' Salvador Correia de Sá e a luta pelo Brasil e Angola (1602-1686) - 01/01/1952 de ( registros) Wildcard SSL Certificates
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Salvador Correia de Sá e a luta pelo Brasil e Angola (1602-1686)
1952. Há 72 anos
cargo de terceiro governador-geral do Brasil. Durante os quasecem anos que se seguiram, os membros de sua família, e seus descendentes, estiveram mais ligados aos destinos da colônia do queos de qualquer outra de ambos os lados do Atlântico, com possível exceção dos Albuquerques, de Pernambuco. Mem de Sáchegou à Bahia num momento crítico, quando a maioria dosestabelecimentos disseminados ao longo da costa, fracos e malorganizados, se achavam a pique de sucumbir, em conseqüênciados ataques dos índios, ou das dissensões internas. Justificandoa reputação em que é tido de "homem magnânimo, muito prudente e zeloso, competente e experimentado tanto na paz comona guerra´, deu ele ânimo aos desiludidos, pacificou os rixosos,induzindo as capitanias, disso capazes, a viverem em boa harmonia e coordenarem os seus esforços. Visitou pessoalmente todosos núcleos, desde a Bahia até São Vicente, subjugando as triboshostis e perdendo, em ação, um dos filhos, Fernão de Sá.Por duas vezes ele repeliu os franceses da baía do Rio deJaneiro e foi o principal responsável pela fundação, na costa daquela baía, da cidade de São Sebastião, no intervalo entre aquelasduas expedições. O verdadeiro fundador foi um de seus sobrinhos,Estácio de Sá, que foi mortalmente ferido quando os francesesjá estavam prestes a ser expulsos da região (janeiro de 1567).Inicialmente destinado a exercer o cargo durante três anos, Memde Sá esteve em função durante quatorze anos consecutivos, atémorrer na Bahia a 2 de março de 1572, esgotado pelos seus trabalhos, mas referto em anos, honrarias e riquezas 3• Uma dasfaces principais de sua política foi a cordial cooperação com osjesuítas, os quais, por sua vez, o secundaram com entusiasmo emtodos os seus esforços. As relações que houve entre eles podemser aquilatadas através do primeiro ato do governador-geral porocasião de sua chegada, após oito meses de viagem estafante, dePortugal à Bahia (27 de dezembro de 1557). Antes de assumir ogoverno da colônia passou vários dias em retiro e contemplaçãoreligiosa, entregue aos "Exercícios Espirituais" de Santo Inácio.

Quando Mem de Sá saiu do Rio de Janeiro, depois de havêlo definitivamente reconquistado aos franceses, deixou na incipiente cidade de São Sebastião outro sobrinho seu, SalvadorCorreia de Sá, que foi o avô do personagem de que se ocupa o [Página 20]

Esse importante posto, que estreitava ainda mais as ligaçõesda família dos Correia de Sá com o Rio de Janeiro, não era aúnica recompensa desejada por Salvador. Não ficou satisfeito coma sua investidura na Ordem de Santiago, talvez porque essaordem não tinha em Portugal tanta importância como na· Espanha, onde lhe cabia a primazia õO_ Estava ansioso por obter ocomando da Ordem de Cristo, que era a principal entre as demaisordens militares de Portugal. Fundada por D. Dinis após a extinção da dos Templários, em 1319, gozava ela de muito maiorprestígio e maiores rendas do que as duas outras, a de Santiagoe a de Avis 51.Era vedado assumir o comando de mais de uma ordem militar (embora essa norma fosse por vezes ignorada em se tratandode pessoas da realeza ou de nobres excepcionalmente influentes),pelo que alguns anos foram evidentemente necessários para queSalvador conseguisse tornar-se cavaleiro da Ordem de Cristo, emtroca da de Santiago. Documento datado de 1632 atesta que Salvador ocupava previamente a administração temporária da comendadoria de São Salvador de Lagoa, do arcebispo de Braga,na cobiçada Ordem de Cristo 52• A coroa prometeu confirmá-lonessa comendadoria por toda vida, posto que as "dispensas necessárias" fossem concedidas pelo papa e continuasse Salvador aservir no Brasil. Quatro anos depois foi confiada a Salvador aadministração da dita comendadoria sem que houvesse chegadode Roma a dispensa necessária para todo cavaleiro que percebesserendas da Ordem de Cristo, sem estar engajado na luta contraos muçulmanos, inimigos da fé cristã 113. A segunda condição estava prestes a ser preenchida, muito embora Salvador não estivesse prestando serviço no Brasil quando o documento foi assinado (15 de dezembro de 1632), mas sim no vice-reino espanholdo Peru. [Página 82]

destruição da frota de Oquendo em Downs (outubro de 1639)por Maarten Tromp e o desbarato da armada do conde da Torreao largo de Pernambuco (janeiro de 1640) concorreram, juntamente com os precedentes sucessos dos catalães, para que se oferecesse a Portugal o ensejo de sacudir o jugo de Castela. Olivaresnão dispunha de nenhuma armada para ameaçar Lisboa do Tejo,e tampouco podia retirar tropas empenhadas nos combates emFlandres, na Itália e na Catalunha. Verdade é que havia guarnições espanholas em Lisboa, na Ilha Terceira e na Bahia; masessas eram as únicas formações espanholas armadas que estacionavam no império português. Já Richelieu havia enviado umemissário com a promessa de vir em auxílio dos portugueses nocaso de uma revolta e esperança havia de que a Holanda, outrogrande inimigo da Espanha, refreasse, pelo menos, os seus ataques ao império colonial português se a mãe-pátria proclamassea sua independência.As esperanças do povo concentravam-se em D. João, sétimoduque de Bragança, como sendo o legítimo herdeiro do trono.Olivares tentou em vão afastá-lo de seu sólio ducal (quase principesco) em Vila Viçosa, mas D. João evitara cuidadosamente deixar o país. A rebelião catalã de 1640 deu a Olivares o pretexto deque ele necessitava; deu ordem à nobreza de Portugal, com oduque de Bragança à frente, para marchar contra Barcelona -pondo-a sob seu domínio, assim que houvesse atravessado a fronteira. Um grupo de fidalgos influentes havia algum tempo atrásinstigado D. João a proclamar-se rei; mas ele se mostrou tãocauteloso em não se comprometer com eles quanto em não sucumbir às blandícies de Olivares. Em novembro de 1640 não foimais possível adiar a escolha entre as duas alternativas; apósalguma hesitação no último momento, manifestou ele a suaadesão ao movimento de independência.O resultado da proclamação, em Lisboa, 1640) deve terexcedido às esperanças dos conspiradores mais exaltados. Nãohouve qualquer oposição digna de nota, a não ser da parte daguarnição de Terceira. Embora o novo regime fosse recebido umtanto friamente por uma parte da nobreza, que contraíra laçosele família com os espanhóis, a adesão entusiástica e unânime dopovo lembrava os dias épicos em que o Mestre de Avis fora [Página 154]

