A Fera de Macabu: o maior erro do judiciário brasileiro
1 de abril de 1852, quinta-feira. Há 172 anos
Manoel da Motta nasceu na fazenda do Coqueiro, município de Campos dos Goytacazes, em fevereiro de 1.799, embora em sua certidão de nascimento conste como 17 de agosto de 1.802. Este era filho de Manoel José da Motta, administrador da fazenda, e Anna Francisca do Nascimento; fato comum à época, teve em seu nome acrescentado ‘Coqueiro’ em virtude de ter nascido na Fazenda Coqueiro. Com seus dois irmãos – Antonio Francisco e Anna Francisca – passou toda sua infância na fazenda administrada pelo pai.
Em um dia no ano de 1819, seu amigo e primo Julião Baptista Coqueiro, filho de seu padrinho Manoel Baptista Pereira, apresentou-lhe sua noiva, uma belíssima moça chamada Joaquina Maria de Jesus. Como estudaria no Rio de Janeiro, Julião pediu ao primo que olhasse por sua noiva.
E Coqueiro assim o fez mas, de tanto concentrar todos os olhares em Joaquina, se apaixonou por ela e a desposou em 07 de fevereiro de 1.820, deixando Julião profundamente humilhado, jurando-lhe vingança eterna – o que o levou a persegui-lo de todas as maneiras, abusando do prestígio de sua família, manipulando forças politicas de seu irmão José Bernardino Baptista Pereira de Almeida (que foi Ministro da Justiça e da fazenda de D. Pedro I) e aproveitando-se de sua ligação familiar com o visconde de Maranguape para apressar, dentro do próprio palácio imperial, a execução de Coqueiro anos mais tarde.
Para Coqueiro, o casamento com Joaquina só lhe trouxe tragédias: rendeu uma inimizade com seu primo, que lhe custaria a vida; não lhe trouxe dote algum e, por fim, não desfrutou do amor de Joaquina por muito tempo, pois, em 14 de março de 1823, devido a uma grave infecção pulmonar, esta morreu quase que instantaneamente.
Logo depois da morte de Joaquina, Coqueiro, começando por uma herança recebida de um tio-avô, foi adquirindo outras fortunas, ampliadas ainda mais após casar no fim de 1832, com uma prima de seus primos, Úrsula Maria das Virgens Cabral. Ganhou notoriedade na região e, após nove anos de casamento, acumulava cinco boas fazendas e bons plantéis de escravos. O casal sempre tivera cuidado com os escravos que possuíam para não perde-los com doenças, e nem mesmo os castigavam com severidade por qualquer razão, prática comum dos grandes senhores rurais.
Em meados de 1847, com a crise no tráfico negreiro e a pressão da Inglaterra para encerrar esta pratica mercantil, o Império passou a substituir a mão-de-obra escrava pela utilização de colonos livres, pratica já comum na Europa. Coqueiro foi um dos primeiros a aderir a esta experiência e, por intermédio de seu vizinho e amigo, José Pedro Gomes de Moura, conheceu Francisco Benedito da Silva, casado e com seis filhos; um colono trabalhador, mas que tinha um histórico de embriaguez e de arrumar brigas com as escravarias.
Dentre os escravos de Coqueiro na Fazenda Bananal, sobressaía a liderança da negra cabinda Balbina, casada com Fidélis, o feitor da fazenda, e que tinha relações amorosas secretas com Manuel João de Souza Mosso, um negro liberto agregado da fazenda e casado com a escrava Carolina, sobrinha de Balbina. Quando o colono Francisco Benedito chegou, havia receio de que maltrataria os escravos.
Ao descobrir os encantos que eram as filhas de Francisco Benedito, Coqueiro se apaixonou por uma delas – Francisca – tendo passado a ir com mais frequência à Fazenda. Certo dia, Francisco pediu para construir uma choupana, o que foi autorizado por Coqueiro; porém, este descobriu que Francisco havia construído a choupana fora do local onde haviam combinado, o que fez com que se desentendessem.
Em abril de 1852, em uma visita de Coqueiro à Fazenda Bananal, este embrenhou-se em um encontro mais demorado com Francisca, ficando quase dois dias inteiros sem que ninguém os visse, o que resultou na gravidez da moçoila. Por isso, Coqueiro tentou, sem sucesso, mandar Francisco embora de todas as maneiras.
Certo dia, Coqueiro foi surpreendido por sua esposa, que disse saber da relação dele com Francisca e da gravidez. Coqueiro então marcou um encontro com Francisca mas, quando estava indo ao local, foi espancado brutalmente por dois homens que o esperavam escondidos. Para se proteger, Coqueiro passou a andar acompanhado por um homem baixo, forte, pardo e analfabeto, chamado Florentino da Silva, o Flor, a partir do início de junho de 1852.
