' Tupinambás, Pensar a História - 15/06/2023 de ( registros) Wildcard SSL Certificates
font-size:75;' color=#ffffff
2019
2020
2021
2022
2023
2024
100
150
200
Registros (492)Cidades (0)Pessoas (0)Temas (0)


c
Tupinambás, Pensar a História
15 de junho de 2023, quinta-feira. Há 1 anos
Manto Tupinambá do século XVI, conservado no Museu de Arte e História de Bruxelas, na Bélgica. Fotografia de Lívia Melzi. Obras-primas da arte plumária, os mantos Tupinambás estão entre as mais belas e raras peças da cultura material produzida pelos povos indígenas do Brasil. Somente onze exemplares desses mantos chegaram aos nossos dias — e nenhum deles está no Brasil.

Os Tupinambás foram os primeiros indígenas com quem os portugueses tiveram contato quando desembarcaram no Brasil em 1500. A organização social, os hábitos e rituais religiosos dos nativos impressionaram enormemente os colonizadores e viajantes — sobretudo as práticas ritualísticas antropofágicas, que moldariam a visão do "homem selvagem" presente no imaginário europeu.

Os rituais Tupinambás se tornaram objeto das crônicas de Hans Staden e Jean de Léry e foram difundidas pelas xilogravuras de Théodore de Bry, alimentando a curiosidade sobre o "exótico Novo Mundo". A fim de saciar a curiosidade dos europeus, dezenas de Tupinambás foram retirados de suas aldeias e enviados para a Europa. Em 1550, por exemplo, um séquito de 50 Tupinambás foi enviado para a França para servir de "atração" aos festejos da chegada do rei Henrique II à cidade de Rouen.

Tupinambás levados
1550, domingo (Há 474 anos)
 Fontes (2)

A fascinação pelo "exótico" também alimentou o comércio dos artefatos produzidos pelos Tupinambás. Tacapes, coifas e colares de concha se tornaram itens muito apreciados por colecionadores europeus. De reis e príncipes aos burgueses enriquecidos com o comércio de especiarias, todos queriam objetos que remetessem aos Tupinambás. Os suntuosos mantos emplumados utilizados pelos Tupinambás em cerimônias religiosas e festividades, entretanto, eram os artefatos mais cobiçados. Os mantos Tupinambás eram objetos sagrados, reservados ao uso do pajé, reconhecido como mediador entre o mundo dos homens e o mundo dos "encantados" — os espíritos vivos que habitam as florestas. Possuíam uma fatura esmerada, com uma malha finamente trançada com fibras naturais, geralmente algodão ou tucum, reforçada com cera de abelha. A plumagem era vívida, predominantemente escarlate, constituída por milhares de penas de araras, araúnas, guarás e periquitos.

Além da beleza, os mantos Tupinambás evocavam os rituais antropofágicos, que tanto intrigavam os europeus. O fato de que o traje Tupinambá era reservado ao uso do pajé também permitia paralelos com os "mantos reais" dos monarcas europeus, contribuindo para sua conversão em símbolo de status. Obras de arte produzidas no período atestam o fascínio que os mantos exerceram sobre as cortes europeias. Uma aquarela alemã datada de 1599 retrata membros da corte durante uma cerimônia festiva em Stuttgart, ostentando um exemplar do manto emplumado. Essas evidências também são encontradas na retratística oficial do século XVII. Os retratos de Sofia de Hanôver, a Duquesa de Brunsvique-Luneburgo, e Maria Stuart, esposa de Guilherme II, por exemplo, mostram as princesas envergando o manto Tupinambá como símbolo da realeza.

Parade of the Queen of America
1599, sexta-feira (Há 425 anos)
 Fontes (2)

Todos os mantos tupinambás conhecidos foram enviados para a Europa entre os séculos XVI e XVII. Maurício de Nassau levou um conjunto dessas peças ao retornar para os Países Baixos em 1644. Outros foram remetidos a Roma por missionários, como evidências da conversão dos Tupinambás à fé cristã. Herdados das coleções reais e gabinetes de curiosidades, os mantos passaram a integrar os acervos dos museus europeus. Onze exemplares de mantos tupinambás chegaram aos nossos dias.