muitos jesuítas foram enviados pelo novo monarca como seusrepresentantes pessoais em diversas e importantes missões diplomáticas. Os padres Mascarenhas e da Costa foram mandados aCatalunha em dezembro de 1640; o Padre Francisco Vilhena aoBrasil, no mês de fevereiro do ano seguinte, enquanto nos anosque se seguiram o padre Vieira fora enviado vúrias vezes emmissões semelhantes à Holanda, à França e a Roma. Esses nomesnão esgotam a lista, mas referem-se apenas ao papel desempenhado pelos jesuítas no Brasil, que é para onde agora se volta;;_ nossa atenção.Nem bem a restauração havia sido vitoriosa em Portugal ejá o novo rei, com os seus conselheiros, imaginava o que demelhor se poderia fazer para evitar que as colônias se dispusessem a seguir o exemplo da mãe-pátria, antes que os espanhóispudessem tomar contramedidas. Era o Brasil o mais importantede todos os domínios ultramarinos em causa, e as duas personalidades-chaves na referida colônia eram o vice-rei, D. Jorge deMascarenhas, marquês de Montalvão, na Bahia, e Salvador Correia de Sá e Benavides, governador do Rio de Janeiro e comandante-chefe das capitanias do sul 69• A mulher e os dois filhos doprimeiro eram suspeitos, com razão, de simpatias pró-Castela, aomesmo tempo que Salvador, sendo filho de uma espanhola emarido de outra, era alvo, em Lisboa, de ainda maior desconfiança. Além disso, a Bahia tinha em sua guarnição um regimentoespanhol e outro napolitano, enquanto que o Rio de Janeiromantinha estreitas e ilícitas relações comerciais com Buenos Aires,onde, como devemos estar lembrados, Salvador possuía parentes empostos de comando [Alberto Lamego, Terra Goytacá, I, pág. ll7; V. Coaracy, O Rio deJaneiro no século XVIl, págs. 65-7, 125-6, 136-7; S. Leite, História da Comp.de Jesus, VI, págs. 84-5. A narrativa de Maldonado (Revista trimensal, L VI,págs. 345-400), puramente apócrifa, é ainda tomada a sério por alguns historiadores, apesar dos flagrantes anacronismos que contém, corno seja datar deoutubro a dezembro de 1647 as entrevistas de Salvador com Maldonado e seuscompanheiros, quando se sabe que o primeiro até novembro de 1647 não haviadeixado Portugal, como também ainda não tinha chegado ao Rio em Janeirode 1648.].

Em começos de janeiro de 1641 partia de Lisboa para oBrasil uma caravela, com a notícia da restauração em documentooficial. A 15 de fevereiro alcançou ela a Bahia, onde o comandante proibiu que qualquer membro da tripulação descesse aterra, e fez entrega dos despachos ao vice-rei. Dizem as fontes [Página 157]

não tardou a seguir o exemplo dado pelo Rio, declarando-se afavor de D. João IV 66.A 19 de março chegou uma caravela de Lisboa, com despachosdo novo rei para Salvador. O governador assistia a um sermãono convento de São Bento, quando lhe foram entregues os despachos reais. Imediatamente interrompeu ele o serviço, para mostrá-los a todos que a este assistiam, a fim de que (assim escreveo cronista anônimo da Relaçam) silenciassem as críticas que oacusavam de ter agido precipitadamente proclamando D. João IVmeramente em obediência às ordens do marquês de Montalvão, esem aguardar as que viessem diretamente de Lisboa. Três diasdepois enviava a Buenos Aires despachos secretos ao governadorlocal, dele próprio, e do marquês de Montalvão. Infelizmente, nadase sabe a respeito desses despachos; mas, diante do número deportugueses existentes naquele porto, e de uma nota, antes enigmática, encontrada no livrinho do cabildo de Buenos Aires, pareceprovável que o seu objetivo era persuadir a colônia espanhola aromper com o vice-rei do Peru, unindo a sua sorte à do Brasil, doqual ela era, em não pequena escala, economicamente dependente.Se essa suposição for correta, a tentativa, infrutífera como foi, representa o único esforço jamais feito pelos portugueses no sentidode seduzir a colônia espanhola, convidando-a a insurgir-se após aseparação das duas coroas, em dezembro de 1640 67•Para celebrar, de maneira espalhafatosa e convincente, suaadesão ao novo regime, Salvador organizou no Rio de Janeirouma série de festas, das quais um coevo anônimo nos deixouvívida descrição. Dá-nos esta uma interessante vista de olhos sobreo lado mais alegre da vida colonial portuguesa, mormente se lidaconjuntamente com a narrativa análoga das comemorações leva [Página 161]

O Conselho de Estado ocupava-se mais particularmente dosassuntos da alta política e das nomeações para os postos de maiorimportância, exercendo breve vigilância sobre todos os negóciosnacionais de maior relevância. Como os demais conselhos, suasfunções eram, em teoria, meramente consultivas; mas D. João IV,cuja posição estava longe de ser segura, acatava habitualmentesuas opiniões, mormente nos primeiros anos de seu reinado.Os principais membros do Conselho de Estado em 1643eram o marquês de Ferreira, o marquês de Gouveia, o marquês deMontalvão, o inquisidor-geral (D. Francisco de Castro), o condeda Torre, Matias de Albuquerque e Antônio Telles de Menezes 6• Os dois primeiros fidalgos eram grandes que não tinhamnenhuma experiência, tanto nos negócios estrangeiros como nosde guerra, pelo que sobre eles aqui não nos deteremos. O marquês de Montalvão já é nosso conhecido como vice-rei do Brasil,mas deve nos ocupar novamente, dentro em pouco, como presidente do Conselho Ultramarino. O conde da Torre foi o comandante incapaz que caiu em desgraça depois da expedição pernambucana de 1638-40. Ele conquistou os favores do novo reipor ter persuadido o comandante da fortaleza, em que estavacomo prisioneiro, a entregá-la sem resistência, depois do golpede Estado de l de dezembro de 1640. D. Francisco de Castro eraum fanático acostumado a torturar e queimar judeus, que seenvolvera na conspiração do marquês Villa-Real e do arcebispoele Braga quando, em 1641, tentaram fazer Portugal voltar aodomínio da Espanha, mas fora perdoado em começos de 1643,reconquistando os favores do rei. Matias de Albuquerque havialevado a efeito, embora sem resultado, a defesa da província dePernambuco contra os holandeses, em 1630-5.A despeito de ter sido mal sucedido em sua campanha noBrasil, Albuquerque era agora o comandante-chefe dos exércitosrecém-organizados que faziam face, na fronteira, às forças espanholas, igualmente bisonhas; não havia outro fidalgo que tivesse a sua experiência do alto comando no campo de batalha 7. [Página 171]