Em uma das indisposições criadas entre eles, Francisco Benedito desembalou e jogou no rio carga de madeiras que seriam vendidas a comerciantes por Coqueiro; então, Fidélis, o feitor da fazenda, organizou um grupo de escravos, sem conhecimento de Coqueiro, para punir Francisco Benedito, mas, chegando em sua residência, foram afugentados pela família que estava municiada de espingardas, foices e paus. Não tardava a chegar uma resposta.
No dia 11 de setembro, Coqueiro chegou na Fazenda Bananal por volta das 23 horas, em uma canoa remada pelos negros Peregrino, Sabino, Tomás, Catarina, e seu capanga, Flor. Todavia, em razão das fortes chuvas, foi para casa encontrando um grupo de amigos, com os quais ficou durante a noite toda, inclusive com eles dormindo em sua residência em razão das fortes chuvas. Naquela noite, enquanto comiam e bebiam, a 1300 metros dali houve um assassinato coletivo, tendo os ruídos e gritos abafados pela noite de trovões.
Nesta mesma noite, de 11 para 12 de setembro de 1.852, era lua nova e chovia demais. Um grupo de homens ligados à Fazenda Bananal abordou a casa de Francisco Benedito e iniciou uma chacina. Quando percebeu o ataque, o jovem José Benedito tentou fugir para buscar socorro, sendo morto por uma violenta paulada que lhe rachou o crânio; em seguida, os assassinos arrombaram a porta principal e mataram todos: Francisco Benedito foi retalhado por golpes de facão e foice; em seguida, sua mulher, Amélia, morreu com golpes de pau e foi esganada por um dos assassinos. As crianças menores foram trucidadas sem pena, com quantas pauladas bastassem até que não mais se movessem. Não perceberam que as duas filhas de Francisco Benedito haviam fugido pela janela.
Ao deixar a casa, um clarão de raio revelou uma das filhas que havia fugido e estava na árvore. Era Maria, qual foi agarrada pelos homens e morta ali mesmo. Francisca, mais acima, viu sua irmã ser morta a pancadas, tremendo de medo e de frio. Os homens amontoaram os corpos em um dos cômodos da casa e atearam fogo. Tão logo saíram para o mato, a chuva caiu mais forte, apagando o fogo, deixando a cena do crime quase que intocada.
Após ter certeza que não havia mais ninguém ali, Francisca desceu da árvore e correu sentido contrário a Fazenda Bananal. Vagou solitária até ser encontrada na tarde seguinte, sendo levada até a fazenda de André Ferreira dos Santos, outro inimigo de Coqueiro, onde, em estado de choque e traumatizada, não conseguiu falar nada.
Quando viu Francisca chegar em estado de choque, André já sabia o que tinha acontecido, e sequer esperou pelo subdelegado Oliveira, que era a autoridade máxima da região: mandou ofício ao delegado de Macaé, formalizando a denúncia de crime coletivo, acusando Coqueiro.
Apenas na terça feira, dia 14 de setembro, os escravos, após notarem uma revoada de urubus em torno de onde ficava a palhoça de Francisco Benedito, perceberam que havia ocorrido uma chacina, qual foram imediatamente contar para Coqueiro que, em pânico por saber que seria acusado pelo crime, convocou todos os escravos para arrancar deles uma confissão. O pajem Carlos admitiu que estava entre os assassinos. Coqueiro avançou sobre ele e o puniu severamente; diante disso, nenhum outro escravo admitiu ter participado.
A partir daí começou o calvário de Manuel Motta Coqueiro. Os inimigos levaram uma caixa com todas as peças de roupas dos mortos, rasgadas e ensanguentadas. Com medo da sequência dos fatos, Coqueiro, após uma conversa com Úrsula, decidiu fugir, mesmo contra a opinião desta e de seu filho, que o avisaram que pareceria estar assumindo o crime. Após forte apelo dos jornais – que cumpriram papel fundamental no pré-julgamento de Coqueiro – e ampla divulgação do caso, foi preso na Vila do Itapemirim.
Da prisão de coqueiro à extinção da pena de morte
Dinis mandou Coqueiro até Campos dos Goytacazes montado em um jumento, com as pernas amarradas por baixo da barriga da montaria e as mãos algemadas, acompanhado de uma escolta de cinco homens armados; nas noites, era amarrado em árvores. Uma multidão ali concentrada gritava impropérios, tendo a polícia que conter os manifestantes.
