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Problemática em torno da descoberta europeia do Brasil, por Louro Carvalho (sinalaberto.pt)
22 de junho de 2022, quarta-feira. Há 2 anos
A descoberta europeia do Brasil não recolhe unanimidade da parte dos historiadores. Geralmente, é atribuída a Pedro Álvares Cabral, sendo a partir da sua abordagem ao território que a exploração ou colonização se desenvolveu. Mas há outras hipóteses a considerar e com alguma relevância.

Alguns, como Joaquim Barradas de Carvalho, sustentam que, em dezembro de 1498, uma frota de oito navios, sob o comando de Duarte Pacheco Pereira, atingira o litoral brasileiro e chegou a explorá-lo, à altura dos atuais Estados do Pará e do Maranhão. Essa aproximação portuguesa foi mantida em rigoroso sigilo. Estadistas hábeis, os dois reis de Portugal entre os séculos XV e XVI – D. João II e D. Manuel I – tentavam impedir que os espanhóis conhecessem os seus projetos.

E, após o retorno de Vasco da Gama a Lisboa, em agosto de 1499, com a descoberta do caminho marítimo para Índia, D. Manuel I, em parceria com investidores particulares, organiza nova expedição a Calecute. Para impressionar o monarca local ou o convencer pelas armas, o rei enviava agora uma expedição ostensivamente rica e poderosa, composta de 13 navios com uma tripulação estimada entre 1.200 e 1.500 homens, sob o comando de Álvares Cabral.

Porém, como refere MaxC Comes (internauta assim designado no site Quora), a 4 de maio, Pedro Álvares Cabral não “descobriu” o Brasil, naquele 22 de abril; só cumpriu missão ordenada por Dom Manuel I de fazer “apenas” a confirmação das terras portuguesas descobertas, em 1342, pelo capitão Sancho Brandão.

A Carta de 12 de fevereiro de 1343, do rei de Portugal Afonso IV ao Papa Clemente VI e guardada no Museu do Vaticano atesta e comprova a descoberta da Ilha do Brasil (com esse nome) no século XII. Assim, conforme “Documentos do Arquivo Reservado do Vaticano” (livro 138, folhas 148/149), junto com um mapa da região descoberta, no qual se vê a inscrição “Insula do Brasil”, escreve-se:

Diremos reverentemente à Vossa Santidade que os nossos naturais foram os primeiros que acharam as mencionadas ilhas do ocidente… dirigimos para ali os olhos do nosso entendimento e, desejando pôr em execução o nosso intento, mandamos as nossas gentes e algumas naos para explorarem a qualidade da terra, as quais, abordando as ditas ilhas, se apoderaram, por força de homens, animais e outras coisas e as trouxeram com grande prazer aos nossos reinos.

Afonso IV enviou com a carta um mapa da região descoberta com a inscrição “Insula do Brasil ou de Brandam”. E os portugueses monopolizaram o comércio do pau-brasil, proveniente daquela ilha. Porém, a confirmação de Cabral foi importante, já que o valenciano Rodrigo de Boja, o Papa Alexandre VI, impusera o Tratado de Tordesilhas (1994), aos reinos da Península Ibérica.

A descoberta do Brasil refere-se, na ótica europeia, ao achamento do território conhecido como Brasil, momento visto como sendo o do avistamento da terra que denominaram de Ilha de Vera Cruz, a 22 de abril de 1500, nas imediações do Monte Pascoal, pela armada comandada por Cabral. Esta descoberta inscreve-se nos “Descobrimentos Portugueses”.

Embora referida em relação à viagem de Cabral, a expressão “descoberta do Brasil” pode também aplicar-se à chegada da expedição de Vicente Yáñez Pinzón, navegador e explorador espanhol que atingiu o cabo de Santo Agostinho, promontório localizado no atual estado de Pernambuco, a 26 de janeiro de 1500. É a mais antiga viagem comprovada ao território brasileiro.

A esquadra, composta por quatro caravelas, zarpou de Palos de la Frontera, a 19 de novembro de 1499. Cruzada a linha do Equador, Pinzón enfrentou forte tempestade, mas, a 26 de janeiro de 1500, avistou o cabo e ancorou as naus num porto abrigado e de fácil acesso a pequenas embarcações, com 16 pés de fundo, segundo as indicações da sonda. Era a enseada de Suape, localizada na encosta sul do promontório, que a expedição espanhola denominou de cabo de Santa María de la Consolación. A Espanha não reivindicou a descoberta, minuciosamente registada por Pinzón e documentada por cronistas da época, como Pietro Martire d’Anghiera e Bartolomeu de las Casas, devido ao Tratado de Tordesilhas. De noite, após o desembarque, divisaram grandes fogueiras queimando à distância, na linha da costa a noroeste.