Antônio Telles de Menezes, graças a algumas ações navais, aliásindecisivas, contra os holandeses, ao largo da barra de Goa em1637-8, era agora capitão-general da "Armada Real do Mar Oceano", como grandiloqüentemente se chamava a frota de alto-mar" 8•O Conselho de Guerra, instituído por D. João IV em dezembro de 1640, antes mesmo do Conselho de Estado, era conforme vem descrito num documento inglês da época como oórgão em que, ouvido o rei, se resolviam todos os assuntos eplanos militares, sendo constituído de vários conselheiros jáexperimentados em ações de guerra. Tinham um assessor, aque se juntavam mais três, e um fiscal, todos eles escolhidosentre os desembargadores de alta posição, com o fim unicamente de deliberar sobre todas as questões e causas relacionadas com a justiça militar, indo tudo ter ao dito conselho,sem excluir todas as fronteiras do reino 9•Apesar da extensão, aparentemente larga, das responsabilidades atribuídas a esse conselho, não desempenhava ele grandepapel na direção da guerra contra a Espanha. Em seu Tácitoportuguês, informa D. Francisco Manuel de Mello que D. João IVtinha criado o Conselho de Guerra "mais para atender ao pedidodos que ali desejavam emprego do que por obra de sua livrevontade". A experiência mostrou que "o rei nunca teve, realmente, grande estima por esse tribunal, seja porque fosse profundamente avesso à guerra, seja porque só o criara com relutância. Resultou daí que, quando isso foi percebido pelos conselheiros, estes trabalhavam sempre de má vontade, dando lugar agrande desperdício de tempo e dinheiro 10. Com respeito ao Conselho de Guerra, menção deve ser feita da "Junta dos Três Estados" (clero, nobreza e povo) que fora formada em 1641, paraadministrar o dinheiro arrecadado pela taxação votada pelascortes, com o fim de prosseguir na guerra contra a Espanha. Eraele constituído de dois eclesiásticos, dois nobres e dois homensdo povo. [Página 172]

A formação do Conselho Ultramarino ficou decidida em1642; mas decorreu todo um ano antes que o importante decretofosse promulgado, e só em dezembro de 1643 é que se realizoua primeira reunião. É de presumir-se que essa longa demora,pouco usual mesmo nos anais da burocracia ibérica, fosse obrada oposição dos mesmos elementos que haviam sabotado o antigoConselho da índia, entre 1604 e 1614. É muito provável que oseu regimento tenha sido modelado pelo do Conselho Ultramarino,muito embora não dispusesse de poderes tão amplos como os quetinham sido conferidos a este último. Mais ainda, mesmo depoisde sua formal inauguração em 1643, alguns meses se passaramantes que o novo conselho começasse efetivamente a funcionar.Um dos maiores problemas era o da superposição existente entreo Conselho Ultramarino e o Conselho da Fazenda, tendo sido esteo que superintendeu, desde que foi criado em 1591, a organizaçãoe liberação das frotas da índia, razão pela qual a sua oficialidadese ressentia de qualquer estranha interferência 11•Tal como foi fundado em 1643, o Conselho Ultramarino, soba presidência do "vedor da fazenda da repartição da índia", consistia de mais dois conselheiros recrutados das fileiras da nobrezamilitar ("de capa e espada") e de um "letrado", assistidos porum secretário, que não tinha direito de voto. Assim, a presidênciacoube a D. Jorge Mascarenhas, marquês de Montalvão, como sendoo vedor -em exercício. Esse fidalgo havia sido, sucessivamente,governador de Tânger, presidente da efêmera Companhia dasíndias Orientais (entre 1628 e 1632) e vice-rei do Brasil (1640 e1641). Sua nomeação foi, sem dúvida, um esforço para facilitar acooperação entre o Conselho Ultramarino e o Conselho da Fazenda, no conferir à mesma pessoa a presidência das duas corporações.Como já vimos, o Conselho da Fazenda era ainda responsávelpelo financiamento, preparo, despacho e recepção das frotas dasíndias Orientais e do Brasil; não obstante, o Conselho Ultramarino era quem informava a coroa sobre o armamento, composição e comandos, bem como sobre a data de suas respectivaspartidas. Além disso, o Conselho Ultramarino deliberava sobretodos os assuntos referentes às colônias, exceção feita dos negócios eclesiásticos; acrescendo que o rei, normalmente, a ele subme [Página 173]

havia servido na expedição à Bahia, em 1624-25. Na época de suanomeação acumulava o cargo de secretário do Conselho da Fazenda. Quando Salvador, por fim, tomou assento (14 de dezembro de1644) como quinto membro desse conselho, foi ele credenciadocomo perito em assuntos brasileiros, visto que o marquês de Montalvão não havia passado ainda um ano na colônia quando foi preso na Bahia e deportado para Portugal (fevereiro de 1641).Entre os órgãos governamentais deve ser mencionado o Desembargo do Paço, que era o mais alto tribunal da judicatura dopaís, sendo equiparado pelos ingleses da época ao seu próprioconselho privado. Era ele o responsável pela nomeação dos magistrados e juízes, exercia um controle geral sobre a Casa de Suplicação, ou tribunal de apelação, com sede em Lisboa, e bem assimsobre as relações de que já falamos, situadas no Porto, em Lisboae na Bahia 16• Os jurisconsultos de que se constituíam esses tribunais eram, em Portugal como em toda parte, as colunas mestras da monarquia, que preferia trabalhar com eles a utilizar ospoderosos fidalgos territoriais como instrumento de governo. Embora essa "noblesse de la robe" tivesse, até certo ponto, ligaçõesmatrimoniais dentro da velha aristocracia, ela, apesar disso, nuncafoi tão poderosa em Portugal como a classe que a ela correspondiana Espanha e suas colônias da América. Possuía D. João IV trêssecretários de estado procedentes da classe letrada: Pedro Vieirada Silva, que acabara de suceder ao infeliz Francisco de Lucena,executado sob a acusação injusta de traição; Gaspar de Faria Severim, cuja esfera de ação abrangia as colônias; e Antônio Cavide,que, ainda moço, fora trazido de Vila Viçosa com o rei D. João.Além desses órgãos do governo, é mister mencionar, brevemente embora, três corporações, que tinham grande influência noandamento dos negócios nacionais. As cortes, ou parlamento dostrês estados, em teoria, não tinham mais do que uma função meramente consultiva, suas resoluções não tendo força de lei, a menosque fossem sancionadas pelo rei. Cabia-lhes reprimir os abusose recomendar a concessão ou a recusa de subsídios. Suas assembléias não tinham data certa, podendo o monarca convocá-las ousuprimi-las a seu -bel-prazer. Elevado ao trono por uma revolução,D. João IV necessitava mais do apoio popular do que a maioriade seus predecessores; nos dois primeiros anos de seu reinado convocou as cortes duas vezes, ao passo que durante os dezesseis [Página 176]

