A GUERRA DE S. SEBASTIÃO (1912-1916): UM ESTUDO SOBRE A RESSIGNIFICAÇÃO DO MITO DO REI ENCOBERTO NO MOVIMENTO SOCIORRELIGIOSO DO CONTESTADO. EDUARDO RIZZATTI SALOMÃO - 01/01/2012 de ( registros)
A GUERRA DE S. SEBASTIÃO (1912-1916): UM ESTUDO SOBRE A RESSIGNIFICAÇÃO DO MITO DO REI ENCOBERTO NO MOVIMENTO SOCIORRELIGIOSO DO CONTESTADO. EDUARDO RIZZATTI SALOMÃO
2012. Há 12 anos
Sorocaba passou a adotar o nome aportuguesado João Maria, declarou ter 43 anos de idade,ser solteiro e exercer a “profissão de Solitário Eremita”5. No documento de registro, oescriturário anotou as características físicas do recém chegado: estatura baixa, cor clara,cabelos grisalhos, olhos pardos, nariz regular, boca dita (regular), barba cerrada, rostocomprido e, como sinal particular, ser aleijado de três dedos da mão esquerda6.
O propósito da viagem até Sorocaba, conforme apontado pelo frade, era exercer o seuministério. As matas da cidade foram o local de residência declarado, com destaque para omorro situado no distrito de Ipanema, razão pela qual João Maria ficou conhecido como“Monge do Ipanema”7. O local em questão é o Morro de Araçoiba, uma das áreas de extraçãode minério de ferro que alimentava as forjas da Real Fábrica de Ferro, também nomeada de“Fabrica de ferro S. João de Ipanema” [“Carta régia de 27 de setembro de 1814. Sobre a fabrica de ferro de S. João de Ipanema da Capitania de S.Paulo”], um dos primeiros empreendimentos da siderurgiabrasileira9. Observando a declaração feita ao escrivão, percebe-se que o monge, antes deefetuar o registro, havia se estabelecido nas matas do morro adjacente à Fábrica de Ferro.Coincidentemente, o nome adotado pelo monge compõe o da fábrica.
A respeito da primeira localidade escolhida por João Maria para se estabelecer, éimportante observar que Sorocaba gozava de posição geográfica privilegiada, constituindo-seem importante eixo econômico do país. Entre as atividades econômicas de vulto que sedesenvolveram no município, além da mineração e siderurgia, destacava-se o comércio deequinos e muares oriundos das criações do sul do Brasil e da região platina, animais detransporte e carga destinados a abastecer importantes centros urbanos. O fluxo de tropeirosque atuavam no transporte desses animais era constante, percorrendo o Rio Grande do Sul atéSão Paulo, trajeto que incluía a região do Contestado, por caminho inaugurado no séc.XVIII10. As atividades dos tropeiros marcaram o início de um ciclo de desenvolvimento [Página 116]
Maria passou pela região, foi procurado para interceder em favor do município, uma vez que alembrança da epidemia ainda atemorizava a população. Em resposta ao pedido, o mongeaconselhou que fossem erguidas 19 cruzes, as quais deveriam seguir, em linha reta, da capelada localidade até a margem do rio Negro78. Também há menção de que João Maria esteve emLages, Santa Catarina, no ano de 1862, onde intercedeu para que fosse erguida uma cruz79. Asdatas até aqui apresentadas sugerem que o monge esteve presente em Santa Catarina e noParaná antes do seu retorno a Sorocaba, mas não se pode deixar de lembrar que o assunto écontroverso. A difusão da legenda na região deve ter dado passos mais largos do que opróprio peregrino fez em vida.
Em meados de 1865 ou 1870, João Maria teria retornado ao Morro do Ipanema. Umbilhete encontrado no arquivo na Fábrica de Ferro, atribuído ao administrador Costa Passos eenviado ao Coronel Joaquim de Sousa Mursa, então diretor da fábrica, informa que o mongedesapareceu e que no abrigo por ele ocupado se encontrou vestígios de sangue. Especulou-seque uma fera ou um criminoso tenha dado fim ao andarilho, mas nada foi encontrado paracorroborar essa versão80.Há notícias de que João Maria permaneceu em São Paulo e faleceu antes de 1889, noMorro Pelado, em Itirapina81, ou em Araraquara, entre os anos 1906 e 190782. Mas essesrelatos não são consistentes, pois outras informações, mais bem documentadas, apontam paraa saída do peregrino do Brasil, como será visto posteriormente.Somando-se às notícias do destino de João Maria, o Pe. Geraldo Pauwels afirmou querecebeu uma carta com notícias da morte do anacoreta. A missiva, oriunda do povoada deTacuru, no Paraguai e subscrita por D. Juan Sentú Gonzales, comunicou o falecimento deJoão Maria de Agostinho, com 115 anos de idade, em 12 de março de 1928. A carta incluiuuma mensagem em tom profético, anunciando que os povos do sul do Brasil são concitados aseguir os caminhos de Deus, de forma a se prepararem para um tempo de miséria, peste edesastres. Os vaticínios atribuídos ao monge João Maria discorreram sobre o destino do Brasilde guiar os povos cristãos e se converter em celeiro do mundo. A prédica anunciava quedecorridos 150 anos um novo profeta surgiria na região sul, mas que, antes desse [Página 130]