Na manhã seguinte, zarparam naquela direção até chegarem a um belo rio, batizado por Pinzón de “rio Formoso”. Na praia, às margens do rio, registou-se violento combate com os índios locais, da tribo dos potiguaras. Rumando para o norte, Pinzón dobrou o cabo de São Roque e atingiu, em fevereiro, o rio Amazonas, que denominou de Santa María de la Mar Dulce, donde prosseguiu para as Guianas e, daí, para o mar do Caribe, voltando para a Espanha a 30 de setembro de 1500. O primo de Pinzón, Diego de Lepe, empreendeu uma viagem irmã, saindo de Palos em 1499, vinte dias após a partida da esquadra pinzoniana. E chegou ao cabo de Santo Agostinho em fevereiro de 1500. Porém, navegou algumas milhas para o sul, observando que a costa se inclinava muito para o sudoeste, e voltou percorrendo a trajetória de Pinzón.

O mapa de Juan de la Cosa, feito em 1500, a pedido dos primeiros reis da Espanha – os Reis Católicos (Fernando II e Isabel I) –, mostra a costa sul-americana enfeitada com bandeiras castelhanas do cabo da Vela (na atual Colômbia) até ao extremo oriental do continente. Ali figura um texto que diz:

Este cavo se descubrio en año de mily IIII X C IX por Castilla syendo descubridor vicentians”.

Referir-se-á à chegada de Pinzón, em finais de janeiro de 1500, ao cabo de Santo Agostinho. Mais para leste e separada do continente, aparece uma Ysla descubierta por Portugal colorida em azul. Portanto, de la Cosa terá querido refletir assim a terra descoberta, em 1500, por Cabral e que este batizara “Terra de Vera Cruz” ou “Terra de Santa Cruz”. E os portugueses criam tratar-se de uma ilha entreposta no Atlântico, separando a Europa das Índias. Entretanto, a navegação de navios espanhóis à costa americana não produziu consequências. A chegada de Pinzón pode ser vista como um incidente da expansão marítima espanhola.A nomenclatura deste evento histórico considera o ponto de vista dos povos do chamado “Velho Mundo”, que tinham registos na forma de História (escrita), e reflete uma conceção de História eurocentrada. Marca o início de sistemática colonização portuguesa em territórios que formaram, posteriormente, o Brasil, por uma construção social, mais especificamente política.

A 30 de outubro de 1500, D. Manuel I casou com Maria de Aragão e Castela, filha dos Reis Católicos e irmã da primeira esposa Isabel (falecida em trabalho de parto), iniciando a ligação dinástica entre Portugal e Espanha. No ano seguinte, partiu de Lisboa a primeira expedição lusa de reconhecimento da costa brasileira, confiada a Américo Vespúcio e comandada por Gonçalo Coelho.

A armada avistou, a 17 de agosto de 1501, o cabo de São Roque no Rio Grande do Norte, descoberto por Pinzón (o cálculo de latitude era relativamente preciso à época, mas o de longitude era deficiente). Os portugueses seguiram para o sul, percorrendo a costa leste do Brasil.

Na altura de Santa Cruz Cabrália, depararam-se com dois degredados advindos da esquadra de Cabral e resgataram-nos. Verificaram que Cabral descobrira não uma ilha, mas um trecho de litoral do novo continente. A frota singrou até ao cabo de Santa Maria, no atual Uruguai. A Coroa Espanhola enviaria, mais tarde, o navegador Juan Díaz Solís em expedição para conhecer as terras que cabiam à Espanha segundo o Tratado de Tordesilhas, cuja linha imaginária passava no litoral do atual Estado de São Paulo, em Cananeia. E, por ter descoberto o Brasil, Vicente Yáñez Pinzón foi condecorado pelo rei Fernando III de Aragão a 5 de setembro de 1501.