fretados nos países neutros, entre os quais aos do Báltico cabia aprimazia 51 •Antes da trégua luso-holandesa de 1641 os corsários da companhia das índias Ocidentais interceptaram grande número denavios portugueses no Atlântico meridional. Pertenciam eles, nasua maioria, à frota da Bahia; os do Rio tinham mais sorte, esofriam menos danos. Tão freqüentes se tornaram esses apresamentos que os plantadores de cana se apelidaram a si próprios,com desconsolo, "lavradores de Holanda". Mesmo depois da promulgação da trégua de dez anos, não cessaram inteiramente, perdurando o risco de interceptação pelos corsários da Barbária, oupelos piratas de Dunquerque. Essa drenagem, pesada e incessante,de que a navegação portuguesa era vítima, devia fatalmente causar grandes prejuízos a Lisboa, motivo pelo qual o uso de comboiosera assunto de discussão entre os conselheiros do rei. A crisechegou ao auge em junho de 1645, com a irrupção da revolta emPernambuco, que deu aso a que os holandeses renovassem os seusataques aos navios portugueses em viagem pelo Atlântico sul, agoraem maior escala e mais desapiedadamente do que nunca. Nadamenos de· duzentos e quarenta e nove navios perderam-se numsó ano, de dezembro de 1647 a dezembro de 1648; mas, quatroanos antes de ocorrer esta crise final, já se havia feito um esforçosério para inaugurar um sistema de comboios 52.As sugestões para que os navios destinados ao Brasil, ou quede lá viessem, viajassem em comboios (ou num só comboio), organizados nos moldes dos que a Espanha, desde 1526 havia inaugurado entre Sevilha, México e Tierra Firme, datam da segunda década do século XVII, senão antes. Em 1628, Filipe IV deu ordempara que o assunto fosse discutido pelo Conselho de Portugal eoutras corporações importantes 53; mas nada concreto resultou dessa providência, e tampouco de outras sugestões no sentido de armar mais eficientemente a navegação destinada ao Brasil, e decriar uma taxa de consulado para pagar a proteção dos comboios [Página 194]

real" limitando-se à defesa da Bahia e da ilha de Itaparica 80•Além disso, insistiam os conselheiros em que a restituição deAngola, "ou, pelo menos, de uma parte dela", devia ser condiçãoessencial para as negociações de paz com Portugal, visto como oBrasil neerlandês não poderia subsistir sem o trabalho dos negros.Até a captura, um ano mais tarde, de alguma correspondênciaconfidencial de Salvador, ignoravam eles completamente "comque mesquinha força havia sido conquistada tão valiosa possessão,e como teria sido fácil recuperá-la fazendo-se uso das armas" [Cartas de Hoge Raad, Recife, 27 de outubro, 19 de dezembro de 1648 e 13 de dezembro de 1649, em José Hygino MS.].

Não obstante toda pressão exercida sobre o Stadhouder pelaprovíncia da Zelândia e da Companhia das índias Ocidentais, osEstados Gerais não chegaram a empreender qualquer ação enérgica ou decisiva. Isso era, em boa parte, da alçada da políticadoméstica; mas o receio de perder o lucrativo tráfico do sal comSetúbal, de importância vital para a indústria do arenque, foium dos fatores mais importantes que fizeram adiar por váriosanos o rompimento aberto com Portugal. A indústria da pescano Mar do Norte tinha para a Holanda uma importância aindamaior do que o tráfico dos negros no oeste africano, tal comohavia proclamado o astuto Franscisco de Sousa Coutinho. A frotade De With viu-se compelida a voltar para a mãe-pátria em 1649,os seus mal providos navios dispersando-se pelos portos holandeses, ainda mais avariados do que haviam sido poucos anos antesna viagem de ida. A morte, em novembro de 1650, do "Stadhouder" Guilherme II, vitimado pela varíola, veio enfraquecer opartido belicista e a própria posição da Zelândia, que era quemmais advogava a guerra com Portugal. Por fim de contas, a únicamedida concreta tomada pelos Estados Gerais, não obstante assuas periódicas fulminações contra D. João IV e Salvador Correia,foi despachar, em 1650, o almirante Haulthain para o Brasil, àtesta de outra esquadra, se bem que menos imponente. [Página 285]

os padres e frades que viviam em São Salvador, capital do reino.Com as formalidades do estilo, fez ainda queimar muitos doslivros e folhetos heréticos que os holandeses haviam distribuídocom liberalidade, ao passo que os outros foram destruídos ulteriormente pelos frades capuchinhos. Durante todo o tempo daocupação de Luanda pelos holandeses o rei do Congo esteve empenhado numa guerra mal sucedida com o seu mais poderoso (epuramente nominal) vassalo, o "conde" de Sonho. Ambos os ladosapelavam para os holandeses, enviando em várias ocasiões emissários ao príncipe João Maurício de Nassau, em Pernambuco,com presentes de ouro, escravos e marfim. O governador holandês,prudentemente, recusava-se a intervir, a não ser como mediador,não querendo ofender a parte contrária e arriscar-se assim a represálias contra o tráfico holandês de escravos em seus respectivosterritórios. Podem-se ver ainda hoje no Museu Nacional da Dinamarca, em Copenhague, os retratos de um desses embaixadorese de dois do seu séquito, feitos por Albert Eckhout, pintor dacorte de João Maurício 86•D. Garcia Afonso II também desatendeu às exigências do"padroado" da coroa portuguesa, admitindo em seu seio fradescapuchinhos espanhóis e italianos. Pouco antes de irromper arebelião em Portugal, em dezembro de 1640, Filipe IV entraraem negociações para enviá-los; mas o primeiro grupo, sob a chefiado padre Boaventura de Alsano, chegou a São Salvador emsetembro de 1645, sem ter passado em Lisboa. Essa missão foiseguida de outra, em 1648, que chegou cinco meses antes da retomada de Luanda pelos portugueses. Anteriormente, haviam osholandeses interceptado outros frades que se destinavam aoCongo, recambiando-os para a Europa, via Brasil. O rei do Congoassumiu em 1646 uma atitude ainda mais firme contra o padroadoportuguês, enviando ao Papa uma embaixada, que chegou à Cidade Santa em maio de 1648, passando pela Holanda e pelaBélgica. Essa embaixada pedia ao Papa que designasse três bispospara a região do Congo, que deveria ser inteiramente independente da coroa ou da jurisdição eclesiástica de Portugal. Pediatambém aos holandeses que enviassem ao Congo frades capuchinhos recrutados em países que estivessem em paz com os EstadosGerais, excluindo assim os padres portugueses. Não admira queuma das instruções dadas a Salvador quando saiu de Portugal em [Página 288]

