Crime da Bala de Ouro é como passou à história o feminicídio praticado em Salvador pelo professor Silva Lisboa contra Júlia Fetal, escandalizando a sociedade baiana na primeira metade do século XIX.
A vítima
Júlia Fetal era filha do comerciante luso João Batista Fetal com a francesa Julliete Fetal, havendo nascido no ano de 1827.
A filha dos Fetal era considerada uma das moças mais "prendadas" da cidade: estudara piano, letras, religião, francês e inglês, bordado e pintura. Quando era uma bela jovem de dezenove anos, branca e de cabelos pretos, ficara noiva do professor João Estanislau da Silva Lisboa (que lhe dava aulas de inglês; de coração inconstante, no dizer de Jorge Amado, teria flertado com um rapaz seu vizinho, o estudante do quinto ano de direito Luiz Antônio Pereira Franco (entre outros, ainda conforme Amado).
Jorge Amado assim descreve a vítima: "A todos Júlia Fetal namorava. Um professor, doido de amor, noivou com ela, pediu-lhe a mão em casamento. Júlia Fetal não nascera para noiva nem para esposa. Nascera para amante, para beijos furtados, para encontros clandestinos."
O crime
Enciumado, seu noivo derretera a aliança do futuro casamento e com seu ouro confeccionara a bala com a qual assassinou a prometida, no dia 20 de abril de 1847, quando esta tinha apenas vinte anos de idade.
Ele teria sido por ela rejeitado, o que o descontrolou a ponto de perder a razão e invadir a casa da moça, atirando-lhe no peito e atingindo o coração.
Segundo Maria A. Schumaher o episódio da bala de ouro seria fantasioso: "Uma das histórias que se contam diz que João Estanislau derreteu as alianças de ouro do casal e fez uma bala de pistola, com a qual tirou a vida de Júlia." A versão da bala de ouro teria derivado de um boato, após ser retirada pelo médico legista.
Silva Lisboa cumpriu pena no Forte do Barbalho, ao passo em que Júlia foi sepultada na Igreja da Graça, próximo ao jazigo de Catarina Paraguaçu. Neste túmulo está um soneto de Adélia Josefina Fonseca em sua homenagem.
A cena do crime
O sobrado em que morava Júlia pertenceu depois aos pais do poeta Castro Alves; na época ainda criança, este teria ouvido história dos fantasmas que rondavam o velho casarão.
Embora o imóvel descrito como a primeira morada de Castro Alves na capital baiana permaneça inteiro, Nelson Cadena informa que o mesmo foi alvo de incêndio antes da mudança da família de Castro Alves, que o teria reformado e alterado as feições originais; diz ainda que este ficaria num local da atual Praça da Piedade, na avenida 7; finalmente informa que no século XX, possivelmente após outro incêndio, foi demolido e nova construção foi erguida no lugar.
Reabilitação do homicida
Condenado a catorze anos de prisão, Silva Lisboa teve a Santa Casa de Misericórdia a interceder junto a D. Pedro II pela diminuição desse tempo pois, numa epidemia em 1855, teria prestado assistência aos doentes, ele próprio um dos afetados. Ele, entretanto, enviara uma carta ao Imperador, solicitando que o pedido não fosse atendido o pedido de indulto, por não se julgar merecedor de perdão.
Após sua soltura, voltou a lecionar; deu aulas de geografia e inglês no liceu da capital, onde fora seu aluno Ernesto Carneiro Ribeiro, e depois em outros colégios, chegando em 1876 a publicar livro didático de geografia, intitulado "Atlas Elementar" e, no ano seguinte, convidado a integrar a Comissão da Reforma da Instrução Pública; pouco depois, doente, viajou para a Europa, morrendo a seguir.
Impacto cultural
Após a publicação do livro de Pedro Calmon, a bala fora exposta no Museu Feminino da Bahia, onde os que a viram diziam ser mesmo de chumbo, e não de ouro.
Júlia Fetal é nome de rua, na capital baiana. Inspirou a autora Elisabeth Jhin a escrever a novela Espelho da Vida. A atriz Vitória Strada interpretou Júlia Castelo, personagem correspondente a Júlia Fetal.