Nota da editora: Texto sem revisão Nos primeiros dias de janeiro de 1908, em Sarapuí, fora descoberto um fato monstruoso: um homem, Antônio Marques Quevedo, jazia em carcere privado, há vinte e cinco anos, preso por uma grossa corrente de ferro, dentro de um quarto escuro e imundo, onde o desgraçado mal podia respirar, e curtia os horrores da fome e da sede.
Os pormenores diziam que o mártir estava como um esqueleto; mas o e mais profundamente impressionou a opinião foi saber-se que a autora desse horrível martírio era a própria mãe da vitima, Maria Marques Quevedo.
Foi difícil a policia local conter o povo, indignado, disposto a fazer justiça por suas próprias mãos. Tomadas, porém, todas as providencias que o caso requeria foi Quevedo retirado do carcere e transportado para a cidade de Pirapetinga.
Quando ele chegou aquela cidade, houve algo mágico no espirito da população. Todos correram para a delegacia para ver, espantados o desventurado com a pele sobre os ossos, num verdadeiro estado de mumificação.
Seus olhos eram de um brilho quase apagado, seu lábio era de uma larga expressão de amargura e era como uma espécie de medo que ele encarava as centenas de pessoas que foram vê-lo, não proferindo uma palavra.
Recolhido a uma casa de família, foi-lhe dada alimentação que, a principio, o desgraçado recusou, tão desacostumado estava de tal caridade, ou, quem sabe? Ou queria ele apressar a morte?
Alguns dias depois, a instancias da respectiva autoridade, foi o martir removido para a capital de São Paulo.Um jornal paulista relata a viagem:"Ontem, de manhã, Antonio Marques Quevedo foi conduzido para a estação da Estrada de Ferro Sorocabana. O recinto estava repleto de gente. Não de podia transitar por ali.
Quando da carroça do escrivão de policia de Sarapuí tomou o infeliz nos braços e o conduziu para uma carruagem reservada de segunda classe, na multidão houve um sentimento de espanto e dor.
Ninguém queria acreditar que esse infeliz estivesse durante vinte e cindo anos sob o mesmo teto em que vivia sua própria mãe.
As mulheres do povo comentavam o fato com indignação. Algumas traduziam desejos de vingança, pediam a aplicação de um castigo nessa que, dizendo-se mãe, deixara chegar o seu filho a um tal estado de pobreza moral e física.
A mulher de um açougueiro, fechando punho, ameaçador, vociferava: - Se me deixassem, a mãe havia de ir para o matadouro e ter ali o mesmo destino que teve ontem minha vaca Moura!
Muitas mulheres disseram "apoiado"! E outras riram--se de semelhante ideia.Mas toda a gente se sentia sensibilizada diante de tão grande infortúnio.
EM algumas estações, entre as quais Boituva e Sorocaba, as respectivas plataformas estavam coalhadas de gente.
E agora a chagada á capital paulista:
Já as 6 horas, na estação da Sorocabana, desta capital, a multidão de curiosos era enorme e, cá fora, rodeando o carro da policia, havia para mais de quatrocentas pessoas.
Vários policias afastavam os curiosos para facilitar o transito. igual serviço foi feito na "gare". As 7 horas o trem entrou na estação, onde havia cerca de mil pessoas.
Toda essa gente, mal o trem parou, se precipitou para o vagão em que vêm diversos policiais.
O escrivão de Sarapuí, Sr. Manuel Constâncio, pega então em Antonio Marques Quevedo e o conduz, nos braços, até o carro da polícia.
Quando o mártir de Sarapuí atravessou a multidão, desta partiram exclamações de verdadeiro horror.
É que nos braços do funcionário de Sarapuí não ia um homem, mas um esqueleto, um conjunto mísero de ossos!
Estavam ali de serviço o delegado Rudge Ramos e o médico legista Dr. Marcondes.O Dr. Marcondes Machado examinou Quevedo rapidamente, depois do que, por ordem da autoridade policial, o acorrentado de Sarapuí foi conduzido a uma das salas do xadrez.
Ali iam vê-lo vários jornalistas, que puderam constatar a fidelidade com que descreveram a miséria física em que estava Quevedo em Sarapuí.
As 8 horas e meia o Dr. Rudge Ramos determinou que o infeliz fosse transportado para o Hospital da Santa Casa da Misericórdia, o que foi imediatamente cumprido.Quevedo foi colocado num estabelecimento de caridade, para ver se era possível restituir-lhe o vigor físico de outros tempos.
Um médico que o vira na estação, afirma que é um caso perdido. O marasmo invadiu aquele corpo quase inanimado.
O que em Quevedo ainda havia era um lampejo de vida, não sabia-se se consciente ou inconsciente.
O texto encerra dizendo que é triste para um jornalista do século XX transmitir ao publico uma cena de tão trágica, na qual o pepel sinistro do algoz é desempenhado por uma mãe estupida e feroz, a quem a justiça deve tomar sérias contas.
Fonte: Jornal O Malho (RJ) facebook.com/sorocaba24hrs/ posts/549959662436451