tutos, parecendo que devem ser tratados antes com severidade doque com brandura". Era de opinião que se devia expulsar os capuchinhos do Congo, acusando-os de alimentar sentimentos antiportugueses e pró-Espanha; mas Salvador e, com ele, os cidadãosde Luanda mostravam-se mais compadecidos. Em 1649, a cidadede São Paulo da Assunção, como agora era oficialmente chamada,fez uma petição a D. João IV, achando que os capuchinhos deviam ter a permissão não só de permanecer no Congo, como também de viver em Luanda ou em outro qualquer lugar de Angola.Salvador, apoiando a petição da municipalidade, garantiu ao reique havia encontrado os frades levando vida exemplar e alheadosde tudo que não dissesse respeito à salvação das almas. Não mostraram nenhuma relutância em aceitar as condições impostas pelopadroado português, proclamando, através de terceiros, que asúnicas razões de não terem, em sua vinda, feito escala em Lisboaforam a falta de navios e a ocupação de Luanda pelos holandeses [Cf. os documentos publicados por Paiva Manso em Documentos, págs. 202-26; a carta de Salvador datada de Luanda, aos 26 de dezembro de 1649 (na coleção do Autor); Hildebrand, Le Martyr Georges de Geei, págs. 2.45-6, 270-2.].

Uma das primeiras medidas tomadas por Salvador foi o restabelecimento do tráfico de escravos, sem restringir ao Brasil o âmbito de suas ambições. Sabia muito bem, por experiência própria,quanto os colonos espanhóis necessitavam de negros e esperavafazer dessa circunstância uma alavanca para reabrir o tráfico emBuenos Aires, que per fas et nefas havia anteriormente carreadotamanha quantidade de prata para o Brasil e Angola, mas subitamente cessou de fazê-lo após ,a restauração. Tinha conseguido queD. João IV desse permissão para reabrir o tráfico, sob a condição,todavia, de efetuarem os colonos espanhóis os seus pagamentos emprata amoedada ou em barras, porém não em mercadorias. Em verdade, os espanhóis estavam desesperadamente ansiosos por conseguir negros, e o apoio dado pelo rei Filipe IV aos missionários capuchinhos da África era, em grande parte, devido à esperança emque ele estava de importar diretamente escravos do Congo nosnavios que transportavam para lá os missionários capuchinhos.Na história sangrenta e trágica de Angola, o mercador de escravosia sempre na esteira dos missionários, nenhum interferindo indevidamente nos trabalhos do outro. Em Lisboa, até os dominicanosirlandeses estiveram envolvidos nesse vergonhoso tráfico, tendo [Página 291]

exportações de Portugal. Concluíram achando que Angola deviaser ciosamente protegida, visto como os espanhóis poderiam muitobem cobiçá-la, "a fim de terem meios de continuar com a mineração nas índias", e a colônia era de interesse mais vital para aprosperidade do Brasil e, em última análise, para Portugal 00 .Salvador tinha muitos outros encargos e responsabilidadesalém dos esforços que fazia para reabrir o tráfico negreiro com Buenos Aires. Demonstrou grande energia na reparação dos danos sofridos por Luanda durante a ocupação holandesa, e na obtenção,em seus arredores, de terras boas para cultura, sob a forma desesmarias doadas pela coroa. Decretou uma moratória de doisanos para todas as dívidas contraídas antes da invasão pelos holandeses, ato que foi confirmado pelo rei, como era de regra. Deutodo o seu apoio (se é que dele próprio não partiu) a uma proposta da câmara de Luanda referente à cunhagem de moedas decobre de baixo valor, como 25 réis. Introduziu-se, para começar,uma moeda metálica desse valor, com o fim apenas de suplementar, e não substituir a moeda normal, que consistia em quadriláteros de pano de fibra de palmeira (libongos); mas isso foisuspenso por ordem do governo de Lisboa. Tanto o rei como oseu Conselho admoestaram Salvador por causa do que lhes pareciaser uma inovação perigosa, por pensarem que não convinha ensinar aos selvagens ineducados e broncos o verdadeiro valor dos metais. A isso acrescentaram que se houvesse minas de cobre na colônia ou no Congo, esse cobre deveria ser exportado para Portugal,em vez de ser posto em circulação no próprio local. Esse malogrado projeto de Salvador é mais uma prova de suas opiniõe-srelativamente avançadas em matéria de economia, o que tambémé demonstrado pelos esforços que ele anteriormente fizera parafundar uma casa-da-moeda colonial em São Paulo [Arq. Hist. Colon. (de Lisboa), caixa 1, petição de Salvador e dacâmara de Luanda (em 27 de janeiro e 2 de fevereiro de 1649) e "consulta"de 18 de agosto de 1649; correspondência de Luanda interceptada pelosholandeses e traduzida em apêndice a Hoge Raad, Recife, carta de 13 dedezembro de 1649, Rijksarchief, W.I.C., Oude Comp. n.0 65.].

