário.63 [Página 32 do pdf]
De acordo com a lista feita pelo Meirinho da Inquisição em 1628, Arzão possuía as seguintes propriedades: Carta de data de sesmaria de meia légua nos matos do Bihi ? (Embu mirim?) Casas defronte a casa do vigário; Umas terras em Bohi; (Embu?) Sessenta e seis braças de terras em Ibirapuera; Chãos na banda de Santo Antonio; Cinco braças de chãos em Santos; Terras em Bohi compradas de Matias de Oliveira; Uma légua no Covatão (Cubatão) mirim correndo para Piaçaguera e Um conhecimento pelo qual Miguel Gonçalves Correia, que era ido ao Peru, devia 16$000 ao dito preso.
Arzão tinha ainda engenhos de açúcar e de moagem de trigo em São Paulo. O total arrecadado com mais de quatro grandes leilões, além de outros pequenos foi de 83$250 réis.
Tudo foi tirado de Cornélio de Arzão, homem influente e respeitado na cidade. Até 21 de abril de 1628 Cornélio ainda estava preso. [Página 33 do pdf]
Muitas das peças, produtos e bens leiloados foram adquiridos porJoão Paes para a viúva de Cornélio, que comprava aquilo que lhepertencia.Um fato interessante e que mostra o poder temerário da Inquisiçãoé que, embora Arzão não tivesse recebido todo o pagamento do trabalhorealizado por ele na reconstrução da Igreja Matriz da Vila, a Inquisiçãocobrou e recebeu dos oficiais da Câmara responsáveis pela obrarealizada em 1610 o que deviam ao construtor.Dinheiro, joias, ouro, prata desapareceram. Após a soltura deArzão, por não se provar ser ele judeu, seus bens não retornaram parasuas mãos, pois haviam sido adquiridos por outrem.Depois de muito trabalhar para se reerguer, morreu em 1638. SeuInventário feito em 1638 registra um patrimônio de 562$740.
Elvira ainda vivia em 1672, ocasião em que possuía casa defronte ao convento de São Francisco. Consta no Inventário de Cornélio Arzão, feito em 01 de abril de1638, que ele e Elvira tinham seis filhos:
- Maria nascida em 1613. - Manuel nascido em 1616. - Ana Rodrigues de Arzão casada com Belchior de Borba65, sertanista de São Paulo que fez parte na bandeira de João Mendes Geraldo. Essa entrada em 1645 atingiu o sertão dos guaianás e regressou no ano seguinte.66 - Susana. - Braz Rodrigues de Arzão; mais tarde Capitão Mor. - Cornélio Rodrigues de Arzão (falecido em 1684)
Manoel de Arzão casou-se com Maria Afonso (Maria Azevedo),em 13 de janeiro de 1642 na Sé de São Paulo. Em 06/10/1677 Manoelrecebeu provisão para assumir o cargo de Capitão de Infantaria daOrdenança do Bairro de Santo Amaro, porque o posto estava vago. Dizo documento de nomeação, “convém provê-lo [o cargo] em pessoa depratica da disciplina militar e experiência da guerra: tendo nósconsiderado ao bem que todas estas partes e qualidades concorrem, napessoa de Manoel Rodrigues de Arzão....”.67O Capitão Manoel Rodrigues de Arzão teve uma filha chamadaSusana Rodrigues de Arzam, e vários outros legítimos e bastardos.Todos moradores em Santo Amaro, onde batizaram os filhos e ondefaleceram: Manoel em 1720 e Susana em 04/05/1754, sepultada dentroda Matriz.68 [Páginas 34 e 35 do pdf]
A jovem Susana e o velho João PaesSusana Rodrigues - a moça, quarta filha de Martim, ainda erasolteira em 1619. Em 1631 já estava casada com João Paes.69Pedro Taques de Almeida Paes Leme, em sua NobiliarquiaPaulistana, Histórica e Genealógica afirma que Suzana Rodrigues eranatural de São Paulo.70A vida política do marido de Susana foi intensa. Vale a penaconhecer um pouco de sua trajetória na administração pública da Vilade São Paulo.Em 1624, no dia 26 de julho, João Paes fez juramento para servircomo almotacel, (cargo de um mês de duração). Teria então 39 anos.Na sessão de 13 de abril desse ano, João Paes, e seu cunhado ClementeAlvares, presentes do lado de fora da Câmara, juntamente cominúmeras pessoas, após ouvirem a informação proclamada pelo oficialda Câmara, manifestaram-se contra a cobrança do quinto sobre osgentios descidos do sertão. Alegavam os presentes que por serem índiosforros e libertos não poderiam ser levados para fora da Capitania contraa vontade deles. O assento escrito nessa sessão tem mais de 60assinaturas.71 João Paes, em 1625 foi eleito vereador em São Paulo. [Página 36 do pdf]