O príncipe João Maurício, conde de Nassau, que na véspera embarcara n...
23 de maio de 1644, segunda-feira (Há 380 anos)

Cinco desses estão na Dinamarca (Museu Nacional, em Copenhague) e três na Itália (um na Pinacoteca Ambrosiana de Milão, um na Basílica de São Lourenço em Florença e outro no Museu de Antropologia e Etnologia, também em Florença). Os outros mantos estão na Bélgica (Museu de Arte e História de Bruxelas), na França (Museu do Quai Branly em Paris) e na Suíça (Museu das Culturas de Basileia).

A transformação dos mantos sagrados dos Tupinambás em decoração "exótica" de ambientes palacianos levou progressivamente à perda dos vínculos culturais dessas peças. Os europeus buscaram repaginá-los, adequando a identificação das peças ao gosto de cada época. O manto conservado em Bruxelas virou uma "capa de Montezuma" e passou a ser associado a uma origem mexicana. Já a peça mantida na França foi vinculada ao povo Galibi das Guianas. No Brasil, os Tupinambás sofriam ataques ainda mais severos. Malgrado a resistência heroica capitaneada por Aimberê durante a Confederação dos Tamoios, os Tupinambás foram subjugados pelos colonizadores. Foram expulsos de seus territórios, privados de suas tradições, submetidos ao trabalho escravo e todo tipo de violência. Entre os séculos XVIII e XIX, o povo Tupinambá quase foi erradicado, vitimado por doenças ou pelos massacres perpetrados por colonizadores. O Estado brasileiro chegou a decretar, erroneamente, a extinção da etnia.

A retificação da origem cultural dos mantos Tupinambás conservados na Europa ocorreu somente na década de 1930, quando o antropólogo Alfred Métraux empreendeu uma vasta pesquisa sobre os relatos dos viajantes do período colonial. No mesmo período, Caboclo Marcelino liderava a resistência dos Tupinambás contra os ataques da elite cacaueira no sul da Bahia. O lobby dos latifundiários e grileiros por muito tempo justificou a invisibilização dos nativos. Os Tupinambás somente foram reconhecidos legalmente como etnia indígena em 2001. Desde então, realizam ações de recuperação de suas terras. Obtiveram uma importante vitória em 2009, quando o governo deu início à demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, localizada em Ilhéus. O processo, entretanto, ainda não foi concluído e a comunidade segue sofrendo ataques de latifundiários e posseiros.

Além das terras, os Tupinambás também lutam para restaurar sua herança cultural. Um marco desse processo ocorreu no ano 2000, quando o Museu Nacional da Dinamarca emprestou um dos seus mantos Tupinambás para a "Mostra do Redescobrimento", sediada no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. A vinda do manto fomentou um debate sobre a restituição do patrimônio indígena e motivou a comunidade Tupinambá a criar ações de valorização e resgate de sua cultura. Glicéria Tupinambá, jovem liderança da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, estudou de perto o processo de confecção do manto conservado em Paris. Desde então, Glicéria tem se dedicado a produzir réplicas dos mantos para uso cerimonial da comunidade. Um dos mantos de Glicéria foi doado ao Museu Nacional do Rio de Janeiro em 2006 e, felizmente, sobreviveu incólume ao incêndio que destruiu a instituição em 2018. Não houve avanços rem relação aos mantos históricos conservados nos museus europeus. Passados 23 anos desde a realização da Mostra do Redescobrimento, ainda não há nenhuma iniciativa em prol da devolução das peças.

Fontes e referências:

Catálogo da exposição "Kwá Yepé Turusú Yuriri Assojaba Tupinambá - Essa é a grande volta do manto Tupinambá", com textos de Juliana Gontijo, Juliana Caffé, Glicéria Tupinambá e Augustin de Tugny.

"Expor o sagrado: O caso do manto tupinambá na exposição Kwá Yepé Turusú Yuriri Assojaba Tupinambá". Artigo de Juliana Caffé e Juliana Gontijo na revista "Modos".

"Longe de casa", reportagem de Elisangela Roxo na revista Piauípiaui.folha.uol.com.br/materia

Brasilbook.com.br
Desde 27/08/2017
27868 registros, 14,570% de 191.260 (meta mínima)
655 cidades
3218 pessoas
temas

Agradecemos as duvidas, criticas e sugestoes
Contato: (15) 99706.2000 Sorocaba/SP