Em maio de 1650 Salvador convocou uma reunião geral doconselho de Luanda para discutir-se a conveniência, ou não, dedespacharem-se colunas punitivas contra alguns sobas que aindanão haviam se submetido formalmente à Coroa. A opinião geralfoi fortemente contrária a qualquer ação dessa natureza. A câ [Página 295]

suía ele na referida área sete mil cabeças de gado bovino e centoe sessenta negros escravos, além de setenta cavalos de sela e muitosoutros bens. Tendo em vista a sua ida para Portugual, entabulouum arranjo com os jesuítas, amalgamando as propriedades quetinha nos Campos dos Goitacá com as da Companhia, sob a condição de serem todos os lucros provenientes do dito arranjo divididos igualmente entre ele e o colégio dos jesuítas do Rio deJaneiro 105•Devemos estar lembrados de que dez anos antes Salvadorprometera aos jesuítas fundar e dotar um colégio no sul doBrasil, de preferência em São Paulo, ou, caso ali não fosse possível, em Santos. Como continuassem os paulistas a serem hostisà Companhia, Salvador não quis esperar por mais tempo, e a10 de junho de 1652 doou formalmente o seu projetado colégiode São Miguel Arcanjo a Santos, juntamente com uma parte daspropriedades que possuía na cidade do Rio de Janeiro. A doaçãofoi feita em seu nome e no de sua mulher, cumprindo à novafundação sustentar doze padres e irmãos jesuítas. O colégio recebeu o nome de São Miguel Arcanjo, em sinal de gratidão pelareconquista de Angola sob os auspícios daquele santo, patronoda expedição 106•A confirmação da profecia do padre João d´Almeida referente à recuperação de Luanda veio aumentar a crença de Salvador nos poderes divinatórios de seu confessor inglês. A primeiracoisa que ele fez quando de lá voltou foi consultar seu pai espiritual a respeito do sucesso e da duração de sua projetada viagema Lisboa. Almeida esquivou-se abertamente a se comprometer;mas, afinal, Salvador conseguiu habilmente engabelá-lo, concordando em que ficaria rezando para que ele chegasse são e salvoa Portugal no dia da festa das Onze Mil Virgens (21 de outubro).O padre Simão de Vasconcellos, que fora testemunha ocular destaedificante comédia, conta-nos que Salvador, ao saber da data marcada nas orações de Almeida, ficou na dúvida sobre se elaseria praticável. Estava-se então no mês de junho, e dificilmentehaveria tempo para ele seguir para a Bahia, reunir ali todos osnavios da frota, e fazer-se à vela num comboio de quase cemnavios, para alcançar o Tejo na data prevista. Mas tudo aconteceucomo o padre d´Almeida havia profetizado, sendo até o próprioSalvador a primeira pessoa a avistar os rochedos de Sintra, a 21de outubro de 1652 [Cf. Simão de Vasconcellos, S.J., ]oam d´Almeida, págs. 240-2. A Vidafoi dedicada por Vasconcellos a Salvador, sendo ela um livro pioneiro sobreo Brasil, "começando com esta primeira obra que destas partes a Companhiamandou à estampa", como ele se expressa em sua dedicatória, datada da Bahia,a 5 de dezembro de 1655. Não quero desmerecer o que é contado por Vasconcellos, mas outras fontes datam de 25 e 30 de outubro de 1652, respectivamente, a chegada da frota a Lisboa. Documentos históricos, V, pág. 51-2; Ericeira, Portugal restaurado, vol. I, livro XI.].

Dois corsários da Zelândia tinham avistado a 10 de agostoessa frota do Brasil ao sul de Tamandaré e levaram a notícia aRecife, fazendo com que as autoridades holandesas locais ficassemmuito alarmadas, visto terem sabido antes, através de prisioneirose de correspondência apreendida, que Salvador estava a caminhocom dezesseis navios, para bloquear a praça, do lado do mar.Não tinham elas nenhuma esperança de resistir naquelas circunstâncias a um ataque dos portugueses, uma vez que a guarniçãoestava desmoralizada, os suprimentos de boca ali deixados davamapenas para dez dias, e no porto havia somente dois navios.Para alívio e surpresa da parte delas, a frota do Brasil continuousua viagem rumo à mãe-pátria, sem se aproximar de Recife. Osconselheiros escreveram então aos seus diretores, na Holanda,dizendo que Salvador sem dúvida sabia que a praça estava prestes a cair, por si mesma, de fome, preferindo assim comboiar arica frota do Brasil que ia a caminho de Portugal, com umacarga cujo valor ascendia a mais de um milhão de coroas. Embora não se tivesse verificado o esperado ataque, logo depois dachegada de Salvador a Lisboa era voz corrente que ele ia serenviado de volta ao Brasil, à frente de uma esquadra de trintanavios de guerra, para conquistar a claudicante colônia holandesa. É provável que esses rumores fossem considerados prematuros, podendo o Brasil neerlandês desfrutar um precário ano dealívio, até que a chegada de outra frota do Brasil, sob o comando de Pedro Jacques de Magalhães e Francisco de Brito Freire, vibrasse o coup de grâce em janeiro de 1654 108.Como é natural, ao chegar, de volta, em outubro de 1652,Salvador foi bem recebido pelo rei, embora não obtivesse todasas recompensas que esperava e ele dizia lhe haverem sido prometidas anteriormente por Sua Majestade. Incluíam-se no númerodelas o título de conde e uma renda anual de mil cruzados. Eratalvez um contra-senso de Salvador esperar que o rei o fizesseconde, visto que isso equivaleria a proclamar ao mundo inteiroque a reconquista de Angola fora sancionada pelo próprio D.João IV. Essa era uma das coisas que o rei fazia mais questãode evitar, a ponto de negá-las peremptoriamente quando os holandeses o acusaram, havia algum tempo, de cumplicidade. Embora se regozijasse com o curso que tomaram os acontecimentos,como era natural, isso não era coisa que ele pudesse proclamarem público. Chegara até a ameaçar Salvador com a forca, porter ido além de suas ordens, quando lhe chegaram as primeirasnotícias da recaptura de Luanda. Por isso contentara-se o rei emfazer algumas modificações de menor importância nos títulos eemolumentos de Salvador, fazendo-o membro do Conselho deGuerra, e autorizando-o a admitir mais dois chefes africanos,como portadores de seu escudo de armas [Cartas de Salvador apreendidas, em Hoge Raad, Recife, carta de 13 de dezembro de 1649, em Rijksarchief, W.I.C. Oude Comp., n. 0 65; De Portogeysen goeden buyrman, pág. 4; A. Lamego, Terra Goytacá, I, pág. 117;Ribeiro de Lessa, Salvador Correia, pág. 50.].