Após quase vinte anos afastado do poder, em 1644, João Paes faz juramento e toma posse, no dia 03 de janeiro desse ano, como vereador. A presença de João Paes foi constante durante todo ano até 31 de dezembro, e, inclusive, na sessão do dia 1º de janeiro de 1645, naabertura da Pauta e do Pelouro. Em 06 de julho de 1647 João Paes foiescolhido para Almotacel, e no ano seguinte, devido a morte dovereador que saiu no Pelouro, João Paes foi eleito, na câmara, com 16votos (o mais votado) para vereador. Cumpriu todo seu mandato de1648, até a primeira sessão do ano seguinte. João Paes, em 1651 volta novamente à Câmara municipal comovereador, permanecendo até o final do mandato e na primeira sessão doano seguinte. Como podemos ver, João Paes dedicou-se ao serviço daVila de São Paulo por vários anos. Em 1657 foi nomeado juizordinário.72Embora João Paes -o velho- tenha exercido vários cargospúblicos, não descuidou de seus interesses econômicos familiares.Em 04 de fevereiro de 1631, requeria ao juiz Paulo da Silva queentregasse a “legítima” a ele que tinha casado com a órfã SuzanaRodrigues, porque todas as filhas de Martim tinham recebido seusdotes, menos Suzana Rodrigues que precisava ser inteirada. O juiz dá sentença a favor de João Paes, a quem é entregue a fazenda que foi deseu sogro Martim Rodrigues.73João Paes fora casado com Luiza da Gama, que morreu em 1615,mas só em 28/08/1633 o viúvo fechou as contas do inventário de suaprimeira esposa, da qual herdara terras, inclusive com plantações detrigo.74Pelo testamento de Luiza da Gama, à João Paes cabia metade dototal da “fazenda”, ou seja 28$650.75A outra metade deveria ir para os dois filhos de ambos, Franciscoe André.76 O Inventário se arrastou por vários anos.Susana Rodrigues e João Paes tiveram os seguintes filhos: Ana daVeiga, Antonio Paes, Sebastiana Rodrigues Paes, Martim RodriguesTenório de Aguillar e João Paes Rodrigues.João Paes e Suzana Rodrigues que possuíam terras na região deIbirapuera/ Santo Amaro são “apontados”, escreve Zenha, comofundadores da capela à qual teriam doado a imagem do abadebeneditino Santo Amaro. Contudo esta constatação não é confirmadapor nenhum dos historiadores e genealogistas por nós consultados.Zenha não afirma, apenas transcreve a informação, mas não indica [Páginas 37 e 38 do pdf]
fontes. No livro Tombo da Paróquia da Sé consta somente que ummorador teria doado a imagem.Como vimos anteriormente, Martim Rodrigues Tenório deAguilar anotou, em 15 de abril de 1605 em seu Livro de Assentos, noItem- Conta com as Confrarias, p. 62 a entrega de 10 arretéis de cerapara o mordomo de Santo Amaro, o que significa que já havia umacapela dedicada a Santo Amaro, antes de Susana se casar com JoãoPaes.João Paes, morador na vila de São Paulo, em 10 de setembro de1639 teve um Registro de uma carta de chãos de terra aprovado. Nopedido ele diz que é filho e neto dos povoadores da vila e quesempre com sua pessoa e fazenda acudiu nas ocasiões que seofereceram e ora tem mulher e filhos que agasalhar e sustentare não tem nesta vila chãos em que possa fazer suas casas parase agasalhar com sua família e porquanto estão uns chãosdevoluto no rocio desta vila na paragem chamadaAnhanguobahi indo para virapoeira do caminho para baixopelo que pede a vossas mercês lhe deem quarenta braças dechãos de testada vinte de quintal para fazer na dita paragemcasas para si e seus filhos e filhas .../ damos ao suplicante asquarenta braças que em sua petição faz menção ... e se lhepassara sua carta hoje dez de setembro de mil e seiscentos etrinta e nove anos. Manuel Mourato, Pedro Fernandes,Aragones Bueno, Sebastião Gil.77 [Página 39 do pdf]