Para os inimigos de Coqueiro era importante manter a imprensa acesa, para atrair a atenção de Dom Pedro II, pois sabiam que o imperador se impressionava com o que era veiculado nos jornais. No dia 02 de novembro, o jornal Diário do Rio de Janeiro reproduzia a cena da chegada de Coqueiro a Campos dos Goytacazes, surgindo a partir desta publicação o apelido “A Fera de Macabú”.
Coqueiro foi colocado na cela mais segura da cadeia pública de Campos dos Goytacazes, com um sentinela à porta em tempo integral. De madrugada, sua esposa Úrsula, acompanhada pelo filho André, conseguiram visitar o marido. Ela chorou muito e saiu amparada. Mais tarde, um amigo da família tentou lhe entregar um pequeno vidro com veneno, mas Coqueiro recusou o suicídio esperando provar sua inocência. Para chamar a atenção da mídia e do povo, os inimigos de Coqueiro, que comandavam as investigações, começaram a prender um a um dos escravos e os aterrorizavam, para que prestassem depoimentos assustados e manipulados. Diziam, ainda, que se dessem depoimentos que incriminasse Coqueiro, deixariam de ser escravos.
Após o depoimento de uma testemunha chamada Bento Pereira da Silva, foram presos Flor e um “capanga” conhecido como Faustino, acusados de serem os executores a mando de Coqueiro. O que ficou claramente demonstrado, é que o interesse em incriminar Coqueiro e a intenção de leva-lo a forca era tanta, que a polícia não checou diversas informações importantes, como a presença de visitantes na casa de Coqueiro na noite do crime, álibi que poderia tê-lo inocentado. Nenhum dos visitantes foi convocado a depor.
Pressionado pela opinião pública, Pacheco pronunciou rapidamente os réus Manoel da Motta Coqueiro como mandante, Florentino da Silva, Faustino Pereira da Silva, o feitor Fidélis e os escravos Domingos, Alexandre, Peregrino, Sabino e Guilherme, e o menor Carlos, como executores. O trâmite foi veloz: o crime ocorreu em 11 de setembro de 1852, os últimos acusados foram presos em outubro, os interrogatórios terminaram em novembro, o sumário de culpa foi concluído no dia 29 de dezembro e, em janeiro de 1853, o processo foi à apreciação do promotor para oferecer a denúncia; no dia 07 de janeiro o juiz expediu convocações e precatórios para o primeiro julgamento, marcado para o dia 17 de janeiro.
O libelo do promotor Paulino Ferreira do Amorim mudou completamente os rumos da acusação. Dos dez acusados, sem nenhuma razão objetiva, ele acusou somente quatro pessoas, sendo estas Coqueiro, Faustino, Domingos e Flor. O promotor os denunciou por infringência ao artigo 192 do Código Criminal Imperial reconhecendo homicídios em grau máximo com vários agravantes, qual a pena máxima era a morte na forca.
forca
O promotor os denunciou por infringência ao artigo 192 do Código Criminal Imperial reconhecendo homicídios em grau máximo com vários agravantes, qual a pena máxima era a morte na forca.
O primeiro julgamento foi preparado como grandes espetáculos teatrais: o advogado Luiz José Pereira da Fonseca se esforçou ao máximo para reunir novas provas, testemunhos ou indícios no curto espaço de tempo que teve até o dia de julgamento. Este pedia mais prazos argumentando o cerceamento da ampla defesa, mas nada parecia mais importante para as autoridades e para o juiz do que condenar os acusados e puni-los exemplarmente, fossem culpados ou não. Chegavam pessoas de todos os lados, de navio, a cavalo, de carroça ou remando em canoas. As pessoas não entendiam o porquê do julgamento se a mídia já havia condenado e a população confirmado o veredicto.
Na acusação atuaria o promotor José Peixoto Ypiranga dos Guaranys; como advogado dativo de Domingos, o juiz escalou o mesmo defensor de Flor e Faustino, o dr. Luiz José da Costa e Souza. Na véspera do julgamento, as roupas das vítimas ensanguentadas, apesar de serem peças do processo, apareceram penduradas em postes nas principais ruas junto a cartazes que incitavam a população contra os acusados. Nos dias antecedentes ao julgamento, o juiz Almeida Couto disse a pessoas próximas que estava tão convencido da culpabilidade de Coqueiro que nem estudaria o processo a fundo, já antecipando que seria parcial.