Voltando a Lisboa, Salvador passou a tomar parte importantenas deliberações do Conselho de Guerra (do qual fora feitomembro ausente a 12 de janeiro de 1649) e do Conselho Ultramarino, influenciando assim, de maneira relevante, a políticaportuguesa durante esse período. Um dos assuntos trazidos maisfreqüentemente a discussão era o problema da frota do Brasile de seus comboios anuais. Já vimos que Salvador tinha sido umdos principais advogados do sistema de comboio, contando nissocom o apoio de personalidades influentes, como o padre AntônioVieira e o Dr. Antônio de Sousa Macedo. Durante o tempo emque ele foi governador de Angola o projeto culminou com afundação da Companhia geral do Estado do Brasil, a que foiconcedido o monopólio do comércio marítimo com a América [Páginas 300, 301 e 302]

Capítulo VII"CAPITÃO-GENERAL DO SUL"A idéia de formar com as três capitanias do sul uma áreaautônoma não era nova, e tampouco foi Salvador o primeiro aadvogá-la. A Repartição do Sul tinha sido separada do governoda Bahia no tempo de Salema (1574-8) e, novamente, sob a administração de D. Francisco de Sousa (1608-12). Na primeiraocasião, o "departamento do sul" compreendia toda a região aosul do limite setentrional da capitania de Porto Seguro; na segunda, o Espírito Santo e toda a região que lhe ficava ao sul.Nenhuma das duas experiências deu bom resultado, e ambas duraram pouco tempo. Antes de descrever mais pormenorizadamenteo projeto do próprio Salvador, convém saber qual era a situaçãoquatro anos depois da expulsão dos holandeses, quando todo olitoral, do rio Amazonas no norte até Paranaguá no sul, estavasob o domínio da coroa de Portugal. Essa longa faixa costeiraestava dividida em quatorze capitanias, das quais as três maissetentrionais se achavam fundidas desde 1621, formando o Estadodo Maranhão, que, do ponto de vista administrativo estava separado das outras onze, pertencentes ao Estado do Brasil, propriamente dito. Partindo da capitania do Pará, de todas a mais setentrional, os nomes dessas quatorze capitanias, com a indicação deseus donos, reais ou nominais 1, e das principais produções decada qual, podem ser alistadas como se lê ao lado:

Estado do Maranhão (capital São Luís do Maranhão)1. Pará2. Maranhão3. Cearácoroacoroacoroaalgodão, fumoalgodão, fumoâmbar, pau-roxoEstado do Brasil (Capital Cidade do Salvador, Bahia)4. Rio Grande do coroa gado, fumoNorte5. Paraíba coroa açúcar, pau-brasil, algodão, fumo, linho6. Itamaracá donatário açúcar, fumo, paubrasil, linho7. Pernambuco donatário açúcar, fumo, paubrasil, linho8. Sergipe del Rei coroa gado9. Bahia coroa açúcar, fumo, paubrasil10. Ilhéus donatário nada de importância11. Porto Seguro donatário nada de importância12. Espírito Santo donatário nada de importâneia 2I 3. Rio de Janeiro coroa açúcar, fumo, algodão14. São Vicente coroa gêneros alimentícios,(incluindo Santo ouro de aluvião,Amaro e Ita- madeirasnhaém).As razões pelas quais Salvador advogava a separação das trêscapitanias mais meridionais do resto do Brasil foram expostasnum extenso memorial por ele apresentado em 1646, e se achamresumidas no capítulo V (págs. 233-5) da presente obra. Devemosnos lembrar que embora D. João IV o houvesse nomeado, em dezembro de 1646, governador e capitão-general do Rio de Janeiro, pela terceira vez, não lhe fora concedido o controle autônomo do sul, como era do seu desejo 3• Ocupou o referido postosomente durante os poucos meses que demorou no Rio, quandoestava a caminho de Angola (1648), estando nominalmente subordinado ao conde de Villa-Pouca. Depois da morte de D. João IVele voltou ao cargo, agora com mais sucesso, sendo a sua nomeação como governador e capitão-general da Repartição do Suldatada de 17 de setembro de 1658 4•Salvador revelou mais uma vez o grau da sua ambição aoressuscitar outro projeto seu, que em 1646 fora submetido oficialmente a discussão pela primeira vez. Dizia ele respeito à concessão, a ele e aos seus herdeiros, de uma capitania nova na terrade-ninguém situada entre São Vicente e o rio da Prata. Deveriaa projetada capitania de Santa Catarina abranger trezentas milhas de costa, com extensão indefinida para o interior, comprometendo-se ele a colonizá-la e a fazê-la crescer e prosperar comos seus próprios recursos. Esta sua proposta foi distribuída a umcerto número de altos funcionários e eclesiásticos, entre os quaiso bispo eleito de Angola, a fim de que devidamente a comentassem e sobre ela emitissem opinião. Todos se manifestaram favoravelmente a essa. pretensão de Salvador, visto tratar-se de umaregião muito fértil e perfeita no caso de se desenvolver nasmãos de quem para isso dispusesse de capital e recursos suficientes. Nem ficou esquecida a possibilidade de reabrir-se um tráficoclandestino com Buenos Aires, e de renovar, por essa forma, osuprimento do Brasil em prata da Espanha, artigo muito cobiçado. Contudo, D. João IV pôs o assunto de lado. E quando,morto o rei, quis Salvador tirá-la do esquecimento, a rainharegente parece ter fugido a tomar uma decisão neste ou naquelesentido, a despeito dos pareceres favoráveis de dois novos funcionários aos quais fora outra vez submetido 5. [Páginas 306, 307 e 308]

lendo a 1/8 de onça) e, ocasionalmente muito mais. Mas tratavase de fragmentos isolados, e o terreno em que foram descobertosnão era rico. As primeiras lavras situavam-se todas em leitos derios, ou nos tabuleiros das proximidades. Por isso nas escavaçõesfeitas em Paranaguá, no sul do Brasil, não se repetiram os horrores da minas de Potosi 13.