Para selar o sucesso da viagem de Vasco da Gama na descoberta do caminho marítimo para a Índia, que permitia contornar o Mediterrâneo, sob domínio dos mouros e das nações italianas, D. Manuel I apressou-se a mandar aparelhar a predita nova frota para as Índias. Porque a pequena frota de Gama tivera dificuldades em impor-se e comerciar, esta seria a maior até então constituída pelo Ocidente, sendo composta por 13 embarcações e mais de mil homens. Com exceção dos nomes de duas naus e duma caravela, não se sabem os nomes dos navios comandados por Cabral. Estima-se que a armada levasse mantimentos para cerca de 18 meses. Era a maior esquadra até então enviada para singrar o Atlântico: dez naus, três caravelas e uma naveta de mantimentos. Embora não se saiba o nome da nau capitânia, a nau sota-capitânia, capitaneada pelo vice-comandante da armada Sancho de Tovar, chamava-se El Rei. A outra, a Anunciada, comandada por Nuno Leitão da Cunha, que pertencia a Dom Álvaro de Bragança, filho do duque de Bragança, e fora equipada com os recursos de Bartolomeu Marchionni e Girolamo Sernige, banqueiros florentinos que residiam em Lisboa e investiam no comércio de especiarias. As cartas que trocaram com os sócios e acionistas italianos preservaram o nome do navio. Conservou-se o nome da caravela capitaneada por Pero de Ataíde, a São Pedro. A caravela comandada por Bartolomeu Dias teve o seu nome perdido. A armada era completada pela naveta de mantimentos, comandada por Gaspar de Lemos. Coube-lhe retornar a Portugal com as notícias sobre a descoberta do Brasil.Baseado em documento incompleto que localizou na Torre do Tombo, em Lisboa, Francisco Adolfo de Varnhagen identificou cinco das dez naus que compunham a frota cabralina: Santa Cruz, Vitória, Flor de la Mar, Espírito Santo e Espera. A fonte citada por Varnhagen nunca foi reencontrada, pelo que a maioria dos historiadores prefere não adotar os nomes por ele listados. A armada, assim, continua quase anónima.

Vasco da Gama fez recomendações para a longa viagem: a coordenação entre os navios era crucial para não se perderem uns dos outros. Recomendou ao capitão-mor que disparasse os canhões duas vezes e esperasse pela mesma resposta de todos os outros navios antes de mudar o curso ou velocidade, de entre outros códigos de comunicação semelhantes. E, antes da partida, o bispo de Ceuta, Diogo de Ortiz, rezou missa na capela de Belém, a mando d’El Rei, benzeu uma bandeira com as armas do Reino e entregou-a a Cabral, despedindo-se o rei do fidalgo e dos outros capitães.A 24 de abril, Cabral, com Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia e Pero Vaz de Caminha, recebeu um grupo de índios no seu navio. E os nativos reconheceram o ouro e a prata que surgiam na embarcação, nomeadamente um fio de ouro de D. Pedro e um castiçal de prata, o que levou os portugueses a crer que havia ali muito ouro. Entretanto, Caminha, na carta a D. Manuel I, confessa que não sabia dizer se os índios diziam que ali havia ouro ou se o desejo dos navegantes pelo metal era tanto que não entenderam diferente. Mas era!O encontro entre portugueses e índios está documentado na carta de Caminha. O choque cultural foi evidente. Os indígenas não reconheceram os animais que traziam os navegadores, à exceção de um papagaio do capitão; ofereceram-lhes comida e vinho, que eles rejeitaram. A curiosidade tocou-lhes pelos objetos não reconhecidos, como as contas dum rosário; e a surpresa dos portugueses pelos objetos reconhecidos, os metais preciosos. Fez-se absurdo aos portugueses Cabral ter-se vestido com as vestimentas e adornos a que tinha direito um capitão-mor frente aos índios e estes terem passado pela sua frente sem o diferenciarem dos demais tripulantes.Os indígenas tomaram conhecimento da fé dos portugueses ao assistirem à primeira missa, rezada por Frei Henrique de Coimbra, no domingo, 26 de abril. Logo depois da missa, a frota de Cabral rumou para as Índias, mas enviou um dos navios de volta a Portugal com a carta de Caminha. No entanto, com a chegada de frotas lusitanas com o objetivo de permanecer no Brasil e evangelizar os índios, os portugueses perceberam que a suposta facilidade na cristianização dos indígenas se traduziu na curiosidade destes com os gestos e falas ritualísticos dos europeus, não havendo real interesse na fé, o que forçou os missionários a repensar os métodos de conquista espiritual.

Aqueles povos praticavam uma incipiente agricultura e a domesticação de animais. Contudo, conheciam a produção de bebidas alcoólicas fermentadas a partir de raízes, tubérculos, cascas e frutos, entre outros. O litoral era ocupado por duas nações indígenas do grupo tupi: os tupinambás, entre Camanu e a foz do rio S. Francisco; e os tupiniquins, de Camamu até ao limite com o atual Estado do Espírito Santo. Para o interior, na faixa paralela à dos tupiniquins, estavam os aimorés.No início, os tupiniquins apoiaram os portugueses e os tupinambás os franceses, que lançaram, nos séculos XVI e XVII, várias ofensivas contra os portugueses. Ambas as tribos tinham cultura antropofágica para com os rivais, não compreendida pelos europeus, o que resultou na posterior caça aos que recusassem mudar esse hábito, a par de todo um processo de colonização ambíguo.

Louro Carvalho - É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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