Os jurados só saíram da sala secreta às 02h00min do dia 19. O presidente do corpo de jurados, Manoel dos Passos Silva Brasiliense, comunicou ao juiz que o conselho considerava Manoel da Motta Coqueiro culpado como mandante das mortes de Francisco Benedito da Silva e sua família, e os três acusados culpados pela execução dos crimes. Os jurados concordaram sempre por unanimidade, com quase todas as agravantes listadas pelo promotor, condenando desta forma os acusados a pena máxima, a morte na forca.
Quando o juiz emitiu a sentença no dia 19 de janeiro foi intensamente aplaudido dentro e fora do fórum, com foguetes estourando para saudar a condenação. Os advogados recorreram, mas Coqueiro, desapontado com o desempenho de seu advogado dispensou seus serviços. O presidente da província julgou procedente o recurso para que fosse efetuado um novo júri, para não haver dúvidas quanto a condenação à morte na forca. O juiz Almeida Couto agiu com imensa alegria e marcou novo julgamento para 28 de março de 1953, apenas 68 dias após terminado o primeiro julgamento.
Assim, no dia 28 de março de 1853, às 10 horas da manhã, iniciou o segundo julgamento de Manoel da Motta Coqueiro. O advogado Tinoco fez uma defesa brilhante, argumentando a falta de provas materiais e a fragilidade dos depoimentos, sustentado em suposições de escravos. Acusou os escravos de terem executado as mortes para acusarem seu senhor e conseguirem a liberdade da escravidão. Mas por mais que se esforçasse, não conseguiu sensibilizar o júri, qual já estava decidido pela condenação. As decisões do segundo júri também foram da mesma forma que o primeiro julgamento. Desta forma estava decidido: Coqueiro foi condenado a morte na forca.
Todavia, alguns meses depois do segundo julgamento, quando os ânimos começaram a esfriar, as críticas à forma e ao resultado dos julgamentos timidamente surgiram, crescendo as pessoas que achavam que o caso Coqueiro merecia uma revisão.
Após o segundo julgamento, a defesa de Coqueiro entrou com diversos recursos, sendo o recurso de revista negado em 12 de maio de 1854 por 17 ministros. No dia 20 de junho de 1854 foram julgados improcedentes também os recursos de Flor, Faustino e Domingos. Em 17 de setembro de 1854 fora negado por completo o último recurso de Coqueiro. Restavam a eles somente a petição de graça. A defesa de Coqueiro nem havia esperado a decisão do último recurso e já havia protocolado petição implorando a graça imperial, sua última cartada.
Havia dois anos que o terrível crime esperava para ser punido. A graça foi rejeitada por unanimidade pela Seção de Justiça do Conselho de Estado e o parecer foi enviado ao imperador com o seguinte conselho: “O réo Manoel da Motta Coqueiro não merece a Imperial Clemencia”. Tratava-se apenas de questão de tempo, pois era impensável que Dom Pedro II rejeitasse a decisão do Conselho de Estado e foi o que aconteceu, negando a Coqueiro a graça imperial. Então, o ministro dos Negócios da Justiça, José Thomaz Nabuco Araújo mandou cumprir a sentença.
No dia 01 de março de 1855, trabalhadores foram enviados para construir a forca onde Coqueiro seria morto, o que há atraía uma multidão. Na manhã do dia 03 de março, quando a forca ficou pronta em Macaé, Coqueiro foi tirado de sua cela na Casa de Correção e entregue a uma tropa de 52 homens do Corpo Municipal Permanente do Rio de Janeiro. Considerando que o Corpo Permanente tinha 419 homens em 1850, estima-se que 12,5% de todo o efetivo foi designado para acompanhar um único preso.
Coqueiro pediu para falar com um padre, que chegou às 17h; padre Freitas era treinado para casos de condenados a morte e foi tomar a confissão e dar consolo ao condenado, que falou sem parar durante um bom tempo, sem ser interrompido. A medida que Coqueiro falava a testa do padre franzia pouco a pouco, ficando assustado com o que ouvia. Quando a confissão terminou, o padre levantou-se tenso, despediu-se de Coqueiro e seguiu para fora da cadeia com uma expressão perturbada e atormentada. Acreditava ainda que o padre Freitas pudesse postergar os votos sagrados da Igreja e usasse a confissão para arrancar a absolvição. Mas não aconteceu.
Desta forma, às 04h30min do dia da execução, Coqueiro concentrou-se para fazer o que antes havia negado: pegou um pequeno caco de vidro que achou na cela e fez vários cortes no pulso esquerdo. No entanto, um gemido de dor e o barulho das correntes alertaram o carcereiro, que chamou a guarda aos gritos, e controlou o sangue que jorrava. Terminava ali a última esperança de Coqueiro para morrer com o mínimo de honra.