Embora os paulistas repartissem lealmente entre si as catas,de maneira comunal, repugnava-lhes naturalmente deixá-las cairnas garras dos ávidos funcionários do governo, ou entregá-las aSalvador e seus delegados administradores das minas. Estes últimos, de seu lado, clamavam muitas vezes contra os paulistas,acusando-os de fraudar o erário real no que respeita ao pagamento dos quintos, escondendo a localização e o vulto das minasde ouro e das escavações feitas. Essas queixas aumentaram muitodepois do descobrimento, em 1648, por Gabriel Lara, de novasjazidas, na região de Paranaguá. Notícias desta descoberta chegaram logo à Europa, onde, em 1650, vemm Richard Flecknoe escrever para Roma, ao cardeal seu amigo, que "uma mina de ouro foi ultimamente descoberta em São Paulo e um veio de esmeraldas no Espírito Santo". Esse descobrimento teve como resultado a elevação à categoria de cidade, em 1648, do minúsculo povoado de Paranaguá, e o estabelecimento ali de uma fundição de ouro, que era submetido a ensaio antes de ser transformado em barras, descontando-se os quintos reais. A coroa tinha naturalmente interesse em garantir a sua parte nos lucros, pelo que baixou ordens repetidas a Pedro de Sousa Pereira, provedor mor da fazenda no Rio de Janeiro, e delegado de Salvador, comoadministrador das minas, para que ele visitasse pessoalmente aslavras e verificasse quais eram a sua exata situação e produção [Cartas de Pedro de Sousa Pereira datadas de 20 de maio de 1653, 10 de abril de 1654 e 5 de janeiro de 1656, em Carvalho Franco, O Estado de S. Paulo, XVI. Cf. também a sua provisão de outubro de 1652, em Alfredo Ellis Junior, O bandeirismo paulista, págs. 231-4, no que se refere a pesquisa que simultaneamente se fazia das minas de prata de Sabarabuçu].

Isso era mais fácil dizer do que fazer, por isso que os paulistas se mostravam obstrucionistas como sempre, mas Pedro deSousa Pereira acabou conseguindo visitar as escavações auríferase as lavagens. Fora-lhe possível utilizar os serviços de um mineiroespanhol, cl1amado Jaime Comas, que havia trabalhado durantedezoito anos nas minas do Peru. O espanhol mostrou-se otimistaquanto às possibilidades de encontrar-se um veio muito rico, mas uma série de reveses sucedeu nessa ocasião. Pedro de Sousa Pereira, depois de sua primeira visita a Paranaguá em 1652, enviouamostras do minério para Portugal; mas aconteceu que algumasdelas foram interceptadas pelos holandeses, que, com toda certeza,apreenderam num navio do Rio de Janeiro em 1653, o "esboçode um mapa, onde estava assinalada a posição da mina de ourode São Paulo" 15• Pedro de Sousa Pereira visitou novamente asminas de Paranaguá logo depois que Jaime Comas, em 1658,descobrira um novo veio, igualmente rico; mas nessa ocasião omineiro espanhol morreu inesperadamente - vítima de um acidente, conforme disse Pedro de Sousa Pereira, ou assassinado peloúltimo, na opinião de seus inimigos. O administrador foi posteriormente acusado de vender no Rio de Janeiro uma propriedadetia coroa, recebendo em paga ouro, do que ele enviava paraLisboa, como sendo o quinto das minas de São Paulo e Paranaguá. Isso não parece muito provável, tanto mais quanto temosuma prova independente que Pedro de Sousa Pereira enviou parasua terra quantidade considerável de ouro de aluvião, por contados quintos reais; de uma vez em 1654, pela frota de FranciscoBrito Freire, e, de outra, em 1657, pela de Pedro Jacques deMagalhães 16•Toda essa atividade febril em busca de prata, esmeraldas eouro nas três capitanias do sul do Brasil durante a primeira metade do século XVII serve para explicar a ansiedade que tinhaSalvador de governar uma província autônoma situada naquelaregião, tendo as mãos completamente livres, como capitão-general,administrador-geral das minas e donatário da projetada capitaniade Santa Catarina. Segundo seus cálculos o monte resplandecentede Sabarabaçu devia estar situado, mais ou menos, a trezentasmilhas do Rio de Janeiro e a cerca de duzentas e quarenta deSão Paulo ["Consulta" do Conselho Ultramarino, de 3 de maio de 1677, naRevista trimensal, LXIII, págs. 5-13; patente de Salvador ao seu filho JoãoCorreia de Sá, Bahia, 4 de outubro de 1659, em O Estado de S. Paulo,XVII. Cf. também Pedro Calmon, História do Brasil, II, págs. 318-20].

Se assim fosse, ele não ficaria muito distante daSerra das Esmeraldas, situada no interior do Espírito Santo, demodo que seria fácil fazer contemporaneamente a exploração das [Páginas 314 e 315]

Tomé Correia ficou completamente acovardado diante dosdescontentes de São Gonçalo, e depois de convocar os cidadãosmais importantes e o clero para uma nova reunião, acabou aceictando submissamente as condições do ultimatum. Embora o procedimento de Tomé Correia se parecesse "mais com o de umpaisano do que com o de um soldado", como Salvador escreveriatempos depois, a oposição que havia contra a família Correia deSá não se deu por satisfeita com aquela abjeta condescendência.Às primeiras horas do dia oito de novembro os revoltosos ergueram-se de armas na mão, convocando o povo para uma reuniãogeral no edifício do senado, ao toque dos sinos das igrejas. Vendoque a guarnição havia feito causa comum com os rebeldes, seduzida pela promessa de lhe serem pagos integralmente os atrasados,Tomé Correia foge para o santuário do convento dos beneditinos, como fizeram o provedor-mor Pedro de Sousa Pereira, eoutros parentes e amigos chegados dos Correias. A turba pôs-seentão a saquear as suas casas, inclusive a de Salvador, enquantouma reunião geral declarava que todos os Correias estavam depostos e destituídos de seus cargos, aclamando Agostinho Barbalho (irmão de Jerônimo) como governador 30•Agostinho Barbalho mostrou-se sinceramente relutante emaceitar o cargo, até porque não estava muito a par dos planosdo irmão, que era um dos cabeças da revolta. Procurou abrigono santuário do convento de São Francisco, mas os amotinadoso arrancaram de lá à força, obrigando-o a aceitar a governançae ameaçando-o de morte, caso recusasse. Para salvar a vida, acabouaceitando; mas muito breve mostrou para que lado iam as suassimpatias, aconselhando os refugiados de São Bento a voltar paraas suas casas na cidade, e chegando a tentar a reintegração dealguns deles em seus cargos. Isso deu lugar a uma outra reviravolta nos ânimos. Em dezembro de 1660, Tomé Correia de Alvarenga, Pedro de Sousa Pereira e Martim Correia Vasques, comas suas respectivas famílias, foram presos pela populaça amotinada, e embarcados para Portugal, com uma longa lista deacusações contra os Correias. Enquanto isso, os rebeldes forçaramo ouvidor Dr. Pedro de M ustre Portugal, a redigir uma novapauta e as listas eleitorais para o senado da câmara, organizandouma eleição imediata, em que se escolheram, entre o povo, 05que deviam substituir os conselheiros tidos como partidários dos [Páginas 327]

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