Essas quarenta braças de chão devoluto no rocio da Vila de SãoPaulo localizavam-se na paragem denominada Anhangabaú, nocaminho para Ibirapuera.Recorrendo mais uma vez a Pedro Taques e sua Nobiliarquiaficamos sabendo que: “João Paes, o Velho, um dos nobres povoadoresde São Paulo e maior que foi na sua fazenda do sítio de Santo Amaro,onde depois de muitos anos se erigiu a igreja desta capela em suafreguesia...”78João Paes também teve papel de destaque na família de MartimRodrigues. Em 1638, no dia 09 de novembro ele fez juramento eassinou como procurador de Elvira, viúva de Cornélio de Arzão e suacunhada. No ano seguinte propõe a Elvira que, para que a fazenda dofinado não ficasse desfalcada com a venda e entrega da parte que cabiaa cada um dos filhos dela e de Cornélio, era mais conveniente que aviúva ficasse com tudo e se responsabilizasse pela sobrevivência dosórfãos seus filhos. Tal proposta teve a concordância de Manuel, filhode Arzão. Assim a fazenda foi toda entregue a Elvira que se tornoucuradora dos filhos órfãos a partir de 21 de janeiro de 1639.Os cinco filhos de Susana Rodrigues - a moça e João Paes, unindose a outras famílias, geraram uma gama de grandes personagens emSanto Amaro. Os filhos e genros de Susana Rodrigues (filha)dedicaram-se a entrada para o sertão em busca de riquezas minerais emão de obra. [Página 40 do pdf]
- Ana da Veiga (1637-1712) casou-se com Manoel Pacheco Gatto,natural da Ilha Terceira, nascido em 1622 e morto em 18/8/1692, emSanto Amaro, e filho de Manoel Pacheco Linhares e de Beatriz daBorba Gatto; - Antonio Paes (1620 – 1675) casou-se com Ana da Cunha (Prado)(1622 – 1675), filha de João Gago da Cunha e Catharina do Prado(Vicente). Antonio Paes foi também sertanista; - Sebastiana Rodrigues, nascida após 1625, falecida em 1669,casou-se João de Borba Gatto, nascido na Ilha Terceira, circa 1618,falecido após 1671, filho de Manuel Pacheco Linhares e de Beatriz daBorba Gatto;79 - Martim Rodrigues Tenório de Aguillar (--morto em 1654, emS.P.) casou-se com Sebastiana Ribeiro (1610 – 1646), filha de JoãoMaciel Vicente e de Maria Ribeiro (Duarte) e depois com MagdalenaClemente de Alarcón Cabeça de Vaca, filha de Dom Francisco Rendonde Quebedo e Anna Ribeiro;- João Paes Rodrigues (...) casou-se com Ana Maria RodriguesGarcia, filha de Garcia Rodrigues Velho - o Filho, e de Maria Betim(Betting) e depois com Messia Ferreira Pimentel (de Távora) nascidaem 1650 e morta em 28/12/1732. Ela era filha do capitão Marcelino deCamargo e de Mécia Ferreira Pimentel de Távora.80 [Página 41 do pdf]
Santo Amaro foi, portanto, uma região profícua em sertanistas,ferreiros e bandeirantes. As mulheres da grande família de MartimRodrigues se casaram com grandes sertanistas.Considerações finaisA região de Santo Amaro, no século XVI e XVII caracterizou-sepor ser uma área de agricultura de subsistência, com reduzida parcelade mão de obra indígena. O pouco excedente de farinha de mandioca,feijão, trigo e outros itens era enviado para o litoral e zonas próximas enão dava lucro, este advinha do aprisionamento e comércio deindígenas. Assim os povoadores marchavam para o sertão. Alguns,como Manoel de Borba Gato, encontraram ouro, prata, esmeraldas.Muitos iam, nem todos voltavam como Martim Rodrigues Tenório eoutros.Manoel de Borba Gato, casado com uma filha de Fernão Dias,pai de três filhas, com vinte e cinco anos saiu de Santo Amaro. Após terficado cerca de 20 anos explorando o sertão de Minas, voltou para SãoPaulo para pegar sua família e levar para o sítio em Paraopeba, ondeviveu. Teve significativa participação na administração da vila deSabará, onde foi juiz e faleceu em 1734.Os nomes desses sertanistas estão registrados nas ruas do distritode Santo Amaro, de outros vizinhos e ainda em uma grande escultura. [Página 42 do pdf]