Chegou então o dia 06 de março de 1855, uma terça feira nublada de outono. Coqueiro foi vestido com uma bata branca, sem bolsos, traje obrigatório dos enforcados. Prenderam seus braços com grossos braceletes de ferro.
Os milicianos abriam caminho até a forca. O carrasco se adiantou, braços cruzados sobre o peito musculoso, vestido com calça e camiseta negras sem mangas, com um largo capuz pontiagudo. Ao chegar no pé da forca, tocou-se o clarim pela última vez e o porteiro leu a sentença. Ao sinal do juiz Lima e Castro, o carrasco pegou Coqueiro pelo braço e o dirigiu a forca. Eram 14 horas, pontualmente e o escrivão perguntou qual a última vontade de Coqueiro. Conforme estudos de Marchi (1998, pág. 256), Coqueiro, com a voz trêmula, gritou o mais alto que pode para que o maior numero de pessoas possível o ouvisse: “Eu sou inocente… minha maldição é que esta cidade vai pagar cem anos de atraso pelo que me faz”.
Coqueiro subiu os 13 degraus que o levavam a morte. O carrasco colocou o laço em seu pescoço quando sentiu a abertura do alçapão. O corpo projetou-se no espaço vazio e ficou balançando, mas o pescoço não quebrou. Percebendo isso, o carrasco pendurou-se à trave superior e com os dois pés sobre os ombros de Coqueiro começou a pular macabramente até que se ouviu um enorme estalo que atravessou a multidão, a coluna vertebral havia rompido. Só então as pessoas conseguiram perceber o problema da irreversibilidade da pena de morte. Se Coqueiro fosse inocente, nada lhe traria a vida novamente.
Alguns relatos posteriores demonstraram sérios indícios de culpabilidade de Úrsula das Virgens, e não de Manoel da Motta Coqueiro. Nos estudos, verificou-se que esta enlouqueceu nos 31 meses que se passaram entre os assassinatos e o enforcamento de seu marido. Primeiro ela não conseguia dormir, depois, passava os dias e noites delirando monólogos desconexos com confissões alegóricas. Chegou a relatar algumas vezes que chamou Fidélis à Fazenda Carrapato, e ordenou que matasse toda a família Silva, que não era para deixar pedra sobre pedra, extinguir todo aquele sangue maldito e depois botar fogo em tudo e em todos.
Pouco antes da execução de Coqueiro, conta-se que ela torturava a família quando repetia cansativamente a mesma frase: “Todo mundo, Fidélis, todo mundo! Não é para ficar pedra sobre pedra!”. Coqueiro só soube que a mandante seria Úrsula das Virgens quando seu enteado o visitou na fortaleza de Santa Cruz e lhe contou tudo. Coqueiro, então, soube a verdadeira mandante do crime e decidiu nunca revelar seu nome, para não trocar de lugar com ela no caminho a forca. A única pessoa que provavelmente soube dessa situação fora o padre Freitas e os filhos de Úrsula.
Por volta de 1856, os boatos de que Coqueiro era inocente chegaram aos ouvidos do imperador Dom Pedro II, sentindo este o peso da culpa por ter indeferido aquela petição de graça, podendo ter condenado um inocente. A partir deste momento, Dom Pedro II decretou que a ordem agora era executar somente os assassinos brutais e, depois, instituiu que todo homem livre condenado a morte teria sua pena convertida em prisão ou galés. Mais um tempo e a graça imperial passou a ser dada a libertos e até a escravos. O governo imperial dava mostras de que pretendia extinguir a pena de morte. E assim foi acontecendo.
Em carta deixada para sua filha, princesa regente, Izabel, durante sua viagem a Europa, Dom Pedro II (MARCHI, 1998, 293) disse:
Sou contrário a pena de morte, executa-se ainda porque o Poder Moderador não tem o direito de annullar o artigo do Codigo Criminal que estabelece tal pena, comutando-a sempre.
Mas somente com a República, a pena de morte foi extinta no Brasil no dia 20 de setembro de 1890, depois de existir por 390 anos, por meio de um decreto republicano, sendo que cinco meses depois, a primeira Constituição Republicana confirmaria a decisão.
Diego Bayer é Advogado criminalista, Doutorando em Direito Penal, Professor de Penal e Processo Penal da Católica de Santa Catarina e autor de obras jurídicas.Bel Aquino é servidora pública federal, pós graduada em Direito e Processo Penal e estudiosa de criminosos famosos e julgamentos históricos.